Perguntas
e Respostas
10. Qual foi o resultado de outras
«uniões monetárias»?
O caso exemplar e bem recente foi a «união monetária» das
duas Alemanhas, República Federal da Alemanha e República
Democrática da Alemanha. Como é sabido, a «união monetária»
(que melhor se diria «moedofagia ou anexação monetária»),
foi concretizada da noite para o dia, com o estabelecimento da
paridade (taxa de câmbio): um marco da República Democrática
igual a um marco da República Federal (com a substituição de
um marco «democrático» por um marco «federal»).
O resultado é conhecido: o choque das diferenças de produtividades, a que se juntou o processo de privatizações, provocou a falência de milhares de empresas.
Rapidamente se esfumou a euforia daqueles alemães que julgaram ter feito o negócio da sua vida quando trocaram a moeda fraca que tinham pela moeda forte do vizinho, as suas poupanças em marcos da RDA por marcos da RFA! (Embora tivesse havido certamente especuladores (e não só) ocidentais e orientais, que ganharam rios de dinheiro com o negócio). O desemprego brutal e a manutenção dos salários ao nível anterior, embora agora expressos em moeda forte (marcos da RFA), enquanto os preços (bens alimentares, rendas de casa, etc.) galgaram para o nível da República Federal, depressa acabaram com as ilusões.
Mas outros países realizaram «uniões monetárias» e em todos eles se verificou que a «moeda única» não resolveu as assimetrias existentes entre as regiões, e na grande maioria dos casos agravou as diferenças. É o caso da Itália onde, apesar da unificação, o Sul continuou pobre e a ter na migração (para o Norte desenvolvido ou para outros países) o grande remédio para o seu subdesenvolvimento.
No caso dos EUA, onde a unificação monetária durou cerca de trinta anos, e onde igualmente se verifica uma grande mobilidade da mão-de-obra.
Mas nestes casos (seja na Alemanha unificada, seja no Estado unitário italiano, seja no Estado federal dos EUA) há um elemento central que não se verifica no caso da União Monetária Europeia: há um significativo Orçamento do Estado (unitário ou federal) para compensar algumas da consequências negativas da unificação monetária, da existência de uma mesma moeda para um espaço (unificado economicamente pelo mercado) onde existem grandes diferenças de desenvolvimento entre as várias regiões que o integram. Por outro lado, nos casos referidos, a união monetária realizou-se em todos eles após a concretização da unificação política. Para lá de dispor de um mecanismo de transferência fiscal automático (penalizando as regiões ricas e beneficiando as pobres), o Orçamento dos EUA representa cerca de 35% do PIB total do país, enquanto o da Comunidade Europeia não representa senão cerca de 1,15% dos PIB agregados dos Estados membros. Na ex-RDA, apesar de consequências devastadoras, impossíveis de indemnizar ou compensar, houve um Orçamento do Estado para atenuar alguns custos sociais e económicos, pagar o subsídio de desemprego, após a concretização do marco único alemão. O que, aliás, como também é sabido, acabou por ser suportado por toda a Comunidade Europeia, pois obrigou à subida das taxas de juro na Alemanha, o que desencadeou um efeito em cascata, atingindo todos os outros Estados da União Europeia, incluindo Portugal!
Mas dirão alguns dos ferrenhos prosélitos da moeda única: Mas o Orçamento da Comunidade vai ter que crescer. Mas a harmonização fiscal vai ter que realizar-se. Mas o Estado Federal vai ter que avançar!
Ora a hipótese de um maior Orçamento Comunitário (para lá de podermos dizer que se tenta pôr o carro à frente dos bois, para ver se o carro também pega de empurrão) é desmentida pela franqueza de várias declarações de declarados protagonistas da moeda única.
Mas o problema é mais grave, pois o que se perspectiva é o corte na transferência de fundos para os países menos desenvolvidos da Europa, entre os quais se encontra Portugal. Na reunião do Comité Monetário que antecedeu a Cimeira de Dublin de Dezembro passado, surgiu uma proposta dos países do Norte para que no Pacto de Estabilidade ficasse estabelecida a saída automática dos benefícios do Fundo de Coesão dos países que cumpram os critérios de convergência e entrem na zona do Euro. A proposta não foi acolhida na versão final do Pacto mas, como diz alguém, «a bisca está lançada».
