Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Receita de desastre no sector dos transportes

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Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

A política de transportes do atual Governo PSD/CDS-PP tem seguido três eixos fundamentais:
Primeiro: Transformar serviços públicos em negócios privados, não ao serviço do povo e do país mas ao serviço dos interesses dos grupos económicos.

Segundo: Penalizar de forma brutal os trabalhadores e os utentes das empresas do sector – com aumentos de preços, encerramento de serviços, cortes salariais, congelamentos de carreiras, ataques aos direitos, perseguições e represálias, etc., etc., etc.

Terceiro: Sacrificar sectores decisivos para a vida das pessoas, estratégicos para a economia, vitais para a gestão dos recursos do país (energéticos, ambientais) – e para a própria soberania nacional!

À pressa e pela calada, no recato do Conselho de Ministros, o Governo aprovou o “quadro jurídico” que abre a porta às novas PPPs – apresentadas como “subconcessões” – nos transportes públicos de Lisboa, com a Carris e o Metropolitano de Lisboa na mira e a Transtejo/Soflusa na calha.

No Porto, avança já há mais tempo (com uma total falta de transparência) o processo no mesmo sentido em relação à STCP e Metro do Porto.

A experiência desastrosa para o interesse público que se verifica há anos na Metro do Porto – uma PPP lançada por uma empresa pública, às ordens do Governo, com passivos brutais para o Estado e lucros garantidos para os grupos económicos – é o mesmíssimo modelo que querem eternizar naquela empresa e agora impor e aplicar na STCP, na Carris, no Metro de Lisboa.
Quando países como o Reino Unido aprendem com os erros e recuam nas medidas tomadas há anos atrás, é o Governo português a querer seguir essa mesma receita de desastre!

Receita de desastre que aliás tem vindo a ser imposta pelo Governo e seguida no sector do transporte aéreo, como ontem mesmo ficou patente na Audição do Presidente da TAP na Comissão de Economia, realizada em larga medida graças à insistência do PCP, face ao que se tem verificado com o desinvestimento e o crescimento não sustentado na companhia, face aos problemas no handling, na manutenção, no transporte aéreo.

Ficámos ontem a saber que o Governo demorou seis meses a autorizar o recrutamento de pessoal, que a companhia vinha solicitando e que representava uma medida urgente – e que foi desta forma bloqueada. É disto que falamos quando falamos dos ataques e dos bloqueios do Governo ao sector público!

O Governo decidiu este ano avançar para aquilo a que chamou a fusão da REFER com a EP Estradas de Portugal, e que na realidade representa um novo passo no caminho de pulverização do Sector Ferroviário Nacional com a destruição da REFER. Cada uma destas empresas têm especificidades muito próprias, nas suas tarefas e profissões, numa formação, numa cultura de projeto e obra (e segurança!) rodoviária e ferroviária próprias.

Esta opção do Governo parece um disparate ou uma brincadeira de mau gosto, mas é muito mais grave – é uma irresponsabilidade, uma medida desastrosa e potencialmente destrutiva do património de conhecimento e capacidade técnica da ferrovia nacional.

Olhando para a REFER, o Governo fala de «ganhos rápidos» – estará a pensar na alienação do património ferroviário, na venda da REFER Telecom e da REFER Engineering, na subconcessão dos Centros de Controlo Operacional, etc.

O objetivo do Governo, custe o que custar, é reduzir toda a atividade pública à gestão de PPPs, concessões, subconcessões e subcontratos.

Reiteramos aqui as questões que já colocámos, sem resposta do Governo até à data.

1. O Governo tem consciência da profunda degradação da fiabilidade e segurança na operação ferroviária que ocorreu nos últimos três anos, fruto das suas políticas? E de como essa degradação se acentuaria brutalmente com a implementação desta fusão?

2. Quantos trabalhadores o Governo pensa despedir para alcançar esse valor propagandeado das «poupanças de 50 milhões de euros»?

3. Vai ou não o Governo travar este processo, evitando agora custos dramáticos que serão cada vez mais graves para o futuro?!

O que Portugal deveria estar hoje a discutir era a reconstrução do que foi destruído nos últimos 20 anos: era a fusão da CP, da REFER, da EMEF e da CP Carga numa empresa pública ferroviária, aí sim com evidentes ganhos de eficiência e poupanças significativas.

Até porque o que hoje se discute na Europa é o retomar dessa opção – e é o reconhecimento de que a política de separação do transporte e da infraestrutura só trouxe vantagens para a Alemanha, e para sua multinacional, DB que aproveitou para se expandir à maioria dos países europeus (incluindo o nosso), em nome de uma diretiva que a Alemanha nunca cumpriu!

O que se impõe é reconstituir e consolidar o sector ferroviário nacional. Acabar com a teia de direções e administrações, de empresas autónomas sem autonomia, de portas giratórias de gestores e contratos externos. É esse o desafio que deixamos ao Governo!

Estas e outras importantes matérias – que ao longo deste debate iremos tratar – foram aliás abordadas nas iniciativa e contactos que o PCP tem vindo a desenvolver.

Tivemos o testemunho e a reflexão ao longo das últimas semanas, de forma atualizada e aprofundada, com o envolvimento de sindicatos e comissões de trabalhadores, autarcas, comissões de utentes, organizações de defesa do ambiente, especialistas de transportes, que participaram nas Audições Parlamentares do PCP, realizadas no Porto e em Lisboa, nos dias 22 e 29 deste mês, precisamente sobre este tema.

Queremos daqui saudar as entidades e as pessoas que contribuíram com a sua experiência, a sua intervenção – e que continuam a agir, e erguer a voz e a lutar em defesa de um sector de transportes público, modernizado, ao serviço do povo e do país. É esse também o contributo que queremos trazer, ao agendar este Debate de Urgência Potestativo.

Disse.

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