Contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de Dezembro de 2006
Intervenção de Jorge Machado
28 de Julho de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Não posso deixar de fazer aqui um pequeno à parte, relativamente à intervenção do Sr. Deputado do PSD. O Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte falou no «código genético» do Partido Socialista e eu atrevome a falar de uma característica comum existente entre o «código genético» do Partido Socialista e o «código genético» do PSD: a sua mutação. Esta mutação prende-se com a constatação da ordem segundo a qual, estando no governo, tem um tipo de discurso, estando na oposição, tem outro. O PSD deu clara prova disso e todos nós estamos recordados do que foi o tratamento que o PSD deu aos trabalhadores da Administração Pública. Não ficam aqui esquecidos!

A proposta de lei hoje em discussão determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento de todos os suplementos remuneratórios.

O Governo anunciou que se tratava de uma medida transitória e justificou-a afirmando «que se registou um forte agravamento das despesas com pessoal». O Governo diz que a razão deste aumento da despesa com o pessoal se prende com os «mecanismos automáticos de progressão na carreira» — expressão que o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública corrigiu, falando de «mecanismos praticamente automáticos» — e esclarece que a única forma de suster esse crescimento é a da limitação destes mecanismos, enquanto se prepara a reforma do sistema de avaliação.

Contudo, estamos face a um diploma cheio de incoerências e contraproducente. O Governo começou por não fazer uma verdadeira negociação colectiva; os sindicatos e as associações representativas dos trabalhadores da Administração Pública foram ouvidos à pressa, sendo-lhes imposto o diploma sem qualquer proposta alternativa; a Ministra da Educação disse, inclusivamente, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que estas medidas não eram negociáveis.

O Governo utilizou a negociação colectiva para corrigir a «trapalhada» deste diploma: o artigo 3.º, que afirma aplicar-se este diploma aos juízes e magistrados do Ministério Público, só surge depois de, em sede de negociação colectiva, uma associação sindical ter alertado para o facto de o diploma não se aplicar a tal
classe profissional.

Quanto ao artigo 4.º, já em fase de discussão na especialidade, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista elimina este artigo, tendo como objectivo que este diploma também se aplique às forças de segurança, como a PSP e a GNR, e às Forças Armadas, e, assim, estes profissionais vêm, mais uma vez,
as suas carreiras congeladas, factor este que irá provocar uma forte onda de desmotivação e de descontentamento.

Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, não é a mesma coisa congelar a carreira a estes profissionais ou aos restantes trabalhadores. O Sr. Ministro da Justiça, que aqui esteve há pouco, poderá esclarecê-lo quanto a este facto.

Depois, surge a mistificação em torno das progressões automáticas. O Governo aposta em mistificar esta questão, mas na Administração Pública, nenhuma carreira progride apenas com o decorrer do tempo.

Para além do tempo de serviço, os trabalhadores precisam de uma avaliação positiva do seu desempenho para progredirem na carreira.

O PCP desafia o Sr. Secretário de Estado a dizer quais as carreiras da Administração Pública que progridem automaticamente, isto é, em que o tempo é o único factor de progressão.

São os trabalhadores da administração local os que progridem automaticamente? São os professores e os juízes, com os seus complexos e diversos requisitos de progressão, ou são as Forças de Segurança?

Quem, Sr. Secretário de Estado?!Todos estes trabalhadores, entre outros requisitos, têm de ser avaliados positivamente.

Não venha dizer que, na prática, há progressões automáticas, porque, se isto acontecer, é porque a lei não está a ser cumprida, e quem não cumpre não são os trabalhadores mas, sim, os sucessivos governos.
A avaliação pode funcionar mal mas a culpa deste facto não é dos trabalhadores e não podem, nem devem, ser os trabalhadores a pagar pelos erros, incúria e incompetência dos sucessivos governos.

Se o sistema de avaliação não funciona devidamente, então, inicie-se a discussão. O PCP está disponível para contribuir para esta discussão.

