Intervenção de Heloísa Apolónia, Deputada do PEV na Assembleia da República, Seminário «O Capitalismo não é verde. Uma visão alternativa sobre as alterações climáticas»

«Ser-se ecologista implica efectivamente ser-se contra o sistema capitalista»

«Ser-se ecologista implica efectivamente ser-se contra o sistema capitalista»

Em primeiro lugar, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», quero agradecer ao Partido Comunista Português o convite que nos foi dirigido para estarmos presentes neste seminário, que já teve intervenções interessantíssimas e muito profundas sobre o tema.

Eu gostava de começar por dizer que, para «Os Verdes», a defesa do meio ambiente e da natureza não é uma questão de moda. Para «Os Verdes», a defesa do ambiente é um pilar fundamental para a promoção do desenvolvimento.

Agora está, porém, na moda e, consequentemente, de repente todos desataram a colocar nos seus programas e também nos seus discursos as matérias ambientais, procurando fazer aquilo que podemos chamar um greenwashing político, designadamente quando se trata daqueles que têm contribuído, ao longo de todos estes anos e de todas estas décadas, para a expressão de problemas ambientais. Aqueles que, quando estiveram no Governo (designadamente o PS, o PSD e o CDS), contribuíram afincadamente para acentuar problemáticas ambientais e para pôr em causa a sustentabilidade do desenvolvimento no nosso país. Promoveram o desinvestimento na área ambiental e colocaram sempre os grandes interesses económicos acima da promoção da qualidade de vida das pessoas, acima da preservação dos nossos ecossistemas e, uma outra questão fundamental, reduziram recursos humanos, quando efectivaram a redução de trabalhadores na função pública, que eram também fundamentais na área do ambiente. Desinvestiram no combate à poluição, fomentaram assimetrias regionais, encerraram serviços públicos no interior do país, encerraram linhas ferroviárias, liquidaram a nossa agricultura, promoveram o despovoamento das zonas mais rurais - estes são alguns exemplos que demonstram como estas políticas erráticas deixaram o interior completamente fragilizado, e, inclusivamente, abriram espaço à maior intensidade de dramas, como os fogos florestais que têm afectado o nosso país.

E continuam a cometer-se erros, ainda por cima com gastos avultados de recursos públicos, que vão gerar e intensificar problemas ambientais, numa era onde urge promover um processo de adaptação às mudanças climáticas, como é o caso do olival e de outras culturas super-intensivas, que se estão a alastrar pelo nosso mundo rural, mormente no Alentejo, com repercussões muito concretas nos gastos avultados de água, na saturação dos solos e na utilização de pesticidas que afectam muito em concreto a vida diária das pessoas.

Estes partidos, que agem pela moda e não por convicção nas matérias ambientais, não olham a meios para garantir que os grandes interesses económicos não são afectados. Por exemplo, salvaguardam os interesses das multinacionais do sector agroalimentar prejudicando sobremaneira os direitos dos consumidores, quando no que respeita aos organismos geneticamente modificados nem permitem aos cidadãos exercer o seu direito de opção sobre o que querem ou não consumir, uma vez que, ao nível da União Europeia, não é obrigatório que na rotulagem de determinados produtos haja informação sobre se contêm ou não transgénicos, como é o caso daqueles que o contêm abaixo de 0,9%, ou nas carnes, ou nas rações para animais.

Outra área que gera um apetite enorme de controlo pelo sector privado é a gestão da água. Estamos a falar de um bem essencial à vida, a todas as formas de vida, do qual ninguém pode prescindir, e que «Os Verdes» recusam que seja assumido como uma mercadoria, uma vez que o acesso à água é um efectivo direito. Importa relembrar que o anterior governo PSD/ /CDS chegou a colocar em cima da mesa a alienação da Águas de Portugal, procurando implementar a sua ideologia de entrega aos privados de todos os sectores determinantes para o nosso desenvolvimento.

Muitas vezes o que verificamos é que algumas medidas que vão ao encontro de estratégias de mitigação da poluição e de melhor desempenho energético só são tomadas porque delas decorre uma boa área de negócio para algumas grandes empresas - é o caso dos incentivos à compra de carros eléctricos, que já vou adiante explicar por que razão nós, «Os Verdes», não consideramos ser o alfa e o ómega da solução para a mobilidade que se impõe.

Antes disso é preciso afirmar que ser-se ecologista implica efectivamente ser-se contra o sistema capitalista, contra este sistema que se baseia num modelo de produção e de consumo absolutamente insustentável, que delapida e explora até ao «tutano» os recursos naturais e que tem como primeiro e único objectivo a obtenção de lucro a curto prazo.

