Intervenção do Deputado
João Amaral
Interpelação sobre
"Criminalidade, Violência e Política de Segurança
Interna"
21 de Fevereiro de 2001
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:
As questões da segurança e tranquilidade públicas e da criminalidade têm preocupado crescentemente a sociedade portuguesa, particularmente nesta última década. A realidade indesmentível é a de que a criminalidade tem aumentado, com particular incidência no sentimento de insegurança dos cidadãos, já que esse aumento de crime atinge particular incidência na criminalidade violenta, no crime de rua e nos transportes públicos e na actuação de bandos prevaricadores, com actuações que vão desde a degradação de bens à prática de crime organizado.
As causas últimas destas situações são profundas e põem em questão o modelo de sociedade dominante nesta viragem de milénio. O que é que se quebrou, no tecido social e no comportamento ético individual, para o crime se ir banalizando, a níveis crescentes?
Não há nada que absolva a responsabilidade colectiva nesta situação. A brutal competitividade que se tornou padrão de comportamento e a ideia de que todos os meios justificam a construção do chamado "sucesso social" convive com processos de exclusão e marginalização nunca vistos. Enquanto a urbe se desumaniza, os valores deixaram de contar e a solidariedade foi substituída pela cumplicidade grupal. O emprego desqualifica-se, as perspectivas de futuro são sombrias para uma larga parte da população. Acentuam-se discriminações e preconceitos sociais contra as minorias, rácicas, e de emigrantes e estrangeiros, enquanto numa parte determinante da comunicação social e do cinema de entretenimento reina o elogio da violência, da mediocridade, da ignorância e da negação da cultura.
Se e quando se quiser inverter sustentadamente a evolução da criminalidade, então terá forçosamente de se inverter o conjunto das políticas sociais e económicas, em ordem a uma sociedade fundada na justiça e na solidariedade e não na maximização do lucro.
Mas, sem prejuízo da necessidade dessas profundas mudanças sociais, os cidadãos e a sociedade no seu conjunto reclamam justamente políticas de prevenção e repressão do crime, que, no quadro democrático e de respeito dos direitos do homem, sejam eficazes e assegurem tranquilidade e segurança.
Esta é a visão do PCP para a política de segurança interna. Se reclamamos a viragem política de esquerda, para resposta aos grandes problemas sociais que são o caldo de cultura onde manda a criminalidade, nunca deixamos de apresentar medidas de política, valorizando a acção das Forças de Segurança e da comunidade.
Na primeira metade da década de 90, combatemos vigorosamente a política das super-esquadras que o PSD pôs em prática com o beneplácito do CDS-PP. Lutamos aqui e no terreno, contra o encerramento das esquadras de bairro, contra os cortes de verbas no Orçamento do Ministério da Administração Interna, contra a militarização das polícias como factor do seu afastamento dos cidadãos, contra o uso preferencial da polícia na repressão social (como na Ponte 25 de Abril e na Marinha Grande) em vez da repressão do crime.
Apresentámos inúmeras iniciativas legislativas, das quais quero destacar o Projecto de Lei nº 12/VIII, sobre as "Grandes opções da política de segurança interna", onde propúnhamos designadamente a reabertura das esquadras de bairro, a afectação de mais agentes a funções de patrulhamento retirando-os das funções burocráticas, o reforço dos meios e equipamento das polícias, a afectação (sem prejuízo das suas funções) de agentes dos corpos de intervenção a acções pontuais de patrulhamento, o envolvimento do Poder Local e da sociedade civil na problemática da segurança (sem prejuízo do carácter natural das Forças de Segurança), a melhor coordenação das Forças e Serviços de Segurança.
No debate sobre o projecto, o PP manifestou-se contra a avocação pela Assembleia da República destas matérias e contra as medidas concretas que propúnhamos.
Da nossa parte, PCP, queríamos e queremos um debate sério sobre a matéria. O PP ainda não tinha descoberto a mina da demagogia securitária. Hoje também, o que queremos e o país precisa é de um debate sério e não de uma demagogia e de um populismo que leva os seus autores, como o PP, a esfregarem as mãos de contentes perante o incremento do crime. Não partilhamos a concepção do PP, que faz uma espécie de revisitação do criminoso atávico de Cesare Lombroso, para exigir cada vez mais tipos legais de crime, cada vez penas mais longas, cada vez prisões mais cheias e uma polícia cada vez mais autoritária e repressiva.
A política de segurança interna é uma política nacional, articulada, conformada aos valores da cidadania e dos direitos humanos, dotada de forças e meios suficientes para uma prevenção eficaz e para uma repressão proporcionada. Nessa política devem participar diferentes entidades, designadamente a nível local.
Por isso, o PCP foi pioneiro na proposta de criação dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos, debate do qual o PP esteve sistematicamente ausente.
Na nossa perspectiva, o Poder Local pode e deve ter um importante papel de enlace, debate e complementaridade da acção do Governo e das Forças de Segurança nesta área. Mas, o Poder Local não tem esta atribuição, que lhe está vedada pela Constituição e pela lei, nem tem os meios logísticos e financeiros para a assegurar.
Mesmo assim, muito tem sido feito. Na cidade de Lisboa, por exemplo, o Município fez e disponibilizou esquadras, encomendou estudos, tem um activo Conselho Municipal de Segurança, tem uma acção reivindicativa bem viva e com particular expressão nas Juntas de Freguesia, que, pela sua proximidade, conhecem melhor os problemas.
