8 de Julho de 2004
Regime legal da concessão e emissão de passaporte especial
Intervenção de Luísa Mesquita
Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas
Senhores Deputads,
Segundo a convenção de Viena sobre as relações diplomáticas os Estados Partes “Persuadidos que uma Convenção Internacional sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas contribuirá para o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações….” reconhecem “que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim a de garantir o eficaz desempenho das funções das missões diplomáticas, em seu carácter de representantes dos estados”.
É neste sentido que todos os Estados da União Europeia criam condições para garantir o eficaz desempenho aos cidadãos e cidadãs que exercem funções nas diferentes missões diplomáticas.
No entanto, Portugal optou por reduzir essas condições de eficiência, criando dificuldades no exercício das respectivas funções, a um lato número de funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Foi assim que durante o ano de 2003, o país soube, através da comunicação social, que alguns portugueses, no exercício destas funções, quer em embaixadas, quer em consulados, eram, sujeitos a humilhações públicas no estrangeiro, com total cumplicidade do governo português.
Foi assim que o país soube que um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros deslocado para os Estados Unidos foi retido e mandado sair do país, porque, não obstante ser um funcionário ao serviço de Portugal num país estrangeiro, possuía um bilhete de avião de ida e volta como se de turista se tratasse.
Foi assim também que uma funcionária, deslocada para trabalhar ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros na Suíça viu ser apreendida toda a sua bagagem, por desconhecimento do estado que a recebia e incompetência do governo português e ainda se viu impossibilitada de realizar de um contrato de aluguer de uma residência para si e para a sua família e até a não possibilidade de matricular os filhos nos adequados estabelecimentos de ensino.
Foi neste contexto, inadmissível no século XXI, que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um Projecto de Lei que pretendia contribuir para, pelo menos nesta área, dignificar o trabalho de todos os que, ao serviço de Portugal, desempenham nas missões diplomáticas e postos consulares funções da Administração Pública.
O Projecto que apresentámos tinha como objectivo criar as condições para que fosse concedido, como já o foi anteriormente até final da década de 70, passaporte especial, a estes trabalhadores.
Como é sabido, o regime de concessão de passaportes está sujeito ao princípio da legalidade, previsto no decreto-lei nº 83 de 2000, de forma a garantir autenticidade, veracidade e segurança.
E o passaporte especial é uma das categorias previstas.
É uma modalidade próxima do passaporte diplomático e a sua concessão é reservada, por lei, a um universo limitado de pessoas.
Por um lado titulares e membros de outros Órgãos de Estado, da administração regional autónoma e da administração local, bem como outras pessoas ao abrigo de lei especial e um segundo grupo em que a concessão se justifica por razões de ordem funcional ligadas a específicas missões de serviço público a realizar fora do território nacional e confiadas pelo Estado português a certas pessoas, designadamente a alguns funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
É exactamente no âmbito do artigo 30º deste diploma que se exclui o pessoal não integrado no quadro dos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros que, com carácter de permanência, exerce funções nos serviços externos daquele Ministério.
Parece-nos uma omissão incorrecta, porque os regimes de acreditação e de imunidades, prerrogativas e privilégios aplicáveis a estes trabalhadores resultariam na concessão e emissão de passaporte diplomático a exemplo, do que acontece com os trabalhadores dos serviços internos com os mesmos direitos.
Trata-se de uma omissão inexplicável relativamente a um conjunto de trabalhadores que desempenham funções de natureza pública, que pode inclusive, envolver o exercício de poderes de autoridade ou de representação externa do estado.
Não se entende porque não se consagram outras categorias de pessoal, igualmente investido em cargos de chefia (designadamente os chefes de chancelaria e os chanceleres).
Em sede de Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa, quando de uma audiência concedida ao Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas, os partidos da maioria disponibilizaram-se para também apresentar uma iniciativa legislativa nesta área com o objectivo de resolver as dificuldades que enquadravam as funções destes trabalhadores, em países estrangeiros, pela não concessão do passaporte especial.
Esta promessa não foi cumprida, como tantas outras, e posteriormente, o governo publicou em 11 de Maio último, alterações ao decreto já referido, relativo ao regime legal de concessão e emissão dos passaportes
Quando se aguardaria que o Governo produzisse um diploma que resolvesse os problemas com que se confrontam estes trabalhadores no exercício das suas funções, nomeadamente pondo fim à repetição dos lamentáveis acontecimentos ocorridos em 2003 (retenção na fronteira e ordem de abandono do país nos Estados Unidos e retenção de bagagem na alfândega Suíça), o Governo optou por não decidir e entrega a decisão ao critério da “análise casuística”.
O que na prática significa o seguinte: anteriormente o decreto-lei excluía o pessoal que, com carácter de permanência, exerce funções nos serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou seja, os trabalhadores dos postos consulares e das missões diplomáticas, não integrado no quadro dos serviços Internos do mesmo ministério.
Agora continua a excluí-lo mas, se os trabalhadores forem expulsos do país, retidos nos aeroportos, confiscadas as bagagens, sujeitos a interrogatórios policiais, aí, perante a humilhação pública, o governo, generosamente, concede-lhes um passaporte especial.
E porquê?!
Não é por falta de recursos financeiros.
Porque, quando estes incidentes ocorrem, como por exemplo a bagagem confiscada, posteriormente ao esclarecimento da situação o estado português pode ter que pagar, por exemplo, 4.000 euros.
O que já aconteceu.
E quanto custa ao Estado português a emissão de cerca de 900 passaportes especiais para garantir a credibilidade do pais e o respeito por aqueles que o representam?!
Cerca de 4.000 euros também.
Portanto o governo não quer, porque não quer.
Enumerámos as razões que sustentam a apreciação parlamentar do diploma do governo, porque enquanto o governo, teimosamente, continuar a defender esta aberração, os incidentes lamentáveis irão suceder-se.
Actualmente, sem passaporte especial, por exemplo, vários funcionários colocados na Suíça não podem renovar a sua carta de legitimação (documento que lhes permite trabalhar na representação diplomática portuguesa) que, em alguns casos já caducou há um ano.
Mas nessa carta os funcionários estão acreditados erradamente como auxiliares de serviço, não o sendo de facto. Porque a Suíça só aceita o verdadeiro estatuto profissional destes trabalhadores se os mesmos se apresentarem com passaporte especial.
Por exemplo uma tradutora/interprete transferida de Abidjan também para a Suíça está legitimada como pessoal doméstico o que é falso. Como não possui passaporte especial, e por esse facto, o Estado português falseia as funções dos trabalhadores que mantém ao seu serviço, pedindo-lhes que o representem e credibilizem.
É assim também na Missão de Portugal junto das Nações Unidas em Genebra ou na UNESCO e em muitas outras representações de Portugal no estrangeiro.
No entanto os trabalhadores nesta lamentável e insustentável situação, tudo têm feito para a resolver. Ainda recentemente formularam requerimentos a solicitar a emissão do passaporte especial, condição indispensável à resolução de muitos destes incidentes.
Do conjunto de requerimentos formulados não obtiveram resposta até hoje.
Por isso Senhores deputados da maioria, Senhora Ministra urge respeitar o país e aqueles que no exterior o representam e para isso é preciso alterar o diploma governamental.
Disse.