Forum Social Mundial
Unidade na acção e luta de ideias

 



Membro do Secretariado do CC do PCP

O “movimento antiglobalização”, nas suas múltiplas e variadas expressões, reveste-se de uma grande importância e significado político. Quanto à forma é evidente que comporta muita novidade e um certo grau de espontaneidade com que não é fácil lidar. O mais importante porém diz respeito ao seu conteúdo político real, assumidamente anti-neoliberal, cada vez mais acentuadamente anticapitalista e anti-imperialista. O seu carácter muito amplo, diversificado e complexo do ponto de vista ideológico expressa o estreitamento da base de apoio do capitalismo na sua forma actual, com uma inédita concentração do capital e da riqueza, o aprofundamento das injustiças e desigualdades sociais, inaceitáveis regressões democráticas e sociais. Expressa, simultaneamente, a entrada na luta, atingidas pelo rolo compressor da globalização imperialista, de camadas sociais - juventude, intelectuais, camadas intermédias - até há pouco ainda, submersas na apatia e descrença alimentadas pelo “pensamento único”. Questionando e mesmo rompendo com a ideologia dominante estas camadas põem elas também em causa o apregoado carácter inelutável das políticas neoliberais. A simples ideia de que “um outro mundo é possível”, o lema do Forum Social Mundial de Porto Alegre que hoje corre o mundo, é por si só um estímulo à mobilização para a intervenção social e à luta pela transformação da sociedade. Independentemente do carácter reformista ou revolucionário como tal intervenção e transformação é concebida e, consequentemente, da luta ideológica que daí decorre.

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O Forum Social Mundial (1) é uma expressão particularmente importante do “movimento antiglobalização” mas não o única. É necessário não esquecer Génova e o que representou a imensa manifestação unitária de 300 mil pessoas de protesto contra as políticas do FMI/BM e a repressão fascizante então desencadeada pelo novel governo de Berlusconi, com o neofascista Fini a conduzir directamente as operações a partir das esquadras de polícia (2). É necessário ter em conta as recentes grandes manifestações de Barcelona, também com 300.000 pessoas, por ocasião da Cimeira da União Europeia, com a palavra de ordem “Contra a Europa do capital”, de aberta oposição a uma “construção europeia” determinada pelos interesses do grande capital e das grandes potências. Muitas outras acções, em que são de incluir as manifestações de Lisboa e Porto durante as respectivas Cimeiras da presidência portuguesa da União Europeia, inserem-se também, com características próprias necessariamente diferenciadas de país para país (3), no vasto movimento de lutas contra a globalização capitalista. E mais ainda, e muito mais importante: a luta dos trabalhadores e dos povos contra a exploração e a opressão capitalista, pela democracia e o progresso social, contra o imperialismo e a guerra, está muito longe de se resumir aos movimentos e acções “antiglobalização” por mais importante que seja o seu significado político e por mais novidade que estes introduzam (e introduzem de facto) no processo de emancipação social e humana. Então e o decisivo valor da heróica resistência do povo cubano e do seu “si, se puede”? E a resistência e luta quotidiana da classe operária, dos trabalhadores, dos camponeses, das mulheres, da juventude, por esse mundo fora protagonistas de mil e uma lutas que os “média” burgueses minimizam e silenciam porque expressão bem visível de uma luta de classes cuja morte se decretou, mas que continua? E a heróica luta do povo palestiniano pelo direito à sua pátria e o amplo movimento de solidariedade que tem suscitado em todo o mundo? E a odisseia espantosa do povo de Timor-Leste e de tantos outros povos que não se vergam ante a opressão colonial e imperialista? E as lutas contra a guerra?

 

Não, a luta contra a “globalização” neoliberal que pelo seu conteúdo real é anticapitalista e anti-imperialista, não se reduz aos chamados “movimentos antiglobalização” e ao FSM. Nem tem neles a sua principal expressão. Mas nem por isso é menos relevante o significado político do FSM que se exprime nos dois encontros já realizados em Porto Alegre.

