Projecto de Resolução N.º 262/XIV/1ª

Recomenda ao Governo a não autorização de alienação de barragens concessionadas pelo Estado à EDP

Exposição de motivos

I.

A EDP- Energias de Portugal, S.A., logo após a sua privatização, no quadro estratégico definido pelos novos titulares, travou o programa de construção de novos projetos hidroelétricos. Passou depois a investir fortemente no estrangeiro. Ulteriormente, desistiu mesmo de construir empreendimentos hidroelétricos cujas concessões tinha ganho em concurso no quadro do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH). Nos últimos meses, anunciou a intenção de alienar as concessões de importantes ativos – barragens – existentes em território nacional. Em síntese, passou do não investimento ao desinvestimento no país.

Do lote inicial de ativos a alienar, abrangendo diversas tecnologias, acabou por selecionar a venda de seis empreendimentos hidroelétricos situados na bacia hidrográfica do Douro: Miranda, Bemposta, Picote, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro. No seu conjunto, estas barragens representam uma potência instalada de 1.700 MW, cerca de 25% do total da potência hidroelétrica instalada no país. Como é público, esta alienação tem vindo a ser negociada com um consórcio constituído por três empresas de capital francês, algumas com historial na área da energia. Entretanto, um pedido de autorização chegou ao Governo.

II.

A importância das questões relacionados com o usufruto do Domínio Público Hídrico e a sua concessão é o fator dominante de um pedido formal ao Estado português, para permitir a transferência da titularidade das concessões do referido conjunto de ativos.

Há, no entanto, outras questões importantes e claramente do domínio estratégico:

(i) O papel ímpar e insubstituível dos empreendimentos hidroelétricos no sistema eletroprodutor nacional, desde logo na sua vertente renovável, reforçado pela possibilidade de encerramento das centrais térmicas a carvão existentes em Portugal.

A produção hidroelétrica, particularmente a associada a grandes empreendimentos, constitui, nas condições nacionais, o mais estruturante, seguro, eficiente e barato meio de produção de eletricidade, portanto o mais estratégico, desde logo na vertente renovável, mas também no quadro de toda a produção elétrica.

Pelo seu atual peso na produção elétrica nacional, pelo grande potencial ainda não aproveitado, pela enorme capacidade de armazenagem de água doce nos empreendimentos de albufeira (o que significa armazenagem de energia, ainda para mais potenciada pelos sistemas de bombagem), pela longa vida dos empreendimentos (seguramente mais de 80 anos para a componente de engenharia civil e de pelo menos 30 anos para os equipamentos mecânicos e eletromecânicos), as centrais hidroelétricas constituem a base mais segura, em termos do exercício da soberania, do Sistema Electroprodutor Nacional.

(ii) O facto de as barragens propriamente ditas (componente material básica dos empreendimentos hidroelétricos, sobretudo as de albufeira, mas também as de fio de água) constituírem instrumentos fundamentais de armazenamento da água e da gestão do caudal dos rios.

No quadro do regime histórico de chuvas em Portugal, dada a coexistência e conexão dos climas atlântico e mediterrânico, originando chuvas abundantes e concentradas no tempo (três a quatro meses por ano), as barragens constituem um importante instrumento para garantir que a água doce, um bem estratégico, não vá parar ao mar sem um adequado aproveitamento. São um inevitável instrumento de regularização dos caudais em períodos de intensa pluviosidade, como ficou recentemente demonstrado, pelas consequências da sua ausência, nas cheias do Baixo Mondego. São igualmente um elemento decisivo na segurança do abastecimento de água em períodos de seca ou de baixa pluviosidade, de que se tem agravado a intensidade e a periodicidade no país.

(iii) No quadro do seu papel único no Sistema Elétrico Nacional (SEN) e da sua contribuição fundamental na gestão de água doce no país, seria um erro permitir uma maior segmentação da titularidade e da gestão do sistema público de grandes barragens, dispersando a sua concessão por várias empresas privadas. Tal segmentação seria entrave à recuperação de um quadro que garanta a integral e unívoca condução do SEM conforme os interesses nacionais.

III.

A EDP, sendo uma empresa privada e de capital estrangeiro, continua a apresentar uma marca genética nacional, no fundamental devido à postura, experiência e profissionalismo dos seus trabalhadores e quadros, que obviamente assumem a ligação histórica da empresa ao seu país.

As perdas de eficiência e outras disfunções, já ocorridas no investimento e na gestão do sistema elétrico nacional, face às opções da EDP, poderão vir a ser agravadas caso ocorra uma transferência de titularidade, face à erosão da unidade orgânica do sistema, devido à fragmentação empresarial.

IV.

A alienação fere, na letra e no espírito, diversos preceitos constitucionais, designadamente os constantes das alíneas d) e e) do artigo 80º, das alíneas m) e n) do artigo 81º bem como da alínea a) d n.º 1 do artigo 84º.

Nos termos da legislação aplicável, designadamente da Lei nº 58/2005 (Lei da Água) e do decreto-lei nº 226-A/2007, a concessão para a utilização do Domínio Público Hídrico, ou a transferência da titularidade de concessões pré-existentes, exigem prévia autorização do Estado, através dos competentes organismos da Administração.

Essa exigência coloca-se neste caso, em que a EDP pretende alienar as barragens a favor do consórcio francês.

A este propósito, não podemos esquecer as ilegais e ilegítimas vantagens obtidas pela EDP no quadro de uma extensão do uso do Domínio Público do Estado sem qualquer concurso público, a que a legislações nacional obriga.

A questão em apreço não é uma mera questão técnica. Pelo contrário, é uma questão manifestamente política e é como tal que deve ser encarada pelo Governo.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que, na defesa do interesse nacional:

  1. Não autorize o pedido de alienação das concessões dos ativos do Sistema Eletroprodutor Nacional pela EDP;
  2. Não autorize outros pedidos de alienação de quaisquer outros ativos estratégicos do SEN.
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