Por outro lado, em 1999 esgota-se o pacote financeiro dos Fundos de Coesão enquanto avança um conjunto de linhas convergentes para reduzir os Fundos Estruturais. Cortes de muitos milhões de contos no Orçamento Comunitário para 1997, e iguais perspectivas para 1998, como foi oportunamente denunciado pelo deputado do PCP, Joaquim Miranda. O estabelecimento no texto aprovado em Dublin, do emprego como uma das prioridades a financiar, coerente com a tese (da Comissária Wulf Mathies) que faz do «objectivo emprego» um dos critérios para a atribuição dos Fundos Comunitários. As aparentes boas intenções não disfarçam que tudo isto se traduzirá numa redivisão do bolo dos fundos, a favor dos países mais ricos (Alemanha, França, e até de Espanha) que apresentam elevadas taxas de desemprego.
E tudo isto deve ser articulado com os objectivos do alargamento a Leste, onde aparecem novos candidatos a fundos comunitários, e com a nenhuma disposição dos actuais contribuintes líquidos do Orçamento da Comunidade em alargar os cordões à bolsa. Não foi por acaso que em 1995, a Conferência dos Ministros das Finanças dos Länder alemães aprovou um Relatório sobre «As relações financeiras entre a República federal da Alemanha e a União Europeia», onde se defende a redução da contribuição alemã.
O exemplo do Sistema Monetário Europeu (SME)
Um exemplo simples, que permite visualizar o problema da moeda única é a reflexão sobre o nosso próprio País e o funcionamento da sua economia, na base da moeda única «escudo». Essa moeda única não tem evitado o alargamento das diferenças de desenvolvimento económico entre as várias regiões do País (Trás-os-Montes e Lisboa, por exemplo), das chamadas assimetrias regionais. O que acontece, apesar do efeito compensador, ainda que insuficiente, das transferências do Orçamento do Estado! Pelo contrário, na lógica do funcionamento do sistema capitalista, a «moeda única», através do sistema bancário nacional, catapulta os saldos financeiros criados nas regiões «atrasadas» para os depositar (e investir) nas regiões com mais dinamismo económico (ver quadro) |
Crédito
bancário a empresas não financeiras e particulares
Depósitos a prazo em bancos
Ano de 1996
unidade: milhões de contos
Distritos |
Depósitos a prazo |
|
Depósitos emigrantes |
Total Depósitos |
Empréstimos bancários |
Diferenças Depósitos/ Empréstimos |
Relação Empréstimos /Depósito Ratio |
Aveiro | 330.7 | 144.5 | 165.8 | 641.0 | 430.7 | 210.3 | 0.67 |
Beja | 56.8 | 31.9 | 20.7 | 109.4 | 61.8 | 47.6 | 0.56 |
Braga | 327.7 | 161.9 | 175.3 | 664.9 | 447.9 | 217.0 | 0.67 |
Bragança | 66.4 | 38.7 | 71.4 | 176.5 | 46.5 | 130.0 | 0.26 |
Castelo Branco | 92.7 | 65.5 | 74.6 | 232.8 | 91.0 | 141.8 | 0.39 |
Coimbra | 200.2 | 106.0 | 89.5 | 395.7 | 243.4 | 152.3 | 0.62 |
Évora | 64.2 | 45.0 | 8.9 | 118.1 | 99.5 | 18.6 | 0.84 |
Faro | 211.9 | 87.1 | 68.4 | 367.4 | 237.4 | 130.0 | 0.65 |
Guarda | 102.6 | 61.5 | 130.0 | 294.1 | 74.9 | 219.2 | 0.25 |
Leiria | 197.7 | 107.3 | 131.1 | 436.1 | 284.4 | 151.7 | 0.65 |
Lisboa | 2003.0 | 548.4 | 158.0 | 2709.4 | 4622.9 | -1913.5 | 1.71 |
Portalegre | 49.6 | 35.3 | 7.3 | 92.2 | 56.0 | 36.2 | 0.61 |
Porto | 942.5 | 326.3 | 163.4 | 1432.2 | 1835.9 | -403.7 | 1.28 |
Santarém | 153.0 | 127.4 | 64.2 | 344.6 | 264.4 | 80.2 | 0.77 |
Setúbal | 262.0 | 136.8 | 36.8 | 435.6 | 663.9 | -228.3 | 1.52 |
Viana do Castelo | 136.6 | 63.6 | 166.3 | 366.5 | 88.3 | 278.2 | 0.24 |
Vila Real | 101.7 | 52.5 | 140.4 | 294.6 | 90.9 | 203.7 | 0.31 |
Viseu | 158.8 | 37.8 | 162.9 | 409.5 | 152.2 | 257.3 | 0.37 |
Açores | 88.2 | 28.7 | 125.6 | 242.5 | 128.9 | 113.6 | 0.53 |
Madeira | 193.8 | 71.3 | 748.1 | 1013.2 | 162.6 | 850.6 | 0.16 |
Total | 5740.1 | 2327.5 | 2708.7 | 10776.3 | 10083.5 | - | - |
«A reintegração
monetária da Alemanha de Este na Alemanha Ocidental tem
sido um laboratório interessante, construído sobre a
realidade vivida. Ela arrastou a falência da economia
este alemã mais de 3 milhões de empregos na
indústria e na agricultura foram aniquilados. Porquê?
