A vinha e o vinho
Intervenção de Rodeia Machado
21 de Janeiro 2004

 

Senhor Presidente,
Senhor Secretário de Estado,
Senhoras e Senhores Deputados,

As duas propostas oriundas do Governo, que sobem a debate no Plenário da Assembleia da República, embora tenham como denominador comum a vinha e o vinho, são matérias bem diferentes quanto à sua aplicação prática.

A proposta de lei 99/IX, é uma proposta de autorização legislativa da Assembleia da República para que o Governo possa legislar e criar normativos quanto às matérias da vinha e do vinho, definindo conceitos e aplicação de critérios contra a fraude, com a consequente aplicação de coimas aos infractores.

Não é uma questão nova, pois já existem na ordem jurídica nacional um conjunto de normas que visam combater a fraude e punir os infractores, mas esta proposta de autorização legislativa e a proposta de Decreto-Lei a ela anexada, vem agora sistematizar os conceitos e critérios e definir normas, de um forma mais organizada, e quanto a isso pode-se dizer que pode melhorar a sua aplicação.

Mas a verdadeira questão não é essa.

A questão que se pode e deve colocar é da aplicação prática das leis, ou seja, da capacidade de fiscalizar no passado e no presente que não dão garantias quanto ao futuro.

Esse é o verdadeiro cerne da questão.

Senão vejamos.

O mercado nacional está inundado de vinhos sem qualidade, oriundos de outros países, sem que a fiscalização tenha actuado devidamente, situação que criou dificuldades acrescidas aos produtores nacionais, que desesperam pela falta de colocação no mercado de muitos milhões de litros de vinho de boa qualidade.

Convém aqui realçar que Portugal, em 2001, segundo números do Eurostat, foi o único de entre os países produtores da União Europeia /Grécia, Espanha, Itália e França) que tem um saldo negativo, entre a exportação e importação, ou seja exportamos para a União 1.134.000 hectolitros e importamos 1.725.000 hectolitros.

Pese embora tenha sido um ano de baixa produção nacional é um dado significativo, que dá para perceber bem qual a real situação em Portugal, pois os efeitos ainda hoje se fazem sentir no sector.

De país produtor e exportador, passámos a importador de vinhos, sem qualquer necessidade.

É conhecida de todos a situação financeira das Adegas Cooperativas com excedentes de vinho que já não podem comportar, pese embora pontualmente tenha sido permitida a destilação de crise, por duas vezes, por parte da União Europeia.

Com efeito, as Adegas Cooperativas não têm já hoje, quer capacidade de armazenagem para os vinhos excedentários, quer capacidade financeira para aguentar esta situação, e no entanto continua-se a importar “mostos concentrados” de Espanha para melhoria dos vinhos.

Para citar um caso, de que tive conhecimento recentemente, as Adegas Cooperativas do Alentejo têm hoje 30 milhões de litros de vinho (brancos e tintos) excedentários, que não têm colocação no mercado, que são para abater, só que ninguém sabe como.

Face a esta situação tinha sido fundamental que o Governo requeresse a Bruxelas uma destilação extraordinária ou destilação de crise, mas tal não aconteceu.

Esta situação foi confirmada pela Comissão Europeia, na resposta a um requerimento da minha camarada Ilda Figueiredo, no final do ano 2003.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

O escoamento da produção nacional não se faz, mas entretanto o Governo permite a importação de vinhos a granel, sem qualidade, que, depois de entrados na comercialização, passam a vinhos de qualidade e até mesmo genuínos, sem que estes tenham sido produzidos com a qualificação de VQPRD, ou seja, vinhos de qualidade produzidos em Região Demarcada.

Na rotulagem não identificam a origem do país ou da região onde foram produzidos, refere-se apenas que são produzidos na União Europeia.

Pode-se afirmar sem qualquer dúvida que Portugal se encontra inundado de vinhos de países terceiros, sem qualidade. Cito aqui outro exemplo gritante, que é do conhecimento do Governo, pois ele foi mais que falado na Comunicação Social.

É o caso do vinho à pressão, comercializado por uma empresa cervejeira, que o denomina de Vinho Verde, quando esse vinho é comprado noutros países e tratado e manipulado de forma a que as suas características enológicas fiquem de acordo com as definidas para este produto.

Aliás convém aqui perguntar ao Governo como vai sanar a contradição entre a prática existente e o que afirma no articulado da proposta de Decreto-lei, nomeadamente no artigo 2º que “Considera-se anormal o vinho ou produto do sector vinícola”, que não seja genuíno (alínea a), sem meios de fiscalização adequados.

Como o vai fazer. Com que meios vai o Governo fiscalizar estes produtos que entram no mercado e que tanto prejudicam a economia nacional e os produtores vitivinícolas.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

Como esta proposta de autorização legislativa não irá certamente ter discussão na especialidade, gostaria aqui de deixar ao Governo algumas sugestões e propostas que, em nosso entender, deveriam ser acolhidas.

Assim no Artigo 11º deveria ser acrescentada uma alínea f) com a seguinte redacção:
“Quem tiver recebido Restituições à exportação relativamente a quaisquer dos produtos referidos nos Artigos 1, 2, 7 e 8:
O infractor devolve as importâncias recebidas acrescidas de juros de mora à taxa legal
O infractor fica inibido de receber Ajudas à Restituição durante um período de dois a quatro anos.”

No artigo 21º nº 6 alínea c) quanto a distribuição do produto das coimas e da venda de produtos apreendidos deveria manter-se o valor de 20% a atribuir ao Instituto de Reinserção Social, tal como consta no Decreto-Lei 295/97 de 5 de Outubro.

Quanto à Proposta de Resolução que aprova para ratificação, a acta final da Conferência dos Estados Membros da repartição internacional da Vinha e do Vinho, realizada em Paris, a 14, 15 e 22 de Junho de 2000 e a 3 de Abril de 2001, assim como o acordo que institui a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, a ela anexo feitos em Paris, a 3 de Abril de 2001, consideramos que é um passo positivo, no entendimento internacional, sobre estas matérias, nomeadamente na criação de uma entidade supra nacional que regulamente o comércio do vinho, e respeite as suas denominações de origem, mas ela é manifestamente insuficiente face à realidade.

Disse.