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Aliás o FSM ganhou maior dimensão, importância e projecção internacional da primeira para a sua segunda edição. Quando se temia que a escalada de repressão e descredibilização da luta antiglobalização, e a violenta ofensiva imperialista dos EUA e seus aliados que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro, levassem a uma retracção de movimentos e forças antineoliberais e anti-imperialistas, sucedeu o contrário. O FSM 2002 (4) teve uma participação ainda mais ampla, os debates temáticos foram ainda mais numerosos, o sentido anti-capitalista foi predominante, apesar dos esforços dos sectores social-democratas (mais numerosos, aliás, que um ano antes, o que merece reflexão e vigilância) para o evitar. Grandes manifestações de abertura e de encerramento do Forum, a “Marcha pela Paz” e a “Marcha contra o ALCA” (5), deram-lhe uma dimensão combativa de massas que deve ser sublinhada.

Na sua grande diversidade, envolvendo desde grandes organizações sociais representativas até pequenos “movimentos” que pouco mais serão que simples siglas; desde forças experimentadas que intervêm com uma perspectiva revolucionária até sectores reformistas e mesmo de matriz liberal; desde organizações empenhadas em processos de crítica global à globalização capitalista até movimentos que apenas se colocam objectivos parciais e limitados - de quase tudo isso foi composto o FSM 2002. O que, se por um lado traduz a amplitude das forças e correntes de opinião que se não reconhecem “neste mundo”, por outro lado divergem profundamente quanto às vias para chegar a esse “outro mundo” possível e quanto à própria natureza desse “outro mundo”. Naturalmente que não pode nem deve pedir-se ao Forum que adopte uma perspectiva revolucionária. Não é pouco o que já significou no âmbito da resistência ao neoliberalismo e o que possibilitou (e pode possibilitar ainda mais) no caminho da acção comum ou convergente contra tal ou tal aspecto particularmente grave e perigoso da política do imperialismo. Isso não impede porém que uma intensa luta política e ideológica atravesse todos os debates, desde a caracterização da fase actual do capitalismo até à questão da alternativa, passando pelos problemas da paz e da guerra, pelas questões que se prendem com a atitude face ao poder político e à propriedade dos principais meios de produção e de troca, à dialéctica do nacional e internacional e ao valor actual do Estado-nação (ou com maior rigor, do Estado soberano), ao papel e lugar da classe operária e da luta de classes no processo de transformação social, à relação de movimentos sociais e partidos políticos, às próprias perspectivas para o FSM.

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Naturalmente que os comunistas portugueses participam neste debate com espírito unitário, mas sem se diluírem, afirmando a sua independência orgânica, política e ideológica e defendendo com firmeza as suas próprias posições. Neste sentido algumas observações.

Valorizamos muito o FSM. Participámos e participaremos nele com espírito construtivo. Consideramo-lo um valioso ponto de encontro de experiências e reflexões. Pode ser cadinho de muita acção comum ou convergente exigida pelos próprios processos de internacionalização do mundo contemporâneo. Por isso mesmo não acompanhamos posições que aspiram a tornar o FSM num “centro”, numa “internacional” (alguns falam em “internacional cívica mundial”) e que pretendem mesmo formar uma estrutura internacional imposta de cima para baixo, à revelia da dinâmica da luta nos diferentes países e regiões do mundo. Seguir um tal caminho seria certamente matar o que tem feito a riqueza do FSM, ou seja, ser isso mesmo, um “Forum”, um ponto de encontro e debate de forças e realidades muito distintas mas convergentes na contestação e no combate aos mais perniciosos aspectos do capitalismo “global”.

Não consideramos esgotado nem o papel do Estado-nação, nem o marco nacional como imediato e incontornável terreno da luta de classes. Pelo contrário. Reconhecendo o carácter objectivo dos processos de divisão internacional do trabalho, de cooperação e mesmo de integração, consideramos o Estado soberano como um factor fundamental de resistência ao processo de “globalização” e de domínio do mundo pelo grande capital e as grandes potências imperialistas. E a articulação no plano internacional, a “globalização da solidariedade” que o FSM propõe, será tanto mais forte e consequente, quanto mais fortes e enraizadas no tecido social dos respectivos países forem as organizações e movimentos que nele participem. Se não se caminhar nesta direcção, caminhar-se-á para pouco mais do que inofensivo turismo político cosmopolita que “este mundo” do capital facilmente suporta e recupera.