Porque uma união monetária nivela os preços mas não
os custos. Como se produzia na ex-RDA três vezes mais
caro que na antiga RFA, praticamente nenhuma empresa este
alemã pode fazer face à concorrência oeste alemã.» Wilhelm Hankel, professor de Economia Política da Universidade de Frankfurt, Geopolítica Moeda Única, o Debate Interdito, Primavera de 1996, página 86. |
«De uma maneira habitual, quer o
ano seja bom ou mau, cerca de 17% da população
americana deixa as regiões em recessão para regiões
mais prósperas da costa Este para a Califórnia,
ou ainda dos Estados da "rust belt", no Norte,
em direcção ao "sun belt", a Sul. No total,
todos os anos, quase 3% da população do país, ou seja,
7,7 milhões de habitantes, muda de Estado de
residência.» Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa 13 de Dezembro de 1996 |
«Se a questão é saber se o
Orçamento comunitário aumentará para fazer novas
transferências financeiras em proveito de certos Estados
da União Europeia, a resposta é claramente não.» Yves Thibault de Silguy, comissário Europeu para os assuntos económicos e financeiros Público 25 de Janeiro de 1997 |
«Como é que os países que
aderirem ao Euro vão ajustar choques assimétricos que
possam ocorrer entre as suas economias, uma vez que não
há um orçamento Europeu com tamanho suficiente para
fazer os ajustamentos necessários numa situação
dessas?», responde: «(...) O que é necessário é
haver suficiente mobilidade de recursos ou flexibilidade
dos custos. Se não for esse o caso, pode haver
problemas, porque não vejo, num futuro próximo, a
possibilidade de se avançar para um sistema de
estabilizadores automáticos, como um sistema de
Segurança Social ou um sistema fiscal a nível
Europeu.» Hans Tietmeyer, presidente do Bundesbank Público 20 de Novembro de 1996 |
«a contribuição líquida da
República Federal da Alemanha ultrapassa cada vez mais,
e de muito, uma dimensão correspondente a um nível de
prosperidade relativa». (...) Uma reforma se impõe a
fim de criar as condições financeiras necessárias à
entrada na União Europeia dos Estados da Europa Central
e da Europa do Leste.» As relações financeiras entre a República Federal da Alemanha e a União Europeia, Relatório aprovado pela Conferência de Ministros das Finanças dos Länder de 28 de Setembro de 1995 |
«... a falta de mecanismos do
orçamento comunitário para fazer face a eventuais
choques económicos nos Estados membros e (...) a total
independência do futuro banco central Europeu vai criar
problemas». Vitor Constâncio Jornal de Notícias 15 de Fevereiro de 1997 |
«(...) um dos economistas que
estudou o problema das zonas monetárias óptimas, Peter
Kenen, sempre salientou: a necessidade de um grau elevado
de integração orçamental para acompanhar qualquer
processo bem sucedido de União Monetária.» Vitor Constâncio Cadernos de Economia Abr./Jun. 1994 |
«A existência de mecanismos
automáticos de redistribuição intracomunitária para
fazer face a choques assimétricos é amplamente
reconhecida como uma condição de sustentabilidade da
União Monetária, e não se confunde com os fundos
estruturais que, em terminologia de federalismo
financeiro, têm uma função equalizadora, face às
disparidades entre regiões no que se refere a
infra-estruturas e outros factores estruturais de
desenvolvimento. Esses mecanismos justificam-se particularmente numa fase inicial da União Monetária, em que as diferenças nas estruturas económicas tornam maior a possibilidade de choques económicos assimétricos significativos, do lado da oferta ou da procura, atingindo particularmente as economias menos desenvolvidas.» Aníbal Cavaco Silva Anuário da Economia Portuguesa |
«O orçamento comunitário não
pode ficar-se, por isso, como hoje, pelo ridículo dos
1,5 ou 1,6 por cento do PNB total, e servir
predominantemente para subsidiar actividades não
competitivas no quadro da economia mundial Essa
situação correspondeu a certa conjuntura
histórico-política da Europa, que já passou. Ao assumir a moeda única, os países que o fizerem têm de assumir que o nível mínimo de orçamento do grupo tem de chegar aos 20 por cento, como as experiências internacionais comparáveis demonstram. Isto é, quinze vezes maior que hoje (...)» Rogério Martins Público Magazine 5 de Novembro de 1995 |
