Intervenção de Mads Hadberg, membro da Aliança Vermelha da Dinamarca, Seminário «A União Bancária – um passo mais na integração capitalista europeia»

Três questões relativamente à União Bancária

Três questões relativamente à União Bancária

Gostaria de agradecer o convite e a oportunidade de discutir este importante tema que é a União Bancária. De facto, este tema reveste-se de grande importância pois a União Bancária toca de perto na base fundamental da sociedade – regulação financeira e controlo democrático. Antes, umas linhas pessoais. Chamo-me Mads Hadberg e represento a Aliança Vermelha da Dinamarca. Fui conselheiro político de dois deputados da GUE/NGL, o Sr. Soren Sondergaard do anterior período, e, actualmente, da Sra. Rina Ronja Kari. Fui igualmente conselheiro político da Aliança Vermelha no parlamento Dinamarquês, no que diz respeito aos Assuntos Europeus. Assim, segui de perto a criação da União Bancária.

No que diz respeito à minha intervenção, ela será dividida em três partes relativamente à União Bancária.

Na primeira parte, irei focar os bastidores da União Europeia e o que os líderes da UE prometem relativamente ao que a União Bancária pode fazer. A questão de fundo é se a União Bancária irá ou não salvaguardar os cidadãos europeus e à classe trabalhadora de pagar outra grande crise financeira causada pelo capitalismo e por banqueiros gananciosos.

Na segunda parte da apresentação, darei atenção ao que podemos chamar de concentração de poder da classe capitalista e da elite europeia. Do nosso ponto de vista, trata-se de uma ameaça ao controlo público da banca e do sector financeiro.

Por fim, na última secção, falarei da Situação na Dinamarca.

A União Bancária será capaz de cumprir?

A crise financeira e a desregulação do capitalismo de casino em 2008 puseram a economia mundial de joelhos. Colocou em perigo a estabilidade financeira em todo o mundo. Desencadeou o desemprego de milhares e milhares de trabalhadores. E, por fim, deslocou a dívida da banca para a responsabilidade pública.
O preço da crise está a ser pago pela classe trabalhadora. Os banqueiros gananciosos que tinham causado a enorme crise estavam a ser resgatados pelos governos europeus com dinheiro público. A crise mostrou a urgência de um novo regime financeiro. Um regime que terminasse com o catastrófico sistema capitalista. Até os capitalistas conseguem perceber isso.

Inicialmente, quando a União Bancária tinha sido imaginada para quebrar «o ciclo vicioso entre bancos e soberanias». Por outras palavras, as pessoas não teriam de pagar pelos bancos e banqueiros quando estes brincavam com a estabilidade financeira. A União Bancária também deveria para os bancos demasiado grandes para falir. As principais instituições financeiras que faliram durante a crise devastaram a economia. E isto tem de ser evitado a todo o custo.

Para garantir isso a UE montou três pilares: um único supervisor, um único mecanismo de regulação e um tipo de esquema de garantia de depósito. Assim, a partir desse momento a UE estaria a controlar a regulação bancária. À UE caberia o poder e a competência para interferir com a regulação e supervisão dos estados membros.

Sem surpresas, a união bancária tem sido descrita por muitos peritos e políticos como o maior projecto de integração europeia desde a criação do euro. Mas uma coisa é o sonho, outra a realidade. Se virmos com atenção o desenlace união bancária da UE, verificamos que o resultado é preocupante. A união bancária falhou na criação de uma defesa capaz contra os banqueiros gananciosos e as crises do capital. Como consequência existe uma falta de controlo democrático e uma regulação financeira prejudicada.

Veja-se, por exemplo, o único fundo de resolução. É possível concluir que está seriamente sub-financiado. Depois de aplicadas as leis de bail in, só cerca de 50 biliões de euros estarão disponíveis para cobrir os custos.

Sabemos certo que durante a crise financeira de 2008 a 2011, os governos europeus atiraram com 4500 biliões de euros em ajuda financeira para salvar os bancos gananciosos e o sistema financeiro. Uma crise da mesma dimensão, ou até mais pequena, irá simplesmente enfraquecer o capitalismo europeu uma vez mais.

Afirmar que a união bancária irá assegurar os cidadãos de resgate de bancos sem dinheiro público é uma chacota.

O absurdo dessa situação até foi confirmado por um membro dos quadros da resolução única, Mauro Grande. A sua resposta sobre os fundos em falta chama-se «ponte de mecanismo financeiro». Em outras palavras, membros soberanos terão de cobrir os custos dos bancos caso a crise volte.

