O crescimento económico do país
e o défice orçamental

 


Economista

É necessário uma nova estratégia de desenvolvimento e novas políticas para Portugal. Contrariamente ao que se pretende fazer crer, o problema do défice orçamental é importante mas não é o problema mais grave que o país enfrenta. No passado também se verificaram défices orçamentais e, por vezes, mesmo superiores aos actuais, como mostram os dados constantes do quadro I. O grave é que o défice actual esteja associado a uma quebra significativa na taxa de crescimento económico e mesmo à recessão económica, como mostram também os dados do quadro.

QUADRO I – Evolução do défice orçamental e das taxas de crescimento económico em Portugal – Período 1984-2004

Governo Anos com défice igual ou inferior a -3% do PIB Défice
orçamental
Taxa crescimento
real da economia
PSD 1989 -1,90% 5,50%
PSD 1992 -2,30% 3,50%
PS 1998 -2,80% 4,80%
PS 1999 -2,20% 3,80%
PS 2000 -2,10% 3,70%
PSD/PP 2002 -2,90% 0,50%
PSD/PP 2003 - 3,0% (a) - 1,2%
PSD/PP 2004 - 3,0% + 1,0%
  Média - 2,5% + 2,7%
       
Governo Anos com défice superior a -3% do PIB Défice
orçamental
Taxa crescimento
real da economia
PSD 1985 - 9,9% + 2,0%
PSD 1986 - 5,9% + 5,0%
PSD 1987 - 5,1% +7,5%
PSD 1990 - 4,5% + 6,0%
PSD 1991 - 5,8% + 4,0%
PSD 1993 - 5,6% + 0,1%
PSD 1994 - 5,8% + 1,0%
PSD 1995 - 5,8% + 2,3%
PS 1996 - 4,0% + 5,0%
PS 1997 - 3,2% + 4,2%
  Média - 5,6% + 3,8%

Fonte: 30 anos de Finanças Públicas – INE; (a) os défices reais são superiores em cerca de 1 ponto percentual, já que os oficiais resultam, como se sabe, de operações de engenharia financeira

Como mostram os dados do quadro, défices orçamentais inferiores a - 3% não determinam necessariamente taxas de crescimento económico elevadas. De acordo com os dados do quadro, a taxa média de crescimento económico (+ 3,8%) verificada nos anos em que o défice orçamental ultrapassou - 3% (+3,8%), foi superior em cerca de 41% à taxa média de crescimento económico registada nos anos em que o défice orçamental foi inferior a - 3% (+ 2,7%).

Os problemas mais graves do país

Os problemas mais graves que o país enfrenta neste momento são a quebra acentuada no ritmo de crescimento económico, a má repartição da riqueza e o aumento vertiginoso do desemprego. O problema do défice orçamental é consequência destes problemas e não a causa deles, como se pretende fazer crer.
Efectivamente, se a economia portuguesa crescer a uma taxa elevada (ex. 4%), se a riqueza for melhor repartida em Portugal, e se o desemprego baixar significativamente, criar-se-ão as condições que permitirão resolver não só os graves problemas sociais e económicos que enfrenta o nosso país mas também o problema do défice orçamental de uma forma sustentada.

A quebra no crescimento começou com os governos PS

Contrariamente ao que o PS pretendeu fazer crer durante a campanha eleitoral a quebra no crescimento económico em Portugal não se verificou apenas nos governos do PSD/CDS-PP. Ela começou com os governos do PS de Guterres.

Comparando o PIB por habitante de Portugal com o PIB médio da União Europeia, que é o indicador normalmente utilizado para fazer comparações económicas internacionais, divulgado pelo serviço oficial de estatística da União Europeia – Eurostat –, conclui-se o seguinte: em 1995, o PIB por habitante de Portugal era inferior ao da União Europeia em 5.710 euros; e, em 2001, portanto quando Guterres abandonou o governo, o PIB por habitante de Portugal era já inferior à média da União Europeia em 6.580 euros; portanto, entre 1995 e 2001, com os governos do PS, a diferença entre Portugal e a União Europeia passou de 5.710 euros para 6.580 euros, ou seja, Portugal divergiu (afastou-se, ficando para trás) em relação à média da União Europeia em 870 euros por habitante.

Com os governos do PSD/CDS-PP a divergência em relação à média da União Europeia aumentou muito mais pois, entre 2001 e 2004, passou de 6.580 euros para 7.820 euros e, no fim de 2005, essa diferença deverá atingir os 8.230 euros, que é o valor mais alto de sempre.

