XV e XVI congressos do PCP

Saber resistir para poder avançar

Saber resistir para poder avançar

O XV e o XVI congressos do PCP, realizados em 1996 e 2000, tiveram lugar num período de forte ofensiva das forças do grande capital, em Portugal como a nível global. Os comunistas portugueses souberam resistir e preparar o caminho para novos avanços.

No final de 1996, quando o PCP realizou no Porto o seu XV Congresso, o País e o mundo estavam em acelerada transformação. Os violentos efeitos das derrotas do socialismo na URSS, com a sua destruição, e nos restantes países do Leste europeu faziam-se sentir em todo o planeta, nas esferas económica, política, social, ideológica e militar. Direitos duramente conquistados com a luta de gerações de trabalhadores eram postos em causa, particularmente na Europa; a desorientação, fragilização e desaparecimento de vários partidos comunistas tornaram mais difícil a resistência.

Em África, na Ásia e na América Latina, a luta dos povos pela emancipação social e nacional sofria sérios retrocessos, pese embora vitórias pontuais – mas significativas –, como foi o caso do fim do regime do apartheid na África do Sul. Liberto do travão que o campo socialista constituiu durante décadas, o imperialismo estendia o seu domínio a todo o mundo e a todas as áreas. Sucediam-se as intervenções militares e o derrube de governos progressistas. Quando o PCP realizou o seu XVI Congresso, em Dezembro de 2000, já a NATO tinha bombardeado a Jugoslávia e alterado o seu conceito estratégico num sentido abertamente ofensivo. A guerra do Afeganistão estava à distância de um ano...

Em Portugal, uma década de «cavaquismo» e o governo do PS que se lhe seguiu deixaram alavancas fundamentais do País novamente nas mãos de um punhado de grupos económicos, em alguns casos os mesmos que sustentaram o fascismo e dele beneficiaram. No caso de grandes empresas nacionais das cinturas industriais de Lisboa e Setúbal, privatização foi mesmo sinónimo de desmantelamento e encerramento. À destruição da Reforma Agrária seguiu-se a reconstituição da grande propriedade latifundiária e, uma vez mais, o abandono, o desemprego e a desertificação. A submissão consciente e voluntária às imposições da União Europeia agravou sobremaneira a fragilidade da economia nacional.

Com a generalização de várias formas de precariedade, recuaram os direitos dos trabalhadores. Particularmente nos últimos anos de governação de Cavaco Silva, a luta de massas deparou-se frequentemente com a repressão policial. Na educação, na saúde e na segurança social deram-se passos decisivos na desresponsabilização do Estado e na mercantilização destas importantes funções sociais.

Resistir e lutar

A conjuntura internacional adversa, o impetuoso avanço da política de direita, a intensa ofensiva ideológica, o encerramento de grandes unidades industriais e a destruição da Reforma Agrária não deixaram de ter impacto no PCP. O desaparecimento de poderosas células de empresa e o recuo eleitoral foram algumas das expressões mais visíveis desta realidade. Mas, como diria o Secretário-geral Carlos Carvalhas na abertura do XV Congresso, «apesar da manutenção de um conjunto de condições objectivas desfavoráveis, a organização do Partido respondeu como um grande colectivo de forma empenhada às tarefas e desafios de uma exigente situação política e social e teve forças e energias para progredir em numerosos objectivos orgânicos». Sem desfalecimentos nem esmorecimentos, o colectivo partidário «manteve uma intensa actividade, marcada por uma significativa militância e capacidade realizadora», acrescentou.

Na verdade, e ao contrário de muitos partidos comunistas pelo mundo fora, o PCP não perdeu a sua ligação com a classe operária e os trabalhadores, preservando a sua influência no movimento sindical e operário. A intervenção das organizações locais do Partido e a exemplar gestão democrática de dezenas de autarquias pelos eleitos da CDU permitiram-lhe manter fortes laços com as populações.

No plano político, o PCP assumiu as despesas da luta: contra as privatizações e o desemprego; pelo aumento dos salários e o trabalho com direitos; pela escola pública, gratuita e universal; pela soberania e contra o aprofundamento da integração capitalista europeia; pela paz e contra a guerra; pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez e a regionalização.

A derrota eleitoral do PSD em 1995 deveu-se à resistência e luta dos trabalhadores e do povo, na qual os comunistas assumiram o seu papel de vanguarda. Face ao novo governo do PS, chefiado por António Guterres, que prosseguiu as linhas gerais do anterior, o PCP manteve a sua posição de sempre: apoiar medidas positivas, resistir ao aprofundamento da política de direita, protagonizar a alternativa necessária.

Alternativa e identidade

O XV Congresso, realizado pouco mais de um ano após a derrota do «cavaquismo» e a formação do governo PS, preocupou-se fundamentalmente com a assunção de orientações tendentes ao reforço do Partido e à sua afirmação como polo aglutinador da esquerda e de uma alternativa democrática à política de direita antes imposta pelo PSD e nessa altura prosseguida pelo PS.