Era só o que faltava que o Município de Lisboa, acabasse por ser criticado precisamente por ser activo e ter iniciativa numa área que não é da sua competência! "Punir" quem se interessa e trabalha só pode mesmo vir da cabeça de um candidato à Câmara, como o dr. Paulo Portas, que, por não ter temas de campanha centrados na política camarária, encontra nas responsabilidades do Governo o palco para os números para a televisão de que precisa desesperadamente.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Face à situação que hoje se vive, apresentamos seis questões ao Governo:
Primeira: Percebeu finalmente o Governo que existe efectivamente um significativo aumento da insegurança dos cidadãos, particularmente no "crime de rua" (por exemplo, em 1999, os roubos na via pública aumentaram 39,84%) e de que não se trata portanto de um mero aumento do sentimento de insegurança (como já defendeu no seu tempo o então Ministro Dias Loureiro), mas de um problema real a exigir medidas concretas?
Segunda: Percebeu o Governo que a sua política não alterou significativamente os ratio de agentes de segurança dedicados às funções de prevenção e repressão, mantendo-se altíssimos os números de agentes em funções burocráticas? Percebeu que o dispositivo, número de divisões e esquadras, não permite uma rede fechada de policiamento de proximidade, única via para prevenir a criminalidade de rua e dar segurança aos cidadãos?
Terceira: Percebeu o Governo finalmente que é precisa uma séria dignificação do agente de polícia, no plano estatutário e no plano da remuneração e outros direitos? Para quando os subsídios de turno e piquete na PSP e o subsídio de escala na GNR? Para quando a fixação de horários de trabalho humanos, particularmente na GNR, onde uma provocatória condição militar só serve para retirar direitos e condições de vida aos seus profissionais?
Quarta: Que razões para continuar a não ser concretizada a adequada coordenação entre todas as forças e serviços de segurança?
Quinta: Para quando um decidido esforço de equipamento das polícias? Como se admite que no recente caso de Marco de Canaveses a PJ dispusesse de um Corsa de 200 mil quilómetros para fazer a perseguição?
Sexta: Percebeu o Governo que uma política séria de prevenção da criminalidade exige medidas e políticas sociais que humanizem a cidade, melhorem a qualidade de vida, promovam o emprego seguro e com direitos, combatam o espírito de competição feroz, dignifiquem a solidariedade e reforcem os valores de cidadania?
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
A análise do PCP sobre a evolução da criminalidade e da insegurança considera que é preciso actuar em três planos:
No plano da prevenção geral, melhorando os padrões de vida, a qualidade da sociedade e os valores de cidadania e solidariedade.
No plano da prevenção específica, alargando a rede de polícia de proximidade, articulando a polícia a nível local com o poder local e com os cidadãos.
No plano do combate ao crime, melhorando os meios de serviço das forças de segurança e acelerando o processo judicial por forma a obter julgamento e condenação próximas da prática dos factos.
O PCP propõe, como medida geral, que a matéria de segurança seja objecto de um Plano Global de Prevenção e Combate à Criminalidade.
As opções estratégicas desse plano deviam ser objecto de debate na Assembleia da República, sob proposta do Governo.
O plano vincularia todas as entidades públicas com intervenção na matéria, desde as Forças de Segurança até ao Poder Local, à rede escolar, aos serviços sociais e às instituições do Ministério da Justiça (prisões, organização tutelar de menores, etc.).
O PCP propõe ainda oito medidas concretas imediatas:
· Reforço policial de patrulhamento das zonas identificadas como
zonas de risco;
· Medidas imediatas de apoio social e requalificação urbana
das zonas de mais marginalidade;
· Deslocação progressiva dos efectivos afectos a funções
burocráticas para funções de patrulhamento, vencendo as
resistências do aparelho burocrático, que se acha sempre imprescindível;
· Criação urgente de novas divisões e esquadras
que concretizem a curto prazo um salto qualitativo no policiamento de proximidade;
· Criação de postos residenciais, permitindo um policiamento
preventivo na escala da pequena comunidade;
· Maior motivação dos agentes, com o pagamento dos subsídios
de turno e piquete aos agentes da PSP e do subsídio de escala aos agentes
da GNR;
· Reforço dos programas Escola Segura, Segurança dos Idosos,
Comércio Seguro e Segurança nos Transportes;
· Maior envolvimento dos Corpos de Intervenção em missões
específicas de patrulhamento.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo:
Sobre as Forças de Segurança, sublinha-se:
1) O PCP considera que o seu estatuto deve adequar-se às regras constitucionais.
Impondo a Constituição a rigorosa separação entre Defesa Nacional e Forças Armadas, por um lado; e Segurança Interna e Forças de Segurança, por outro, o estatuto militar da GNR deve cessar.
Essa é também uma exigência democrática, para mudança qualitativa no processo de relacionamento dos agentes da GNR com a sociedade civil.
2) O PCP entende que devem ser reforçados os mecanismos de coordenação e cooperação entre todas as Forças de Segurança.
3) O PCP defende o melhoramento de estatuto profissional dos agentes, com o pagamento dos subsídios de risco, patrulha e escala, fixação de horários humanos, etc..
4) O PCP defende o urgente reconhecimento legal do direito dos agentes da PSP
a um sindicato e do direito dos profissionais da GNR a uma associação
profissional.
5) O PCP protesta contra o absolutamente inadequado juramento de bandeira imposto
aos profissionais da GNR (que dá depois cenas como a cena inqualificável
de julgar e condenar em Tribunal Militar um profissional da GNR que, estando
de plantão, se recusou a "servir" uma cerveja a um colega,
para o que tinha de abandonar o seu posto).
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
É desta forma, preocupada mas responsável, que queremos debater esta matéria, apresentando propostas concretas e reclamando a sua concretização, para uma sociedade democrática, justa e segura.
Disse.