Simultaneamente, Portugal é o país da União Europeia onde a riqueza está mais mal repartida. Assim, na União Europeia, em cada 100 euros de riqueza criada (PIB) cerca de 51 euros revertem para os trabalhadores sob a forma de ordenados e salários. Em Portugal revertem para os trabalhadores apenas 40 euros em cada 100 euros. Para além disso, em Portugal os 20% mais ricos recebem 6,5 vezes mais rendimentos do que os 20% da população com menores rendimentos, enquanto nos países da União Europeia esse valor é, em média, 4,4 vezes superior.

Esta grave desigualdade na repartição da riqueza – a pior de toda a União Europeia – , por um lado, é causa de miséria e de exclusão social para milhões de portugueses (2.100.000 portugueses vivem abaixo do limiar de pobreza segundo o Eurostat; 1.200.000 reformados ainda recebem neste momento pensões inferiores a 300 euros por mês); e, por outro lado, agrava ainda mais a crise económica. E isto porque devido ao baixo poder de compra de uma parte significativa da população, um número crescente de empresas enfrentam grandes dificuldades para vender o que produzem, acabando muitas delas por falir, lançando no desemprego mais trabalhadores, o que só agrava mais este circulo vicioso : baixo poder de compra/falências de empresas/mais desemprego/ menos poder de compra.

A confirmar esta evolução, o INE publicou os dados do desemprego referentes ao 4º trimestre de 2004, os quais revelam um aumento significativo no desemprego, já que em apenas três meses aumentou em 4,4% pois a taxa oficial de desemprego passou, entre o 3º trimestre e o 4º trimestre de 2004, de 6,8% para 7,1%.

No entanto, o desemprego real é muito superior. Tomando com base os valores do desemprego corrigidos com dados também publicados pelo INE, conclui-se que no fim do ano de 2004, o número de desempregados deverá ter atingido no nosso país 540.000, o que significa uma taxa de desemprego de cerca de 9,8%, o que é dramático para centenas de milhares de famílias portuguesas.

Estes valores de desemprego, correspondem a uma perda do PIB de cerca de 10% (se os desempregados tivessem produzido em 2004, a riqueza criada por eles correspondia a um décimo de toda a riqueza criada no país nesse ano). Para além desta importante parcela de riqueza perdida devido ao desemprego, o Estado perdeu, só no IVA, receitas que calculamos em 1.000 milhões de euros, o que contribuiu para agravar o problema do défice orçamental.

Como consequência também do desemprego a Segurança Social, por um lado, teve de pagar em 2004 subsídios de desemprego no valor de 1.700 milhões de euros (340 milhões de contos) e, por outro lado, não recebeu das empresas e dos trabalhadores contribuições e descontos que se estimam em cerca de 2.000 milhões de euros (cerca de 400 milhões de contos). Em resumo, a Segurança teve de suportar perdas no valor de 3.700 milhões de euros (740 milhões de contos), o que contribuiu para desequilibrar pela primeira vez as contas da Segurança Social e agravou o défice orçamental.

É necessária uma nova estratégia e novas políticas

É urgente mudar a estratégia e as políticas que conduziram o País à grave situação social e económica que enfrenta actualmente.

Face à análise feita, torna-se evidente que uma estratégia de desenvolvimento para ultrapassar a actual situação deverá ter simultaneamente, pelo menos, três grandes objectivos: (1) Aumentar significativamente a taxa de crescimento económico; (2) Impor uma melhor repartição da riqueza criada no nosso país; (3) Combater o elevado desemprego, nomeadamente de trabalhadores com baixa escolaridade e com qualificações de banda estreita.

Para atingir o primeiro objectivo – aumentar significativamente o ritmo de crescimento económico – é necessário investir mais e melhor (mais investimento de melhor qualidade) fundamentalmente em actividades produtivas (agricultura, pescas e indústria), e não no fomento de actividades especulativas e de lucro fácil e rápido (imobiliário, hipermercados, bancos, etc.), como tem acontecido.

E neste campo, nomeadamente em situações de crise, como é a que enfrentamos neste momento, o Estado terá de ter um papel orientador e estimulador, investindo mais para assim dar confiança e dinamizar o investimento privado, ou seja, fazendo precisamente o contrário do fez entre 2002-2005.