«A modesta capacidade de resposta
da União em relação à dimensão dos possíveis
problemas constitui uma outra dificuldade. A própria
expansão do orçamento aprovada no Conselho de Edimburgo
só virá aumentar o orçamento total das instituições
comunitárias para 1,27% do PIB da Comunidade em 1999 e
metade desse montante destinar-se-á ainda às despesas
com os subsídios agrícolas. Não obstante o
considerável crescimento que vão sofrer ao longo da
vigência das novas perspectivas financeiras, os Fundos
Estruturais não atingirão sequer 0,5% do PIB da
Comunidade em 1999. O novo Fundo de Coesão, que
progressivamente aumentará até ao montante de 2,6 mil
milhões de ecus anuais em 1999, constitui um pequeno
suplemento.» As consequências sociais da União Económica e Monetária Estudo elaborado para o Parlamento Europeu pelo departamento de Economia da Universidade de Cambridge |
«Uma política económica
suicida Todas estas mutações estruturais, já muito perceptíveis no SME centrado na Alemanha, reencontrar-se-ão na União monetária que é o seu prolongamento irreversível, e acentuar-se-ão com o tempo. Na ausência de mecanismos institucionais poderosos, todas as uniões monetárias tem por efeito destruir progressivamente as condições da sua própria existência. Quando a organização monetária viola as leis económicas fundamentais, estas leis vingam-se. Esta inadaptação já foi amplamente demonstrada pela desintegração do SME e, sobretudo, pela derrocada do crescimento e do emprego bem como o cavar dos défices públicos e sociais na Europa depois da existência dessa orientação. A Alemanha assumiu a direcção económica da Europa, mas nunca aceitou ser a locomotiva, antes foi, fundamentalmente um freio». François Bilger, Professor de Ciências Económicas na Universidade Louis-Pasteur de Estrasburgo Géopolitique, nº 53 |
Quem ganhou e quem perdeu com a reunificação alemã»: 1 marco RDA = 1 marco RFA?
«Um símbolo evidentemente pouco sublinhado pelos media: os lucros das empresas oeste-alemãs quase que duplicaram após a unificação, passando de 345 mil milhões de marcos de média anual entre 1980 e 1989, a 653 mil milhões em 1995! Vítimas de um lado, lucradores do outro.»
«Um ano após a unificação, o PIB da ex-RDA tinha já caído de 40%, a produção industrial de 70% e o número de activos de 40%.»
«(...) a decisão eleitoralista de cambiar um marco do Este contra um marco do Oeste, (...) aumentou o custo real dos bens e serviços este-alemães de 300%»!
«A verdade é que a Oeste como a Este são os assalariados que pagam a factura da unificação. O que não impede o Bundesbank, no seu relatório de 1995, de persistir em considerar "os salários muito elevados e insuficientemente indiferenciados" como o factor principal da degradação da competitividade. E de passar sob silêncio a fraca taxa de investimento, as taxas de juro proibitivas e a sobreavaliação do marco (...).»
«O aumento espectacular do desemprego primeiro nas novas Länder (de 3% em 1990 a quase 19% no início de 1997) depois nas antigas Länder (de 6,9% em 1990 a quase 11% no início de 1997) modificou a relação de forças entre sindicatos e o patronato, a favor deste último. Mais nada é tabu, como testemunha a declaração de Werner Strumpfe, presidente da associação patronal da metalurgia: "Nós pagamos muito caro a paz social. Não podemos continuar mais a oferecer-nos um tal luxo".»
«(...) as empresas oeste-alemãs aparecem claramente como as grandes ganhadoras da unificação. Nos anos fartos, de 1990 a 1992, arrecadaram lucros espectaculares, graças principalmente às novas Länder, cuja produção local se afundou. Em 1993, apesar da forte recessão, os seus lucros ultrapassaram 500 mil milhões de marcos, parra atingir em 1995 um record histórico, 653 mil milhões!»
«Infelizmente, as estatísticas catastróficas do desemprego confirmaram, os lucros de ontem não fizeram os empregos de hoje.»
«Nada de espantoso se a banca alemã declarou lucros em alta de 77% entre 1990 e 1993!»
«E não foram apenas os bancos: globalmente, entre 1990 e 1995, os rendimentos do capital aumentaram de 19,4% e os do trabalho diminuíram 5%.»
Jay Rowell Le Monde Diplomatique Abril de 1995