Terrorismo e Segurança: sobre
as medidas de segurança anunciadas pelo Conselho Europeu
Conferência de Imprensa do PCP, com José
Neto da Comissão Política
14 de Julho de 2005
As medidas de segurança preconizadas pela Comissão Europeia, e ontem anunciadas no final da reunião, em Bruxelas, do Conselho de Ministros da Justiça e Interior, vêm infelizmente confirmar os perigos para os quais o PCP alertou, no momento em que, sem reservas, condenou os trágicos atentados terroristas do passado dia 7 de Julho, em Londres.
Em nome e a pretexto da luta contra o terrorismo está em curso, de forma consistente e premeditada, mais uma escalada contra os direitos e liberdades dos cidadãos.
Entre a vasta panóplia de medidas, o que a Comissão Europeia e o Conselho de Ministros propõem é, nem mais nem menos, a vigilância de todas as comunicações telefónicas e correio electrónico; a retenção desses registos por seis ou doze meses; a criação de bases de dados europeias, com acesso facilitado a informações confidenciais sobre os cidadãos.
Vigilância e registo que, tudo indica, não passam por qualquer participação do poder judicial, quer quanto à sua autorização, quer quanto à definição dos seus limites, quer quanto ao seu controlo.
Esta situação é tanto mais grave quanto é conhecido que, em momentos anteriores, a posição do Parlamento Europeu se pautou por alguma contenção e reserva quanto a medidas mais extremas nesta matéria.
O PCP, na linha de coerência com as posições que a este respeito tem defendido, condena este caminho e estas soluções e considera, mais, que o conjunto das medidas agora anunciadas configura uma obsessiva espiral securitária sem qualquer eficácia no combate ao terrorismo.
Como a experiência tem demonstrado, o reforço das medidas de segurança, só por si, não responde nem impede a concretização de atentados terroristas. As redes operacionais têm-se disseminado. Nos dois últimos anos os atentados quase quadruplicaram.
Mas a deriva securitária, excessiva e desproporcionada aos resultados obtidos, tem, isso sim, sido eficaz na restrição de direitos e garantias. Não tem tido qualquer efeito que não seja atingir as liberdades dos cidadãos. Isto é, ao invés de um equilíbrio justo e razoável entre segurança e liberdade, o que se tem visto é que o reforço da segurança tem sido feito à custa dos direitos e liberdades das pessoas.
Estas medidas de maior compressão de direitos não são necessárias em Portugal. Têm sido rejeitadas pela opinião pública e pelas instituições.
São medidas que não se enquadram no ordenamento jurídico-constitucional português. Na Constituição da República e na lei portuguesa foi construído um sistema de segurança que, em articulação com o poder judicial, já prevê todo um conjunto equilibrado de medidas, de regras e de controlos que, se criteriosa e rigorosamente utilizado e se dotado dos meios humanos indispensáveis, está seguramente em condições de combater eficazmente a criminalidade, mesmo nas suas formas mais organizadas.
Apesar disso, as políticas de direita e os governos ao seu serviço no nosso país têm cedido frequentemente, de forma irresponsável, ao populismo fácil e à demagogia, forçando alterações à lei fundamental, como foi o caso das buscas domiciliárias nocturnas, permitindo o que até aí era absolutamente vedado. A segurança não pode ser pretexto para a polícia entrar em casa das pessoas a qualquer hora.
De igual forma têm sido sucessivamente tentadas, embora sem êxito, soluções e propostas que vão no sentido de autorizar medidas e acções de natureza estritamente policial, sem qualquer controlo judicial, muito para além dos casos que a própria lei já prevê.
Operações especiais de prevenção, como as que o Governo PS recentemente propôs, que permitem revistas e buscas sem mandado do Juiz ou do Ministério Público, correriam o risco de tornar-se regra, o que é característico de um Estado policial. Portugal não é, nem pode ser, um Estado policial.
Preocupante é também o facto de o Partido Socialista, que na oposição ao governo PSD/CDS-PP de Barroso e Portas, manifestou públicas reservas a soluções inicialmente propostas para os serviços de informações, classificando-as de securitárias, vir agora, através de dirigentes e figuras gradas da sua área política, defender medidas e soluções da mesma natureza.
É preciso, é forçoso, travar a espiral de violência. Violência inaudita e hedionda perpetrada pelos actos terroristas contra pessoas inocentes, e que as atingem antes de mais a elas e não aos poderes que, supostamente, visam atingir.
Mas violência igualmente inaudita e hedionda a que se abate sobre as populações igualmente inocentes e ainda mais indefesas perante actos de violenta e criminosa agressão política e militar dos Estados Unidos e seus aliados na Europa e Médio Oriente e que consubstanciam verdadeiras acções do chamado terrorismo de Estado, como aconteceu e acontece no Iraque, na Palestina, no Afeganistão.
É necessária uma estratégica política que trave e desarticule esta espiral.
E essa estratégica política passa, em primeiro lugar, por conseguir um mundo mais justo e pacífico.
Passa, em segundo lugar, por avaliar com seriedade e mais profundidade o fenómeno do terrorismo e as suas causas, que radicam, essencialmente, nos profundos desequilíbrios e desigualdades, à escala global.
Passa, em terceiro lugar, e ao invés do novo fôlego para uma ofensiva militar imperialista, anunciada de imediato pelo presidente dos Estados Unidos a pretexto dos atentados de Londres, pela retirada das forças que ilegalmente ocupam o Iraque e a substituição das soluções militares, no Iraque, Afeganistão e na Palestina, por um outro caminho, que privilegie e insista nas soluções políticas internacionais, que facilitem a criação e manutenção de um quadro de pacificação.
O Estado português e o seu governo, tal como outros Estados, deve apoiar sem equívocos estas vias de solução, difíceis mas necessárias e possíveis, e não insistir num envolvimento em mais operações militares, como está a acontecer com o envio de tropas para o Afeganistão, facto que condenamos por atentar contra a nossa Constituição e colocar o país mais uma vez no rol dos países agressores e ocupantes, de facto, de países terceiros.
O PCP continuará, como sempre, atento ao evoluir da situação nestas áreas tão sensíveis da vida nacional e internacional.
Permanentemente aberto ao exame das realidades, sempre pronto para a procura das melhores soluções na defesa do direito à segurança e tranquilidade das populações, o PCP não está disponível para dar o seu acordo, antes combaterá com firmeza todas as propostas que violem o nosso ordenamento jurídico-constitucional, e afrontem, ainda mais, o Estado de direito democrático, conquistado com Abril, e no qual queremos continuar a viver.