Efectivamente, se analisarmos o investimento público realizado através do PIDDAC (Plano de Investimento da Administração Central), concluímos que este no lugar de ter aumentado, até regrediu agravando ainda mais a crise social e económica. Assim, entre 2002 e 2005, o investimento publico feito através do PIDDAC passou de 6.638,9 milhões de euros para 6.724,1 milhões de euros, ou seja, teve um crescimento de apenas 1,7%. Como entre 2002 e 2005, os preços aumentarão cerca de 9%, isto significa que o investimento de 2005 será inferior ao de 2002, a preços constantes deste último ano, em cerca de 7%. Existem distritos onde a quebra do investimento público feito através do PIDDAC foi muito maior. Por ex., no distrito de Setúbal, a quebra atingiu cerca de 40% pois, entre 2002 e 2005, o investimento público passou de 363,9 milhões de euros para apenas 219,9 milhões de euros.

Mesmo a nível de Fundos Comunitários a política seguida pelos diversos governos PS e PSD/CDS-PP que se sucederam desde 2000 tem sido desastrosa para o País. A confirmar isso, está o facto de que, para o período 2000-2004, estava programada a utilização de 14.485 milhões de euros de Fundos Comunitários mas foram utilizados neste período apenas 69,7%, o que significa que 4.393 milhões de euros podiam ter sido utilizados para modernizar o tecido empresarial português e para aumentar a qualificação dos portugueses, mas não o foram devido à incapacidade dos governos PS e PSD/CDS-PP.

Face a estas políticas que acarretaram graves consequências para o País é urgente mudá-las.

Situação semelhante se verifica a nível de repartição da riqueza produzida, o que transformou Portugal no país, entre os países da União Europeia, em que a riqueza está pior distribuída. No nosso País, 10% da população constituída pelos mais ricos recebe mais rendimento do que 50% da população de mais baixos rendimentos. Esta desigualdade na repartição da riqueza criada tem graves consequências não só sociais (gera pobreza e exclusão social) como também económicas (reduz o mercado interno agravando a situação de milhares de empresas que vivem fundamentalmente deste mercado).

Assim, a alteração da política de rendimentos que tem sido seguida é não só uma necessidade social (fazer mais justiça) mas também económica (ampliar o mercado interno e estimular a actividade económica). E isso exige, um aumento das pensões mínimas de miséria que recebem mais de 1.200.000 reformados, e um aumento do salário mínimo nacional e das remunerações dos outros trabalhadores que viram os seus salários perderam poder de compra nos últimos anos, devido ao congelamento imposto ou ao aumento insuficiente para compensar o aumento de preços verificado (trabalhadores da Função Pública, trabalhadores da Autoeuropa, etc.).

O problema do desemprego é actualmente um dos problemas mais graves que enfrenta o País. E isto pelas consequências não só sociais que tem mas também económicas já que determina uma grande perda de riqueza nacional. Este problema apenas se resolverá não só com mais e melhor investimento, mas também com um grande esforço no aumento da escolaridade, com medidas eficazes contra o abandono escolar e com o aumento continuo da qualificação dos trabalhadores portugueses.

E nestes campos as consequências das políticas seguidas no passado quer pelos governos do PS quer do PSD/CDS-PP têm sido desastrosas.

Assim, em 1995, quando o primeiro governo de Guterres tomou posse, 80% da população portuguesa tinha apenas o ensino básico ou menos. Em 2001, apesar da “paixão da educação”, quando Guterres abandona o governo, a situação continuava a ser a mesma pois 80% da população portuguesa continuava a ter apenas o ensino básico ou menos. É evidente que não será possível nem aumentar a rentabilidade da educação nem reduzir o abandono escolar sem antes resolver o problema da estabilidade dos professores, em que cerca de metade tem de mudar de escola todos os anos, com consequências gravíssimas na rentabilidade e qualidade da educação em Portugal.

A nível da formação profissional a situação é igualmente grave e exige uma mudança rápida e profunda. Apesar de existir no Código do Trabalho uma norma que obriga as empresas a darem anualmente pelo menos 20 horas de formação certificada aos seus trabalhadores, o certo é que a generalidade das empresas não cumpre esta disposição que está na lei, e nada lhes acontece. É evidente que não será possível resolver esta grave situação sem que as entidades patronais sejam obrigadas, no caso de não realizarem as horas de formação constantes na lei, a concederem aos trabalhadores crédito de horas para a formação e a custearem essa formação e, as qualificações obtidas, terem efeitos na carreira profissional (progressão) do trabalhador.

O dilema que se coloca ao novo governo PS é naturalmente o seguinte: continuar as políticas de direita ou implementar políticas que resolvem os problemas do País e dos portugueses como são os que acabamos de referir.

«O Militante» - N.º 275 Março/Abril 2005