Conflito israel-palestiniano |
Membro do CC do PCP e da Secção Internacional
A situação no Médio Oriente não pára de se agravar. De um lado a ocupação militar a ferro e fogo dos territórios palestinianos levada a cabo pelo exército israelita. Do outro o povo palestiniano que luta pela sua independência com a formação de um Estado palestiniano em Gaza, Cijordânia e capital em Jerusalém Leste.
Os últimos desenvolvimentos político-militares desencadeados com a subida ao poder de Ariel Sharon põem em causa todos os Acordos realizados ao longo da última década e têm como objectivo liquidar o movimento nacional palestiniano, a OLP e todas as suas componentes. É cada vez mais nítido que o projecto de Ariel Sharon e do seu governo de unidade com o Partido Trabalhista (membro da Internacional Socialista) é impedir a todo o custo a afirmação da Autoridade Palestiniana, liquidar as suas estruturas, desrespeitar a autonomia dos territórios, voltar a ocupá-los sempre que necessário, e caminhar para uma espécie de bantustização dos territórios. Esta política não poderia ser realizada se por detrás de Israel não se encontrasse firmemente George W. Bush e a sua administração. A política israelita na região tem todo o apoio dos EUA. Ambos os países estão unidos em impedir que se crie na Palestina um Estado independente, o qual apesar de todas as suas fragilidades não é de todo previsível quanto ao seu alinhamento e quanto ao seu eventual exemplo em relação aos outros regimes árabes, hoje quase todos alinhados com o Império.
A região é nevrálgica do ponto de vista estratégico. Os EUA não querem perder a sua acrescida influência na região. Um novo Estado com voz própria poderia dar mais voz, mais peso a outros e arrastá-los para posições de defesa dos seus interesses nacionais. Os EUA temem esta simples eventualidade. E sabem que o seu aliado mais seguro é Israel. Todos os outros Estados da região poderão viver convulsões internas tendo em conta o fosso que separa os diversos poderes dos respectivos povos.
Apesar da elite burocrática emergente da burguesia palestiniana, responsável pelo actual processo de paz, o certo é que o povo palestiniano está caldeado por decénios de lutas, e apesar das divisões no campo democrático possui organizações de esquerda e democráticas importantes.
A situação de verdadeira prisão domiciliária do Presidente da Autoridade Palestiniana, para além de inaceitável, visa dividir as forças palestinianas. Para Ariel Sharon o papel de Yasser Arafat seria o de fazer de polícia e reprimir outros movimentos palestinianos radicalistas islâmicos. Não deixa, entretanto, de ser curioso que a resposta de Israel aos atentatos do Hamas ou de Jihad seja o de atacar os edifícios, quadros e dirigentes da Autoridade Palestiniana ou das organizações da OLP. Tal política demonstra, de modo claro, que a política de Israel é dividir o povo palestiniano, as suas organizações (nem que seja dando força ao Hamas), fomentar o confronto entre elas e, por último, dominar o movimento nacional, liquidando-o, e garantir a colonização dos territórios ocupados.
Sharon regressou recentemente dos EUA e a política no terreno não mudou nada, o que significa que a Administração Bush continua a definir com Israel uma estratégia de domínio para todo o Médio Oriente.
Coloca-se, por isso, a questão de saber de que lado vai partir o actual confronto entre os ocupantes israelitas e os palestinianos.
A atitude da OLP
Com a guerra do Golfo a divisão dos países árabes acentuou-se e enfraqueceu-se substancialmente o movimento de libertação nacional árabe e a sua componente mais destacada, a OLP. Desequilibrou-se ainda mais a correlação de forças. Países árabes combateram entre si, com Israel a presenciar e a esfregar as mãos de contentamento.
A implosão da URSS agravou ainda mais a situação na região, deixando os povos árabes mais isolados e os palestinianos numa posição extraordinariamente mais fragilizada, tanto mais quanto os próprios países árabes deixaram cair os palestinianos e as suas legítimas aspirações nacionais.
A Conferência de Madrid deu origem, neste contexto, a um novo quadro negocial de paz que teve por base a troca da terra pela paz. Nessa perspectiva a direcção da OLP modificou a sua Carta Nacional, reconhecendo Israel e dando origem a um conjunto de concessões que ninguém hoje contesta. O ponto é este: por mais concessões que Yasser Arafat fizesse ou faça, Israel não cedeu em questões tão nevrálgicas como: libertação dos presos políticos, regresso ou compensação dos refugiados, Jerusalém capital dos dois Estados, manutenção e expansão dos colonatos e não reconhecimento da soberania palestiniana em todo o território de Gaza e Cijordânia.