Se a questão do Estado e do poder político é a questão central de cada revolução, é uma evidência que, para ser consequente, o “movimento antiglobalização” tem de rejeitar as teorizações que contrapõem “o social” e “o político” e os “movimentos” aos “partidos” e que não só passam ao lado da questão do poder e da sua natureza de classe, como preconizam “alternativas” utópicas e anarquizantes de auto regulação da “so ciedade civil” e de constituição de “espaços de poder” e “contra-poderes” redentores. Compreende-se naturalmente a generalizada desafecção pelo sistema de representação liberal-burguês e o “descrédito da política” praticada em alternância pelos partidos da direita e da social-democracia. Saúda-se a aspiração crescente a uma democracia participativa e a importância atribuída a uma intervenção cívica esclarecida. Mas rejeitam-se as posições neolibertárias, subtilmente anticomunistas, que contestam uma tese central do marxismo-leninismo, e afastam do caminho da luta consequente pela superação revolucionária do capitalismo.

Não é aliás de estranhar que tais teses sejam frequentemente acompanhadas da desvalorização e mesmo da negação do papel da classe operária, das suas organizações de classe (como os sindicatos) e dos partidos comunistas, considerados por certos teorizadores como velharias ultrapassadas. Como velharias seriam a própria noção de classe social e de luta de classes. A haver algum “sujeito histórico” na actualidade ele seria, não o proletariado (naturalmente o moderno proletariado) mas uma massa informe de “indivíduos”, as “multidões”. Essa é uma das mais “modernas” versões das teorizações que, negando a contradição básica do capitalismo (capital/trabalho) inventam periodicamente protagonistas artificiais dos processos de mudança.

O FSM e o “movimento antiglobalização” em geral é inseparável de uma realidade que é particularmente importante evidenciar, inclusivé para sublinhar que a prova de força violentíssima a que o imperialismo está a submeter o mundo (Balcãs, Afeganistão, Palestina, preparativos de agressão ao Iraque ou outro país do “eixo do mal”, criminalização da resistência à opressão e da luta libertadora, ameaça de utilização da arma nuclear,...) não é, em termos históricos, uma prova da força, mas da fraqueza do grande capital e do seu sistema.

Dez anos depois do dramático desaparecimento da URSS e da violenta campanha sobre a “morte do comunismo” não é o socialismo mas o neoliberalismo, e com ele o capitalismo que hoje se senta no banco dos réus. Prometeram mais liberdade, mais paz, mais segurança, mais justiça social,... e eis o imenso e insuportável drama que aí está, provocado pela intensificação da exploração e da opressão, em suma, pelo processo de “globalização” que hoje congrega crescente indignação contra as suas políticas, as suas instituições internacionais, os EUA e outros Estados que a promovem e sustentam.

A situação é tal que praticamente já ninguém hoje ousa defender o estado de coisas existente, o mundo tal qual ele está. Até o FMI, o BM ou a OCDE se sentem na obrigação (muitas vezes calculada para fomentar medos, esmolas, compaixões e psicologias da dependência) de desfiar o rosário das crianças que todos os dias morrem de fome, das populações que vivem na pobreza e na mais negra miséria, dos milhões que poderiam ser salvos de tal ou tal doença, etc.. Mas se é grande a convergência na caracterização da dramática situação do mundo contemporâneo, já quanto às causas de tal situação e quanto às alternativas capazes de a superar, as divergências são tão profundas quanto profundamente diferentes são as opções de classe. E no “movimento antiglobalização”, como foi particularmente visível no FSM 2002 de Porto Alegre, trava-se de modo implícito e explícito uma luta muito aguda entre duas concepções fundamentais: a daqueles que criticando as consequências mais graves do neoliberalismo apenas desejam pôr uma “cereja social” no bolo da “globalização” capitalista, e aqueles que consideram que só é possível pôr termo à dramática situação de miséria e exploração do mundo actual com transformações económico-sociais radicais, com profundas transformações revolucionárias no caminho do socialismo.

Essa é obviamente a posição dos comunistas portugueses, que estão profundamente empenhados em aprofundar as potencialidades do FSM, como ponto de encontro, espaço de diálogo e laboratório para a acção comum, tanto no plano dos diferentes países, como a nível internacional, contra o neoliberalismo, contra a guerra e de solidariedade para com o povo palestiniano e todos os povos que lutam pela sua libertação. Neste espírito o PCP não deixará de dar o seu activo contributo ao reforço do "movimento antiglobalização" e aprofundamento do seu carácter anticapitalista, participando no Forum Social Europeu (6) previsto para finais do ano em Florença e no FSM-2003, de novo em Porto Alegre, no início do próximo ano.