O Governo sabe que não há progressões automáticas, pelo que a aposta nesta linguagem apenas tem como objectivo enganar a opinião pública.
O Governo sabe que a progressão na carreira corresponde às diuturnidades no sector privado, e ninguém contesta a existência destas, pelo que é injusto falar-se em privilégios da Administração Pública.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Outro argumento é o da necessidade de parar com o crescimento das despesas com pessoal. Efectivamente, o objectivo deste diploma é provocar mais um corte salarial aos trabalhadores da Administração Pública, uma vez que, até Dezembro de 2006, o tempo de carreira fica definitivamente perdido, pondo em causa a legítima expectativa de progressão, violando, assim, as recomendações da OIT.

Contudo, os portugueses estão fartos de discursos dos sacrifícios: era «a teoria do oásis»; é «o discurso da tanga» de Durão Barroso; é «a surpresa do défice» do actual Primeiro-Ministro. São sacrifícios e mais sacrifícios, sempre para os mesmos e com as mesmas consequências: mais sacrifícios! É a ideia de que é preciso sacrifícios para um futuro melhor, só que este, Sr. Secretário de Estado, teima em não chegar.

Mas os sacrifícios não são para todos, como o Sr. Secretário de Estado disse. O Governo, com esta medida, não ataca a «elite», os cargos de topo da Administração Pública, uma vez que para estes o impacto da não progressão na carreira ou não existe ou representa uma migalha dos seus já ricos salários.

O Governo não acaba com os regimes excepcionais, tais como os que vigoram na Caixa Geral de Depósitos, no Banco de Portugal ou nas empresas de capitais públicos. Para estes, não há pressa em acabar — aqui, sim! — com benefícios.

O Governo podia aproveitar o projecto de lei do PCP que estipula que nenhum trabalhador do Estado pode ganhar mais do que o Presidente da República e, assim, sim, moralizar a Administração Pública. É pena que não o faça! É que os trabalhadores da Administração Pública não percebem como é possível pedir-lhes sacrifícios quando cinco administradores do Banco de Portugal — lembro, cinco administradores do Banco de Portugal — ganham cerca de 350 000 contos/ano! Isto, sim, é imoral e é aqui que se impõem os sacrifícios e não aos trabalhadores do índice 100, que ganham pouco mais do que o salário mínimo nacional.

O Governo sabe que o índice 100 da Administração Pública, hoje, tem um valor de 317 € e sabe que são milhares e milhares os trabalhadores que auferem vencimentos miseráveis na Administração Pública!

Um auxiliar dos serviços administrativos ganha, no índice 128, cerca de 405 €, o querepresenta, em valor líquido, cerca de 350 €, valor abaixo do salário mínimo nacional, Sr. Secretário de Estado!

No topo e final da sua carreira, o mesmo auxiliar recebe cerca de 678 €, o que corresponde a 603 € líquidos. É a estes trabalhadores que se pedem mais sacrifícios, pelas asneiras de sucessivos governos do PS e do PSD, com ou sem CDS-PP.

O Governo sabe isto tudo e, mais uma vez, pede sacrifícios aos mesmos do costume: os trabalhadores.O Sr. Secretário de Estado dirá que o problema é o défice. Pois se é este o problema, então, o PCP sugere que se acabe com os escandalosos benefícios para o exercício geral dos cargos públicos; eliminese a promiscuidade entre o interesse do sector público e o dos grandes grupos económicos, pondo fim à desastrosa política de privatizações; combata-se a multiplicação de institutos e de serviços públicos com funções sobrepostas; promovam-se as reformas de fundo necessárias a uma melhor e mais eficiente prestação do serviço público, com menores custos financeiros; aumente-se a eficiência do sistema fiscal; combata- se a evasão aos benefícios fiscais e acabe-se com o sigilo bancário.

Se se tomassem estas medidas, o Governo poderia, aqui e hoje, anunciar o aumento dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, como propõe o PCP.

