Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho
Situação da quota leiteira
13 de Julho de 2000
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Não há nada como o tempo para fazer vir ao de cima a verdade sobre determinados acontecimentos. É o que se está a passar com a situação da quota leiteira e com as multas a que, muito provavelmente, os agricultores, e em particular os produtores de leite açorianos vão estar sujeitos devido a uma alegada ultrapassagem da quota atribuída ao nosso País no âmbito da PAC e que desmente fragorosamente a barragem de propaganda lançada pelo Governo a seguir à Cimeira de Berlim de Março do ano passado que, como porventura é agora mais visível, não acautelou os interesses nacionais.
Lembremos que, então, o Ministro da Agricultura e o Primeiro-ministro anunciaram, como é seu hábito, grandes vitórias para a agricultura portuguesa no âmbito da reforma da PAC e da Agenda 2000, designadamente no que se referia à produção leiteira. Lembremos ainda que o Governo português tinha assumido como objectivo, nesta matéria, opôr-se a "qualquer tipo de aumento, mas se houver também deveria abranger as regiões ultraperiféricas". As conclusões dos Conselhos de Agricultura e da Cimeira de Berlim foram completamente outras. Todos os países, incluindo Portugal, viram a sua quota aumentada em 1,5% a partir de 2005 mas todos os países do Sul, com excepção de Portugal, obtiveram quotas suplementares traduzidas em substanciais aumentos específicos dos seus respectivos direitos de produção (Espanha - 9,9%; Grécia - 11,1%; Itália - 6%; Irlanda - 2,86%) e já com efeitos a partir da campanha de 2000/2001. Portugal saiu claramente como perdedor neste processo (ao contrário do que foi propagandeado na altura e como o PCP desde logo alertou, para grande nervosismo do Ministro da Agricultura Capoulas dos Santos). Se o resultado tivesse sido outro, se nos tivéssemos batido também por um aumento suplementar de quota para Portugal face à evolução mais que previsível da nossa produção leiteira e que entrasse em vigor também na campanha de 2000/2001, os agricultores portugueses estariam hoje em melhores condições para enfrentar os problemas existentes e para poderem, já na próxima campanha, terem uma solução que não os penalizasse.
Acresce que, na actual campanha, Portugal tem uma quota atribuída de 1,862 milhões de toneladas e, segundo a Comissão, este "direito" de produção terá sido ultrapassado. E dizemos terá sido porque, de forma estranha e, a ser verdade, incompetente, o Ministério da Agricultura diz não saber qual a verdadeira produção nacional por falta de dados quando é sabido que se há sector onde é possível, com relativa facilidade, conhecer os quantitativos produzidos, esse é o do sector leiteiro, em que a maioria da recolha é feita através do movimento cooperativo e, tanto mais quanto a campanha que está em causa nesta polémica terminou em 31 de Março passado. O que se traduz, obviamente, numa enorme fragilidade negocial face aos diktats da Comissão Europeia. Ora, de acordo com a Comissão Europeia e que tem sido divulgado na comunicação social essa ultrapassagem da quota traduzir-se-à numa multa de cerca de 5 milhões de contos, dos quais 3,5 milhões de contos deverão ser pagos pelos produtores açorianos. Tudo isto traduz, para além de uma enorme incompetência técnica e política do actual Ministro da Agricultura, uma situação completamente absurda e que põe em causa toda a lógica da PAC, como, aliás, o PCP sempre tem afirmado.
Portugal tem todas as condições - e os produtores leiteiros
nacionais já demonstraram ter capacidade para tal - para aumentar a
sua produção e produtividade no sector leiteiro. Nos últimos
anos foram convidados a investir e a aumentar a produção. E
agora são multados por terem correspondido aos apelos quando a nossa
produção corresponde a 1,5% da produção total
da União Europeia e a nossa produtividade média é de
cerca de 6%% menos. Isto é os agricultores portugueses estão
sujeitos a regras impostas pela PAC e pelo Governo que não permitem
a modernização das suas explorações e o respectivo
incremento das nossas produções e produtividades. Regras que
amarram o atraso do País ao seu próprio atraso. É um
absurdo que, a consumarem-se as multas, vai ter consequências particularmente
graves para a economia e os pequenos produtores açorianos, particularmente
dependentes da economia leiteira mas também para a pequena produção
leiteira do continente, a que menos possibilidades de defesa tem face a todo
este quadro (para não falar já na baixa dos preços pagos
à produção e no encerramento de inúmeros locais
de recolha colectiva).
É uma evidência que sobra em propaganda ao Ministro da Agricultura
e ao Primeiro-ministro o que lhes falta em resultados concretos nas sucessivas
negociações da PAC. O Ministro Capoulas dos Santos não
está, visivelmente, à altura do lugar que ocupa. E o País
e os agricultores portugueses estão a ser prejudicados por uma PAC
e uma política agrícola nacional que não defende os interesses
nacionais, em particular e no caso, da produção leiteira nacional.
O PCP entende que, nesta ameaça concreta que os produtores leiteiros nacionais estão a sofrer o Governo deve garantir desde já que os produtores leiteiros açorianos e continentais não sejam alvo de nenhuma penalização por terem produzido, correspondendo aos apelos do Governo e aos interesses nacionais. No plano comunitário e no plano nacional o Governo deve encontrar a fórmula que não transfira para os agricultores responsabilidades que não são manifestamente suas. E quanto à questão de fundo, o das capacidades produtivas nacionais, o Governo deve desde já encetar negociações com vista a conseguir também um aumento suplementar de quota para Portugal, a entrar em vigor na mesma campanha dos restantes Países do Sul produtores de leite, para prevenir situações futuras e permitir a modernização e desenvolvimento da produção leiteira nacional e, em particular, a defesa da produção leiteira açoriana e dos pequenos produtores de leite do Continente.