Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho
Declaração política sobre a BSE
(doença das vacas loucas)
2 de Novembro de 2000
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Voltaram as vacas loucas ! Este poderia ser o título de um filme de ficção. Mas, infelizmente, não o é. Trata-se de uma realidade que percorre a Europa e volta a atormentar agricultores e consumidores. Infelizmente, também em Portugal não estamos à margem deste filme, mesmo descontadas as margens de sensacionalismo, ignorância, irresponsabilidade e aproveitamento político com que esta delicada e grave questão de saúde pública é tantas vezes tratada e nas quais não embarca o PCP.
Mas a verdade é que não podemos assistir em silêncio ao desenvolvimento de um processo em que o mais relevante, nos últimos dias, parecem ser as acusações mútuas trocadas entre o actual Ministro da Agricultura e o ex-Ministro Arlindo Cunha. A história deste processo está feita e nem o PSD nem o PS estão isentos de culpas. Aliás, as conclusões das audições parlamentares que a Assembleia da República fez sobre a BSE, e de que o PCP foi relator, e que ainda hoje são inteiramente válidas, atestam essa dupla responsabilidade e não faria mal que todos os intervenientes neste processo (incluindo a comunicação social) as relessem. Ficou então claramente demonstrado que entre o primeiro caso de BSE surgido em Portugal em Junho de 1990 e o 6.º caso, diagnosticado em Julho de 1993 a "Autoridade Sanitária Nacional, com o acordo do então Ministro da Agricultura" optaram "por uma estratégia de sigilo em relação à divulgação dos resultados do diagnóstico e consequente ocultação da doença" tendo dado inclusivamente "instruções nesse sentido ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária", o que obviamente impediu não só uma investigação séria mas a mobilização dos meios necessários e a adopção de medidas atempadas no combate à doença. Como também ficou demonstrado que o Governo do Partido Socialista, pelo menos durante cerca de dois anos e meio (até Setembro de 1998) "assumiu uma atitude de enorme irresponsabilidade ao não dar seguimento às medidas preconizadas tanto pela Assembleia da República como pelos grupos de trabalho e comissões criadas para acompanhar a BSE e pelos próprios serviços do Ministério", só para não gastar cerca de um milhão de contos.
Tudo isto está apurado, sem lugar para dúvidas, e se alguém tiver de ser responsabilizado judicialmente pelas responsabilidades que assumiu só nos resta dizer que os processos devem seguir o seu caminho.
Mas esta não é hoje a questão central. Nem o actual Ministro da Agricultura se pode esconder atrás das responsabilidades de outros para escamotear as insuficiências e responsabilidades pelo que se passa hoje.
Hoje, em Portugal, estamos perante quatro factos maiores que devem concentrar as nossas preocupações e decisões:
· O volume anormal de materiais de risco proveniente do abate
de bovinos infectados e respectivos co-habitantes que estão armazenados
em vários pontos do País, em condições precaríssimas,
com riscos para a saúde pública. Até 30 de Setembro,
entre farinhas e gorduras resultante da transformação de materiais
de risco específico e de hígidos, tinham sido produzidas 136.250
toneladas, que foram armazenadas, e das quais só 13.366 toneladas (menos
de 10%) foram destruídas por incineração. Nós
acusamos o Governo de não ter uma posição determinada
na destruição destes materiais. Se em Portugal não existem
meios tecnológicos suficientes para resolver o problema ou o Governo
não tem coragem política para utilizar os que há então
tem a possibilidade de os destruir na Bélgica ou na Alemanha. Não
o fez, por meras razões de poupança orçamental. O Ministro
da Agricultura interpelado pelo PCP quando da discussão do Orçamento
de Estado para 2000 respondeu que o problema seria resolvido a breve prazo
e que não havia problemas orçamentais. Este ano voltou a responder
o mesmo. Mas a verdade é que tendo à sua disposição
a possibilidade de utilizar um reforço orçamental de 9 milhões
de contos que lhe permitiria resolver este problema, não o utilizou
para este efeito, poupando no Orçamento à custa da tranquilidade
dos portugueses.
