Intervenção do deputado
Honório Novo

Regime jurídico aplicável à permissão de condução
de viaturas oficiais dos organismos e serviços do Estado
e das autarquias locais por funcionários
e agentes que não possuam a categoria de motorista

28 de Janeiro de 2000



Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:

O Decreto-Lei n.º 490/99 pretende regular as condições em que agentes e funcionários da administração central e local sem a categoria de motorista podem ser autorizados a conduzir viaturas oficiais.
Trata-se de um diploma que procura dar um enquadramento legal a situações que, de facto, sucedem na Administração Pública. Em ministérios e nos respectivos serviços, em câmaras e juntas de freguesia, há, por vezes, a necessidade de fazer deslocar funcionários sem que existam disponibilidades de motoristas para conduzir as viaturas e fazer transportar os agentes em serviço. Por isso, sucede serem estes últimos funcionários a conduzir as próprias viaturas oficiais dos serviços a que pertencem.
São situações de facto mas que, na verdade, não deveriam ocorrer, caso os quadros de pessoal fossem alargados e se tornassem suficientes e adequados às necessidades verificadas tanto na categoria de motoristas como em muitas outras categorias.
São situações que, em muitos outros casos, só poderão e deverão ser resolvidas com o cabal preenchimento ou, inclusivamente, com a criação da categoria de motoristas nos actuais quadros de pessoal, designadamente em câmaras e especialmente em juntas de freguesia, o que impõe, desde já, não apenas por esta mas também por esta razão, o aumento das transferências financeiras da administração central para a administração local.
O PCP considera, no entanto, que é importante manter a capacidade de resposta da Administração a todos os níveis e, apenas por isso e neste contexto, compreendemos o espírito da iniciativa legislativa do Governo, concretamente do Decreto-Lei n.º 490/99. Mas o PCP também considera que esta iniciativa deve revestir um carácter transitório e manter-se apenas e enquanto as questões relativas ao aumento e/ou preenchimento dos quadros de pessoal não sejam adequadamente resolvidas.
Por isso, o PCP considera fundamental que o diploma em apreço se restrinja ao carácter pontual das situações que pretende resolver. Isto é, a permissão legal de condução de viaturas oficiais por funcionários sem a categoria de motoristas deve ser excepcional, devidamente fundamentada e concedida caso a caso, sempre e tal como consta do n.º 1 do artigo 2.º.

Mas já não é aceitável que, a pretexto da resolução de uma questão que é pontual e transitória, se criem condições para que esta situação se torne permanente e, ainda por cima, tenha cobertura legal.

É precisamente isto que o decreto-lei pretende gerar com o n.º 3 do mesmo artigo 2.º, quando estatui que "poderá ser conferida permissão genérica de condução aos funcionários" que não possuem a categoria de motorista.
Não queremos que os quadros de pessoal deixem de possuir motoristas e passem apenas a dispor de motoristas-auditores ou motoristas-fiscais.
O PCP considera, assim, necessário eliminar aquela norma e está disponível para contribuir para a sua erradicação do decreto-lei.

Mas, Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados,

este decreto-lei - acrescento - não nos suscita apenas estas dúvidas.
Em primeiro lugar, também não nos parece admissível que os funcionários sem a categoria de motorista, a quem venha a ser permitida a possibilidade de conduzir viaturas oficiais, não possam beneficiar da atribuição de qualquer subsídio, abono e/ou suplemento, designadamente nos casos em que esses funcionários tenham categorias profissionais com remunerações e abonos inferiores à categoria de motorista. Além de inadmissível, parece-nos também injusto, já que o funcionário passa a desempenhar funções profissionais sem que tenha direito ao vencimento ou aos abonos correspondentes à categoria melhor remunerada.
Em segundo lugar, também não é visível o carácter não obrigatório da permissão a conceder. O facto de haver a possibilidade de funcionários poderem conduzir viaturas oficiais não permite aos superiores hierárquicos, sejam eles quais forem, obrigar qualquer funcionário a aceitar essa possibilidade. Poder permitir não significa nunca, nem pode significar, poder obrigar. Mas este carácter não obrigatório não está contemplado no decreto-lei.
Em terceiro lugar, o decreto-lei também não acautela os níveis de responsabilidade a assumir pelos funcionários não motoristas a quem venha a ser permitido conduzir veículos oficiais. No decreto-lei apenas se prevê que estes funcionários respondam civilmente perante terceiros nos mesmos termos que os colegas motoristas. No entanto, nada se diz sobre a forma como lhes poderão ser imputadas responsabilidades disciplinares e penais resultantes de acidentes que ocorram enquanto estiverem a conduzir as viaturas oficiais. A criação de seguros que cubram estas novas responsabilidades destes funcionários não é, infelizmente, abordada no decreto-lei.
Trata-se, enfim, de um diploma que, com o argumento defensável - insisto - de pretender superar questões que se prendem com a eficácia e com a prontidão com que a Administração Pública pode e deve responder, cria problemas com carreiras de trabalhadores da função pública e da administração local que poderiam e deveriam ter sido melhor acautelados e deverão ser resolvidos num futuro próximo.
Com esta apreciação parlamentar pretende-se apenas, e agora, para já, assegurar, pelo menos, o carácter excepcional e pontual do diploma. Muito mais haveria certamente a fazer - estaremos disponíveis para tal -, mas para assegurar o carácter excepcional estamos, pontualmente e desde já, disponíveis.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa,

começo por agradecer a sua intervenção e a forma benévola como encarou a intervenção que produzi, bem como a possibilidade que levantou de, num futuro mais ou menos longínquo, rever a posição que neste momento traduziu perante a Câmara. Segundo percebi da sua intervenção, o Sr. Secretário de Estado está mesmo disposto, uma vez verificada uma prática não adequada às intenções do Governo, a poder vir a alterar a formulação do diploma. Creio, no entanto, que seria prudente fazê-la desde já.
Parece-me, também, que o Sr. Secretário de Estado vocacionou muito a sua intervenção e a sua explicação apenas para uma parte da Administração Pública a quem se dirige este diploma. O Sr. Secretário de Estado falou dos serviços da administração central, mas gostaria de lhe lembrar que este diploma se aplica também à administração local. Acrescento ainda que me parece que, no conjunto dos funcionários a quem poderá ser aplicado este diploma no todo nacional, seria avisado, desde já, criar condições para que ele fosse, de facto, excepcional e para não poder vir a ser encarado, na globalidade da Administração Pública, como genérico.

Antes de concluir, gostaria de colher a sua sensibilidade para esta questão e de reafirmar que talvez fosse possível, com um melhor esclarecimento de parte a parte, alterar alguns aspectos negativos deste diploma, ou que poderão vir a verificar-se como negativos.
Para concluir, permita-me informá-lo que os parceiros sociais consultados para a elaboração deste decreto-lei, tanto quanto sei, não foram todos aqueles que poderiam ter sido e que, eventualmente, seria conveniente que tivessem sido. Pelo menos, eles não foram todos favoráveis aos termos deste diploma legal.