Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"A realidade confirma as muito fortes razões para que o governo PSD/CDS não entre em funções"

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Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro

No seguimento das eleições do passado dia 4 de outubro e tendo presentes os seus resultados, que confirmaram a perda da maioria absoluta da coligação PSD/CDS, afirmámos que se impunha a necessidade de se extraírem consequências políticas e institucionais dessa essencial alteração. Eleições que tinham como objetivo eleger 230 Deputados e não essa mentira da eleição de um primeiro-ministro.

A eleição dos 230 Deputados, em conformidade com a arrumação de cada grupo parlamentar, determinaria as soluções políticas e, naturalmente, a própria política exercida pela Assembleia da República.

Mas dissemos mais! Dissemos que os resultados eleitorais expressavam não apenas a derrota do Governo mas também da sua política e traduziam uma inequívoca exigência de mudança por parte dos portugueses, incluindo os 700 000 eleitores que, há quatro anos, tinham votado no PSD/CDS e deixaram de o fazer.

Uma exigência que colocava a imperativa necessidade de assegurar a interrupção do rumo prosseguido pelo anterior Governo, de retrocesso económico, social e civilizacional, de que este Governo é um assumido herdeiro e continuador.

Sr. Primeiro-Ministro, fizeram uma campanha a afirmar: «há que não estragar o que já foi feito». Como assim?! Os senhores são responsáveis por estragar a vida e os direitos de milhões de portugueses, com cortes nos salários, nas reformas. Estragaram a vida a centenas de milhares de pequenos e médios empresários e agricultores. Afrontaram os direitos dos agentes da justiça, das forças de segurança, dos militares e dos homens e mulheres da ciência, da investigação e da cultura. Onde estamos neste momento?

Estamos numa situação nacional marcada por níveis dramáticos de desemprego e de encerramento de milhares de empresas, por níveis dramáticos de precariedade, de pobreza, de crescentes desigualdades sociais, de negação a milhões de portugueses de condições de vida dignas, pelo recurso forçado à emigração por parte de 0,5 milhão de portugueses, por um aumento brutal — o maior de sempre — dos impostos sobre o trabalho e pela redução dos rendimentos e dos direitos sociais das populações, nomeadamente à saúde, à educação e à segurança social, com o enorme desbaste que sofreram as prestações sociais.

Lendo o seu Programa, verificam-se grandes proclamações, enxertadas por força das circunstâncias e do previsível destino e desfecho desse Programa, como a que está no capítulo I: «Responder ao Desafio Demográfico» — creio que também referiu isto. Responder?! Responder como, Sr. Primeiro-Ministro?! Então, não foi o Governo que empurrou 0,5 milhão de portugueses, na sua esmagadora maioria jovens, para fora do País, ou seja, o grosso do potencial humano do País, capaz de dar outra velocidade à demografia?!

Fala agora na valorização dos profissionais da educação, quando andou quatro anos a infernizar as suas vidas, as suas carreiras, a sua colocação!
Vem, agora, falar em defender e revigorar o Estado social, mas, depois, escreve e propõe liberdade de acesso à saúde, liberdade de escolha do projeto educativo, ou seja, serviços mínimos para os pobres e dinheiros públicos para financiar a educação e a saúde dos mais ricos.

Inscrevem, aliás, reinscrevem o reforço da aposta na reindustrialização, calando que foi o vosso Governo que liquidou a primeira empresa industrial do País, a Cimpor, e que terminou com a PT, feita em fanicos e a valer, atualmente, 10 reis de mel coado!

O Governo propõe-nos implementar uma agenda para o comércio, serviços e restauração, numa conversa que já dura há quatro anos, enganando o comércio tradicional. Mais do mesmo, poderíamos dizer! Colorido, com algumas proclamações — é verdade! Mas, este mais do mesmo, é digno de que se lhe louve a coerência.

Este Programa tem como perspetiva a continuidade e a intensificação da política que agravou a exploração e o empobrecimento, que aprofundou as injustiças e as desigualdades, que acentuou a degradação do regime democrático e a subordinação e dependência nacionais, que, depois de tantos sacrifícios e de tantas vidas empobrecidas, não resolveu nenhum dos problemas estruturais, a única coisa que garantiu foram os lucros, os dividendos, os privilégios dos grupos económicos e financeiros.

Não, Sr. Primeiro-Ministro, não foi nada por crueldade, ou por má-fé, ou por vindicta! Não foi, não! Foi por opção política!

E, naturalmente, não se livra desta contradição: enquanto continuar a reforçar as fortunas, a aumentar os lucros e os dividendos na mão de uns quantos, os pobres serão sempre mais, em resultado dessa opção política que fez para o nosso País.

É por isso que, se se ofende quando falamos em dinheiros públicos e negócios privados, lembro um exemplo concreto: nós, por três vezes — repito, por três vezes —, nos debates que realizámos, colocámos a questão do encharcamento de mais de 1000 milhões de euros no BANIF. O Sr. Primeiro-Ministro dizia-nos: «Está garantido, porque vão pagar!». A verdade é que só pagaram a primeira prestação! Ai se isso tivesse acontecido a um português que se atrasasse com dois ou três meses de renda da casa?!

Ai de um português que tenha uma dívida, que logo aparece o fisco a cobrá-la! Esta é que é a diferença! Portanto, tem um carácter ideológico, naturalmente, mas é da opção política que resulta a situação do País.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, a realidade não joga com esse «país das maravilhas» que quis anunciar; antes, confirma as muitas e fortes razões para que o Governo do PSD não entre em funções

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