Com efeito, Israel mantém nas suas prisões mais de 1600 presos políticos, não aceita o retorno dos refugiados ou a sua compensação, defende que os colonatos (considerados ilegais pela ONU) estão sob jurisdição israelita, recusa-se a aceitar que Jerusalém Leste seja entregue aos palestinianos. No fundo, Israel permitiria uma certa soberania, mas totalmente condicionada e dependente de Israel. A Palestina seria constituída por um conjunto de cidades, espécie de ilhas, incomunicáveis entre si, e sem uma verdadeira soberania, uma segunda edição dos bantustões da África do Sul racista.
A situação dos palestinianos tornou-se ainda mais humilhante, pois apesar de todas as concessões, a situação económico-social degradou-se, e vivem, hoje, pior do que viviam antes dos Acordos de Oslo. Depois da provocação montada por Ariel Sharon em Setembro de 2000 e que o guindou ao poder israelita joga com esse desespero e com o próprio terrorismo para atacar a autoridade Palestiniana e o povo palestiniano.
A guerra do Afeganistão desencadeada com o pretexto dos ataques terroristas a Nova Iorque paralizou ainda mais a reacção dos regimes árabes e muçulmanos, mostrando até que ponto os dirigentes deste enorme mundo se distanciavam dos sentimentos dos seus povos e da causa palestiniana.
O impasse israelita
Com efeito Israel apoiado pelos EUA conduziu todo o processo a um beco sem saída. Ou a direcção palestiniana capitulava como pretendiam Barak e Clinton ou ficava com o ónus de ter recusado a via negocial. Yasser Arafat já foi aos EUA 22 vezes. Aceitou uma mediação envene nada. Quase já não haveria mais concessões, apenas a capitulação. Hoje não tem quase nada nas mãos e não tinha outra alternativa face à monumental provocação montada por Ariel Sharon.
Só que Israel de certo modo tinha sido capaz de neutralizar a simpatia que a causa palestiniana tinha granjeado. Clinton e Barak e as suas equipas conseguiram fazer passar a imagem para os media que a intransigência estava do lado dos palestinianos o qual é totalmente falso.
A provocação grotesca de Ariel Sharon, o homem com quem Barak pretendeu aliar-se, desencadeou um vasto protesto palestiniano, uma nova Intifada que varre hoje os territórios palestinianos. Mas também face à condescendência de Barak e da direcção trabalhista, Sharon acaba por conquistar o poder.
Bush utilizou a fundo o capital da luta contra o terrorismo para tentar isolar a direcção palestiniana.
O povo palestiniano está sob ocupação, sem direitos e encurralado num processo em que as rédeas se encontram nas mãos de Israel. A autonomia de que dispunha a Autoridade Palestiniana não é suficiente para impedir que os palestinianos não sejam asfixiados política e economicamente. Israel cerca e bloqueia as cidades palestinianas impedindo a população de ir trabalhar e de poder vender os seus produtos, fundamentalmente agrícolas. Tais medidas deixam um rasto de miséria económica e um rosário de humilhações políticas. O próprio Presidente Yasser Arafat é hoje prisioneiro deste processo.
É contra este estado de coisas que se levanta o povo palestiniano, mesmo à custa de mais de mil mortos e milhares e milhares de feridos. É quase certo que o caminho iniciado em Madrid e prosseguido em Oslo e Camp David tenha chegado ao fim. Por ora Israel continua com as cadeias cheias de palestinianos, a expandir colonatos, a confiscar terra aos palestinianos, a recusar o regresso dos exilados e que Jerusalém Leste seja a capital da Palestina, a não reconhecer as resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU.
Há porém ainda esperança, tal como houve para o povo sul africano e o povo timorense de que um dia, mais cedo do que se possa esperar, finalmente o povo palestiniano seja capaz de conquistar a sua independência e que Gaza, Cijordânia e Jerusalém Leste sejam os territórios do Estado palestiniano livre e independente. Esse caminho será o da unidade nacional contra os ocupantes. A unidade de todas as forças democráticas e patrióticas palestinianas ajudará a desequilibrar a correlação de forças incluindo dentro de Israel. Os povos e os países árabes precisam que o povo palestiniano possa respirar livremente. Será um pequeno passo para que todos respirem melhor.
«O Militante» - N.º 257 - Março/ Abril de 2002