Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

PCP apresenta projectos sobre Fiscalização do Sistema de Informações

O PCP apresentou hoje os seus Projectos de Lei, um que cria a Comissão da Assembleia da República para a Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa e outro que faz a 1ª Alteração à Lei nº 6/94, de 7 de Abril, que aprova o regime do Segredo de Estado
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(projeto de lei n.º 302/XII/2.ª)
(projeto de lei n.º 553/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
O PCP apresenta dois projetos de lei, cada um deles sobre uma das matérias que estão em discussão: por um lado, o segredo de Estado, por outro, o Sistema de Informações da República Portuguesa. São matérias que estão relacionadas pela óbvia razão de que todas as informações que estejam na posse dos serviços que integram o Sistema de Informações da República Pública são consideradas diretamente, por força de lei, como sendo segredo de Estado.
Diga-se desde já que essa solução não é inevitável. As matérias reservadas não são apenas as que são classificadas como segredo de Estado. E até há nesta matéria uma certa contradição. Ou seja, por um lado, no diploma relativo ao segredo de Estado, considera-se que as matérias sob segredo de Estado têm de ser classificadas pelos órgãos de soberania, que essa classificação obedece a critérios de excecionalidade, mas, depois, todas as informações do Serviço de Informação são consideradas segredo de Estado.
Ora bem, há matérias que são reservadas mas que não são segredo de Estado e que são, obviamente, protegidas, designadamente o segredo de justiça, matérias relativas às investigação criminal e à intimidade das pessoas. Não são segredo de Estado, mas são matérias reservadas e, portanto, seria plausível encontrar uma outra classificação para as matérias na posse do Sistema de Informações. Mas não foi essa a opção do legislador e, portanto, é com o quadro atual que temos de nos conformar.
Vou expor muito brevemente as propostas que o PCP apresenta neste debate, começando pela questão do segredo de Estado.
Relativamente ao segredo de Estado, importa revisitar a discussão que houve nesta Assembleia aquando da aprovação da lei de 1994, com a qual o PCP discordou profundamente, e ainda discorda, e algumas das razões dessa discordância constam precisamente do projeto de lei que agora apresentamos. Desde logo, quando à vastidão das entidades que podem classificar matérias como segredo de Estado, não faz nenhum sentido que se considere que o segredo de Estado é excecionalíssimo e, depois, se permita que todos os ministros possam classificar matérias como segredo de Estado.
Do nosso ponto de vista, só poderão classificar matérias como segredo de Estado os titulares máximos dos órgãos de soberania, ou seja, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro. Se algum outro membro do Governo entende que deve haver uma matéria a ser classificada como segredo de Estado o que tem de fazer é propor ao Primeiro-Ministro que proceda a essa classificação, sob pena de estarmos a banalizar a classificação de matérias como segredo de Estado. Portanto, a nossa proposta é de que apenas os titulares máximos possam classificar.
Por outro lado, também não percebemos que informações, elementos de prova respeitantes a factos indiciários da prática de crimes possam ser ocultados às entidades competentes para a investigação criminal. Não é aceitável! Ou seja, se um titular de um órgão de soberania, no exercício das suas funções, tem conhecimento de matéria indiciária da prática de crimes, aquilo que tem de fazer é comunicar às autoridades judiciárias. Não entendemos que outro tipo de atitude é que o responsável do órgão de soberania pode ter quando estamos perante factos indiciários da prática de crimes. Obviamente que as autoridades judiciárias saberiam guardar a devida reserva, até para defesa da investigação criminal, relativamente a essas matérias.
Quanto à questão relativa à fiscalização do regime do segredo de Estado, remetemos, precisamente, para a fiscalização do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), na medida em que nos parece que deve haver um único órgão de fiscalização de matérias em segredo de Estado e Sistema de Informações da República, até porque o mecanismo de fiscalização, que foi instituído em 1994, nunca funcionou. Foram 16 anos, pelo menos, em que a tal comissão sobre o segredo de Estado, pura e simplesmente, não existiu.
Estamos confrontados, desde há 20 anos, com um primeiro segredo de Estado, que é o de saber como é que esse regime é fiscalizado. Não é! Essa tal comissão nunca soube rigorosamente nada sobre que matérias é que estão ou deixam de estar classificadas como segredo de Estado.
Portanto, o primeiro segredo de Estado é, precisamente, a aplicação do próprio regime. Ninguém sabe como é que ela se fez! É preciso que, também nesta matéria, se institua um mecanismo próprio do Estado de direito, porque tem de haver fiscalização da aplicação do regime do segredo de Estado e, ao mesmo tempo, do funcionamento do Sistema de Informações da República, que estão intimamente relacionados. Daí que consideremos que o atual sistema não é adequado.
