O Orçamento de Estado é mais, incomparavelmente mais, do que um conjunto de números e de mapas.
Ele materializa os objectivos, para o período respectivo, das políticas que os governos pretendem implementar. No nosso país, essas políticas não têm assumido um carácter conjuntural, antes, na sua essência, têm feito parte de um projecto global que há muitos anos, trinta e oito, tem vindo a ser desenvolvido.
O país que somos não resultou, apenas, do pacto de agressão da responsabilidade da troika nacional, com toda a evidência foi um factor de aceleração do processo de implementação do projecto e de agravamento da crise, mas das sucessivas opções políticas dos abusivamente auto-denominados partidos do arco da governação.
Projecto que tem incorporada uma opção de classe que se manifesta em todas as vertentes, incluindo a económica com os privilégios concedidos aos grandes grupos económicos e a penalização das pme’s, e a social, com o agravamento das desigualdades.
Um projecto que configura uma profunda alteração da organização do Estado, com este a abdicar de responsabilidades que a Constituição lhe confere para as transferir para os grupos económicos e financeiros que têm como móbil o lucro e não o serviço público.
Um projecto que, pela sua globalidade, essência e objectivos, afronta mais a Constituição da República do que as medidas que são declaradas inconstitucionais. É que estas são respostas a questões pontuais, são como que algumas árvores no meio da floresta, sendo esta o regime que aquela consagra.
O art.º 80º, b), da Constituição prevê a “coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção”.
Contudo, pode-se dizer que em 1989 no XI Governo Constitucional em que era primeiro-ministro Cavaco Silva as privatizações tiveram um grande impulso e passaram a estar na linha da frente de todos os OE. Também neste aspecto, PS, PSD e CDS-PP estiveram e têm estado em consonância. Isto tem acontecido por opção ideológica, indiferentes ao facto de, em muitos casos, se estar a alienar empresas e sectores estratégicos a favor de grupos económicos e financeiros, em grande parte das situações, estrangeiros, e também permitir a criação de condições para a saída do país, em cada ano, de muitas dezenas de milhões de euros de lucros e dividendos que constituiriam receita do Estado.
Com isto, e como se tem tornado cada vez mais evidente, inverteu-se o princípio da subordinação do poder económico ao poder político democrático conforme está consignado no art.º 80º, a) da Constituição.
Não obstante o tecido empresarial do país ser fundamentalmente constituído micro e pequenas empresas, 99,4% do total, a verdade é que estas não têm obtido os apoios de que necessitam para a sua modernização e, mesmo, sobrevivência, ao contrário do que tem acontecido com os grandes grupos económicos, principais beneficiários da baixa do IRC, com o apoio do PS, e que têm gozado de benefícios fiscais de milhares de milhões de euros que o Governo tem ocultado das contas públicas.
As funções sociais do Estado, designadamente a educação, a saúde e a protecção social, continuam debaixo de fogo.
Com o OE para 2015, os cortes nos últimos quatro anos na escola pública atingirão mais de dois mil milhões de euros e na saúde mil oitocentos milhões.
Os cortes têm-se sucedido com implicações na qualidade do serviço prestado, promovendo a sua degradação, e nas condições de trabalho. O objectivo é claro, mais uma vez a entrega a privados , como sempre com custos a suportar pelo OE.
A protecção social vem dando uma resposta cada vez mais insuficiente face à crescente gravidade da crise social.
Considerando o desemprego real e não o que fantasiosamente é anunciado pelo governo e seus serviços, estão nessa situação cerca de um milhão e quatrocentos mil portugueses. Ora, as prestações de desemprego abrangeram, em Agosto último, quase 319 mil desempregados o que representa uma taxa de cobertura de 23,3%.
A pobreza alastra, segundo os dados publicados este mês pelo Eurostat e relativos a 2013 estava em risco de pobreza no nosso país 27,4% da população o que significava 2milhões e 880 mil pessoas. Apesar da gravidade desta situação o número de beneficiários do RSI tem vindo a diminuir, sendo que desde a assinatura do pacto de agressão e até Agosto passado se registou uma redução de 35%, representando 114.623 pessoas. Sublinhe-se que, no final de 2013, o valor médio da prestação por beneficiário era de 87,11 euros.
