Declaração política insurgindo-se, face ao anúncio de aumentos generalizados e ao baixo aumento salarial da função pública, contra a política económica prosseguida pelo Governo, que é agravante da injustiça social
Intervenção de Honório Novo
4 de Janeiro de 200

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:

Com o início de mais um ano, percebem-se, com maior nitidez e rigor, as verdadeiras consequências das políticas do Governo. Percebe-se melhor o carinho com que o Governo trata os poderosos e o poder económico das multinacionais e vêse melhor o desprezo e a indiferença com que são tratados os trabalhadores e a grande maioria dos portugueses.

De um lado, temos os enormes e escandalosos lucros do sector bancário e dos grandes grupos económicos, mesmo daqueles que prestam serviços públicos ou serviços essenciais ao País. De um lado, conhecem- se cifras cada vez mais inaceitáveis e que cada vez mais deixam os portugueses indignados: são os lucros consolidados, em 2004, superiores a 1500 milhões de euros, só na EDP, na Brisa, na Galp e na PT; são os resultados líquidos, próximos dos 1000 milhões de euros, no Totta, no BCP e no BES, só nos primeiros nove meses de 2005!

De um lado, temos as previsões de consultoras internacionais, que projectam aumentos salariais para 2006 iguais ou superiores a 9% (isso mesmo, 9%!), mas apenas para os chamados «gestores de primeira linha», sempre bem acima dos já chorudos aumentos de 2005!

Do outro lado, Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, temos a obrigação de «apertar o cinto», temos a crescente injustiça na distribuição da riqueza produzida, a contínua perda de poder de compra dos trabalhadores, tudo sob a capa mistificadora da moderação salarial e da necessidade de garantir competitividade à economia, sempre e de novo, exclusivamente, à custa de quem trabalha. Acentua-se a injustiça social, insiste-se numa política de baixos rendimentos — os salários médio e mínimo são os mais baixos da União Europeia a Quinze —, continuamos a ter as mais baixas reformas, a mais alta taxa de pobreza, o maior fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres!

É precisamente neste contexto que o Governo pretende impor um aumento salarial de 1,5% para os trabalhadores da Administração Pública.

Ao contrário do que tinha aqui dito há pouco mais de um mês, ao contrário das garantias, mais ou menos explícitas, que aqui fez durante o debate orçamental – em que foram criadas expectativas de que os funcionários públicos não voltariam a perder poder de compra e teriam aumentos compatíveis com os valores oficiais da inflação prevista –, o Governo quer impor mais um ano (e já lá vão sete anos!) de perda do poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública.

Ao contrário do que afirmou recentemente o titular das Finanças, não se trata de nenhuma «quadratura do círculo»; trata-se, antes, de rejeitar e denunciar politicamente a autêntica ameaça feita pelo Governo de que ou os funcionários públicos aceitavam perder poder de compra ou poderia haver mesmo despedimentos na função pública.

O despudor com que o Governo pretende impor aumentos salariais significativamente abaixo da inflação esperada foi imediatamente aproveitado pelas confederações patronais para tentarem impor idêntico tecto salarial na contratação colectiva. 1,5% – repito, 1,5% – passou a ser o número mágico com que se pretende agora apertar mais uma vez o cinto dos portugueses no início de 2006!

Mas a injustiça social é também agravada pela escalada dos aumentos generalizados dos preços dos serviços e dos bens essenciais. Só que para os aumentos dos preços não há referência, não há limites! E a espiral aí está, profundamente inaceitável e crescentemente injusta.

É o pão que aumenta 10%; são as portagens que aumentam bem acima da média anunciada de 2,8%, por efeito de arredondamentos ilegais que geram acréscimos muito maiores em pequenos troços e por efeito de aumentos absolutos bem acima daquela referência; são os aumentos da electricidade doméstica e os inaceitáveis aumentos do custo da energia eléctrica para as empresas, o que vai, certamente, condenar à morte mais umas centenas de micro e pequenas empresas deste país; são os aumentos das taxas moderadoras, que podem ir até 9%, ou dos medicamentos, com o fim da majoração nos genéricos e da comparticipação a 100% para muitas doenças crónicas; são os sucessivos aumentos dos transportes — nos últimos oito meses foram aumentados quatro vezes! —, que vão novamente aumentar em mais 2,3%!

