O Jornal "O ALARME"
primeiro porta-voz do PCP*




Ignoramos como em concreto vieram a passar-se as coisas e, de qualquer modo, não temos notícias de que hajam estado representantes de Coimbra nas reuniões que em Lisboa vieram a conduzir à formação do Partido. E tudo indica que não.

Mas é curioso assinalar que, tal como alguns dos futuros primeiros comunistas de Coimbra, os próprios que em Lisboa organizaram a criação do Partido, ou pelo menos parte deles, também não deixavam de se reclamar de Kropotkine, cuja morte, acabada de ocorrer e conforme outros autores já assinalaram, suscistou a apresentação de «um voto de sentimento» por um dos participantes na mesma reunião em que foram «aprovadas entre grande entusiasmo» as suas «bases orgânicas» e que se realizou em 1/3/1921.

De qualquer modo, afigura-se que, além do apoio de alguns comunistas libertários já anteriomente indicados, terão sido também dissidentes socialistas que, em Coimbra, apareceram pela primeira vez em público, e por escrito, depois que o novo Partido foi fundado, a apoiar e a integrar-se no PCP.

Com efeito, em Junho de 1921, formou-se o Grupo Socialista Acção Livre, que anunciava concorrer às próximas eleições legislativas, como sucedeu, propondo para deputado o operário gráfico António Tavares e para senador Eduardo Soares Catita.

E com a data de 17/7/1921, exactamente uma semana após a realização daquelas eleições, publicava-se o nº 1 do jornal O Alarme, com redação e administração provisórias no Beco do Amorim, nº 3, apresentando-se como quinzenário e «porta-voz» daquele grupo. O seu redactor principal era A. Tavares, necessariamente o mencionado operário gráfico, e o editor era Raúl Fernandes da Piedade.

Não sabemos quem fosse exactamente aquele António Tavares, mas é bem provável que se trate do mesmo que em 1914 editava A Batalha Anarquista, e editava e dirigia A Revolta, ambas de orientação anarco-comunista como já dissemos.

Quanto a Raúl da Piedade, fora igualmente, em 1919, o editor e secretário de redacção do jornal A Voz Socialista, «orgão do Partido Socialista da região de Coimbra», de que sairam cinco números em que, nomeadamente, se defendia a «Revolução Social» (e até a revolução russa e o «bolchevismo») e em toda a primeira página do nº 1, publicado intencionalmente em 18 de Março, comemorava a Comuna de Paris, que qualificava de «o farol luminoso do proletariado».

O Alarme era um jornal de conteúdo e formato modestos (cerca de 16 x 24 centímetros), com oito páginas.

Na primeira desse nº 1, e em letras algo garrafais, saudava «o proleteriado organiazdo» e «os trabalhadores de todo o Mundo», protestava energicamente contra as prisões arbitrárias do mesmo proletariado e gritava «Viva a Revolução Social» - uma palavra de ordem então corrente, tanto para comunistas como para anarquistas e socialistas, e cuja realização se acreditar estar para breve.

Além de vários artigos soltos e outro tipo de colaboração, incidindo nomeadamente na política e em acontecimentos locais, comentava em fundo, na página 2, o seu fraco resultado eleitoral de apenas nove votos em cada um dos seus candidatos, conforme a imprensa noticiosa informara.

Considerando já previsivelmente favorável aos republicanos tal resultado, o grupo dizia, contudo, ter sido «atraiçoado peles socialistas locais», que, também não tendo apresentado qualquer outra lista própria, «auxiliaram os partidos burgueses».

Afirmando «Não somos bolchevistas! Somos socialistas revolucionários!», mostravam afinal, e é sabido quanto a pressão do primeiro destes adjectivos era, na época, socialmente grande. E anunciava ainda que, embora poucos, continuavam na «propagande em prol do Socialismo, que transformará esta sociedade para fazer baquear a exploração do homem pelo homem».

Entretanto, uma pequena nota intitulada «Partido Comunista Português», na página 3, saudava o seu recente e «vibrante manisfesto ao país» e os seus fundadores, prometendo dele falar mais detalhadamente no número seguinte e concluindo: «Avante, Camaradas!».

E assim é que, mantendo no essencial as demais características, os dois restantes números publicados, em 31/7/1921 e 15/8/1921, ostentavam já no cabeçalho: «Porta-voz do "Partido Comunista Português" - Secção de Coimbra». O nº 3 anunciava mesmo, na página 3, «uma transformação» para o quarto número, porém e segundo supomos, nunca chegou a ser publicado. Mas os que o foram ficaram sem dúvida a constituir, à escala nacional, o primeiro orgão de que o Patido dispôs na imprensa.

Incluem vários artigos já explicitamente partidários, inclusive da Redacção.

Por exemplo, na página 5 do nº 2, H. Caetano de Sousa, na época secretário da Junta Nacional do Partido (o seu «mais alto corpo executivo», conforme a base orgânica 16ª), explicava o aparecimento e o papel dos partidos comunistas, apresentando em especial o PCP como «lançado por um grupo audaz de anarquistas, sindicalistas revolucionários e socialistas da extrema esquerda», propondo-se a então adoptada fórmula da «ditadura do proletariado», por ela lutando «desembaraçados das velhas improfícuas tácticas já falidas», através das «reivindicações sociais» e visando encarar a «estrada infinita de uma nova civilização».

E, dividido pelos dois números, na página sete de cada um, era parcialmente publicado o próprio «projecto das bases orgânicas» do «novo agrupamento», as quais são hoje perfeitamente conhecidas através da sua inserção em jornais do tempo e em livro já publicado após o 25 de Abril.

Merece ainda destaque um artigo de José da Silva Oliveira publicado nas páginas 4 e 5 do nº 3.

Posicionando-se sem dúvida como anarquista, mas membro e defensor do Partido, tal como já o fizera nas páginas da Bandeira Vermelha, expunha uma curiosa distinção entre «anarqiustas práticos e anarquistas lunáticos», estes últimos assim denominados porque teriam afirmado que «não se importavam que a revolução se fizesse no ano 3000!...». Discutia afinal a questão dos « métodos de luta», em termos de «praticabilidade» das teorias ou, segundo os últimos afirmariam, de que «o povo não está preparado». Mas advertia que tal «conflito» político «não tem a ver no terreno sindical», acautelando assim a defesa da linha unitária do Partido quanto à acção sindical, expressa nas suas bases orgânicas.

 

* Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em Coimbra (1921-1946).
Edições «Avante!», Lisboa, 1997.
No presente extracto foram suprimidas as notas de rodapé.


«O Militante» Nº 228 de Maio/Junho de 1997