· O segundo facto tem a ver com a ausência de um sério
e eficaz sistema de controle e fiscalização alimentar. Como
afirma a Associação Portuguesa de Direito do Consumo "toda
a sorte de artigos alimentares entra nos mercados portugueses sem que seja
exercida uma fiscalização minimamente digna de registo".
Ou, como afirma o Presidente da Associação Sindical da Inspecção
Geral das Actividades Económicas "o número de acções
de fiscalização por parte da IGAE decresceu extraordinariamente".
De facto, em 1995 somaram 88.546 o número de agentes económicos
inspeccionados. Mas este número desceu para cerca de (pasme-se !) 12.000
em 1999. Falta de recursos humanos, falta de meios financeiros, eis o panorama
do organismo da Administração Pública com mais responsabilidades
na inspecção e repressão à fraude económica.
Mas como vai sendo hábito no estilo de Governos que temos em vez de
se darem condições ao que existe opta-se por multiplicar o número
de organismos que se dedicam às mesmas funções, duplicando
competências, atropelando-se no terreno, com prioridades de actuação
diferentes, desbaratando meios, actuando de costas voltadas uns para os outros,
sem articulação, cada um na sua quinta. Há a IGAE, criou-se
depois, no Ministério da Agricultura, a Direcção-geral
da Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar e agora foi
constituída a Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar.
Se perguntarmos o que é que o País e a segurança dos
consumidores ganharam com esta multiplicação e este fazer e
desfazer de organismos alegadamente orientados para a inspecção
alimentar a resposta é: pouco ou nada.
· Terceira questão relevante: a falta de uma política
integrada e articulada entre os vários Ministérios e responsáveis
ministeriais. Saúde, Ambiente, Agricultura e Defesa dos Consumidores,
apesar dos muitos despachos publicados no Diário da República,
continuam com estratégias descoordenadas no plano da saúde animal
e da saúde pública. Como afirma o coordenador da extinta Comissão
Nacional de Acompanhamento da BSE, Portugal não tem sequer, por exemplo,
"nenhum sistema de vigilância activa da DCJ", (a doença
de Creutzfdelt-Jakob, a variante humana da BSE)
· Quarto facto, a ausência de uma intervenção
política determinada do Governo para acabar com o embargo da União
Europeia à carne de vaca portuguesa. E esta evidente falta de determinação
é, para nós, altamente suspeita. Porque, ou a Comissão
Europeia não tem razão em manter o embargo (como diz o Ministro
da Agricultura) e então não se compreende que o Governo não
assuma uma atitude pública de denúncia e combate firme e frontal.
Ou então, esta passividade do Governo só se explica porque tem
a consciência pesada das medidas que não toma. A verdade é
que o Ministro Capoulas dos Santos todos os seis meses anuncia que o embargo
vai ser levantado e todos os seis meses o embargo é mantido e reforçado.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Estas são questões que importa atacar e esclarecer e que o Governo, este Governo, está longe de o fazer.
Mas importa não esquecer o pano de fundo que gera esta multiplicação de problemas. Esse pano de fundo é o modelo industrialista e produtivista em que assenta hoje a produção agro-alimentar. Produzir, em menos tempo, animais de maior porte e mais peso, extrair rapidamente o máximo lucro e a máxima rentabilidade das explorações, sem olhar a meios, o que impôs, por exemplo, alterar os padrões alimentares do gado bovino transformando-os de herbívoros em carnívoros, está no origem directa da alteração incontrolável de códigos genéticos com as consequências que isto tudo tem para a saúde animal e pública. E o que é já verdade, hoje, para a pecuária pode vir a ser também verdade, amanhã, para as produções vegetais com os OGM. Mas o que é mais absurdo é que a União Europeia e os Governos dos Estados-membros que enchem todos os dias a boca com a necessidade de serem privilegiadas políticas que promovam produtos de qualidade que salvaguardem o ambiente são os mesmos que diminuem ou pretendem acabar com os apoios, por exemplo, às raças autóctones, aos produtos regionais de qualidade, incentivam este modelo de produção intensivo e semeiam a desertificação do mundo rural. E nisto são co-responsáveis todos aqueles que não põem em causa o absurdo dos modelos de políticas agrícolas e económicas seguidas que prejudicam gravemente agricultores e consumidores.
Disse.