É o aumento médio das propinas em 11,5%; é o aumento do gás em mais de 8,3%; é o aumento ocorrido (e aqueles que são expectáveis) das taxas de juro, que não só implicam condições agravadas para o relançamento da economia como podem ter consequências desastrosas nas economias das famílias, sugerindo-se desde já aumentos de 10% nas prestações mensais dos empréstimos para a compra de habitação!

Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:

Com os aumentos já ocorridos dos serviços e bens essenciais ficará bem clara a falácia governamental sobre o valor da inflação prevista. São os portugueses, em particular os trabalhadores e as classes mais desfavorecidas, quem está e vai continuar a sofrer na carne com as consequências de uma política de obediência cega aos critérios de convergência orçamental impostos por Bruxelas e aceites, de forma completamente passiva, pelos sucessivos governos de Lisboa.

Enquanto que, em consequência das opções políticas deste Governo, os aumentos salariais estagnam e o aumento do custo de vida dispara, prossegue, noutro plano, a política de delapidação do património público e a respectiva transferência para mãos estrangeiras, espanholas ou outras que tais.

É a consequência incontornável e inexorável da política de privatizações prosseguida por sucessivos overnos: as empresas estratégicas e os grandes grupos públicos, ao serem privatizados, irão inexoravelmente ser apropriados por grupos estrangeiros.

Não vale a pena alguns estarem agora a derramar lágrimas de crocodilo ou a encenarem um papel de pretenso desconhecimento quanto às reais consequências de uma política de privatizações que, ao contrário do que o PCP defende, deveria há muito ter sido sustida e invertida.

É neste contexto particular que surge a expressa cumplicidade e o apoio deste Governo à criação de condições para que mais uma grande empresa nacional possa ser mais rapidamente transferida para mão estrangeiras. Trata-se, como já aqui dissemos em 6 de Maio (sublinho «em 6 de Maio»), de concretizar uma estratégia de «abrir a porta do galinheiro às raposas estrangeiras»!

É verdade que na recomposição dos órgãos de direcção da EDP há aspectos éticos absolutamente inaceitáveis, aspectos que, recomendava o mínimo pudor, deveriam aconselhar contenção e distância.

É desta empresa que nos últimos dias se tem falado mais, mas é bom que não se esqueçam outros exemplos, como as opções de um ministro das finanças do Eng.º António Guterres, quando fez entrar a ENI na Galp; e é bom que não se esqueça, Sr. Deputado Marques Mendes (é pena que já não se encontre presente), a abertura de porta a interesses espanhóis, à mesmíssima Iberdrola, pelo governo do PSD e do CDS-PP, no acordo encetado por VV. Ex. as entre a Iberdrola e os CTT, sob a tutela do Dr. António Mexia, curiosamente o indigitado futuro homem forte da EDP nesta recomposição de órgãos sociais.

É verdade que na recomposição dos órgãos de direcção da EDP, apoiada e defendida pelo Governo, há tudo o que se tem dito e redito nos últimos dias. E é verdade que o Sr. Ministro da Economia foge, como «diabo da cruz», ao esclarecimento, deixando a meio reuniões de comissões parlamentares e não respondendo às perguntas que aqui foram formuladas pela bancada do PCP, precisamente sobre a EDP, no passado dia 21 de Dezembro.

Tudo isto é verdade, Sr. as e Srs. Deputados!

Só se lamenta agora – e é digno de especial registo – alguma hipocrisia de alguns que, passiva e indiferentemente, têm aceite a continuação ou que têm sido mesmo protagonistas de políticas cujas consequências não poderiam nunca deixar de ser as que hoje se verificam na EDP, como ontem e hoje se verificam na Galp e como amanhã podem também ocorrer na TAP ou na privatização de outras empresas públicas que o Governo venha a decidir, perante o silêncio, Sr. as e Srs. Deputados, e o acordo implícito e muitas vezes expresso de alguns que agora levantam vozes.