Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho

Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro,
que regulamenta a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro
(Lei de Bases Gerais da caça)

26 de Janeiro de 2001

 

Sr. Presidente, fazendo minhas as suas palavras, passo à intervenção, porque é suposto estarmos a discutir um pedido de apreciação parlamentar sobre a lei da caça, e é nesse terreno que me vou fixar.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados

Hoje, já assisti a dois actos de contrição, um do PSD e outro CDS-PP, em relação à viabilização que fizeram, em 1999, da Lei de Bases Gerais da Caça.
(...)

Sr. Deputado (Rosado Fernandes/CDS-PP), não negue o seu pai!

O PSD e o CDS-PP não só viabilizaram a Lei de Bases Gerais da Caça mas também participaram activamente no grupo de trabalho que foi criado no âmbito da Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e muitas das soluções adoptadas na lei, incluindo algumas que, hoje, têm proposto alterar, foram propostas por estes partidos!

Nós, Srs. Deputados, como sabem, na altura, votámos contra e expusemos um conjunto de argumentações, às quais, pelos vistos, os Srs. Deputados, agora, por esse ou por outros ângulos, aderem!

Uma dessa argumentações era exactamente o facto de a Lei de Bases deixar para regulamentação posterior quase tudo o que lhe dava substância. Alertámos, na altura, que isso poderia subverter completamente o conteúdo da Lei de Bases, independentemente de, nessa altura, já termos definido a nossa posição de oposição à Lei de Bases, porque entendíamos que os parâmetros e os princípios nela estabelecidos alteravam o equilíbrio que havia em relação à exploração e ao ordenamento dos recursos cinegéticos.

Somos favoráveis à actividade cinegética como uma actividade complementar dos recursos dos agricultores, como uma actividade lúdica, no quadro de uma política de ordenamento cinegético e de promoção do associativismo, e, nesse contexto, entendemos que o associativismo e o ordenamento não se esgotavam nas chamadas «zonas de caça concessionadas» e que era possível encontrar, naquilo que se chamava «terreno livre», soluções de ordenamento para se manter um princípio social equilibrado entre quem entendia aderir a zonas de caça, tout court, e os chamados «caçadores do regime livre», que, por razões diversas (culturais, económicas, etc.), não tinham condições para nelas serem incluídos.

Na altura, como sabem, também questionámos o princípio do direito à não caça, pelo que ele poderia representar na ordem jurídica da caça: a alteração do direito romano do res nullius, ou da liberdade de caçar, por um princípio germânico, ao qual se poderia abrir a porta, com todas as consequências que isso poderia vir a ter.

Pelos vistos, os Srs. Deputados, neste momento, pensam que a regulamentação veio, pelo menos em parte, dar razão às dúvidas e às críticas que colocámos.

Em todo o caso, Srs. Deputados, as nossas críticas vão por este ângulo e não tanto por alguns outros, não direi todos, propostos pelo PSD.

Para dar um exemplo, mas depois, em sede de comissão, teremos oportunidade de discutir mais em pormenor, o PSD quer integrar, nas prioridades dos caçadores que têm acesso às zonas de caça municipais e nacionais, os caçadores que já estejam integrados noutras zonas de caça na mesma zona. Acho isso errado. Acho isso um perigo, porque é a duplicação dessa possibilidade. Aliás, esse foi um dos elementos de conflito e de choque. Se um caçador está integrado numa zona de caça numa determinada região, não há razão para duplicar a sua presença nas zonas de caça municipais dessa mesma região, as quais substituem, grosso modo, as antigas zonas de caça sociais, com todos os conflitos que isso tem, mais a mais quando todas as pessoas reconhecem que o nível de recursos cinegéticos existente é bastante limitado, podendo encontrar-se, aqui, alguns equilíbrios entre os vários caçadores que estão no terreno.

Este é um exemplo. Poderá haver, aqui, um ou outro aspecto melhor, admito que sim, porque as propostas até foram entregues agora, mas entendemos que algumas propostas apresentadas pelo PSD são capazes de agravar ainda mais os elementos que, para nós, são negativos na actual Lei de Bases Gerais da Caça e respectiva regulamentação.

Sr. Presidente, vou terminar, dizendo que, em sede de comissão, vamos ver em pormenor as propostas entregues na Mesa pelo PSD, mas penso que um dia destes vamos ter de fazer, de novo, um debate geral sobre o problema da actividade cinegética em Portugal e sobre o que temos de fazer para que, de facto, a Lei de Bases Gerais da Caça e a sua regulamentação criem um modelo ordenado de aproveitamento dos recursos cinegéticos, promovam o associativismo e criem condições para que, de uma vez por todas, o aproveitamento da actividade cinegética se faça também de acordo com os interesses ambientais e com os diversos interesses sociais que estão em presença.

(...)

Sr. Presidente,

Também não posso responder em latim, porque não andei na Faculdade de Letras e na Faculdade de Economia não se aprendia latim.

Sr. Deputado (Rosado Fernandes/CDS-PP), porventura, não ouviu a primeira parte da minha intervenção em que afirmei, entre outros aspectos, que a cinegética deve ser também uma fonte complementar do rendimento dos agricultores. Penso que está dada a resposta.

A articulação com o ambiente é no sentido de a actividade cinegética respeitar o ambiente e também os direitos daqueles que têm, perante a caça, uma atitude de distanciamento ou que não querem ver os seus terrenos invadidos por uma actividade que, muitas vezes, como sabe, feita de uma forma desregrada, acaba por se traduzir em prejuízos para proprietários, para agricultores e, às vezes, até para simples cidadãos que usufruem das belezas da natureza.

Portanto, temos de encontrar um equilíbrio. É por isso que a chamada concepção romanística do res nullius da liberdade de caçar foi a que sempre presidiu à actividade cinegética em Portugal e que considero dever manter-se, aliás, em acórdão, o Tribunal Constitucional reafirma este princípio. Porém, não posso deixar de fazer notar que, entretanto, se multiplicou a legião, no bom sentido do termo, de caçadores.

Assim, temos de encontrar soluções equilibradas entre esse princípio, a defesa dos recursos cinegéticos, que são finitos, o seu ordenamento e o respeito em relação a todos aqueles que têm uma posição própria de distanciamento quanto à caça, bem como em relação aos proprietários que consideram que os seus terrenos não têm necessariamente de ser invadidos por caçadores.

É, pois, este equilíbrio que é preciso encontrar e que, pensamos, a lei não conseguiu obter.