Artigo de Vítor Dias no "Avante!"

"Há sete anos"

Comentando a sentença de Aveiro, o director do «Publico« escreveu em 18/2 que «a discussão em torno da interrupção voluntária da gravidez só tem a perder enquanto estiver refém de visões extremadas, para não dizer extremistas».

Sentenciou depois que «o PS, ao permitir que o PCP e o Bloco liderassem a campanha, perdeu espaço de manobra para uma aproximação que permitisse partir da lei actual e retocá-la de forma cirúrgica mas suficiente para resolver o problema».

E, por fim, José Manuel Fernandes opinou que «o alívio que todos sentiram pelas absolvições mostra que com um pouco de bom senso e menos radicalismo seria possível encontrar depressa uma fórmula equilibrada que acabasse com o flagelo dos abortos clandestinos».

Face a isto, importa responder que o «retoque cirúrgico» e a «fórmula equilibrada» (como a proposta de Freitas do Amaral que JMF invoca) apenas, e quando muito, evitariam algumas sentenças condenatórias e, longe de acabarem com o flagelo dos abortos clandestinos, como absurdamente afirma JMF, manteriam integralmente esse flagelo (que, lembre-se, é a razão de fundo desta luta). E manteriam inteiramente todas as ameaças de novas denúncias, investigações e até julgamentos, com tudo o que significam.

Mas face a estas opiniões do director do «Publico», importa também lembrar que há sete anos, ou seja no dia 12.2.1997, J. M. Fernandes publicava no seu jornal um artigo curiosamente intitulado «Em defesa do aborto [?!!!] e do direito à vida» e cujas primeiras vinte palavras eram exactamente as seguintes : «Este é um texto em defesa das alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez, nomeadamente as apresentadas pela JS».

E é agora tempo de lembrar que, em 1997, as alterações legislativas propostas pela JS no seu projecto de lei 236/VII, na esteira do precedente projecto de lei 117/VII do PCP, consistiam em despenalizar o aborto «a pedido da mulher (...) nas primeiras doze semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente». Ou seja, essencialmente o mesmo que o actual projecto do PCP propõe.

Ficamos assim a saber que, há sete anos, JMF apoiava uma solução agora dita «extremada», estava no campo do alegado «radicalismo», e andava substantivamente a reboque do PCP, «sem espaço de manobra» para se aproximar de uma pretensa «fórmula equilibrada».

Portanto, mudou e muito, como já longamente o sabíamos. E tem esse direito, de preferência poupando-nos àquele estafado argumento de que só os burros é que não sei quê. Escusava era de ser tão arrogante e injusto com os que felizmente continuam a pensar o que ele infelizmente deixou de pensar.

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