Apelo dos movimentos sociais.
Resistência contra o neoliberalismo,
o militarismo e a guerra;
pela paz e a justiça social

 

 

1) Perante a contínua deterioração das condições de vida dos povos, nós, movimentos sociais de todo o mundo, dezenas de milhares de pessoas, reunimo-nos no Segundo Forum Social Mundial em Porto Alegre. Aqui estamos em grande número, apesar das tentativas de quebrar a nossa solidariedade. Reunimo-nos de novo para continuar a nossa luta contra o neoliberalismo e a guerra, ratificando os acordos do Forum anterior e reafirmando que “outro mundo é possível”.

2) Somos diferentes - mulheres e homens, jovens e adultos, camponeses-camponesas, pescadores-pescadoras, populações da cidade, trabalhadores e trabalhadoras, desempregados/as, estudantes, profissionais, migrantes, povos indígenas e pessoas de todos os credos e orientações sexuais. A diversidade é a nossa força e a sua expressão é a base da nossa unidade. Somos um movimento de solidariedade global, unido na nossa determinação em lutar contra a concentração de riqueza, a proliferação da pobreza e a desigualdade e a destruição do nosso planeta. Estamos a construir um sistema alternativo e utilizamos caminhos criativos para o promover. Estamos a construir uma aliança ampla a partir das nossas lutas e resistências contra o sistema baseado no sexismo, no racismo e na violência, que privilegia os interesses do capital e do patriarcado sobre as necessidades e as aspirações dos povos.

3) Este sistema produz um drama quotidiano, em que mulheres, crianças e idosos morrem de fome, por falta de cuidados médicos e doenças evitáveis. Famílias inteiras são obrigadas a abandonar os seus lares em consequência de guerras, dos impactos provocados pela imposição de modelos de desenvolvimento modernizadores, perda das suas terras agrícolas, desastres ambientais, desemprego, enfraquecimento dos serviços públicos e a destruição da solidariedade social. Tanto no Sul como no Norte, lutas intensas e resistências reivindicam a dignidade da vida.

4) Os acontecimentos de 11 de Setembro marcaram uma mudança dramática. Depois dos ataques terroristas, que totalmente condenamos, tal como condenamos todos os outros ataques contra a população civil em todas as partes do mundo, o governo dos Estados Unidos e os seus aliados promoveram uma resposta militar massiva. Em nome da “guerra contra o terrorismo” têm-se atacado direitos civis e políticos em todo o mundo. A guerra no Afeganistão em que se empregaram métodos terroristas, está-se alargando a outras frentes. É apenas o início de uma guerra global permanente que consolida o domínio do governo dos Estados Unidos e dos seus aliados. Esta guerra revela a face brutal e inaceitável do neoliberalismo. Diaboliza-se o Islão, ao mesmo tempo que se exacerba intencionalmente o racismo e a xenofobia. E os meios de comunicação e informação promovem este ambiente belicista, dividindo o mundo em “bons” e “maus”. A oposição à guerra é parte constitutiva da nossa luta.

5) A situação de guerra continua a desestabilizar o Médio Oriente, dando pretexto a mais repressão contra o povo palestiniano. A mobilização solidária com os palestinianos e as suas lutas pela autodeterminação do seu povo face à brutal ocupação por parte do Estado de Israel é uma das tarefas fundamentais do nosso movimento. Isto é vital para a segurança colectiva de todos os povos da região.

6) Outros factos confirmam também a urgência da nossa luta. Na Argentina, a cise financeira e económica, fruto da política de ajustamento estrutural do FMI, e uma dívida crescente, originaram uma crise social e política. Esta crise provocou protestos espontâneos entre as classes trabalhadoras e médias (contestada com repressão provocou numerosas mortes), quedas de governos e novas alianças entre diferentes grupos sociais. Com a força dos “cacerolazos”, piquetes e mobilizações populares, o povo exigiu a satisfação das suas reclamações de trabalho e condições de vida condignas. Repudiamos a criminalização dos lutadores sociais na Argentina e os ataques às liberdades democráticas. Repudiamos a chantagem das multinacionais, apoiadas pelos governos dos países ricos, que procuram manter os seus lucros exorbitantes.

7) O colapso da multinacional Enron exemplifica a falência da economia de casino e a corrupção de empresários e políticos, deixando os trabalhadores e as trabalhadoras sem emprego nem pensões. Esta multinacional operava com empresas fantasmas e fraudulentas nos países em desenvolvimento e os seus projectos expulsaram populações inteiras das suas terras e promoveram a privatização da electricidade e da água.

