Avante! por uma nova ofensiva

Comunicado da Comissão Executiva do CC do PCP

Março de 1973

A situação política evolui com nitidez num sentido desfavorável ao colonialismo e favorável às forças democráticas. O regime fascista debate-se com contradições e dificuldades crescentes. As forças democráticas reforçam a sua unidade, a sua organização e a sua actividade. As condições objectivas e subjectivas fazem prever um importante fluxo de luta popular, em que grandes êxitos podem ser alcançados.

APROFUNDA-SE A CRISE DO REGIME FASCISTA

Cinco traços essenciais caracterizam a situação no momento presente:

O agravamento da situação económica, com o afrouxamento do ritmo de desenvolvimento, a baixa da produção agrícola, os défices do comércio externo, os gastos com a guerra colonial, o galope da inflação. Os monopólios e o seu governo fazem cair sobre a classe operária, as masses trabalhadoras, as classes médias, o peso das dificuldades da economia nacional. Congelam os salários. Intensificam a exploração. Dão curso à alta de custo de vida. Intensificam a concentração na indústria, comércio e agricultura. Submetem cada vez mais Portugal ao imperialismo estrangeiro. Apressam o processo de fusão do estado com os seus monopólios num aparelho único. Tal política, que permite aos monopólios continuar obtendo elevados lucros, aumenta as dificuldades e o desemprego dos trabalhadores e a ruína dos pequenos industriais, comerciantes e agricultores, e conduz a economia portuguesa para uma grave crise. Cria ao mesmo tempo condições objectivas para a agudização da luta de classes.

O crescente isolamento interno do governo fascista. Restringe-se a base de apoio social do regime na medida em que se acentua a fusão do estado com os monopólios. Fracassou a manobra caetanista para alargar a base de apoio político. Reflectindo contradições internas, no campo do próprio regime está-se formando uma corrente política discordante e diferenciada, que se polariza em torno de uma plataforma efectivamente liberalizante. Rompem com o fascismo e o colonialismo largos círculos católicos.  A Igreja, embora muito hesitante, não acompanha já incondicionalmente todos os aspectos da política do governo. Reduz-se e isola-se cada vez mais a camarilha fascista governante.

O crescente isolamento internacional do fascismo português. A evolução da situação internacional (em que se destacam o fim da guerra do Vietname, o desanuviamento, os progressos no sentido da segurança europeia, as derrotas das forças reaccionárias numa série de países) obrigará o governo fascista a fazer readaptações e concessões. Quanto à política interna, terá necessidade de aparecer na cena internacional com uma fachada «liberal». Quanto à política externa, que se tem mantido até hoje no imobilismo do tempo de «guerra fria», terá de recuar. A presença nas reuniões de Helsínquia preparatórias da Conferência pan-europeia dos Estados e a «abertura a leste» enunciada por R. Patrício em 21 de Fevereiro constituem derrotas efectivas da diplomacia fascista, que será forçada a novas «readaptações».

O amadurecimento das condições que porão na ordem do dia o fim da guerra colonial e uma solução política do problema. Fazendo frente à intensificação, aos actos de agressão, subversão e terrorismo (de que o assassinato de Amílcar Cabral é o mais recente e clamoroso exemplo), os movimentos de libertação de Moçambique, Guiné-Bissau e Angola registam novos sucessos. Cresce a resistência do povo português contra a guerra colonial, que se expressa num amplo movimento político que rompe as mordaças fascistas e ganha novos sectores, na intensa agitação, nas deserções, nas manisfestações de descontentamento e protesto das forças armadas, nos golpes directos contra o aparelho militar colonialista. A condenação internacional do colonialismo português é cada dia mais severa. A conjugação destes três factores aproxima inexoravelmente a hora em que o colonialismo português será forçado primeiro a tentar soluções neocolonialistas e finalmente a largar a sua presa.

