A pesca
Sector estratégico em perigo

 



Membro da Comissão de Pescas junto do CC

A importância do sector da pesca, em Portugal, ultrapassa em muito o seu valor em termos de percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), já porque é um sector de que depende fortemente a economia de inúmeras comunidades ribeirinhas, já porque é um sector estratégico tanto em termos de segurança do abastecimento alimentar como em termos de independência nacional.

Em finais da década de sessenta, altura em que se terá atingido um pico na produção, com mais de 400.000 toneladas de pescado desembarcado, Portugal, para além da sua importante frota costeira, mantinha actividades pesqueiras no Atlântico Noroeste (frota do bacalhau), ao largo da Mauritânia (frota de Cabo Branco, dirigida à captura de peixe de qualidade refrigerado e congelado) e ao largo da Namíbia (frota dirigida, sobretudo, à captura de pescada) e, em menor escala, em outros pesqueiros exteriores, como Angola, Senegal, Marrocos, Gronelândia e Spitzberg.

Os diferentes segmentos da frota costeira garantiam, na época, cerca de metade dos desembarques nacionais, dos quais cerca de 100.000 toneladas eram de sardinha.

Assinalam-se ao tempo, contudo, os primeiros sinais de crise, sendo que, em 1974, as maiores empresas do sector se encontravam descapitalizadas, sobretudo as que operavam nos pesqueiros exteriores, o que conduz à intervenção estatal e posterior nacionalização, já em 1976, de uma importante parte do sector, com o então anunciado objectivo de garantir a manutenção dos postos de trabalho e um regular abastecimento público de pescado.

A tendência geral de criação de Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) de 200 milhas, que de resto Portugal acompanha, criando a sua própria ZEE, em 1979, com a consequente limitação de pesca em alguns pesqueiros tradicionais exteriores, a ausência de uma política nacional de pesca coerente e a cedência a interesses privados instalados no sector, conduz à liquidação, em 1984, do sector nacionalizado das pescas e ao progressivo, e desde então continuado, definhamento da nossa frota do largo e longínqua.

A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, não altera este quadro, antes o acentua, tanto porque não é garantido o acesso aos nossos pesqueiros tradicionais no exterior, como, em nome de um “princípio de estabilidade relativa” anterior à própria adesão, é condicionado ou mesmo impedido o acesso da nossa frota a novas oportunidades de pesca.

A Política Comum de Pesca fortemente subordinada aos interesses dos países do Norte da União Europeia (UE), porventura mais interessados no desenvolvimento de actividades comerciais do que no desenvolvimento da pesca, e caracterizada por um forte incentivo ao abate de embarcações de pesca, tem vindo a agravar a situação do sector, conduzindo a que o nosso país passasse de país exportador a grande importador de produtos de pesca, tornando-o mais deficitário e dependente do exterior em produtos alimentares.

Consequência destes factores e, sobretudo, pela continuada falta de uma política para as pescas portuguesas, a pesca e os sectores que lhe estão associados, têm vindo a diminuir o seu peso relativo na economia nacional, sendo que, só na última década, a produção de pescado passou das 319.000 toneladas, em 1990, para as 150.000 toneladas, em 2000, a frota pesqueira passou de 16.000 embarcações, para 10.750 e o número de pescadores matriculados diminuiu, no mesmo período, de 41.000 para 25.000, ao mesmo tempo que a capacidade de produção da indústria conserveira se terá reduzido em mais de 60%, sendo ainda mais significativa a redução da actividade da indústria de construção naval.

É neste contexto que a frota costeira nacional, na sua maioria constituída por pequenas embarcações, e o acesso aos recursos próprios, assumem a máxima importância, apresentando-se como determinante, para o futuro da pesca em Portugal, a necessidade da defesa intransigente do nosso Mar Territorial das 12 milhas, reservando-o exclusivamente para a actividade dos pescadores portugueses.

A proposta de revisão da Política Comum de Pesca, apresentada em 28 de Maio pela Comissão da UE, que ignora a realidade portuguesa e, de um modo geral, a realidade da pesca, parte de uma visão puramente economicista e de uma pretensa defesa do meio ambiente, apontando para: uma forte redução dos meios de produção através do incentivo aos abates; uma limitação à modernização da frota; e uma simplificação da tomada de medidas de restrição à pesca.

Num contexto de globalização da economia, tendente à concentração de capitais e da propriedade dos meios de produção e dos recursos, num cada vez menor número de detentores, as propostas da Comissão de comunitarização da frota e de estruturas - de fiscalização e de investigação – acompanhadas da ameaça de privatização dos mares e dos recursos, através da promoção de QIT (quotas individuais transferíveis), não têm em conta os reais interesses do sector, conduzindo, se fossem aprovadas, à sua liquidação.

Ao contrário, uma Política de Pesca para além de 2002, que deverá considerar as realidades e particularidades de cada uma das Regiões que compõem a UE, obriga à necessidade de uma gestão regional dos recursos, de acordo com a especificidade de cada zona de pesca e a que as medidas a tomar (medidas técnicas, TAC, quotas, medidas de apoio financeiro público, etc.) tenham, forçosamente, em conta a situação real de cada um dos recursos pesqueiros e de cada uma das frotas que aos mesmos dirigem a sua actividade.

A frota actual portuguesa, reduzida, nos últimos anos, mais do que era exigido, tanto em número de embarcações como na capacidade instalada, não está sobredimensionada, sendo certo que o estado actual dos nossos recursos suporta uma pesca responsável com o nível de pesca que vem sendo desenvolvido.

Ora as características gerais da frota, com segmentos bastante envelhecidos e insuficiente tecnologia instalada, apontam claramente para a necessidade de um forte apoio financeiro público à sua modernização e desenvolvimento, sem o qual será posta em causa a sua continuidade, para além de que, dado ser composta por um grande número de embarcações de pequena dimensão, se apresenta como essencial a concretização de um programa específico de apoio à pequena pesca, face à importância desta no contexto nacional.

É um grosseiro desvio da realidade afirmar-se que os apoios públicos ao investimento distorcem a concorrência entre armadores, apenas promovendo a continuação de empresas/embarcações não rentáveis, inadequadas à actividade e lesivas do estado dos recursos.

O processo de formação dos preços na primeira venda, que foge totalmente ao controlo dos produtores, sujeitos que estão à pressão especulativa da actividade parasita dos intermediários, sem que isso se reflicta nos preços no consumidor final é, isso sim, a principal causa de uma inadequada distribuição do valor do trabalho produzido no sector e da falta de rentabilidade na pesca.

Finalmente, uma Política de Pesca terá que ter em conta a componente humana e social.

Apesar das previstas compensações aos pescadores pela perda de remunerações que decorram de quaisquer medidas de limitação de actividade, não é aceitável, do ponto de vista social, uma política que aponta para a destruição de milhares de postos de trabalho, e por arrastamento, para o definhamento ou mesmo aniquilamento de comunidades fortemente dependentes da pesca.

São condições essenciais para que se possa encarar um futuro para o sector da pesca, a criação de melhores condições de segurança a bordo, a melhoria da habitabilidade das embarcações e da higiene e segurança no trabalho, o incentivo à formação profissional, e a criação de condições de estabilidade das relações de trabalho.

 

«O Militante» - N.º 260 Setembro/Outubro de 2002