Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Relatório Anual de Segurança Interna (RASI)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados

Na análise do Relatório Anual de Segurança Interna de 2014 o que queremos começar por destacar é um facto que se repete todos os anos: é que grande parte deste Relatório trata da criminalidade participada e não da criminalidade real.

O descrédito nas instituições, a demora da justiça e os custos com a justiça são alguns dos factos que levam os portugueses a não participar a criminalidade ocorrida.

Por isso, este Relatório Anual de Segurança Interna é assim, nesta parte, um instrumento muito pouco credível e com pouca aderência à realidade que se verifica no terreno. Daí quase ironizar que, a este ritmo, não tarda muito não existe criminalidade em Portugal, porque todos os anos diminui a criminalidade.

Há factos que explicam estes acontecimentos, factos no próprio RASI que demonstram como se trabalham os dados da criminalidade. Dou um exemplo: surgem, ano após ano, novas agregações de tipo de crime com o objectivo de diminuir outras categorias e tipos de crime. Temos, por exemplo, os crimes contra a identidade e a integridade pessoal com um crescimento de 46%, o que não é naturalmente credível. Contudo, este aumento de 46% à agregação de determinado tipo de crime permite esvaziar outros tipos de crime e, assim, iludir as estatísticas da criminalidade.

Um outro facto que altera as estatísticas é o facto de as acções de fiscalização rodoviária terem tido uma quebra acentuada de 2013 para 2014. Tivemos menos 3000 acções de fiscalização e menos 14 000 agentes alocados às acções de fiscalização. Como é óbvio, se não há acções de fiscalização ou se elas se reduzem significativamente os tipos de crime naturalmente que baixam, não porque não existam, mas porque não existe a fiscalização necessária.

Queremos aqui registar, com preocupação, o facto de o terceiro crime mais participado ser o da violência doméstica, o que demonstra bem o flagelo que esse mesmo crime significa, sendo também ele um exemplo de como esta agregação de tipos leva a esvaziamento de estatísticas.

Há dois anos atrás, salvo erro, o crime de violência doméstica fazia parte da categoria dos crimes violentos, da criminalidade grave. Como deixou de fazer, diminuiu aquilo que é a estatística da criminalidade grave, não obstante continuar a ser um problema muito significativo.

Queremos, nesta discussão do Relatório Anual de Segurança Interna de 2014, aproveitar para saudar e elogiar o trabalho de todos os agentes das forças de segurança no País. Mas, para o PCP, os elogios não chegam. Exigem-se medidas concretas para que os agentes tenham as condições necessárias para o desempenho das suas funções e importa valorizar os agentes nos seus direitos e salários.

O PSD, o CDS e o Governo ficam-se pelos elogios, o PCP exige medidas concretas. Por isso, Sr.ª Ministra, gostava de abordar um conjunto de questões.
O Governo revogou a lei da programação de aquisição de equipamentos, mas subsistem graves problemas quanto aos equipamentos, nomeadamente as viaturas que estão completamente obsoletas, com idade e quilometragem excessivas.

Há dezenas e dezenas de esquadras da PSP e postos da GNR sem as mínimas condições de trabalho. O que é que vai fazer, Sr.ª Ministra, relativamente a esta realidade?

O número de efectivos, de agentes, é claramente insuficiente e regista-se um preocupante aumento da idade média dos agentes. Portanto, este envelhecimento é algo que preocupa e que merecia uma reflexão por parte da Sr.ª Ministra.

Sr.ª Ministra, ao contrário dos elogios sem consequência, vamos resolver problemas concretos. Há um problema na aposentação dos agentes da PSP. Como sabe, os agentes da PSP podem — e bem — aposentar-se aos 60 anos de idade, no entanto a Caixa Geral de Aposentações tem o entendimento que se trata de uma reforma antecipada — quando não o é —, o que leva a injustificadas penalizações. O que é que vai fazer para corrigir este problema concreto que afecta a vida dos agentes?

Sr.ª Ministra, sobre os estatutos profissionais da GNR e da PSP, quando vão ser publicados, sabendo que estamos em fase avançada de negociação? Urge a publicação dos estatutos.

Quanto ao estatuto da GNR, queremos aqui manifestar a nossa preocupação quanto às notícias que são veiculadas e que levam à preocupação do acentuar do cariz militar desta força. A GNR desempenha funções de segurança interna, Sr.ª Ministra, logo não pode ter natureza militar e tem de se caminhar para a natureza civil desta força.

Esta visão militarizada da GNR apenas serve para agravar a exploração, impor horários desregulados e impor um estatuto disciplinar que é, claramente, do século passado.

Por fim, coloco duas questões: há intenção, por parte do Governo, de utilizar militares na reserva na vigilância de escolas. Como justifica esta opção, Sr.ª Ministra? Há confusão completa de conceitos. Não sabe a Sr.ª Ministra que os artigos 272.º e 273.º da Constituição não permitem a utilização de militares para missões de segurança interna? Como justifica esta opção, que é claramente inconstitucional?

Sr. Presidente, para terminar, quanto à protecção civil, não ficámos sossegados com a explicação dada relativamente aos Kamov. Sr.ª Ministra, importa que haja garantias concretas no sentido de que estes meios pesados de combate a incêndios estejam efectivamente operacionais no pico do verão e as declarações que aqui foram produzidas pela Sr.ª Ministra não nos dão essa garantia, pelo que manifestamos a nossa preocupação quanto a essa matéria.

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