O novo ascenso da luta da classe operária, das masses populares do movimento democrático. Continua a alargar-se a luta reivindicativa operária, sendo cada vez mais frequente o recurso a paralizações e a greves. O movimento sindical resiste às medidas do governo para tentar liquidá-lo e regista novos êxitos. Reanimam-se, reforçam-se, multiplicam as iniciativas, as estruturas do movimento democrático. A juventude trabalhadora e estudantil mantém-se nas primeiras filas. As lutas dos camponeses, dos pequenos comerciantes, dos médicos e professores, as manisfestações de descontentamento nas forças armadas, os movimentos de defesa dos interesses das populações, confirmam o alargamento da base social e o carácter antimonopolista do movimento antifascista, a amplitude social e política da frente de luta, a diversificação dos seus objectivos e formas de organização, o fluxo, irregular mas seguro, da luta popular.

A evolução da situação política testemunha o aprofundamento da crise do regime fascista, enuncia o próximo agravamento, em todos os aspectos das suas difuldades, e indica a possibilidade real, para a classe operária, as forças democráticas, as massas populares, de empreenderem uma grande ofensiva.

PARA UMA NOVA GRANDE OFENSIVA

Da própria situação decorrem as direcções fundamentais da luta popular:

A luta económica pelas reivindicações imediatas da classe operária, do campesinato, das masses trabalhadoras, das classes médias atingidas pela política fascista. Pelo aumento de salários, pela redução da semana de trabalho, contra o desemprego, contra a carestia de vida, contra a carga de impostos, contra os monopólios e a política monopolista.

A luta pelas liberdades democráticas fundamentais. Contra a repressão, pela libertação dos presos políticos, pelos direitos de informação, de expressão de pensamento, de associação e de reunião, pela liberdade sindical e pelo direito à greve.

A luta pelo fim da guerra colonial, com o reconhecimento aos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique do direito à completa e imediata independência. Por uma solução política. Pela abertura imediata de negociações com os legítimos representantes dos povos submetidos ao colonialismo português, ou seja, os partidos revolucionários que conduzam a luta de libertação nacional (PAIGC, FRELIMO, MPLA).

A luta contra a submissão de Portugal ao imperialismo estrangeiro. Contra a entrega da economia nacional, contra a política externa enfeudada aos círculos mais agressivos do imperialismo, pela extinção de bases militares em território português, pelo desenvolvimento de relações com os países socialistas.

São estas direcções de luta, são estes e outros objectivos imediatos definidos em cada caso tendo em conta as situações concretas, que podem conduzir à acção as amplas massas. A classe operária, as forças democráticas, as massas populares, a juventude, podem, nestas várias frentes, alcançar importantes vitórias.

O desenvolvimento de uma nova grande ofensiva contra a ditadura fascista significa antes de mais o desenvolvimento das lutas parciais por objectivos concretos imediatos: nas fábricas e empresas, nos sindicatos, nos campos, nos portos e aldeias, nos barcos e quartéis, nas associações de estudantes, nas escolas e colectividades, nas várias estruturas da juventude trabalhadora, no movimento democrático e suas estruturas autónomas. Significa a intensificação da resistência à política fascista em todos os sectores e aspectos da vida nacional, a multiplicação e o alargamento das lutas com os mais variados objectivos, a sua convergência numa única torrente de combate.

O trabalho de organização adquire no momento presente uma decisiva importância. Dele depende o desenvolvimento da luta da classe operária, das masses trabalhadoras, da juventude, do movimento democrático.

O trabalho de organização é, em si, uma forma de luta pelo direito de organização. Toda a história do movimento antifascista portiguês demonstra que, para desenvolver, estruturar, reforçar a organização, não se pode nem deve esperar o reconhecimento formal da sua legalidade. Por sua vontade, o governo não reconhecerá a legalidade a nenhuma forma de organização que tenha como objectivos a defesa dos interesses dos trabalhadores e das camadas antimonopolistas, o combate ao fascismo e ao colonialismo. Isto é válido em todos os sectores e frentes de luta. O governos declarou a ilegalidade das Comissões de Recenseamento, tal como o tem feito em relação a Comissões Operárias de Recenseamento, tal como o tem feito em relação a Comissões Operárias e a Comissões de Juventude. Mesmo em relação a organizações reconhecidas, com Estatutos aprovados, com funcionamento regular, como sindicatos, associações de estudantes e cooperativas, o governo, sempre que nelas se desenvolve uma actividade independente, intervém demitindo dirigentes, encerrando sedes, proibindo actividades. Nas condições da ditadura fascista, o direito de organização conquista-se organizando. Como a experiência mostra, a existência e desenvolvimento das diversas formas de organização operária e antifascista depende antes de tudo da sua força, da sua determinação e do apoio que lhes dêem as amplas massas populares.

