Nota da Comissão do PCP para a Luta e Movimento das Mulheres

Violência doméstica: um flagelo social que é preciso prevenir, dar combate e erradicar

1 - O Governo fixou o dia 7 de Março como dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica, em que ressalta a ausência da sua própria responsabilização pelas medidas que deve assumir na prevenção e combate a este grave flagelo social.

Não basta que o Governo constate que a violência doméstica existe. Nem tão pouco associar-se à indignação social que provoca, designadamente perante os trágicos desfechos de morte de mulheres. E não basta porque o Governo, na prática, continua a branquear as consequências da política de direita no âmbito da violência doméstica, resultantes da falta de investimento em recursos financeiros, humanos e técnicos nos diversos serviços que intervêm nestes domínios, na ausência de uma efectiva aposta na formação e articulação de quem é chamado a intervir nestes domínios, a par da falta de coordenação registada entre os diferentes serviços e áreas de intervenção, particularmente na prevenção.

Na nova fase da vida política nacional, depois do afastamento do governo PSD/CDS impor-se-ia que o actual Governo tivesse ido mais longe na afectação de recursos para responder a estas matérias estruturantes para a igualdade na vida das mulheres.

Tal como em outras áreas o Governo PS optou mais pela propaganda do que pela acção. A opção de responsabilização pela intervenção no domínio da prevenção e combate à violência doméstica por parte das autarquias, que tem vindo a ser assumida pelo Governo PS, assenta na desresponsabilização do papel central do Estado e dos serviços públicos. As autarquias, as redes locais e as organizações sociais, podendo ter um papel complementar, em nenhuma circunstância os podem substituir, sob pena de se acentuarem desigualdades.

2 - Para o PCP a melhor homenagem que se pode fazer às vítimas e suas famílias é reforçar a intervenção para prevenir, combater e erradicar este flagelo social e contribuir para evitar trágicos desfechos.

É preciso romper com a política de desinvestimento registado nos últimos anos em importantes serviços públicos e funções sociais do Estado em domínios nucleares como a saúde, forças de segurança, justiça, segurança social, e no alargamento da rede pública de apoio às vítimas e à prevenção em todas as suas vertentes.

O PCP assume a necessidade de ser garantida a protecção adequada às mulheres vítimas de violência doméstica. Para tal, é necessário o aumento de meios e de respostas por parte do Estado, tendo por base a adequação às necessidades específicas de cada mulher.

O PCP associa este combate ao que deve ser trilhado para a eliminação de outras dimensões da violência sobre as mulheres, designadamente no combate à exploração na prostituição e na protecção às mulheres prostituídas que decidam libertar-se desta exploração e forma de violência.

3 - Hoje sabemos que morrem mulheres às mãos de maridos, ex-maridos, companheiros e até namorados. No passado, as mulheres morriam da mesma forma mas a causa do óbito não era revelada, dado que a violência doméstica sobre as mulheres era não só tolerada como legitimada pelos poderes políticos, como aconteceu durante o regime fascista.

O aumento das queixas por violência doméstica que hoje se constata desvenda uma prática social que deixou de ser tolerada por parte de mulheres que decidem romper com ela fazendo queixa, e também por parte daqueles que sentem a responsabilidade de a denunciar.

Trata-se de uma mudança que mostra que a violência doméstica existe, mas que não pode ser tolerada nem tão pouco silenciada.

Uma mudança de atitudes para a qual foi decisivo o papel do PCP, partido que tem dado um importante contributo para o património legislativo nesta matéria. Foi elaborado um conjunto de normativos que assumem a violência doméstica como crime público e um atentado à dignidade humana e aos direitos das mulheres, criando-se ao mesmo tempo mecanismos de protecção às vítimas.

Passados 28 anos do primeiro diploma sobre esta matéria, e não obstante a unanimidade em considerar que a violência doméstica é inaceitável nos dias de hoje, os mecanismos para a combater e erradicar não são coincidentes.

Sendo incontestável a necessidade de intervir ao nível dos valores éticos e culturais que continuam a marcar comportamentos e atitudes, não é menos verdade que esse combate só terá sucesso se for acompanhado de uma acção governativa que combata as causas e factores que persistem em colocar as mulheres numa situação de vulnerabilidade económica e social a este fenómeno.

4 - O PCP entende que à justa indignação e emoção perante tais crimes que a todos envergonha, bem como perante o grave flagelo social que a violência doméstica representa, deve prevalecer a razão e a objectividade nos fundamentos económicos, sociais, psicológicos e culturais que determinam este flagelo social, lutando para assegurar políticas que permitam preveni-lo e combatê-lo com eficácia.

Para o PCP há muito a fazer para ampliar a consciência social de que a violência é crime, e para a necessária alteração das mentalidades que não tolere a opressão da mulher, o que não dispensa, antes impõe, a adopção de políticas que previnam e combatam a violência de forma séria, articulada e consistente, e que tenham como prioridades:

I) Concretizar medidas que assegurem alternativas e dêem confiança às mulheres nas diversas etapas a percorrer desde o momento em que decidem romper com essa realidade até iniciar um projecto de vida livre de violência.

- Reforçar de forma continuada os recursos financeiros, humanos e técnicos nos diversos serviços chamados a intervir – forças de segurança, sistema judicial, segurança social, cuidados primários de saúde (incluindo a saúde mental, designadamente a vertente do apoio psicológico e social).

- Promover uma adequada articulação entre estes serviços de modo a permitir celeridade na resposta, particularmente nas 72 horas subsequentes à queixa e nas etapas seguintes.

- Apostar numa mais ampla e sistemática formação de todos os que são chamados a intervir no âmbito da violência doméstica, em que se entrelaçam factores de ordem económica, social, psicológica e cultural e contextos pessoais e sociais diferenciados que exigem respostas específicas.

- A responsabilização do Estado na criação de uma rede pública de apoio às vítimas de violência com garantia de privacidade.

- A instituição de uma Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das vítimas de violência, com funções de coordenação da prevenção e da protecção; a instituição em cada distrito e Região Autónoma de uma Comissão de Protecção e Apoio às vítimas de violência.

- Adoptar medidas adequadas de protecção às crianças oriundas de meios familiares reconhecidamente violentos.

- A par da eficácia dos instrumentos de protecção das mulheres vítimas (antes e depois de lhes ter sido dado esse estatuto), bem como aos seus filhos, é necessária a sinalização e acompanhamento dos agressores, não apenas na eficácia do processo criminal e judicial, mas igualmente com medidas que permitam perceber as causas de tais práticas e prevenir futuras reincidências.

II) A prevenção da violência doméstica sobre as mulheres exige fazer cumprir os direitos das mulheres, combatendo a exploração laboral, as desigualdades e discriminações, procedendo à elevação dos seus rendimentos do trabalho, o direito à habitação, uma rede de equipamentos sociais, entre outros. Porque estas são condições necessárias para eliminar vulnerabilidades económicas e sociais que impedem, e mesmo condicionam, muitas mulheres a libertar-se de situações familiares marcadas pela violência.

III) A violência doméstica com todos os seus efeitos pessoais e sociais exige respostas urgentes. Muito embora, historicamente, tenha uma forte incidência sobre as mulheres, ela atinge outros membros do agregado familiar. Assim, importa aprofundar as causas do fenómeno da violência doméstica que tem como alvo, designadamente, as crianças e os idosos, bem como o recrudescimento e naturalização da violência no namoro. Estas dimensões não têm tido o aprofundamento necessário nem tão pouco medidas de adequada protecção às suas vítimas. E urge fazê-lo como parte integrante da violência doméstica.

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