A «política de esquerda» que então propunha, baseada no Programa de «Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI», tinha como eixos centrais: desenvolver a economia; travar os processos destrutivos e promover o emprego; melhorar as condições sociais e o ambiente; promover a educação, a ciência e a cultura; assegurar a liberdade e concretizar uma reforma democrática do Estado; lutar por um Portugal de progresso, aberto ao mundo e por um novo rumo na integração europeia. Para concretizar tal política era necessária a existência de um governo democrático.

Quatro anos depois, no XVI Congresso (realizado no Pavilhão Atlântico, em Lisboa), foram as questões da identidade do Partido a estar em destaque. Nos meses que antecederam esta reunião magna dos comunistas, uma poderosa e orquestrada campanha ideológica – amplificada pela generalidade dos órgãos de comunicação social e contando com o concurso de alguns membros do Partido – procurou condicionar o debate preparatório do Congresso. Numa grande demonstração de consciência revolucionária, o colectivo partidário empenhou-se na discussão das Teses e uma vez mais o Congresso foi o que os seus militantes quiseram que ele fosse e o Partido saiu dele com uma renovada afirmação da sua identidade e do seu projecto.

Álvaro Cunhal - Uma intervenção e uma mensagem

Em Dezembro de 1996, Álvaro Cunhal fez a sua última intervenção num congresso do Partido. Era então presidente do Conselho Nacional e falou na abertura dos trabalhos, logo após o Secretário-geral Carlos Carvalhas. As suas primeiras palavras foram de confiança: a luta dos trabalhadores e dos povos, em Portugal e no mundo, enfrentava nesse final de século XX «gravíssimos problemas, uma situação complexa e um difícil e acidentado caminho», mas nem por isso o Congresso do Partido traçava uma «visão pessimista do futuro». Pelo contrário, valorizou Álvaro Cunhal, a reunião magna dos comunistas apontou, «confiante, uma perspectiva e um caminho para ultrapassar a situação actual».

Esse caminho, sublinhava o histórico dirigente comunista, era «o da luta que continua». Quanto ao Partido, contrariava «pressões e desejos para deixar de ser o que é», afirmando e confirmando, «corajoso e confiante, a sua identidade comunista». No momento concreto em que se realizava o XV Congresso do Partido, a tarefa política central que estava colocada ao PCP era a «luta por uma viragem democrática». Contudo, apontou Álvaro Cunhal, o «nosso horizonte e a nossa perspectiva são mais largos».

A luta por soluções a curto e a médio prazo não só não contradizia como constituía um «elemento constitutivo da luta por uma sociedade libertada da exploração do homem pelo homem, das grandes desigualdades e injustiças sociais, dos terríveis flagelos do capitalismo». Assim, não só o socialismo não tinha desaparecido com a desagregação da União Soviética como seria inevitável, a prazo, o «recrudescimento da luta dos trabalhadores, um novo ascenso de lutas revolucionárias, novos movimentos de libertação social, política, cultural e nacional, revigoramento do movimento comunista e revolucionário mundial, novas revoluções socialistas». O tempo, sempre ele, deu uma vez mais razão a Álvaro Cunhal.

Confiança e convicções

Ausente fisicamente do XVI Congresso, por motivos de saúde, Álvaro Cunhal não deixou de acompanhar de perto e participar no debate e nos próprios trabalhos congressuais. A mensagem que enviou foi um dos mais combativos e emotivos momentos desse congresso, motivando longos aplausos, vivas ao PCP e mesmo algumas lágrimas.

Nessa mensagem, Álvaro Cunhal manifestava a sua convicção de que do Congresso resultaria o «reforço político, organizativo e ideológico do Partido e do seu papel insubstituível na vida nacional». Esta tarefa, sempre importante, era ainda mais urgente num momento em que estava em curso «uma das mais violentas campanhas anticomunistas de todos os tempos», com pressões visando a descaracterização do PCP e o projecto de uma «fascizante lei dos partidos, apresentada por PS e PSD, visando uma intolerável intervenção na nossa vida interna».

Face à violência da ofensiva e à situação nacional e internacional, Álvaro Cunhal apelava ao desmascaramento dos «cantos de sereia» e à reafirmação da identidade comunista do Partido e seus elementos fundamentais, enumerando-os: a reafirmação do PCP enquanto «partido da classe operária e de todos os trabalhadores»; o objectivo da construção de uma sociedade socialista, «o que não invalida resposta pronta aos problemas de cada dia»; a vida democrática interna «sem paralelo no quadro nacional»; o simultâneo patriotismo e internacionalismo; e a teoria revolucionária dialéctica, antidogmática e criativa, o marxismo-leninismo. Para Álvaro Cunhal, só quem quisesse destruir o Partido poderia pretender renegar estes aspectos da sua identidade.

A convicção comunista do PCP, afirmava ainda Álvaro Cunhal, «assenta em realidades objectivas, que alguns pretendem negar e esquecer: a divisão da sociedade em classes, a luta de classes, a política de classe do governo».

A mensagem terminava com a confiança que Álvaro Cunhal demonstrou em toda a sua vida militante, quaisquer que fossem as condições em que actuasse: «confio que as novas gerações, ganhas pelos ideais do comunismo, manterão bem alto a nossa bandeira, a bandeira vermelha com a foice e o martelo.»

Publicado no Jornal Avante!