No que se refere ao movimento democrático, o desenvolvimento, a defesa e a eficácia das formas legais e semilegais de organização assentam na sua maleabilidade; na diversidade de soluções orgânicas segundo as condições concretas; na grande amplitude das suas comissões; na conjugação da intervenção de mocrática das suas assembleias em resoluções capitais com a decisão e operatividade de organismos mais restritos; na unidade de todas as correntes políticas e de todos os democratas participantes.

O reforço da organização democrática está estritamente ligado a estas experiências criadoras.

A realização no ano corrente de «eleições» fascistas para a Assembleia Nacional, se convenientemente aproveitada pela Oposição, aumentará as oportunidades para o reforço da organização e desenvolvimento da luta popular.

Não que haja a esperar do governo outra coisa que não seja uma mascarada «eleitoral». A proibição de sessões da Oposição e a persiguição às Comissões Democráticas de recenseamento confirmam que o governo procurará reduzir o mais possível a acção democrática. O movimento democrático tem porém força bastante para imprimir um outro curso aos acontecimentos.

É positivo que estruturas regionais, a par do trabalho de organização e da multiplicação de iniciativas políticas, tenham começado, separada ou conjuntamente, a manifestar o propósito de  apresentar candidatos, sem definir entretanto de momento e deixando, pelo contrário, para mais tarde, se se irá ou não ao acto «eleitoral».

Combatendo ilusões eleitoralistas, arranjos de bastidores, combinações com colaboracionistas, assim como o verbalismo e a chantagem esquerdistas, reforçando a sua coesão e voltando-se decididamente para as massas, o movimento democrático tem condições para desferir golpes na ditadura, alcançar importantes êxitos, lançar uma grande campanha política, de que sairá consideravelmente reforçado.

O PCP REAFIRMA A SUA POLÍTICA DE UNIDADE

O sucesso na luta contra o fascismo e o colonialismo depende em larga medida da unidade de forças que se lhes opõem. Assim também o sucesso das lutas parciais.

O PCP age incessantemente para forjar uma sólida unidade da classe operária e das massas trabalhadoras em luta. Unidade na luta nas empresas, no movimento sindical, nas acções camponeses, da juventude trabalhadora e no movimento associativo dos estudantes, no movimento democrático, na actividade nas forças armadas, na luta contra a guerra colonial, em todas as iniciativas e combates contra a política fascista e pelas aspirações e objectivos do povo português.

O PCP mantém e deseja reforçar, com vistas à acção comum em todas e em cada uma das frentes de luta, a cooperação política bilateral e plurilateral, necessáriamente clandestina, com todos os agrupamentos e sectores políticos antifascistas válidos, assim como com democratas sem partido.

O PCP defende consequentemente a unidade sem discriminações em todas as estruturas democráticas legais e semilegais de carácter unitário e saúda os importantes passos dados no sentido do alargamento e do reforço da unidade de todos os antifascistas. O reforço da unidade exige que, no plano político, no plano da organização e das formas de acção, se procure e se encontre o que une, e não que se saliente e se dramatize o que divide. Exige simultaneamente que se esteja vigilante, tanto em relação a «alargamentos à direita», que pudessem significar abandono dos objectivos fundamentais e da direcção das lutas de massas e a diluição do movimento numa amálgama paralisada pelo oportunismo, como em relação às tentativas de introdução, nas estruturas democráticas, do divisionismo esquerdista, da histeria verbal, dos métodos de intriga, conspiração e sabotagem, da demagogia basista aliada ao dirigismo intolerante, que têm causado profundos danos no movimento estudantil e que, nas estruturas democráticas, teriam semelhante resultado. Aceitando sem quaisquer discriminações todos quantos estejam dispostos a lutar pelos objectivos comuns, os movimentos unitários têm, ao mesmo tempo, de isolar e combater firmemente quem quer que, no seu seio, pretenda dividir e desagregar.

