Criação de uma comissão eventual de acompanhamento e avaliação das medidas de prevenção e combate aos fogos florestais
Intervenção de Rodeia Machado
21 de Abril de 2004

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado das Florestas,

Não posso deixar passar em claro a sua afirmação de que alguns senhores desta Casa gostariam de ver, este ano, os fogos do ano passado. Naturalmente que V. Ex.ª , ao dizê-lo, não ofende apenas «alguns senhores», ofende a Assembleia da República, ofende os Deputados como um todo, sobretudo aqueles que, nesta Casa, com toda a verticalidade, têm procurado, ao longo dos anos, apresentar propostas no sentido de resolver os problemas dos fogos florestais. Gostaria que V. Ex.ª nos dissesse algo sobre esta matéria.

Pedir-lhe-ia também, Sr. Secretário de Estado, que nos desse conta dos apoios que, no concreto, vão ser prestados aos pequenos produtores florestais e às comunidades de baldios para que procedam à prevenção, desde a limpeza das florestas, os aceiros e tudo aquilo que é necessário e que, efectivamente, não podem fazer, como V. Ex.ª sabe.

V. Ex.ª falou dos sapadores florestais. Gostaria que nos dissesse quantas equipas vão estar no terreno, em que condições vão estar e que formação vão ter para, efectivamente, protegerem a floresta portuguesa.

Uma outra pergunta prende-se com os guardas florestais. V. Ex.ª diz que o Governo aumentou o respectivo quadro. Mas aumentou para quanto? Para este ano aumentou-o apenas em 30 guardas florestais.

E o resto é para quando? É para o ano que vem? É para o outro ano? É que a prevenção da floresta faz-se também com os guardas florestais.

Diz também V. Ex.ª que os guardas florestais foram dotados de novos meios de rádio, mas eles queixam-se — o Sr. Secretário de Estado esteve presente em Portalegre, como eu estive — de que não têm condições de funcionamento. Gostaria, pois, que nos dissesse o que é que foi feito sobre essa matéria.

A última questão prende-se com as comissões municipais de defesa da floresta, que foram criadas por esta Assembleia. Se elas não forem dotadas de meios financeiros pelo Governo, gostaria de saber como é que vão funcionar. E acrescento-lhe um dado que foi referido pelo Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas: é que vai haver contratos-programa para apenas 85 câmaras municipais — repito, para apenas 85 câmaras municipais! —, as outras têm uma atitude da parte do Governo extremamente negativa. Como é que V. Ex.ª pensa implementar as comissões municipais de defesa da floresta, que tanta falta fazem, naturalmente, a esta reestruturação?

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado das Florestas,
Sr.as e Srs.Deputados

Discutimos hoje um projecto de resolução do Partido Socialista que visa a criação de uma comissão eventual de acompanhamento e avaliação das medidas de prevenção e combate aos fogos florestais, à qual não iremos colocar qualquer objecção, porque consideramos que quanto mais participação tiver a Assembleia da República na fiscalização dos actos do Governo melhores serão os resultados na aplicação das medidas no sentido de dar maior segurança às populações em caso de ocorrência de incêndios florestais.

O conteúdo do diploma do PS merece a nossa concordância, na medida em que propõe um companhamento sistemático também no terreno da avaliação de prevenção e combate e das recomendações que foram apuradas no relatório da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais, bem como das medidas a implementar no tocante à reforma do sector florestal.

Em todo o caso, as questões centrais que mais nos preocupam no momento são as que se referem à preparação da época que se avizinha. É por demais evidente que o flagelo dos fogos florestais tem de ter uma resposta efectiva por parte do Governo, e as medidas tardam no terreno e as preocupações são cada vez mais, face à aproximação de uma altura do ano de maior risco de incêndios florestais.

As preocupações quanto ao que pode acontecer no Verão de 2004, no que aos incêndios florestais dizem respeito, estão hoje na cabeça dos portugueses, sobretudo na daqueles que têm a complicada tarefa de servir as populações e de contribuir para a sua defesa mas que, acima de tudo, estão conscientes da sua fragilidade, provocada pela instabilidade do sistema, que, no Verão passado, ficou bem patenteada no combate aos fogos florestais, nomeadamente pela descoordenação de um serviço que nasceu mal, fora de tempo e, sobretudo, criado em clima de maior incidência de fogos florestais.

Refiro-me, naturalmente, ao Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, que necessita de urgente reestruturação no sentido de criar as condições para uma efectiva coordenação de meios a nível nacional, distrital e local, e igualmente às estruturas de bombeiros em Portugal, que são os principais agentes da protecção civil, do socorro e do combate aos incêndios e que, manifestamente, têm afirmado essa necessidade em todas as sessões públicas a que temos assistido.

Foi o que se passou recentemente no debate público promovido pelo Sr. Presidente da República, onde, perante uma plateia de presidentes de câmara, de bombeiros, de guardas florestais, de produtores florestais e de gente anónima, as opiniões foram coincidentes no que respeita à necessidade das medidas a tomar quanto à prevenção mas também quanto ao combate dos fogos florestais. Só os membros do Governo ali presentes, e também convidados, entendiam que estavam a ser tomadas medidas concretas para obstar a que a tragédia de 2003 se volte a repetir.

É evidente que as medidas terão necessariamente de ser de curto, médio e longo prazos, mas é também evidente que a organização das medidas de curto prazo é o que mais interessa no presente momento, sem descurar, naturalmente, as outras medidas, que dizem respeito ao futuro. É nas medidas de curto prazo que devem centrar-se as acções do Governo quanto à prevenção e combate aos fogos florestais.

