Edgar Silva: "Somos obrigados
ao dever de intervenção"
Edgar Silva nasceu em 1962 no
Funchal, onde estudou até ao final do 11º ano.
Em 1980-82 frequentou o Seminário de Almada tendo, depois,
estado no Seminário dos Olivais (Lisboa) e na Universidade
Católica Portuguesa (Lisboa), onde fez a licenciatura em
Teologia e frequentou o curso de mestrado em Teologia
Sistemática, concluído em 1987.
Quando, nesse ano, regressou ao Funchal, foi nomeado para a
equipa de coordenação do Seminário do Funchal.
Foi professor de Teologia na Univerdade Católica Portuguesa,
delegação do Funchal, responsável pelo MAC - Movimento de
Acção das Crianças, na Madeira e, entre 1987-1994, foi
Assistente dos Movimentos da Acção Católica (Movimentos dos
Educadores Católicos, Movimentos dos Estudantes Católicos).
Em 1993 foi nomeado pela Conferência Episcopal Portuguesa para o
cargo de Assistente Nacional do MCE (Movimento Católico de
Estudantes), em Lisboa.
Em 1996 regressou à Madeira como objector de consciência para o
cumprimento do serviço cívico no trabalho com crianças de rua
e foi candidato independente nas listas da CDU à Assembleia
Legislativa Regional da Madeira, tendo sido eleito deputado
regional.
Em 1997 comunicou ao Bispo do Funchal a sua desvinculação em
relação ao exercício do ministério sacerdotal.
Inscreveu-se no PCP este ano.
Numa entrevista que deu antes das eleições, disse que
se viesse a ser eleito "não os deixaria dormir descansados
enquanto houver uma pessoa com fome na Madeira, enquanto
existirem pessoas a dormir nas furnas". À luz deste
objectivo afirmado categoricamente, como tem sido a sua
experiência como deputado?
ES Os graves problemas da exploração humana, as muitas
expressões de pobreza, não nos permitem sossegar. Face a estas
situações de negação da grandeza do humano sentimos
directamente o intolerável. Somos obrigados ao dever da
intervenção.
Como deputado, no grupo parlamentar da CDU/Madeira, com o
conjunto dos homens e mulheres que connosco trabalham, temos um
trabalho de denúncia e protesto, envolvendo as populações em
iniciativas de interpelação política, contra as políticas
geradoras de exclusão e agravamento das desigualdades sociais.
A movimentação das populações
tem sido uma das principais formas de contestação e uma das
mais eficazes expressões políticas incómodas para o Governo.
Para além das propostas e
iniciativas legislativas temos a preocupação de identificar as
causas dos problemas da pobreza, criticando frontalmente certas
opções do desenvolvimento.
Como interpreta, a montante e a jusante das eleições, o aumento
de votos e de eleitos da CDU na Região?
ES O aumento de votos e eleitos da CDU resulta do trabalho
realizado junto das populações, na atenção aos seus
principais problemas e justas solicitações.
Os movimentos de luta e de protesto das populações deram
decisivos contributos à credibilização do projecto político
da CDU. Uma dinâmica de motivação para a participação
directa das populações na resolução dos seus problemas deu
consistência à nossa intervenção. Só assim se explicam os
resultados eleitorais obtidos na Região.
A sua decisão de integrar as listas da CDU e consequente
anúncio de abandono do sacerdócio provocaram grande impacte.
Passado este primeiro período de experiência política mais
assumida no concreto, que dizer de tal opção?
ES Não renunciei a opções fundamentais, nem a valores
assumidos e com os quais me identifico. O desejo de uma Nova
Humanidade persiste como objectivo orientador das opções ao
nível pessoal. A actual opção político-partidária
relaciona-se com a vontade de contribuir para a edificação da
Democracia. Agora existe uma mais exigente forma de
intervenção.
Sabemos que o facto de ter deixado o sacerdócio não o desligou
do seu compromisso com a Igreja nem o fez abandonar e descrer dos
grandes valores de esperança e solidariedade para com os mais
desprotegidos presentes na doutrina cristã. Acha que, ao entrar
na política activa, alargou o leque de argumentos e instrumentos
de luta contra a pobreza e exclusão social?
ES Já procurava, anteriormente, ter uma intervenção
política activa. Agora, os objectivos da transformação social
e política têm uma outra objectividade e uma eficácia
operativa. Na construção de uma cidade nova o horizonte de
transformação da História ganhou uma perspectiva diferente e
um maior enquadramento ideológico.
Com elementos seguros assentes na sua experiência apostólica
junto da população mais pobre e, sobretudo, junto da juventude
desprotegida da Madeira, o (padre) Edgar Silva foi dos primeiros
responsáveis a denunciar o problema da exploração sexual de
menores na Região, vulgo pedofilia. Sete anos passados após
essa denúncia, e tendo em conta os desenvolvimentos posteriores,
como avaliaria a situação actual?
ES Passados mais de dez anos de alerta e denúncia dos
problemas de exploração da criança na Madeira, os abusos
sexuais e a prostituição de crianças, neste momento é
possível reconhecer que existe uma maior sensibilidade quanto
aos Direitos da Criança e uma consciência dos problemas
radicalmente diferente.
No entanto, muito está por fazer quanto às causas dessas formas
de exploração e abuso da criança. As causas da pobreza,
geradora da prostituição infantil, estão por alterar.
Mantém a ideia de que o desenvolvimentismo "betonista"
do Governo Regional e a defesa a todo o transe da fachada
turística constituem um preço muito elevado que recai sobre as
camadas mais pobres da população?
ES Um autêntico desenvolvimento regional terá que
contemplar outras prioridades. O Estado não poderá continuar a
demitir-se das suas responsabilidades na gestão dos dinheiros
públicos, atendendo, prioritariamente, às necessidades básicas
das populações e assumindo as suas funções sociais. Os
problemas do analfabetismo, o grave problema da habitação, as
zonas urbanas clandestinas... são problemas que não poderão
continuar a ser encarados como marginais nas prioridades
estratégicas da Região.
De que meios se servem o Governo Regional, e a própria Igreja
madeirense, para "justificarem" perante a opinião
pública a sua posição, no mínimo dúbia e crispada, perante
os problemas da pobreza e da pedofilia?
ES Face aos problemas sociais da Região Autónoma da
Madeira o Governo Regional tem procurado dissimular a realidade.
Serve-se da Igreja como meio de simulação dos problemas e
preocupações dos cidadãos. O Governo recorre a vários
instrumentos de manipulação da opinião pública, merecendo
especial destaque o desempenho de certa comunicação social.
Que fazer, politicamente, para vencer a situação actual e
afirmar uma democracia autêntica no território?
ES A transformação da actual situação depende da
capacidade de identificação dos grandes problemas das
populações e da inserção-enraizamento capaz de conferir às
populações dimensão organizativa e mobilização para a
acção política. A criação de movimentos sociais mais
alargados é um dos desafios maiores para todos nós. Permitirá
a consciência política e criará novas perspectivas de
transformação.