O PCP entende que não se devem fechar as portas da frente unida das forças democráticas àqueles que, embora tendo em algum momento colaborando com o regime, rompem definitivamente com ele e, pelos actos, se mostram dispostos a lutar pelos objectivos fundamentais do movimento antifascista. Ao mesmo tempo, adverte contra certas ideias de formar uma «Oposição remodelada» que outra coisa não seria senão uma aliança de oportunistas nas zonas marginais do regime e da Oposição.

O movimento democrática português é um grande movimento unitário, com uma ampla base de massas. Alargando e reforçando a unidade de todos os democratas sem discriminações, definindo uma orientação política justa, realizando um sério trabalho de organização, voltando-se decididamente para as massas, o movimento democrático está em condições de tomar a iniciativa política nas suas mãos.

Na luta pela solução do problema político português, o PCP e as forças antifascistas em geral não têm desprezado nenhumas possibilidades para abrir um caminho para a liberdade. Nem sequer as possibilidades legais e constitucionais, apesar da natureza fascista da Constituição e das leis. É o governo fascista (antes com Salazar, hoje com M. Caetano) que sempre e sistematicamente procurou fechar, com a repressão e a violação ou súbita alteração da Constituição e das leis, qualquer caminho para que o povo português possa defender os seus interesses, lutar pelas suas aspirações, decidir do seu destino.

As classes dominantes cometem um grave erro de cálculo ao pensarem que poderão eternamente sufocar, com a negação das liberdades mais elementares e com a repressão policial, a vontade do povo português de ter uma vida livre e independente, ao pensarem que poderão, contra a vontade do povo, contra os interesses do País, contra o irreversível movimento de libertação, continuar impunentemente três guerras criminosas em África, com o único objectivo de defender os interesses sórdidos dos grandes grupos monopolistas, à custa do sangue, do luto, das privações, dos sacrifícios, do povo português, designadamente da juventude.

A insistência do governo fascista na recusa das mais elementares liberdades, na repressão, nas guerras coloniais, significa a continuação da tranquilidade e insegurança e contém em si os germes de conflitos internos mais agudos e violentos. Posto fim à ditadura fascista, instauradas as liberdades, posto fim à guerra colonial, estará aberto o caminho para que o povo português possa resolver em paz as grandes problemas nacionais.

É de esperar que, ao desenvolvimento da luta popular, do movimento democrático, o governo responderá intensificando a repressão. Ao mesmo tempo, na política interna, na política colonial, na política externa, pocurará iludir os problemas, recorrendo à demagogia. A classe operária, o regime democrático, o movimento da juventude trabalhadora e estudantil, as forças antifascistas e anticolonialistas, Têm de preparar-se para fazer frente com sucesso à repressão, para desmascarar quaisquer medidas demagógicas e voltá-las mesmo em muitos casos contra o próprio regime.

Nas condições do fascismo, é necessário recorrer a formas de luta muito variadas. É necessário saber associá-las correntemente nuns casos, modificá-las ou substituí-las noutras casos, definir por vezes quais são as prioritárias em relação a tal ou tal objectivo, e ter sempre em conta a sua influência recíproca e a adesão que lhes dão as massas. A situação previsível para o ano corrente, com acentuadas e talvez súbitas mudanças de conjuntura, abriga a ter presentes estas experiências.

O regime debate-se em contradições e dificuldades crescentes. Desenha-se um novo fluxo da luta popular.

Estão criadas as condições essenciais para reforçar rapidamente as diversas formas de organização, para consolidar uma ampla e combativa unidade antifascista, para multiplicar, em todas as frentes, as lutas por objectivos concrectos, para preparar, com tenacidade, determinação e confiança, uma nova grande ofensiva contra a ditadura fascista, pelo pão, pelo fim da guerra colonial, pela liberdade.