O famoso autor dinamarquês, Hans Christian Andersen, caracterizou a mentalidade da elite política no seu conto «A roupa nova do Imperador». Neste, o autor conta a histórias de duas tecedeiras que afirmam tecer roupa só visível para os que ocupavam um lugar na sociedade, graças à sua competência. A verdade é que as tecedeiras não tecem nenhuma roupa. Mas como o Imperador não está disposto a admitir que não consegue ver as roupas, o que significava não ter estatuto para ser Imperador, afirma vê-las muito bem. Até os aios não contestam a ilusão pois não querem criar dúvidas sobre a sua posição, permanecendo calados.

A verdade é que o Imperador anda completamente nu. Tudo ia bem até o Imperador se passear pela cidade mostrando as novas roupas. Um rapaz gritou subitamente que o Imperador ia nu. Arma-se então uma tremenda confusão.

O conto de Andersen reflecte brilhantemente a união bancária. Também não usa nenhuma roupa. Trata-se de uma dissimulação que cobre a falta de vontade da elite política em combater o sector financeiro.

A elite política ganha mais poder

Agora irei focar-me na segunda maior questão relativamente à União Bancária, pois esta não é só uma ameaça à estabilidade. Na verdade, assegura e reforça o estabelecimento do poder da política europeia sobre o sector financeiro, logo sobre a sociedade. Trata-se de um enorme golpe para a democracia e soberania.
Na nossa perspectiva, este aspecto é visível em dois lugares.

Em primeiro lugar, se repararmos no Mecanismo Único de Supervisão, verificamos que o Banco Central Europeu terá autoridade para supervisionar os bancos da união bancária.

É claro para todos que o Banco Central Europeu é a maior instituição do mundo sem responsabilidades democráticas ou controlo. Não existe transparência dentro do Banco Central Europeu nem é fácil obtê-la. Como partido de esquerda que somos, não podemos apoiar a ideia de lhe dar mais poder, a menos que sejam garantidas sérias concessões democráticas.

Em segundo lugar, Mecanismo Único de Supervisão e o Conselho de Resolução estão profundamente debilitados. Aqui, os tecnocratas europeus serão juízes do futuro da banca europeia. As suas decisões terão consequências em milhões de europeus.

Receamos que o Mecanismo Único de Supervisão esteja mais interessado em assegurar os bancos e as elites, em vez dos cidadãos. As resoluções serão levadas a cabo sem nenhum escrutínio democrático.

As experiências da União Bancária são ainda recentes – pois esta existiu num período limitado de tempo. No entanto, já vimos as consequências aqui em Portugal, onde a UE e a elite política europeia estão a interferir na tomada de posição política – varrendo soberania, legitimidade e decisão democrática.
Do nosso ponto de vista, a União Bancária só irá favorecer a retirada de poder do povo em favor dos tecnocratas europeus, como vimos durante a crise. A União Bancária removeu, efectivamente, poder de decisão e controlo democrático da classe trabalhadora e da esfera pública, em relação aos bancos.
A discussão sobre a União Bancária assemelha-se à discussão aquando da criação do Euro. Neste caso, os líderes europeus ignoraram os avisos de que a construção do Euro tinha falhas graves. Também desta vez a União Europeia ignorou os nosso avisos, sem nenhuma preocupação.

Dinamarca: Território Desconhecido

Na Dinamarca decorrem discussões sobre a União Bancária. Como se sabe, a Dinamarca não é membro da Eurozona. E, deste modo, não fazemos parte da União Bancária. Não obstante, a União Bancária está aberta a países de fora da Eurozona. Isto significa que a Dinamarca poderá juntar-se a esta. A questão é se isso vai acontecer.

Na Dinamarca existe uma forte tradição de realização de referendos relativos à União Europeia. Mas o ministro da Justiça dinamarquês concluiu que a Dinamarca pode fazer parte da União Bancária sem a realização de um referendo. A Aliança Vermelha quer um referendo e acha que essa deve ser a questão fundamental.

Mas receamos que o governo de ala direita, apoiado pelos Verdes e Sociais Democrata, se irá juntar à União Bancária sem a realização de referendo sobre o assunto – tal como o espírito antidemocrático da União Europeia.

Felizmente, a única coisa que impede o governo de direita de se juntar à União Bancária sem referendo é a grande oposição que irão encontrar por parte do povo dinamarquês.

Apesar de não estarmos na União Bancária, estamos solidários com a luta europeia contra a sua existência. A aliança Red-Green é uma grande oponente à União Bancária. Acreditamos que esta significa perda de soberania e irá infligir perda de controlo democrático numa das mais importantes áreas da sociedade. Mais ainda, facilita a mudança de poder do povo para as mãos das elites políticas. Acreditamos ser uma má forma de evitar uma crise financeira.

Para nós, a única ferramenta para proteger a classe operária de outra crise financeira é dividindo a força dos bancos e submetê-los ao controlo público. Temos de nos assegurar que nenhum banco fique demasiado grande, tornando-se «demasiado grande» para falhar.

Uma nota final. Agradeço o vosso tempo e anseio por uma troca de ideias.