Em relação às alterações climáticas em si, de que hoje toda a gente fala (mas para as quais o PEV alerta veementemente desde o início da década de 90), eu gostava de dizer que se podem apresentar muitas medidas simbólicas e muito simpáticas, como por exemplo a declaração nacional de emergência climática, ou como por exemplo a constituição de uma secretaria de Estado ou de um Ministério do clima, mas o que urge efectivamente são medidas concretas, transversais e eficazes. E a verdade é que há partidos que apresentam essas medidas simbólicas e, quando nós apresentamos propostas que efectivamente têm eficácia no combate às alterações climáticas ou num processo de adaptação às alterações climáticas, eles não votam favoravelmente, demonstrando que essa não é uma sua verdadeira preocupação.

Quero só muito rapidamente dar dois exemplos de dois sectores muito concretos, para os quais «Os Verdes» batalharam imensamente nesta última legislatura.

O primeiro tem a ver com os transportes. Referi há pouco que a solução para a redução de gases com efeito de estufa nesta área, na área da mobilidade, não passa por substituir todos os carros existentes, que consomem a partir de combustíveis fósseis, por carros eléctricos, porque vamos manter um problema de mobilidade muito sério e vamos encontrar outros problemas de recursos naturais necessários para a produção de baterias em massa. O que é, efectivamente, fundamental é apostar numa boa rede de transportes públicos colectivos que dê resposta àquelas que são as necessidades dos cidadãos. Por isso, «Os Verdes» lutaram para inverter a lógica de desinvestimento na ferrovia, a lógica de encerramento de linhas ferroviárias e exigimos deste Governo maior investimento nesta componente de mobilidade. Não se foi tão longe quanto o PEV considera que havia possibilidade de se ter ido porque o PS não permitiu, mas o PEV cá esteve a batalhar para que esse investimento crescesse e também para a redução do preço dos títulos de transporte, factor fundamental para incentivar os cidadãos a utilizar o transporte colectivo e a largar, nos seus movimentos pendulares, o automóvel particular, com muitos benefícios para a redução de emissão de dióxido de carbono. O Partido Ecologista «Os Verdes» continuará a trabalhar no sentido de reforçar a rede de transportes públicos no país, para garantir o direito à mobilidade dos cidadãos, para promover coesão territorial e para combater as alterações climáticas.

O outro sector é o da floresta, também determinante para o processo de mitigação e adaptação às alterações

climáticas. Anteriores governos promoveram a cedência da nossa floresta ao sector da celulose, o que gerou a implantação de brutais monoculturas de eucalipto. A lei, da responsabilidade da então Ministra Assunção Cristas, que ficou conhecida como a famigerada lei da liberalização do eucalipto, abriu ainda mais portas para as monoculturas de eucalipto, que funcionam efectivamente como um rastilho muito perigoso para a propagação de fogos florestais, para além de outros problemas ambientais e de biodiversidade que acumulam. Nesta legislatura, o PEV exigiu do Governo a alteração dessa lei e trabalhámos para que se iniciasse um caminho de transformação da nossa floresta, de modo a torná-la mais resistente e multifuncional, do ponto de vista económico, social e ambiental. Sabemos que não é um resultado que se veja de um dia para o outro, mas era preciso iniciar esse caminho. Para isso, entre outras questões, designadamente de ordenamento florestal, é determinante a diversidade dos povoamentos florestais, para o que se torna necessário apostar nas espécies autóctones.

Por fim, quero sublinhar um aspecto, que é efectivamente um alerta: cuidado, porque que o que nós conquistámos nesta legislatura, também em termos ambientais, não está garantido. É preciso avançar e não voltar para trás deitando por terra conquistas que foram efectivadas. É por isso que a próxima composição parlamentar e a força que cada partido tiver é determinante para seguir um caminho - reforçá-lo ou destruí-lo, é a opção que está em cima da mesa. Por isso, quero terminar dizendo claramente que dar mais força à CDU é garantir que se avança, seja em medidas concretas e eficazes para mitigar e promover um processo de adaptação às alterações climáticas, seja para combater índices

de poluição com que nos confrontamos, seja para garantir transparência e rigor nos instrumentos de avaliação de impacto ambiental, seja, em suma, na melhoria dos nossos padrões ambientais e na qualidade de vida das populações.

Em suma, nós aqui estamos para promover e garantir mais justiça social e mais justiça ambiental.

Obrigada pela vossa atenção.