Declaração de João Dias Coelho, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Audição Pública «Por uma Administração Pública ao serviço do povo e do País»

Por uma Administração Pública ao serviço do povo e do País

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Se há evidência que o surto epidémico Covid -19 trouxe ao de cima foi a importância dos serviços públicos e dos seus trabalhadores.

Sabemos todos que o surto epidémico pelo impacto que teve na saúde pública colocou na linha da frente e com maior visibilidade determinados sectores como os trabalhadores da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares, assistentes administrativos etc.) mas entretanto é importante relevar outros sectores como a Administração Local, onde foram mantidos serviços essenciais com reflexo na saúde pública como a recolha e tratamento do lixo, ou ainda o importante papel, além de outros, dos bombeiros, dos militares, dos profissionais das forças e serviços de segurança no apoio às populações.

Apesar do surto epidémico ter introduzido alterações diversas no nosso modo de vida, a verdade é que a vida não parou e a Administração Pública também não.

A capacidade de resposta da generalidade dos serviços da Administração Pública, conseguido na maioria das vezes pela dedicação e esforço de milhares de trabalhadores - num quadro em que os sucessivos governos da política de direita debilitaram serviços públicos como o Serviço Nacional de Saúde, reduziram o número de trabalhadores como na Segurança Social, alteraram a natureza do vínculo de emprego, fragilizaram relações laborais - é notável.

Sem perdermos a perspectiva que o Estado enquanto superestrutura não está acima dos interesses de classe, não é árbitro, antes reflecte o modo de produção dominante, e intervém sempre no sentido de assegurar ao capital a exploração, a notável resposta dada pelos serviços públicos, e pelos trabalhadores que os asseguram em que se destaca o Serviço Nacional de Saúde, desmentiu a velha e estafada tese da direita política e económica do “Estado gordo” de “Menos Estado - Melhor Estado”, ou de um Estado confinado a funções de soberania, representação e segurança, deixando ao sector privado a prestação de serviços e funções essenciais cometidas ao Estado pela Constituição da República, “socializando” a despesa e privatizando a receita assegurando assim chorudos lucros ao capital.

Com verdade se pode dizer que a realidade que a situação vivida nos últimos meses mostrou foi a importância de manter e reforçar a natureza pública de áreas cruciais, para garantir a qualidade e o acesso universal a direitos e serviços fundamentais.

Sem escamotear a necessidade de aproveitamento dos meios da ciência e da técnica para a modernização da Administração Pública e uma maior eficácia e capacidade de resposta dos serviços, a resposta dada no seu conjunto neste tempo concreto do surto epidémico, pôs à evidência que não há teletrabalho, ou “horários em espelho” (com perda de rendimentos) que substitua a relação humanista, próxima dos utentes e a importância e necessidade de ter mais e melhores serviços de proximidade por exemplo na saúde, na educação, na segurança social, nas forças e serviços de segurança, na justiça, nos serviços inspectivos, no serviço público de transportes e correios, entre tantos outros, assumindo o Estado o papel nuclear na sua prestação, assim como a necessidade de ao invés do percurso de transferência de encargos da administração central para o Poder Local, fortalecendo-o e dotando-o dos meios financeiros, para o cumprimento do seu papel no exercício daquelas que são as suas competências originárias.

Sabemos todos que uma grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública são mulheres. Mulheres, muitas delas mães e por isso não é difícil adivinhar o impacto do teletrabalho na vida de cada uma dessas mulheres concretas, com vidas concretas.

Sobrando entretanto questões várias e não pouco importantes como a natureza do vínculo de emprego e os horários de trabalho, coloca-se também a questão de saber como é que são salvaguardados os dados pessoais dos utentes dos serviços públicos num quadro de teletrabalho, em que os trabalhadores nas condições concretas em que laborariam a partir de casa, com filhos ou outros familiares à volta, teriam para desenvolver o seu trabalho e proteger os dados dos utentes.

Não podemos entretanto deixar de registar que se durante o período mais crítico resultante do surto epidémico, perante a resposta dos serviços públicos no combate à COVID-19 em defesa da saúde pública, os fazedores de opinião depois de uma longa, nociva e persistente campanha contra os serviços públicos e os seus trabalhadores com o objectivo de privatizar tudo o que possa ser rentável para o capital, ficando o Estado como mero regulador e financiador, hoje face à evidência da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e dos seus profissionais para além de terem “enrolado a manta” sobre o falhanço do Estado, “elegeram” os trabalhadores como os heróis da linha da frente.

Mas a verdade é que, tais elogios, balofos e hipócritas, não escondem, nem anulam a falta de condições de trabalho, não melhoram as retribuições dos trabalhadores, havendo mesmo a ameaça velada, depois de um mísero aumento salarial de 0,3% em 2020 (ao fim de 10 anos sem actualização salarial, de congelamento de evolução nas carreiras) que face aos problemas económicos e financeiros que decorrem do surto epidémico, nos próximos anos poderá não haver actualizações salariais. Não escondem, nem anulam o contínuo empurrar para a frente a regulamentação e implementação do subsídio de insalubridade, penosidade e risco e a existência de milhares de trabalhadores que ocupando postos de trabalho permanentes na Administração Pública, se mantêm com vínculos de trabalho precários há vários anos sem qualquer perspectiva de futuro.

O Programa de Estabilização Económica e Social, a que o Orçamento Suplementar dá expressão, é a prova que o Governo continua amarrado a uma política que nem responde à gravidade da situação, nem lança bases para um Portugal com futuro, não assegurando as medidas necessárias para garantir e assegurar uma Administração Pública munida dos instrumentos e meios necessários para responder aos problemas e desafios que estão colocados.

É com esse propósito e sem prejuízo de soluções de curto prazo, tendo no horizonte uma Administração Pública ao Serviço do Povo e do País que o PCP aponta a necessidade de mais investimento nos serviços públicos, alargando os serviços de proximidade, valorizando os trabalhadores que prestam o serviço público com a melhoria das suas condições de trabalho e dos seus rendimentos, valorizando as suas carreiras profissionais, assegurando a sua progressão, revogando o SIADAP, pondo fim ao arbítrio, e às quotas, substituindo por um sistema de avaliação, transparente, equitativo e justo, repondo as carreiras extintas e os conteúdos funcionais, pondo fim à precariedade de milhares de trabalhadores que ocupam postos de trabalho permanentes.

Ciente que a universalidade dos serviços públicos se assegura e garante a partir de uma Administração Pública Central dotada dos meios necessários à persecução dos objectivos constitucionalmente consagrados e com trabalhadores motivados, o PCP aponta a necessidade da revogação do processo de transferência de encargos da administração central para o Poder Local, avançando-se no quadro da Constituição da República com o processo de concretização da criação das Regiões Administrativas enquanto processo inadiável e insubstituível em vez do simulacro de democratização das CCDR e assegurando ao Poder Local Democrático os meios e as condições ao cumprimento das atribuições e competências.

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