São muitas as pedidas possíveis para combater o défice orçamental. Contudo, este Governo deu um claro sinal: tudo fez, mal e à pressa, mas fez, para que esta proposta de lei fosse discutida hoje. Isto é, para impor sacrifícios aos trabalhadores, o Governo tem toda a pressa do mundo, mas para acabar e atacar os grandes privilégios e privilegiados deste país não tem pressa absolutamente nenhuma.

É como diz o ditado popular, Sr. Secretário de Estado: «manda quem pode, obedece quem deve», e «quem obedece» é o Governo, uma vez que cede às pressões externas, que exigem e pressionam o Governo para a redução salarial na Administração Pública, para assim legitimar o ataque aos direitos dos restantes
trabalhadores.

O Governo, com este diploma, consegue abrir mais uma frente de batalha numa guerra já instalada contra os trabalhadores da Administração Pública. O Governo pode não precisar dos trabalhadores para acabar com direitos conquistados, mas vai precisar deles para ter uma Administração Pública moderna e
eficiente.

São urgentes as reformas na Administração Pública que a modernizem e a tornem mais eficiente; contudo, estas reformas não se conseguem fazer contra os trabalhadores da Administração Pública mas, sim, ao lado destes. O Governo abriu uma frente de batalha, poderá até vencer aqui, no terreno, à custa da maioria parlamentar do Partido Socialista, mas vai perder a guerra na rua, no terreno, e na motivação dos trabalhadores. Com esta política e com estas medidas, o Governo apenas vai conseguir o conflito, a luta e a desmotivação dos trabalhadores para qualquer reforma que o Governo, um
dia, venha a propor.

(...)


Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

curioso que o Partido Socialista peça apoio à bancada da direita. Assim, esclarece de uma vez por todas aonde procura o seu apoio e, perante a
Assembleia, onde se posiciona politicamente.

Medida transitória? Ela é tudo menos transitória, uma vez que o Governo faz parar o tempo até Dezembro de 2006 mas a progressão fica perdida para sempre. Esse tempo nunca mais volta e a progressão de carreira fica definitivamente perdida para os trabalhadores. A progressão não é automática, como aqui tem vindo a ser repetido, nem é praticamente automática.

Se a avaliação do desempenho não funciona, a culpa não é dos trabalhadores e não élegítimo que eles paguem pelos erros do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e do CDS-PP, quando estavam no governo, não é legítimo que sejam eles mais uma vez os sacrificados.

 

(...)

 

No debate sobre a proposta de lei n.º 25/X resultou que:


A proposta de lei apresentada pelo Governo determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos
de progressão nas carreiras e o congelamento de todos os suplementos remuneratórios.

O Governo anunciou que se tratava de uma medida transitória e justificou-a dizendo «que se registou
um forte agravamento das despesas com pessoal».

O Governo diz, ainda, que a razão deste aumento da despesa com o pessoal se prende com os «mecanismos
automáticos de progressão na carreira» e que a única forma de suster esse crescimento é limitar
esses mecanismos, enquanto se prepara a reforma do sistema de avaliação.

Contudo, não partilhamos esse entendimento.

Na Administração Pública nenhuma carreira progride apenas com o decorrer do tempo: além do tempo
de serviço, os trabalhadores precisam de uma avaliação positiva do seu desempenho para progredirem na
carreira.

Em nosso entender, se o sistema de avaliação não funciona devidamente, então inicie-se a discussão
desta matéria. O PCP mostra-se desde já disponível.

O que o Governo não pode nem deve fazer é punir os trabalhadores da Administração Pública e demais
agentes pelos erros de sucessivos governos.

Para o PCP, o real objectivo deste diploma é provocar mais um corte salarial aos trabalhadores da
Administração Pública, uma vez que até Dezembro de 2006 o tempo de carreira fica definitivamente
perdido, pondo em causa a legítima expectativa de progressão, violando assim as recomendações da OIT.

