Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Acção «Em defesa do Serviço Nacional de Saúde contra o saque dos grupos privados»

O que é preciso é defender e reforçar o SNS e combater o saque dos grupos privados ao SNS

Ver vídeo

''

A realização desta iniciava, e de mais três dezenas que se estão a realizar de Norte a Sul do País, é o culminar da acção nacional promovida pelo PCP, iniciada há cerca de um mês com o lema - combater a COVID, recuperar atrasos, garantir o acesso aos cuidados de saúde – que tem como objectivo chamar a atenção para a situação que se vive na saúde e, fundamentalmente, denunciar a campanha que está em desenvolvimento contra o Serviço Nacional de Saúde, a partir dos grupos económicos do negócio da doença.

Uma campanha desenvolvida, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, que tem tido como principais protagonistas PSD e CDS-PP, muitas vezes com a conivência do PS e até com a sua iniciativa.

Contra o SNS estiveram sempre, tal como hoje com muita evidência se verifica, os chamados “interesses instalados” na saúde, designadamente a direita médica, os grupos monopolistas dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos e os grupos financeiros privados com as respectivas seguradoras. Todos eles têm tido um crescimento exponencial à custa da desvalorização do papel do SNS e da transferência de parte das responsabilidades do serviço público na prestação de cuidados para esse grupos.

Através da intervenção política de PS, PSD e CDS-PP, foi possível a este conglomerado de “interesses instalados” impedir a articulação e exploração das integrais potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da transferência de centenas de milhões de euros de recursos públicos para a acumulação privada.

Governo a Governo, os representantes desses interesses, por nomeação partidária, consoante o partido de turno no Governo, nas diferentes instâncias e serviços, ao longo destes 40 anos, levaram o SNS à situação actual, em prejuízo dos interesses do povo e do País.

O que estes últimos anos evidenciaram foi o autêntico saque dos grupos privados ao SNS, que não tem parado de crescer. Ao longo destes últimos 20 anos, são muitos milhares de milhões de euros em convenções, contratações de serviços e PPP, que têm garantido uma parte significativa dos seus orçamentos e dos investimentos em novas unidades.

Em 2018, por exemplo, podemos verificar que na contratualização de actos clínicos com estes grupos e nas PPP, o SNS transfere mais de 1.000 milhões de euros, 500 milhões dos quais em exames de diagnóstico que podiam ser realizados pelo SNS, fora os mais de 400 milhões de euros para pagar as PPP e os cerca de 200 milhões de euros em pagamentos a dois grandes grupos que detêm mais de 90% da hemodiálise que se faz em Portugal.

No total são cerca de 2.000 milhões de euros que vão directamente para os bolsos destes grupos monopolistas.

Aproveitando dificuldades existentes na prestação atempada de cuidados de saúde nas unidades do SNS, particularmente nesta fase, PSD e CDS, como se não tivessem nenhuma responsabilidade na situação, desenvolvem, no plano político e ideológico, uma cínica ofensiva contra o SNS, protagonizada no terreno pelos seus quadros instalados em instituições e organizações ligadas à saúde, com forte apoio mediático.

Nas últimas semanas alguns dos principais protagonistas da campanha contra o SNS ocuparam os principais órgãos de comunicação social com sucessivas intervenções onde cinicamente apontaram aquela que dizem ser a solução para salvar o SNS – a entrega aos grupos privados das cirurgias e consultas em atraso e os exames de diagnóstico e terapêutica, aquilo que dá lucro, deixando para o SNS o que dá despesa, o combate à COVID-19.

E como a vergonha é pouca, vão ainda mais longe quando defendem que é preciso reforçar o financiamento do SNS a pensar no que daí beneficiarão.

Fazem o mal e a caramunha. Durante anos são responsáveis pelo subfinanciamento, pela desvalorização social, profissional e salarial dos profissionais do SNS, levando a que muitos deles tenham abandonado o regime de exclusividade ou passando integralmente para uma actividade privada, não renovaram equipamentos, deixaram deteriorar instalações, e como se não tivessem nada a ver com o assunto, vêm agora, cinicamente, propor uma solução que, a ser adoptada, terá como consequência a destruição do SNS da sua natureza e características.

O presidente da Associação dos Hospitais Privados foi muito claro quando anunciou a disponibilidade dos grupos privados, que terão disponibilizado 500 camas nos seus hospitais, mas apenas 80 para doentes COVID. Está tudo dito sobre a solução que apontam.

Também nós estamos preocupados com a situação que se vive hoje no SNS.

Apesar de todas as dificuldades e das insuficiências hoje manifestadas, o Serviço Nacional de Saúde demonstrou ser a única solução e instrumento para assegurar os cuidados de saúde a todos os portugueses, enquanto os grandes grupos privados fechavam as instalações e as portas aos doentes Covid.

No combate à epidemia, o SNS provou ser a solução para garantir em pleno o direito à saúde e na resposta ao surto epidémico, deixando evidente que é o único instrumento capaz de garantir a saúde das populações, hoje e no futuro.

É igualmente reconhecida a determinação, o esforço e a dedicação dos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, assistentes técnicos e assistentes operacionais. Mesmo num momento extremamente difícil, os profissionais de saúde disseram presente.

Em Maio, o PCP apercebendo-se que era preciso manter o combate à COVID-19, mas também recuperar atrasos e garantir o acesso aos cuidados de saúde a todos, sem deixar ninguém para trás, apresentou na Assembleia da República uma proposta de Plano de Emergência para o Serviço Nacional de Saúde que, a ser aprovado e concretizado, teria criado as condições para que, hoje, o SNS não estivesse a passar pelas dificuldades que são conhecidas.

Um plano que aponta para o reforço dos meios financeiros, humanos, técnicos e materiais.

Um plano de emergência para o SNS que garanta as condições para aumentar a sua capacidade, com a adopção de medidas extraordinárias para a contratação de profissionais de saúde em falta, para garantir condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores, para aumentar o número de camas e modernizar o equipamento.

A solução para os problemas actuais não passa pelo recurso ao Estado de Emergência, desadequado às medidas de que o País precisa para enfrentar a difícil situação que atravessa.

Estado de Emergência que desconsidera em absoluto a principal questão que está colocada ao País, que é a definição de condições de segurança sanitária que é necessário criar em cada área e sector, para que a vida nacional possa prosseguir com a normalidade possível nas circunstâncias que vivemos.

A declaração do Estado de Emergência não aponta para um único verdadeiro impulso para o reforço do SNS mas faz sem pudor apologia do negócio da doença. Até a possibilidade legal – que já existia e continuará a existir – de requisição pelo Estado dos meios privados é habilidosamente reconvertida num apelo a contratos que firmem esse negócio para engrossar os lucros dos grupos económicos privados que operam nesta área.

O PCP reafirma que a solução que o País precisa face à epidemia e à acentuação da campanha do medo que lhe é associada, passa por: reforçar o SNS, assegurar a protecção individual, fazer a pedagogia da protecção; dinamizar as actividades económicas, sociais, culturais, desportivas; exercer os direitos políticos e sociais e combater o medo e os seus propagandistas.

O que é preciso é defender e reforçar o SNS, e combater o saque dos grupos privados ao Serviço Nacional de Saúde.