8) O governo dos Estados Unidos, no seu afã de proteger os interesses das suas grandes empresas, recusou-se com arrogância a respeitar os acordos de Kioto sobre o aquecimento global, os Tratados Antimísseis e Antibalísticos, a Convenção sobre a Biodiversidade, a Conferência da ONU contra o Racismo e a intolerância, a proposta de reduzir as armas tradicionais e outros tratados internacionais o que demonstra uma vez mais que o unilateralismo dos EUA subverte os esforços de busca de soluções multilaterais para problemas globais.

9) Em Génova, o G-8 falhou completamente na sua autoatribuída tarefa de governo global. Ante a resistência e a massiva mobilização popular, respondeu-se com violência e repressão, denunciando como criminosos aqueles que se atreveram a protestar. Não obstante, não conseguiram intimidar o nosso movimento.

10) E tudo isto acontece num contexto de recessão mundial. O modelo económico neoliberal está a destruir crescentemente os direitos e condições de vida dos povos. Utilizando todos os métodos para proteger o valor das suas acções, as transnacionais realizam despedimentos em massa, reduzem salários e encerram empresas, espremendo até à última gota o sangue das trabalhadoras e trabalhadores. Confrontados com a crise económica, os governos respondem com privatizações, corte de despesas sociais e redução de direitos laborais. Esta recessão mostra a mentira do neoliberalismo e das suas promessas de crescimento e prosperidade.

11) O movimento global pela justiça social e solidariedade enfrenta enormes desafios: a sua luta pela paz e os direitos sociais implica superar a pobreza, a discriminação, a opressão, e obriga a trabalhar por uma sociedade sustentável.

Os movimentos sociais condenam a militarização da resolução de conflitos, a proliferação de guerras de baixa intensidade, assim como as operações militares delineadas no Plano Colômbia como parte da iniciativa regional andina, o Plano Puebla Panamá, o tráfico de armas e o aumento dos gastos militares. Os bloqueios económicos contra povos e nações, em particular contra Cuba mas também o Iraque e outros países e a crescente repressão contra sindicatos, movimentos sociais e activistas.

Apoiamos a luta sindical das trabalhadoras e trabalhadores, legais e ilegais, e os sindicatos empenhados na luta em defesa de condições dignas de trabalho e da vida, os direitos genuínos de organização, de greve, e o direito à negociação de contratos colectivos a diferentes níveis, para conseguir igualdade nos salários e condições de trabalho entre mulheres e homens. Repudiamos a escravatura e a exploração das crianças. Apoiamos as luta dos trabalhadores contra a flexibilização, a subcontratação e os despedimentos, e reclamamos novos direitos internacionais que regulem o emprego nas multinacionais e suas empresas associadas, e o direito à sindicalização e a contratos colectivos de trabalho. Apoiamos também a luta dos camponeses e movimentos sociais pelos direitos a condições de vida condignas e o controlo das florestas, terras e água.

12) A política neoliberal conduz ao aumento da pobreza e da insegurança. Pobreza e insegurança que geram tráfico e exploração de mulheres e crianças, que condenamos energicamente e empurra milhões de seres humanos para a emigração, vendo que lhes são negadas a dignidade, liberdade, direitos e legalidade, pelo que reclamamos o direito ao livre movimento, à integridade física e a um estatuto legal nos países onde trabalham. Defendemos os direitos dos povos indígenas e o cumprimento do Convénio 169 da OIT e a sua inclusão nas leis dos respectivos países, assim como a sua aplicação.

13) Os países do Sul já pagaram muitas vezes a sua dívida externa. Uma dívida ilegítima, injusta e fraudulenta, que funciona como um instrumento de domínio privando as pessoas dos seus direitos humanos fundamentais e com o único objectivo de aumentar a usura internacional. Exigimos o seu cancelamento incondicional, assim como a reparação das dívidas históricas, sociais e ecológicas. Os países que exigem o pagamento da dívida estão implicados na exploração dos recursos naturais e do conhecimento tradicional dos povos do Sul.

14) Água, terra, alimentos, florestas, sementes, culturas e identidades dos povos são património da humanidade para a presente e futuras gerações. Neste sentido, é fundamental preservar a biodiversidade. Os povos têm o direito a alimentos sãos e permanentes sem organismos geneticamente modificados. A soberania alimentar no âmbito nacional, regional e local é um direito humano básico; para alcançá-lo, é condição fundamental a reforma agrária democrática e a garantia do acesso à terra das camponesas e camponeses.

