Intervenção do deputado
Rodeia Machado
Projectos de lei que visam dar corpo legislativo
às aspirações do povo barranquenho
16 de Dezembro de 1999
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:
É pela segunda vez, e no espaço de pouco meses, embora em Legislaturas diferentes que a Assembleia da República discute projectos de lei que visam dar corpo legislativo às aspirações do povo barranquenho e das suas seculares tradições, ancoradas nos usos e costumes de um povo humilde, trabalhador e hospitaleiro, que através da sua vivência colectiva, mais não quer do que viver em paz e tranquilidade.
Com efeito, quando o assunto, foi discutido pela primeira vez na Assembleia da República, poderia e deveria ter sido feita justiça ao povo barranquenho criando na lei os normativos necessários, para, de uma vez por todas, a questão das corridas de touros em Barrancos ficar resolvida.
Tal não foi possível porque, na altura quer o Partido Socialista, quer o PSD, não tiveram a coragem política de enfrentar a situação e resolvê-la em definitivo.
O Partido Socialista que na altura, tal como hoje, era autor de um projecto de lei, não encontrou consenso no seu Grupo Parlamentar para levar adiante o que propunha.
O PSD que no Alentejo, mais concretamente no Distrito de Beja, se afirmava defensor das corridas de touros em Barrancos e aqui na Assembleia da República se manifestava contra tal disposição.
Pela nossa parte, o Grupo Parlamentar do PCP sempre afirmámos, tal como hoje, que estamos disponíveis para resolver a questão das corridas de touros em Barrancos, porque elas fazem parte da vivência colectiva de um povo, que de forma continuada e ininterrupta a tem praticado ao longo de gerações que se perdem na memória dos tempos.
Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP reapresentou na Mesa da Assembleia da República o projecto de lei a que foi dado o nº 26/VII, nos exactos termos e com a mesma exposição de motivos, porque as condições são exactamente as mesmas e o problema se mantém, e no sentido de, de uma vez por todas, verter na lei aquilo que na prática, desde há muito é uma realidade.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:
As festas de Agosto, que se realizam em honra da Padroeira de Barrancos, Nossa Senhora da Conceição, onde se leva a efeito uma corrida de touros, que culmina com a morte do touro na arena, é uma festa que envolve toda a população e bebe nas mais profundas raízes populares.
É de tal forma verdade, que ela se perde na memória dos tempos e vem sendo exercida de forma continuada e ininterrupta, que nem o próprio decreto-lei 15.355 de 1928 conseguiu interromper.
Em bom rigor, pode dizer-se que esta lei nunca foi aplicada em Barrancos e por isso ela caiu ali em desuso.
Aliás, isso mesmo é questionado, no Agravo do Tribunal da Relação de Lisboa, sobre uma providência cautelar em que o juiz reconhece razão à Comissão de Festas e ao povo de Barrancos e afirma que quanto ao futuro, e passo a citar: “Sem necessidade de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei, mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador que parece não ter grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-los em determinadas circunstâncias excepcionais nomeadamente em alteração à vontade de alguma população.”
Mas nem isso foi suficiente para que parassem as providências cautelares.
Este ano, novamente pairou sobre toda a população barranquenha a ameaça de que as suas festas não fossem levadas a efeito.
Só o bom senso da população dos seus eleitos autárquicos e das forças de segurança, fez com que umas festas pacíficas e de cariz popular e religioso se não transformassem numa situação de conflito e se não mesmo de confrontos físicos de contornos inimagináveis.
Aliás, houve mesmo quem procurasse esses conflitos ao propor uma manifestação anti-tourada para a vila de Barrancos, na altura das festas e mais uma vez, a autarquia, através dos seus eleitos, conseguiu ultrapassar a situação.
E foi nesta altura, e só nesta altura, que ouvimos a voz do Senhor Ministro Jorge Coelho afirmar que o problema de Barrancos tinha de ser resolvido.
Nem o Senhor Ministro Jorge Coelho, nem o Governo, nem o Partido Socialista, se lembraram que tinham um projecto de lei sobre a matéria e que se quisessem poderiam ter resolvido o problema em tempo útil.
Era e é uma questão de vontade política. Esperamos agora que o PS não se esqueça das promessas feitas.
Senhor Presidente e Senhores Deputados, esta situação não pode continuar, ano após ano, e sempre que se aproximam as festas de Agosto. A de que alguém que nada tem a ver com o povo de Barrancos e que não conhece a sua realidade, se lembre de, em Lisboa ou no Porto, meter uma providência cautelar para que não se realizem as festas.
Compete à Assembleia da República e aos seus Deputados, enquanto legisladores, alterar este estado de permanente instabilidade.
É assim que estão hoje em debate quatro projectos de lei e que sucintamente irei abordar.
O projecto do PS, que pretende aprovar um novo regime sancionatório das touradas com touros de morte e revogar o Decreto de 1928, embora mereça a nossa aprovação, contém aspectos que poderão e deverão ser bem equacionados em sede de especialidade.
A iniciativa do Bloco de Esquerda quanto a esta matéria, não a entendemos de todo. Propor uma moratória significaria, na prática, adiar o problema durante cinco anos e o lavar de mãos ao mais puro estilo “quem vier atrás que feche a porta”, pese embora se diga que se pretende uma discussão sobre esta matéria com a população.
O Bloco de Esquerda, ao propor tal solução, desconhece em absoluto a vontade, o querer e a vivência colectiva de uma pequena população, cuja proximidade com Espanha tem usos e costumes que cruzam fronteiras. São questões de aculturação de um povo, que não podemos nem devemos desvalorizar.
Quanto ao projecto do CDS/PP, que propõe uma alteração à Lei nº 92/95 e revogação do Decreto nº 15.344, de 1928, não estamos de acordo com esta proposta uma vez que tal normativo seria o de generalizar as corridas com touros de morte em Portugal, em sentido contrário ao que o PCP defende.
O que o projecto de lei do PCP se propõe criar é um dispositivo legal que acolha a tradição local , e onde esta se tenha mantido desde 1928, como é o caso de Barrancos.
Que fique claro: o Projecto de Lei do PCP não propõe a generalização dos touros de morte em Portugal, o que se pretende é que a Assembleia da República reconheça a legitimidade barranquenha.
O que se pretende é que, no respeito por outras sensibilidades, se acolha a diversidade da nossa cultura não querendo uniformizar o que não é uniformizável.
Disse.