Projecto de Resolução N.º 1272/XII/4.ª

Por emprego de qualidade no Turismo

Por emprego de qualidade no Turismo

O discurso do Governo nos últimos dois anos, em matéria económica, é de destaque para o desempenho do setor do turismo, sendo esses anos classificados como os melhores de sempre.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística, nas Estatísticas do Turismo 2013, dão conta de um aumento das receitas pelo quarto ano consecutivo em 7,5% (contabilizando 9,3 milhões de euros).
Na atividade de alojamento (Hotelaria, Turismo no Espaço Rural e Turismo de Habitação e ainda o Alojamento Local), em 2013, o número de estabelecimentos em Portugal reduziu 1,8% (3345 estabelecimentos), mas em número de camas aumentou 0,8% (326,2 mil camas).
Os dados da hotelaria referentes a 2013 comparativamente com 2012, também apontam para o crescimento de 5,3% no número de hóspedes (13,3 milhões) e de 5,8% no número de dormidas (39,2 milhões). O aumento do número de dormidas assenta no crescimento das dormidas dos não residentes em Portugal, uma vez que em relação aos residentes houve um ligeiro decréscimo.
É lógico que estes dados poderão não ser de distribuição homogénea por todo o setor. Por exemplo, o setor da restauração e bebidas, excluindo o de qualidade superior, atravessa muitas dificuldades, motivadas pela redução do poder de compra dos portugueses e acentuadas pelo aumento do IVA para a taxa máxima aplicada ao setor e os custos de contexto. Também o Banco de Portugal mostra uma realidade, em 2013, que não é de todo positiva, nomeadamente quando afirma que “55% das empresas com dívida financeira não gerou EBITDA suficiente para pagar os juros”. Por isso o sucesso pode estar reservado a um conjunto de empresas, certamente as maiores, as que ocupam mais mão-de-obra.
Quanto aos proveitos totais no setor do turismo, no ano de 2013 eles foram de 1,9 mil milhões de euros (um aumento de 6,2% face a 2012). Os proveitos de aposento foram de 1,3 mil milhões, correspondendo a um aumento de 7,1% face a 2012. O RevPAR (rendimento por quarto) foi em 2013, 31,8 euros (mais 5,3% que em 2012).
Proveitos do turismo nos últimos 5 anos

Em milhões de €
2009 2010 2011 2012 2013
Totais 1764 1808 1906 1856 1900
Aposento 1190 1226 1308 1290 1300
Fonte: INE, Estatísticas de Turismo

Fonte: INE, Estatísticas de Turismo

Podemos verificar que nos últimos 5 anos os proveitos totais do turismo representam um valor acumulado de 6,3 mil milhões de euros.
Contudo, este sucesso, medido pelo aumento e acumulação de proveitos, não é justamente distribuído entre o empresário e os produtores desses proveitos, os trabalhadores. E são os dados do próprio governo que o demonstram. O Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, quanto ao mercado laboral, publica semestralmente os resultados do Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho por sectores de atividade, os quais permitem mostrar a outra face deste sector, que mostra que o sucesso não só não chegou aos seus trabalhadores, como, em grande parte, foi conseguido à custa da sua sobre-exploração.
A comparação dos resultados deste inquérito entre outubro de 2010 e 2013 mostra-nos que o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no sector de atividade de Alojamento, Restauração e Similares caiu em termos reais 7,5% nestes últimos 3 anos; que este sector pratica dos salários mais baixos de toda a economia do país, só superado pelo sector da fabricação de têxteis, indústria do vestuário e do couro; e que neste sector a média de trabalhadores com um nível de remuneração idêntico à remuneração média mensal garantida (salário mínimo nacional) era em outubro de 2013 quase o dobro da média nacional – neste sector 21% dos trabalhadores recebem o salário mínimo nacional enquanto a média nacional é de 12% para todos os sectores de atividade.
Os dados dos Quadros de Pessoal divulgados pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, referentes a outubro de 2013, mostram também que os níveis de precariedade neste sector não têm paralelo em qualquer outro sector da atividade económica no nosso país: 39,5% dos seus trabalhadores têm contrato a termo enquanto a média nacional é de 28,4%; e 7,5% dos seus trabalhadores são aprendizes ou estagiários enquanto a média nacional dos vários sectores é de 3%.
Os dados oficiais são confirmados pela realidade e pela vida dos trabalhadores da hotelaria. São exemplo das dificuldades algumas perguntas que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou sobre salários em atraso nos hotéis do Grupo Carlos Saraiva (Algarve) a mais de 350 trabalhadores, redução de salários dos trabalhadores no Hotel Marriot em Óbidos ou limitação da atividade sindical no Sheraton Algarve Hotel. Já no início deste ano vieram a público notícias sobre salários em atraso na hotelaria da Madeira, que afetaria 520 trabalhadores e no Hotel Estação em Braga, com seis meses de salários em atraso.
A atividade turística e o seu sucesso está plenamente assente, na qualidade e disponibilidade do trabalho realizado. A maior ou menor satisfação do turista tem uma ligação intima, não com o empresário proprietário do empreendimento onde se instalou, mas com o trabalhador com quem contactou e por isso valorizar o trabalho realizado no setor do turismo e os seus trabalhadores é não só justo, como necessário.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Disponibilize à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) as condições e os mecanismos para combater o trabalho ilegal e precário no setor do turismo;

2. Regulamente os estágios curriculares e profissionais, em contexto de trabalho, no sentido de impedir que as empresas recorram, de forma abusiva, a esta prestação de trabalho e crie mecanismos de controlo adicionais no sentido de garantir que os estágios nas empresas cumpram as normas legais em vigor, sejam efetivamente valorizados e que não sirvam para substituir trabalhadores ou suprimir necessidades de preenchimento dos quadros de pessoal permanente, nem usados como mão-de-obra barata;

3. Crie os mecanismos necessários para que as empresas com a atividade positiva e com proveitos acumulados, façam refletir o seu desempenho nos salários dos seus trabalhadores e na relação vincular que com eles estabelecem;

4. Tome as medidas necessárias para desincentivar as empresas a suspenderem a sua atividade nos períodos de menor afluência de clientes;

5. Assegure, como é dever do Governo, a efetivação real do direito de negociação da contratação coletiva no sector, com prioridade para a valorização salarial.

Assembleia da República, em 20 de fevereiro de 2015

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