15) A Cimeira de Doha confirmou a ilegitimidade da OMC. A chamada “Agenda de Desenvolvimento” só defende os interesses transnacionais. Através duma nova ronda de negociações, esta instituição avança para o seu objectivo de converter tudo em mercadoria. Para nós, os alimentos, os serviços públicos, a agricultura, a saúde, a educação e os genes não devem ser tratados como meras mercadorias, e as patentes não devem ser utilizadas como arma contra os países pobres e os povos. Repudiamos qualquer tipo de comércio e patentes sobre a vida.

A OMC perpetua esta agenda a nível planetário, mediante tratados de livre comércio regional e acordos sobre investimentos. Através da organização de protestos, amplas manifestações e plesbicitos contra o ALCA, os povos denunciam estes acordos

como uma recolonização da região e a destruição dos direitos e valores fundamentais sociais, económicos, culturais e ambientais.

16) Apelamos para o reforço da nossa aliança através do impulso de mobilizações e acções comuns pela justiça social, o respeito pelos direios e liberdades, a qualidade de vida, a igualdade, a dignidade e a paz. Por isso lutamos:

· Pelo direito a conhecer e criticar as decisões que tomem os seus próprios governos, especialmente relativamente a instituições internacionais e para que assumam a responsabilidade que têm de prestar contas aos seus povos. Ao mesmo tempo que defendemos o reforço da democracia eleitoral e participativa em todo o mundo, sublinhamos a necessidade de democratizar os Estados e as sociedades e a luta contra as ditaduras.

· Pela abolição da dívida externa, exigindo medidas de reparação.

· Contra as actividades especulativas, exigindo a criação de impostos específicos , como a Taxa Tobin, sobre o capital especulativo, e a supressão dos paraísos fiscais.

· Pelo direito humano à comunicação.

· Pelos direitos das mulheres contra a violência, a pobreza e a exploração.

· Contra a guerra e o militarismo, contra as bases militares estrangeiras e as ingerências, assim como a escalada sistemática da violência. Privilegiamos o diálogo, a negociação e a resolução não violenta dos conflitos. Exigimos o direito de todos os povos à mediação internacional com a participação de instâncias independentes da sociedade civil.

· Pelo direito das/dos jovens a aceder à autonomia social e o seu direito à educação pública e gratuita e à abolição do serviço militar obrigatório.

· Pela autodeterminação dos povos, e em especial dos povos indígenas.

Apoiaremos e impulsionaremos a realização de Foruns Sociais Continentais no ano 2002. Só a luta dos povos pode conseguir conquistas concretas.

 

 

Notas:

(1) O Forum Social Mundial reuniu-se pela primeira vez em Porto Alegre, em Janeiro de 2001. (Ver "O Militante" nº 252, Maio/Junho 2001).

(2) 21 de Julho. Provocações dos "black-block" e da polícia e violentíssima repressão com o assassinato do jovem Carlo Giuliani e assalto policial à sede do "Genova Social Forum", que organizou a manifestação. Algo de semelhante acontecera já com as manifestações de Praga e de Gotemburgo. Na União Europeia desenvolvem-se processos visando criminalizar manifestações.

(3) Seria um erro tentar absolutizar e impor "modelos" de "luta antiglobalização". Entretanto, a manifestação de Lisboa, das maiores até então realizadas, e com vincado carácter de classe, foi completamente silenciada no plano internacional e raramente é citada em balanços de acções "antiglobalização".

(4) Porto Alegre, 31/Jan. a 6 Fev./2002. Nela participaram cerca de 60.000 pessoas de 131 países e representantes de cerca de 5.000 organizações do mais variado tipo. Vários dirigentes e activistas do PCP participaram, seja em representação directa do Partido, seja em representação de instituições e organizações de massas. Ver artigos e reportagens no "Avante!" de 14 e 21 de Fevereiro último.

(5) ALCA - Acordo de Livre Comércio das Américas

(6) No FSM-2002 foi decidido promover "Foruns" continentais e regionais e realizar os próximos Foruns anuais respectivamente em Porto Alegre, Índia e África.

 

«O Militante» - N.º 258 - Maio/Junho de 2002