Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para impedir a privatização do abastecimento público de água e saneamento

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A vida, tal como a conhecemos, não existe sem água. E é o facto de ninguém poder viver sem água e de não poder haver desenvolvimento sem água que a torna tão tentadora e tão apetecível para o sector privado, que vê neste recurso finito uma infinita fonte de lucro. Só que, quando falamos de água, falamos de direitos fundamentais, falamos de direitos humanos, tal como reconheceu a ONU numa resolução do Conselho de Direitos Humanos.
Assim, há que pôr as coisas às claras: privatizar a água é privatizar um direito fundamental, e isto só pode ser considerado como inaceitável.
No nosso País, desde 1993 que se tem caminhado a passos largos no sentido da privatização, com a aprovação de um conjunto de leis que permitem uma maior participação de entidades privadas na gestão de serviços públicos de águas e de resíduos sólidos urbanos.
Dirão os Srs. Deputados da direita que partimos de um pressuposto errado, que concessão, externalização ou contrato de parceria público-privada não é o mesmo que privatizar, que a gestão é que pode contar com a participação de privados, e isso não é o mesmo que privatizar. Algo assim…! Só que as experiências por esse mundo fora revelam que, de facto, isso é privatização e é mesmo de privatização que estamos aqui a falar. E, contrariamente ao que os senhores dizem, que a gestão privada é panaceia e que tudo vai fazer melhor, a verdade é que o movimento mundial de remunicipalização da água cresce de dia para dia. Entre março de 2000 e março de 2015, ocorreram 235 casos de remunicipalização da água em 37 países, com impacto na vida de 100 milhões de pessoas, e estes casos estão fundamentalmente concentrados nos países desenvolvidos, imagine-se! E porquê? — há, então, que perguntar. Assim é, porque, em muitos casos, essa foi a resposta às falsas promessas dos privados ou dos seus representantes a atuar na esfera política de que as populações iriam sempre ficar à frente do lucro. Coisa que não aconteceu, é claro! Pois não existe, não existe esse capitalismo asséptico, não ideológico e apenas interessado na correta gestão técnica das coisas, como por aí se tenta pintar. E veja-se, Sr.as e Srs. Deputados, o que tem acontecido no Reino Unido — é notícia de janeiro de 2016 —, onde um relatório revelou que as empresas privadas de água lucraram mais de 1 milhão de milhões de libras com preços, injustificada e escandalosamente, elevados. Os mais prejudicados foram os mais pobres, que viram o peso anual da água, em relação aos seus rendimentos, passar de 2,3% para 5,3%.
Sr.as e Srs. Deputados, a água é de todos! Quando se fala de salvaguardar um direito não se pode estar a contar com a bondade ou complacência de quem tem, acima de tudo, objetivos focados na obtenção de lucro e na distribuição de dividendos entre acionistas. Mais cedo ou mais tarde, a privatização ou a concessão de serviços públicos de água, de saneamento ou de resíduos sólidos urbanos vai conduzir à degradação da qualidade dos serviços, à redução do investimento, vai agravar as assimetrias no acesso e, pelo caminho, vai atacar os direitos dos trabalhadores e aumentar os preços para os utentes.
O PCP defende que, sendo a água um bem vital, com um valor social e cultural sem preço, indispensável para todos, então é por todos que deve ser gerida. Isto é, deve ser gerida unicamente por entidades públicas, na lógica de um serviço público que responda ao interesse de todos e não só ao de alguns.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
É curioso isto a que estamos a assistir hoje, pois parece que a direita é uma claque macabra que, em vez de torcer para que o jogador da bola, que, neste caso, é o serviço público, jogue, e jogue bem, está a torcer para que ele jogue mal e se lesione.
Se calhar, o que querem é que entre em campo o vosso jogador de mão, que é o serviço privado! Esse é que é o vosso problema!
Sr.as e Srs. Deputados, se estamos todos de acordo quanto à necessidade de a água estar no domínio público, então, por que é que não pomos isto em letra de lei?! Qual é o problema de fazermos isso?! É porque, se calhar, se não passamos das intenções à lei e o inferno de boas intenções está cheio, isso significa que querem deixar a porta aberta para, na primeira oportunidade, poderem passar à questão da privatização da água a sério. Essa é que é a questão!
Setúbal?! Tem de ser sério, Sr. Deputado.
Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo uma última palavra: Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, seja sério quando fala de Setúbal, porque nós não votámos a favor da privatização, mas vocês votaram a favor! Essa é a questão. Vocês votaram a favor da privatização da água.

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