A contrapor a esta realidade, há uma outra realidade: os milionários têm aumentado em número e o valor das suas fortunas tem variado no mesmo sentido.
A degradação económica e social do país é acentuada e tem-se acentuado com as políticas que vêm sendo adoptadas mas as suas consequências são ainda mais graves no distrito do Porto, isto em termos relativos.
A destruição do aparelho produtivo foi mais intensa, houve concelhos em que aconteceu uma verdadeira devastação, talvez em nome do sacrossanto mercado do ramo da especulação imobiliária.
O número de empresas insolventes é o maior do país tendo um peso relativo muito significativo.
O desemprego cresceu a um nível superior ao da média nacional, sendo maior a percentagem dos desempregados sem receberem qualquer prestação de desemprego.
A pobreza alastrou, o número de beneficiários do RSI teve uma redução maior do que a média do país embora continue a ser o distrito em que é maior a relação entre o número de beneficiários e o número da população.
Se aumenta a descriminação negativa do distrito relativamente à média do país, ela é muita mais acentuada no que respeita aos dez concelhos que não fazem parte da sub-região do Grande Porto sendo de notar que oito deles fazem parte da segunda sub-região mais pobre, a do Tâmega.
O governo PSD/CDS-PP aplicando o seu conceito de transparência acabou com o PIDDAC, ocultando dessa forma os investimentos da Administração Central em cada um dos distritos, dando, aliás, sequência à transparência do anterior governo do PS que acabou com a indicação da taxa de execução de cada investimento previsto no orçamento anterior.
Isto acontece porque sucedem-se os governos mas não muda o seu carácter centralista e com isso agravam-se as disparidades em termos de desenvolvimento regional. Não lhes interessa o que dispõe o art.º 81ª da Constituição que dispõe que compete prioritariamente ao Estado “promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior”.
Certamente porque não querem abdicar do seu poder de tudo decidirem, a troika nacional foge à criação das regiões administrativas, prevista no art.º 255º da Constituição, preferindo, em termos de organização do Poder Local, extinguir freguesias contra a vontade das respectivas populações. Abominam que a população esteja próxima dos órgãos de poder, querem-na o mais longe possível. Proximidade só em tempos de campanhas eleitorais com a utilização de todos os recursos, qual desde o mais imaginativo.
Referi, várias vezes, a Constituição da República e fi-lo porque ela consagra, apesar das mutilações que sofreu com as sucessivas revisões, conquistas fundamentais decorrentes da Revolução de Abril.
Por isso, o Programa do nosso Partido, aprovado no último Congresso, propõe uma “Democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal”.
Aí é sublinhado que “no ideal e projecto dos comunistas, a democracia tem quatro vertentes inseparáveis – política económica, social e cultural”. No desenvolvimento destas vertentes, encontramos tudo o que sustenta as nossas críticas quanto às opções políticas dos sucessivos governos em qualquer uma das vertentes referidas, inclusive no que respeita à organização, melhor será dizer desorganização, do Estado.
Neste período negro da História do País em que à degradação económica e social se junta a da ética, mais se justifica, e se torna mais urgente, uma política alternativa que tem, necessariamente, de ser patriótica e de esquerda. Esta é a política que o PCP apresenta e propõe ao Povo Português e cuja base essencial apresenta propostas cuja concretização permitirá a inversão deste rumo de empobrecimento do país e dos portugueses e de abdicação da soberania nacional.
Dir-se-á, é um caminho difícil Certamente o é, mas houve tempos em que a noite era de uma escuridão quase absoluta, em que a única luz era a esperança de que o sol acabaria por nascer. Por isso houve quem lutasse para que tal acontecesse e o sol veio mesmo a nascer em Abril, no Abril que está nos nossos corações.
Isso voltará a acontecer, pela nossa vontade e pela vontade do Povo Português.
Viva o PCP