Intervenção do Deputado
Joaquim Matias
Projecto de Lei nº 257/VIII, que confere aos municípios
o direito à detenção da maioria do capital social
em empresas concessionárias da exploração
e gestão de sistemas multimunicipais
4 de Janeiro 2001
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
O Projecto de Lei nº 257/VIII coloca esta câmara e cada um dos senhores Deputados perante uma decisão cujo alcance ultrapassa em muito os efeitos imediatos e conjunturais do interesse político partidário do seu articulado, de alteração de um artigo do Decreto Lei nº 379/93 de 5 de Novembro e a revogação do Decreto Lei nº 439-A/99, de 29 de Outubro.
De facto, a votação final irá reflectir a coerência com princípios fundamentais do nosso regime democrático. Desde logo com a descentralização administrativa, com o respeito pelas atribuições das autarquias locais e a competência dos seus órgãos, mas também com a cedência ao interesse de grupos económicos subitamente atraídos pelas novas indústrias do ambiente e, em particular, pela exploração lucrativa de serviços públicos essenciais como a distribuição de água para consumo doméstico.
Finalmente visa repor uma questão política essencial do regime democrático dado que, com o decreto lei 439-A/99 e a apreciação parlamentar subsequente, o Governo e o grupo parlamentar do PS subverteram a competência legislativa, conferindo ao Governo supremacia legislativa sobre a Assembleia da República. Inqualificável!
Senhor Presidente
Senhores Deputados
A gestão e exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, do sistema de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e do sistema de recolha e tratamento de resíduos sólidos, são atribuições das Câmaras Municipais. O elevado valor das infra-estruturas instaladas é património de cada um dos Municípios. E a competência para fixar o valor das tarifas de consumo e as taxas a pagar pelas populações pertence aos órgãos do Município democraticamente eleitos.
Passar este património e estas atribuições e competências para sistemas multimunicipais onde a totalidade dos municípios, ficando em minoria de capital, perdem o controlo do serviço, é uma atitude centralizadora e atentatória da independência do poder local, sendo que, ainda por cima, é o capital resultante da atribuição dos fundos de coesão que constitui a participação do poder central no sistema.
O decreto-lei 379/93, que permitiu esta escalada contra o poder local, contou e ainda conta hoje com a nossa firme oposição. O PSD que, na altura no Governo, foi o seu autor, já reconheceu parte do erro, numa atitude que saudamos e persiste na sua correcção pelo que conta com o nosso apoio nesta iniciativa. Lamentável é que o PS pelo facto de ter passado da oposição para o Governo tenha passado a defender uma lei que considerava má.
Significativo foi na altura o Partido Socialista considerar que o PSD queria, com essa iniciativa legislativa, retirar competências às Câmaras Municipais e agora o Governo do Engº Guterres pressionar os Municípios para a criação de sistemas municipais. Aguardamos aliás que o Governo nos responda a um requerimento em que solicitamos os documentos comprovativos da concordância dos Municípios para a criação do sistema multimunicipal do Alto Alentejo com maioria de capital do IPE - Águas de Portugal, por decreto que refere esta concordância no preâmbulo, enquanto alguns municípios afirmam não a ter concedido. Lamentamos também a pressão inaceitável exercida sobre os Municípios da Península de Setúbal e a sua associação, cujas candidaturas ao fundo de coesão para construção do sistema de ETARs e da adutora de água estão retidas pelo Governo português, através do Ministério do Ambiente, como forma de pressão para criação do sistema multimunicipal respectivo, igualmente com maioria de capital do IPE - Águas de Portugal. Vergonhoso!
Pela nossa parte o presente projecto de lei terá o nosso voto favorável, como a lei nº 176/99 já o tivera.
Consideramos todavia que constitui apenas um pequeno passo nas alterações que devem ser feitas ao decreto nº379/93. Outras alterações mais profundas serão necessárias, incluindo a sua adaptação a legislação posterior, como é o caso do regime jurídico das empresas intermunicipais, mais adequadas à gestão destes sistemas e que contou, também, com os votos do PS nesta assembleia, para a sua aprovação.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Porque terá o Partido Socialista mudado de opinião em 5 anos? Sem dúvida terá que haver uma estratégia subjacente a esta atitude centralizadora. Estratégia que é afinal a cedência à estratégia dos grupos económicos e aos seus interesses. É que, através da futura privatização da "Águas de Portugal" pelo IPE, será entregue às multinacionais do sector o controlo de valioso património municipal, devidamente acrescido com as verbas do fundo de coesão, alienando pelo caminho uma competência dos órgãos municipais.
Esta estratégia ficou aliás evidente quando o Governo anterior, igualmente do PS, impediu a EPAL de concorrer ao concurso público para a privatização da exploração do sistema de abastecimento de água à cidade de Setúbal.
Por fim, a revogação do decreto-lei 439-A/99 de 29 de Outubro visa não apenas regularizar esta situação e devolver aos municípios a maioria do capital nos sistemas multimunicipais, permitindo-lhes exercer as suas atribuições e competências indevidamente expoliadas, como visa igualmente corrigir o grave precedente criado.
O Governo, utilizando truques e habilidades com a publicação deste decreto-lei, revogou uma lei da Assembleia da República ainda antes de esta entrar em vigor, isto é, vetou de facto a lei 176/99, competência que constitucionalmente não lhe cabe. E, com a mesma habilidade, usando os 115 Deputados, impediu a apreciação parlamentar do decreto-lei 439-A/99, isto é, a competência legislativa ficou subvertida, passando o Governo a ter supremacia sobre a Assembleia da República.
Com a aprovação deste projecto de lei também esta situação, aberrante no nosso regime democrático, será ultrapassada.
Disse.