Intervenção de Domingos Abrantes, Membro do CC do PCP, Seminário "A crise na União Europeia e a ofensiva contra os direitos, a liberdade e a democracia"

Serviços de Informações, soberania e articulação externa

Os propósitos proclamados no Programa de Estocolmo de que os seus objectivos visam construir uma Europa aberta que sirva e proteja os cidadãos, facilitar os direitos à justiça e garantir a sua participação na vida democrática, não podem ser tomados a sério e soam como música celestial para fazer adormecer a vigilância e a resistência às políticas antidemocráticas, à implementação de um vasto e sofisticado aparelho de carácter repressivo para actuar no âmbito de cada país e no plano internacional e no qual, apesar da diversidade de mecanismos que o suporta, os Serviços de Informações, assumindo progressivamente funções de polícia política, ocupam lugar central.
A história regista numerosos casos de acções coordenadas dos serviços de informações de vários países para o combate às forças revolucionárias, confirmando-se a tese de Marx de que as classes dominantes face aos movimentos revolucionários que ameaçam os seus interesses tendem a agir como classe única.
O que há hoje de novo é o facto de, a pretexto das ameaças terroristas, se procurar institucionalizar, como princípio universal, a existência de serviços de informações e de segurança com cariz de polícia política de carácter supranacional, em flagrante violação de direitos democráticos e a soberania dos povos e dos Estados.
A principal função dos serviços de segurança passa a ser o combate ao inimigo interno, um inimigo que não se confina às fronteiras de cada Estado e que deve ser combatido em qualquer parte do mundo, de forma centralizada e coordenada à escala internacional, sob a batuta das grandes potências e em particular dos EUA, para quem os interesses e a soberania dos outros Estados não entram em linha de conta.
O Estado português, com o apoio do PS e dos partidos de direita, estabeleceu um acordo com os EUA visando, pretensamente, reforçar a cooperação entre ambos os Estados na partilha de informações para prevenir e combater eficazmente o crime e em particular o terrorismo.
Este acordo viola a soberania nacional de Portugal e a sua ordem constitucional ao estabelecer que os Estados Unidos passam a poder ter acesso em Portugal a dados pessoais biométricos, biografias e perfis de ADN não só de pessoas que tenham cometido crimes, mas igualmente de pessoas que «se crê poderem vir a cometer crimes».
Deste modo, fica aberta a porta para a devassa da vida dos cidadãos, para a arbitrariedade total em matéria de liberdades e garantias.
Portugal participou comprovadamente na chamada operação Guantanamo, operação policial repressiva desencadeada pelos Estados Unidos à margem das leis portuguesas, em flagrante violação da soberania nacional de Portugal e dos tão apregoados direitos humanos.
Estes acordos são concordantes com as proclamações da NATO e das potências imperialistas que se arrogam do direito de intervir em qualquer parte do mundo em que os interesses do grande capital estejam ameaçados.
Embora aos serviços de informações da República Portuguesa, montados com o auxílio da CIA, lhe estejam consignadas funções de «produzir informações úteis à segurança interna e prevenir sabotagens, o terrorismo e a espionagem e actos que possam destruir o Estado democrático», a sua função real é a de cada vez mais assumir o papel de polícia política na fichagem de activistas sindicais e partidários democráticos, se envolver em acções ilegais de provocação e espionagem a forças sociais e políticas que resistam à política de direita.
Os serviços de informações da República Portuguesa, cada vez mais centralizados, governamentalizados, imunes ao controlo democrático, ligados a serviços estrangeiros, tornam-se num perigoso instrumento de conspiração e luta pelo poder entre facções das classes dominantes, de sociedades secretas, nomeadamente da Maçonaria e de grandes grupos económicos, no topo dos quais estão instalados elementos saídos da chamada «comunidade de informações», como o comprovam os recentes escândalos, envolvendo espiões, membros do governo, de grandes grupos económicos e da Maçonaria.
O PCP, a par da luta em defesa das conquistas democráticas e por profundas transformações sócio-económicas que atinjam o poder político e económico dos grandes grupos monopolistas, condição para a consolidação do regime democrático, tem desenvolvido uma persistente acção, nas instituições e fora delas, a exigir esclarecimentos quanto à utilização do território nacional para operações ilegais contra outros povos, na apresentação de iniciativas legislativas que garantam controlo democrático dos serviços de informações, de denúncia e mobilização contra o rumo antidemocrático e inconstitucional destes serviços, da sua utilização como instrumento do governo contra o regime democrático e seu enfeudamento aos interesses do imperialismo.