Regime de criação, atribuições e competências das comunidades intermunicipais de direito público e funcionamento dos seus órgãos
Intervenção do Deputado Honório Novo
28 de Janeiro de 2003

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados

São exactamente cinquenta e duas as competências que a Proposta de Lei do Governo atribui aos Conselhos Directivos das designadas Comunidades Intermunicipais.

Mais de meia centena de competências, num quadro referencial de atribuições exactamente decalcado do modelo que o Governo já apresentou para as Áreas Metropolitanas, caracteriza bem o gigantismo de responsabilidades com que se pretendem inundar as novas Comunidades Intermunicipais. Mas o mal não vem necessariamente do acréscimo das competências. O mal resulta do facto da proposta não garantir um euro sequer para o exercício de um tão vasto e alargado leque de novas competências.

Por isso, a proposta de lei do Governo para a criação de comunidades intermunicipais mostra à evidência, apesar do pretexto da descentralização, os tiques governamentais para conservar bem apertadas as rédeas de um poder centralizado e centralizador.

Senão vejamos.

Em primeiro lugar passam-se para a esfera das Comunidades Intermunicipais competências que pertencem à Administração Central sem lhes atribuir qualquer meio adicional.

São inúmeros os exemplos. Desde a cobrança, entrega e fiscalização dos impostos locais, à gestão dos resíduos industriais e hospitalares;

desde a gestão e administração de unidades de saúde (que pode muito bem vir a incluir hospitais), à articulação global da actividade de protecção civil e à promoção da ligação dos estabelecimentos de ensino superior com o sector produtivo público e privado;

desde a certificação de origem de produtos agroalimentares à obrigação de criar condições de financiamento de actividades produtivas.

Estes e outros exemplos mostram que o Governo pretende transferir, por lei, um conjunto de novas e vastas competências sem querer transferir meios financeiros adicionais, fundamentais, para se tornar possível e eficiente o exercício de mais responsabilidades.

Ao recusar essa transferência de meios do Orçamento de Estado para as Comunidades Intermunicipais, o Governo mostra bem que quer apenas alijar algumas responsabilidades mais incómodas, e eventualmente acessórias, sem transferir nem um único euro para as novas instituições que pretende criar.

Mas há mais, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados.

Se, por um lado, o Governo quer transferir muitas competências sem meios, noutro plano, propõe que outras competências, estas associadas à dotação de financiamentos, não sejam, por sua vez, alvo de um processo transparente de descentralização clarificado na lei mas, tão somente, objecto de contratualizações pontuais.

Isto é: o Governo decide, caso a caso, com esta ou aquela Comunidade Intermunicipal, se faz ou não a contratualização da transferência de certas competências (ainda que nunca explicitadas) a troco da entrega dos respectivos meios.

Aquilo que deveria ser um acto autêntico de descentralização, caracterizado pela clareza e pela universalidade na transferência de responsabilidade e recursos, é transformado, na proposta do Governo, num esquema obscuro de ligações que não se sabe bem como são feitas, com quem são feitas, o que implicam e quem beneficiam, sendo certo que é previsível que os beneficiários sejam preferencialmente os correligionários políticos.

Em terceiro lugar, o Governo apresenta uma proposta que pretende também retirar algumas competências próprias dos municípios, transferindo-as de forma permanente e por via legal para as novas comunidades intermunicipais.

Em vez desta transferência ser objecto de decisão voluntária contratualizada – como propõe o projecto de lei do PS e que aliás consta da actual legislação relativa às associações de municípios – a proposta do Governo confere a tal transferência um carácter legal de quase permanência retirando de facto algumas competências aos municípios..

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Apresentados como elementos destinados a suceder às associações de municípios, as comunidades intermunicipais de fins gerais propostas pelo Governo não apresentam conteúdo nem objecto definido, correspondem a entidades de carácter supramunicipal mais vocacionadas e destinadas a exercer certas competências municipais para as quais os municípios lhes vão transferir meios (disso não se esqueceu o Governo), do que destinadas a exercer competências transferidas da administração central como seria natural numa verdadeira descentralização.

É incompreensível, também, que a proposta de lei crie uma nova entidade supramunicipal com um quadro referencial – no que respeita a atribuições e competências – que se identifica, quando não excede, o previsto na recente proposta governamental para as Grandes Áreas Metropolitanas e Comunidades Urbanas. Tão incompreensível e confuso ficará então o quadro legal proposto pelo Governo que difícil será distinguir entre as competências, por exemplo, de uma comunidade urbana e de uma comunidade intermunicipal.

A quem aproveita esta indefinição, este edifício legislativo tão híbrido e pouco claro? Não será certamente àqueles que sempre defenderam uma descentralização racional, uma transferência coerente, lógica e transparente de responsabilidades e de recursos.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Num outro plano, a proposta do Governo – aqui bem acompanhado por idênticas ideias apadrinhadas no projecto de lei do PS – apresenta um regime que repõe os mapas de pessoal, recuando assim à situação que vigorava antes da lei 172/99 ter consagrado a existência de um quadro de pessoal próprio. Para além disso, o estabelecimento de contratos individuais de trabalho passa a ser uma regra e igualmente um retrocesso, facto que, aliás, já mereceu oposição frontal da ANMP.

Finalmente, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, torna-se evidente que, a propósito da necessidade de repensar o quadro das competências, dos meios, da eficácia e eficiência das Associações de Municípios, o Governo enveredou pela apresentação de uma proposta que, a não ser profundamente alterada em sede de especialidade, vai frustrar totalmente as expectativas criadas em torno da ideia da descentralização.

Com esta proposta parece confirmar-se aquilo que ontem eram apenas indícios, mas que hoje parece cada vez mais constituir-se como uma certeza confirmada: o chamado pacote de descentralização do Governo cada vez mais aparece , não como um processo efectivo e transparente de reforçar as competências e os recursos municipais, mas antes como um instrumento confessadamente destinado a inviabilizar a criação futura das regiões administrativas previstas constitucionalmente.

O PCP reitera a sua disponibilidade e empenho para reforçar o poder municipal e as suas capacidades associativas.

O PCP reitera a sua vontade e empenho para dotar de mais responsabilidades o poder local, desde que isso seja o resultado de uma ponderação multilateral e traduza acordos globais e claros para a transferência de competências, de recursos e meios e constituam a base para tornar mais eficaz e eficiente o exercício dos poderes públicos.

O PCP reitera, também, o seu empenho em reforçar as actuais áreas metropolitanas conferindo-lhes a natureza autárquica entrevista desde a sua instituição.

Mas não contem – ninguém, seja quem for nesta Câmara poderá contar - com o PCP para operações legislativas que, a pretexto da descentralização, procurem iludir o facto de que só a criação de um nível democrático de poder entre o plano municipal e o central pode assegurar, no plano supramunicipal, soluções coerentes e participadas de descentralização e de desenvolvimento sustentado em Portugal.

Disse.