Cria as Comissões Municipais de defesa da floresta contra incêndios
Intervenção de Honório Novo
17 de Março de 2004

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

A Proposta de Lei através da qual o Governo pretende criar as “Comissões Municipais de defesa da floresta contra incêndios” enferma de (pelo menos) quatro vícios de conteúdo que, a não serem ultrapassados, poderão relegar esta proposta para a “prateleira” dos diplomas sem possibilidade de serem aplicados e, portanto, destituídos de utilidade no tempo adequado!

Em primeiro lugar é absolutamente questionável a natureza executiva das responsabilidades que se pretendem atribuir a estas Comissões Municipais.

Não se vislumbra como é que pode ter capacidade executiva um órgão composto por um autarca, um representante do Instituto de Conservação da Natureza, outro da Direcção Geral dos Recursos Florestais, mais um dos Corpos Concelhios de Bombeiros, ainda outro da GNR e um outro das organizações de produtores florestais.

Não se descortina como é que um órgão com este tipo de composição poderá elaborar planos de defesa da floresta, promover a formação de grupos de autodefesa dos aglomerados populacionais (sensibilizando a população e dotando-os de meios de intervenção), como é que poderá ele elaborar a cartografia de infra-estruturas florestais ou proceder à sinalização das mesmas.

Não se entende como é que um órgão com esta composição poderá ter essa capacidade executiva se as capacidades e as qualificações de apoio disponíveis forem apenas as que decorrem de serviços municipais de protecção civil e de eventuais gabinetes florestais municipais. A verdade é que de antemão se sabe que nada foi previamente feito para dotar as autarquias a implicar neste processo dos meios necessários para o exercício deste novo tipo de responsabilidades, o que por isso mesmo, não as habilita para o exercício adequado daquelas funções executivas.

Em segundo lugar, a verdade é que a Proposta de Lei implica sempre uma atribuição de novas responsabilidades e competências ao Poder Local sem que, noutro plano, sejam definidas e garantidas condições financeiras para o respectivo exercício.

Este problema, aliás, aplica-se à questão das florestas e à sua defesa, como se aplica a outros temas que interessam ou podem interessar ao Poder Local. O Governo – qualquer Governo – tem de se conformar, entre outros, ao cumprimento da Lei 159/99 que determina que a transferência ou a assunção de novas competências pelo Poder Local terão de ser necessariamente acompanhadas pela transferência ou definição das respectivas formas de financiamento.

Ora, quanto a este aspecto essencial, a Proposta de Lei é absolutamente omissa e tem que ser – até por imperativos que decorrem da própria Lei – reformulada. Até porque, resolvido o problema dos recursos e superada a questão orgânica relativa à natureza das funções atribuídas a estas Comissões Municipais, o Poder Local continua genericamente a reiterar a sua disponibilidade para o exercício de novas responsabilidades.

Um terceiro elemento negativo da Proposta de Lei 114/IX tem a ver com a garantia, que não é explicitamente assegurada, da autonomia do Poder Local no tratamento destas questões.

Sendo as “Comissões Municipais de defesa da floresta contra os incêndios”, órgãos presididos e coordenados pelos presidentes das autarquias, ou por seus representantes, a sua integração e articulação com a designada Agência para a Prevenção dos Incêndios Florestais, tutelada pelo Ministério da Agricultura, não determina qual a respectiva relação hierárquica o que, a não ser adequadamente clarificada, coloca em causa de forma insustentável, o princípio da autonomia do Poder Local.

Uma última questão tem a ver com a eficácia de acção destas Comissões Municipais.

Carece de clara explicitação a forma como estas comissões se articularão com os serviços de âmbito nacional da protecção civil, designadamente com os respectivos instrumentos e meios, mormente com os que decorrem da intervenção, no terreno, das corporações de bombeiros ou de outras entidades e instituições com capacidade operacional.

A quase total ausência de explicitação desta componente relevante para o conteúdo funcional destas Comissões Municipais, mostra bem quanto esta Proposta de Lei pode constituir uma opção ineficiente na sua articulação operacional.

E a verdade é que, teoricamente, estas Comissões Municipais visam substituir as antigas Comissões Especializadas de Fogos Florestais Municipais que, apesar de organicamente funcionarem de forma deficiente, provaram ser minimamente capazes quanto à articulação e disponibilização de meios operacionais no plano local.


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados

Estamos assim perante uma proposta que visa criar Comissões Municipais contra incêndios sem que para isso estejam reunidas as condições adequadas e definidos os conteúdos exigíveis.

Estamos perante uma proposta que corre o risco de criar órgãos ineficazes, sem capacidade executiva, sem meios, recursos e capacidades, e, ainda por cima, potencialmente inoperacionais perante situações de emergência.

Mas o mais grave é que o país corre novamente o risco de chegar ao próximo Verão sem que esteja dotado de estruturas nacionais e locais de defesa da floresta contra os incêndios.

Ao nível nacional, a Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais não funciona ainda.

Ao nível local é o que se vê com a discussão sobre as Comissões Municipais, sendo apenas uma realidade palpável com a aprovação desta Proposta, a extinção imediata das Comissões Especializadas de Fogos Florestais Municipais.

Assim, a época de fogos aproxima-se a olhos vistos e as medidas e decisões relevantes para a sua prevenção e combate, que deveriam ter sido tomadas em tempo e com consensos alargados, ainda não estão sequer adoptadas.

A época dos fogos aproxima-se e seguramente que a criação destas Comissões Municipais – ainda por cima da forma como o Governo o pretende fazer – leva o seu tempo, tudo apontando para que não haja já tempo, nem meios, para as criar e dotar de forma adequada por forma a estarem operacionais no próximo Verão. Esta será sempre a consequência dos atrasos nas decisões de que é único responsável este Governo.

Oxalá não colhamos todos, no próximo Verão, consequências trágicas deste atraso e desta ineficácia governamental!

Disse.