O Governo começou por anunciar uma série de medidas no Livro Branco dos Incêndios Florestais Ocorridos no Verão de 2003 e calendarizou-as, mas se olharmos com atenção para essas propostas verificamos que a calendarização já está ultrapassada, o que manifestamente tem uma leitura política óbvia: o Livro Branco produzido pelo Ministério da Administração Interna mais não foi do que uma operação mediática e que este Governo e esta maioria não aprenderam a lição de que ou há vontade política para resolver as questões ou quem sofre com isto são as populações.

Vamos às questões em concreto.

Sabe-se da necessidade do reforço do corpo de guardas florestais, que, como é conhecido, é manifestamente insuficiente, e o Governo só agora admitiu 30 novos elementos e não tem horizonte temporal para mais admissões.

Os meios de que dispõem, nomeadamente viaturas e equipamento de comunicações, são antiquados e aguardam há muito a necessária substituição.

Relativamente aos vigias florestais, essenciais à prevenção e vigilância da floresta, tarda-se em ter uma clara definição de quantos vão ser efectivamente, se os suficientes para os actuais postos de vigia, ou se haverá a criação de um maior número de postos.

Quanto aos sapadores florestais, que são agora da responsabilidade do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, nomeadamente na primeira intervenção, questiona-se quantas equipas vão ser criadas, onde vão ser colocadas e como vão ser coordenadas. Esta é uma questão central, porque o que se fez sentir no Verão passado no combate ao fogo nascente foi a necessidade de uma maior celeridade entre os meios de alerta e a resposta no terreno. Como vão articular-se estas equipas? Como vão articular, entre si, os vários meios de combate aos fogos? Estas são questões a que, naturalmente, o Governo terá de responder.

Mais: o Governo decidiu que vai mandar para a floresta utentes do rendimento social, bem como as Forças Armadas. Perante isto, pergunta-se: quem regula a sua actividade? Quem integra a sua acção?
Quem comanda, em caso de necessidade?

Parecia, e parece, razoável que as comissões municipais de defesa da floresta contra incêndios pudessem e devessem ter um papel importante sobre estas matérias, mas, desde logo, o Governo inviabilizou a sua operacionalidade ao não lhes atribuir financiamento. E, agora, o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas vem afirmar que pode haver financiamento através de contratos-programa, mas apenas a 85 câmaras municipais, o que é um factor de discriminação negativa para as restantes e que vai criar ainda maiores dificuldades na implementação das referidas comissões municipais de defesa da floresta contra incêndios. Igualmente se pode dizer que é essencial a articulação entre os pequenos produz entre os pequenos produtores florestais, as comissões de baldios e as suas associações representativas no sentido de apoiar os municípios — o Sr. Secretário de Estado já teve oportunidade de responder a esta questão, mas ficámos insatisfeitos com a resposta.

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados

As associações e corpos de bombeiros têm igualmente manifestado as suas preocupações quanto ao chamado «dispositivo de combate aos incêndios florestais», pois o referido plano não é ainda conhecido dessas estruturas — e já estamos em final de Abril — e receia-se que vá ter a mesma matriz do ano anterior. As medidas tardam, efectivamente, em ser implementadas.

O que se conhece, com rigor, é que ainda estão por pagar despesas extraordinárias com fogos florestais e que não foram substituídas muitas viaturas que estão avariadas ou que ficaram destruídas pelo fogo.

Aliás, há vários anos que o plano de reequipamento dos corpos de bombeiros foi abandonado, sendo as viaturas atribuídas por critérios meramente políticos, em anúncios de ministros e secretários de Estado em datas de aniversários dos corpos de bombeiros.

Acresce que os meios de comunicação das várias estruturas de combate estão ultrapassadas, não funcionam, e se não foram substituídos atempadamente poderão potenciar as dificuldades de coordenação do combate aos fogos.

Em recente reunião de comandantes operacionais, levada a efeito pela Liga dos Bombeiros Portugueses, foi, mais uma vez, manifestada a sua grande preocupação pela ausência de medidas concretas e atempadas que conduzam efectivamente a acções definidas e coordenadas no combate aos incêndios florestais.

É bom não esquecer que esta estrutura assenta essencialmente em pessoal voluntário e que é necessário e fundamental tomar medidas atempadas para a disponibilidade no dispositivo, ou seja, para a criação de grupos de primeira intervenção (GPI) constituídos por pessoal com formação adequada e de grupos de intervenção permanente (GIP) colocados prioritariamente em zonas de maior risco. Porém, não é isto o que está a acontecer.

O Ministério da Administração Interna anunciou que vão entrar em funcionamento os GPI, antecipando a sua acção para Junho, mas a verdade é que estas equipas vão ser direccionadas para o EURO 2004 e não para acções na floresta, o que é lamentável. Só a partir de Julho funcionarão na floresta.

Estas são algumas das questões que levantámos em sede de Comissão Eventual para os Fogos Florestais, aquando do debate do relatório, e, nessa ocasião, chamámos a atenção para a necessidade de ficarem expressas as preocupações sobre estas matérias.

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados

Termino afirmando que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tem, ao longo das legislaturas, neste Parlamento, proposto medidas, algumas aprovadas por unanimidade, que, a terem sido levadas à prática por vários governos, certamente teriam permitido evitar muitos incêndios e muitas perdas de vidas humanas e criado as condições para a defesa deste importante património nacional, que é a floresta portuguesa. Por isso afirmamos que cabe a este Governo, do PSD e do CDS-PP, a responsabilidade de executar as políticas, visando colmatar as necessidades há muito inventariadas.

Que cada um assuma as suas responsabilidades, pois há muito que o PCP assumiu as suas, defendendo a floresta portuguesa, os produtores florestais e Portugal.