Assim, entendemos que deve ser a própria Assembleia da República, não por interpostas comissões mas ela própria, a criar mecanismos institucionais de fiscalização do Sistema de Informações e do segredo de Estado, que, do nosso ponto de vista, devem situar-se ao mais alto nível.
A nossa proposta é que seja a Presidente da Assembleia da República, líderes parlamentares e presidentes de três comissões, ou seja, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Comissão de Negócios Estrangeiros e da Comissão de Defesa Nacional, a chamarem a si a fiscalização da aplicação do regime, quer do segredo de Estado, quer do Sistema de Informações da República Portuguesa.
É que há um problema que nunca foi resolvido: o do acesso da Assembleia da República em matérias classificadas como segredo de Estado. Não é aceitável, do nosso ponto de vista, que a Assembleia da República não possa, em circunstância alguma, ter acesso a matérias classificadas. Ou seja, não se trata de derrogar o regime do segredo de Estado, trata-se de encontrar uma possibilidade, com a devida segurança da informação, que permita à Assembleia da República uma ponderação sobre os valores que estão em causa e, em determinadas circunstâncias, encontrar forma de a Assembleia da República ser associada ao conhecimento de matérias classificadas, cujo conhecimento seja considerado essencial.
Achamos que não é aceitável que este órgão de soberania seja sistematicamente arredado do conhecimento de determinadas matérias com a invocação, por parte do Governo, por parte do SIRP ou por parte de seja de quem for, que são matérias reservadas e classificadas e a Assembleia da República não tem, pura e simplesmente, acesso a elas.
Do nosso ponto de vista, este problema tem de ser resolvido. Aliás, é um problema que não se prende exclusivamente com o segredo de Estado, porque todos temos conhecimento de situações em que há Deputados que, no exercício dos seus poderes constitucionais, solicitam ao Governo, ou a qualquer entidade pública, determinadas informações e a resposta é a de que não podem dar informações porque essa matéria é reservada. Temos de perguntar por quem é que é reservada e a que título. A Assembleia da República não pode, pura e simplesmente, ser arredada da informação sobre questões relevantes para o exercício do seu poder constitucional de fiscalização da atividade do Governo e das demais entidades públicas.
Portanto, neste processo legislativo, esperamos que haja abertura por parte de todos os grupos parlamentares para questões como a do acesso da Assembleia da República a matérias classificadas, seja pelos Serviços de Informações, seja a título do segredo de Estado, seja a título de outras modalidades de reserva de documentação, que lhe permita ter um mecanismo institucional para fiscalizar a aplicação deste regime e, em determinados casos limite, ter uma palavra a dizer relativamente à própria classificação dessas matérias e à salvaguarda da possibilidade de acesso, com as devidas cautelas, a essas informações, sob pena de ser posto em causa o núcleo essencial das competências da Assembleia da República.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Muito brevemente, quero dizer que consideramos positivo que haja uma disposição da parte das várias bancadas de viabilizar todas as iniciativas que estão aqui em discussão, para que as divergências sejam dirimidas, tanto quanto possível, na especialidade, porque concordamos e temos também essa disposição, ou seja, achamos que é importante que as iniciativas hoje aqui em debate possam ser analisadas, detalhadamente, na especialidade. Mas quer isto dizer que estamos de acordo no essencial? Não quer e, portanto, também não seria bom que saísse deste debate a ideia de que, em matérias com esta sensibilidade, como o segredo de Estado e o sistema de informações da República, estamos todos de acordo, porque não estamos.
Nesta fase do debate, quero sublinhar dois aspetos que, para nós, são centrais e relativamente aos quais divergimos particularmente das iniciativas apresentadas pelos partidos da maioria.
Relativamente ao segredo de Estado, uma delas diz respeito ao âmbito do segredo e à respetiva fiscalização, ou seja, a tal comissão que foi criada em 1994, que devia ter na sua posse uma relação das matérias classificadas como segredo de Estado, nunca existiu e, portanto, de duas, uma, ou nunca houve matérias classificadas como segredo de Estado ou não houve qualquer fiscalização. Como presumimos que alguma matéria tenha sido, alguma vez, classificada, concluímos que ela não teve qualquer controlo e, portanto, a situação é inaceitável, mas a proposta que é feita não altera esta realidade.
Uma segunda questão diz respeito à fiscalização do próprio Sistema de Informações da República. O PS e o PSD inventaram também aqui um novo arco, que é o arco da fiscalização, ou seja, só os Deputados escolhidos pelo PS e pelo PSD podem, através de uma interposta comissão, fiscalizar o Sistema de Informações, mas nós entendemos que é este órgão de soberania — este! — que tem de chamar a si essa nobre e essencial função de fiscalizar algo tão importante para um Estado de direito democrático como são os sistemas de informações.

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