Na opinião do PCP, com estas politicas e com estas medidas o Governo apenas vai conseguir o conflito,
a luta e desmotivar os trabalhadores para qualquer reforma que venha, um dia, a propor.

Mas o debate demonstrou, ainda, que a Assembleia da República não cumpriu o dever de organizar a
consulta pública nos termos legais, para dar cumprimento à alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e à alínea a) do
n.º 2 do artigo 56.º da Constituição.

De facto, estamos na presença de legislação de trabalho, uma vez que, através da proposta de lei, se
determina a não contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e o congelamento
de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado.

E é a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que, nas alíneas a) e e) do artigo 6.º, claramente estabelece que a
matéria referente a vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório e a carreiras, sejam do
regime geral, especial ou integradas em corpos especiais, é legislação do trabalho.

Sendo assim, aliás, de acordo com o artigo 146.º do Regimento da Assembleia da República, a
comissão competente promove a apreciação do projecto ou proposta pelas comissões de trabalhadores e
associações sindicais, para efeitos da alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º
da Constituição.

Sendo certo que, no n.º 2 desse artigo, se refere que aquelas entidades podem pronunciar-se no prazo
que a comissão fixar, a verdade é que o Código do Trabalho, aliás invocado na separata da Assembleia da
República — artigo 524.º a 530.º da Lei n.º 99/2003 — fixa o prazo de 30 dias para a consulta pública, o
qual só poderá ser reduzido para 20 dias, se o autor da publicação justificar a urgência na redução do prazo
para 20 dias.

De acordo com a resposta à interpelação do PCP, sobre a existência de qualquer despacho onde se justifique
a urgência na redução do prazo, o que resulta do processo legislativo é o seguinte:


1 — Não houve qualquer deliberação de qualquer comissão para redução do prazo de consulta pública.

2 — Houve, sim, um ofício subscrito pelo Vice-Presidente da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias,
dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República sugerindo a redução do prazo.

3 — Do despacho do Sr. Presidente da Assembleia não consta qualquer declaração de concordância
com a redução do prazo, nem qualquer fixação do prazo em 20 dias, e muito menos qualquer justificação
para tal redução.

4 — A separata foi publicada a 8 de Julho; logo, o prazo de consulta pública foi de apenas 19 dias (nem
sequer 20), uma vez que, nos termos do artigo 279.º do Código Civil, o dia 8 não pode ser contado como
primeiro dia do prazo.


Assim, por incumprimento das normas legais (aliás, invocadas na separata) relativas à participação das
associações sindicais na elaboração da legislação de trabalho, o diploma padece de inconstitucionalidade.
Mas houve, igualmente, violação do direito à negociação colectiva, previsto na Lei n.º 23/98, de 26 de
Maio.

Com efeito, nos termos das alíneas a) e e) do artigo 6.º deste diploma, a determinação de não contagem
de tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira e o congelamento de todos os suplementos
remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado é objecto de negociação
colectiva.

Logo, o Governo deveria ter procedido à negociação do diploma, com as associações sindicais, na
forma estabelecida pela Lei n.º 23/98, nomeadamente observando o disposto no artigo 7.º.

Se se considerar que estão em causa normas com incidência orçamental, o processo a seguir deveria
ser o estabelecido no n.º 1 do artigo 7.º da referida Lei. Nesse caso, as negociações deveriam iniciar-se a
partir do dia 1 de Setembro, o que, como é óbvio, não aconteceu.

Se, ao invés, se considerar que não se tratam de normas com incidência orçamental, então o processo a
seguir deveria ter sido o previsto no n.º 2 do artigo 7.º. E para haver negociação antes do dia 1 de
Setembro, deveria ter havido acordo com as associações sindicais na abertura do processo negocial.

Nada disso foi cumprido pelo Governo. Nem houve, consequentemente, cumprimento das fases
posteriores de negociação previstas no artigo 7.º atrás citado.

Assim, o diploma é também inconstitucional por violação do direito à negociação colectiva previsto na
alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição.

O Deputado do PCP, Jorge Machado.