Resolução do Encontro Nacional da Saúde do PCP

 

 

 

O Encontro Nacional do PCP “Por um Serviço Nacional de Saúde Universal, Geral e Gratuito”, realiza-se num momento da vida do país, marcado pela mais violenta ofensiva de matriz neoliberal realizada depois do 25 de Abril, contra os serviços públicos contra os direitos económicos e sociais dos trabalhadores e do povo, levada a cabo pelo Governo do Partido Socialista.

As políticas de redução e desintervenção do Estado, assente na lógica do “Estado mínimo” e a adopção do princípio do utilizador/pagador, tem levado a que sectores submetidos ao regime de serviço público fossem abertos à iniciativa privada, com todas as consequências para os utentes, que a liberalização destes serviços trouxeram, quer na qualidade do serviço prestado, quer nos custos para as famílias no acesso a estes serviços, como acontece com a saúde, contrariando o preceito constitucional de que cabe ao Estado assegurar o direito de todos os cidadãos à promoção e à protecção da saúde.

Estamos perante uma ofensiva que não visa apenas desarticular o “Estado Social”, tal como está consagrado na Constituição da República, mas ir mais longe descaracterizando e subvertendo a natureza do próprio Estado e da Administração Pública que lhe é inerente.

É neste contexto que integramos e avaliamos as políticas que o Governo PS está a implementar na saúde. Rejeitamos por isso as teses que dizem que as opções do governo nesta matéria têm sempre dois caminhos, um bom e outro mau, e que o percurso a fazer depende em primeiro lugar da correlação de forças que se estabelecer dentro do Ministério em cada momento.

Seria ingenuidade acreditar que, nas suas decisões, o Governo não se guiasse por uma opção há muito feita de mercantilizar as funções sociais do Estado, seguindo directivas do capital e comunitárias, que se integram no objectivo de construir um modelo neoliberal de Administração Pública.

São muitos os factos que confirmam que o Governo PS / Sócrates, tal como vinha acontecendo com os anteriores governos da direita, tem utilizado a regulação e a intervenção do Estado, não para garantir o reforço das políticas sociais, num quadro de mais investimento e mais crescimento, de forma a garantir um mais elevado nível de vida às populações e serviços de qualidade para todos os cidadãos, mas como um instrumento ao serviço dos interesses de classe do grande capital nacional e transnacional, e em especial na recomposição de grandes grupos económicos privados.

Por mais que o Governo, e particularmente o Ministro da Saúde, venham dizer que as medidas que tem vindo a tomar se integram na perspectiva de defesa do Serviço Nacional de Saúde e procure sistematicamente justificar essas medidas com razões técnicas, os factos não deixam dúvidas. Cada vez mais os privados se vão apoderando dos serviços de saúde, o acesso está cada vez mais difícil para a grande maioria dos portugueses, a promiscuidade entre o público e o privado vai crescendo a política do medicamento vai oscilando de acordo com os interesses ora da indústria, ora das farmácias.

Também os trabalhadores da saúde foram alvo de uma ofensiva sem precedentes, ao ponto do Governo ter desenvolvido uma campanha para criar linhas de divisão entre estes e os outros trabalhadores e o povo em geral. Não se trata apenas de “dividir para reinar”, mas em primeiro lugar levar o povo a acreditar que os problemas na saúde são o resultado do mau trabalho dos profissionais, de que estes são uma casta de privilegiados e que é preciso medidas firmes para resolver os problemas que se vão agudizando. Medidas que passam pelo fim do vínculo público para os novos trabalhadores, pela gestão privada dos hospitais através das PPP e a admissão da privatização de partes dos cuidados primários, grande objectivo dos grupos financeiros que se têm vindo a instalar no sector da saúde.

Com o Encontro que vamos realizar no próximo dia 27 de Maio, procuramos não apenas reflectir sobre a evolução da situação no sector da saúde, mas ir mais longe procurando desenvolver um conjunto de propostas mobilizadoras dos profissionais de saúde e da população em geral, nomeadamente aquelas que se integram na defesa do Serviço Nacional de Saúde, Universal, Geral e Gratuito, pilar fundamental para um modelo de desenvolvimento que se quer justo e solidário.

1. Serviço Nacional de Saúde – uma Conquista de Abril

A criação de um serviço público de saúde resultou em Portugal da iniciativa revolucionária do povo e de muitos profissionais de saúde no contexto da Revolução de Abril. A Constituição designou-o como Serviço Nacional de Saúde e inscreveu-o como instrumento da concretização da responsabilidade prioritária do Estado em garantir o direito à saúde. Contra ele estiveram sempre os chamados “interesses instalados” na saúde, designadamente a direita médica, os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos e os grupos financeiros privados com as respectivas seguradoras.

Resultados muito significativos dos mais de 25 anos de actividade do SNS, que paradoxalmente cresceu e se estruturou apesar de sistematicamente atacado e desacreditado, são a taxa de mortalidade infantil que em 1975 era de 39/1000 e baixou para os actuais 5/1000 e a esperança média de vida à nascença que em 1973 era de 69 anos e actualmente é de 77,3 anos. A Organização Mundial de Saúde, no seu Relatório sobre a Saúde Mundial de 2000, classificou o desempenho do SNS português em 12º lugar a nível mundial, à frente de países como a Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá e Estados Unidos da América.

Através da intervenção política do PSD e do CDS/PP e com a conivência do PS, foi possível a esse conglomerado de “interesses instalados” impedir a articulação e exploração das integrais potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da transferência de recursos públicos para a acumulação privada. Governo a governo, os representantes desses interesses, por nomeação partidária consoante o partido de turno no governo, nas diferentes instâncias e serviços, ao longo destes 30 anos de política de direita, levaram o SNS à sua situação actual, em prejuízo dos interesses do povo e do país.

As propostas políticas para a saúde apresentadas pelo PCP no seu VIII Congresso em 1976, muitas das quais vieram a integrar a Lei que, pela primeira vez em 1979 procurou dar forma ao SNS, já incidiam sobre matérias que se mantém na ordem do dia. Aí estavam inscritas a efectiva cobertura do país em serviços de saúde; a integração dos serviços no plano local; a descentralização de competências; o aproveitamento dos recursos existentes nos hospitais; a formação e carreiras dos profissionais; a participação da população e dos trabalhadores da saúde na gestão; a regulamentação e controlo da actividade clínica privada. Este era o princípio da responsabilidade prioritária do Estado em assegurar o direito à saúde dos portugueses, que a Constituição da República assumiu em 1976 e a que procurou dar forma afirmando o Serviço Nacional de Saúde como seu instrumento.

O Serviço Nacional de Saúde “geral, universal e gratuito” nunca foi aceite pela direita. A contemporização ou a entrega de instrumentos àqueles que vêm na saúde um negócio não é um problema de hoje. O governo do PS formado a 23 de Julho de 1976, três meses e meio depois da aprovação da Constituição, a 2 de Abril desse mesmo ano, já utilizava a expressão “tendencialmente gratuito”, que uma maioria de direita havia de inscrever no texto constitucional na revisão efectuada em 1989. Ficou assim legitimada a introdução das “taxas moderadoras”, ponta de lança da introdução de mecanismos de mercado na adaptação da oferta do serviço público de saúde às características da procura. A máxima a obedecer passa a ser: “quem quer saúde, paga-a”. Após a revisão Constitucional de 1989 a direita aprova em 1990 a Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90) com que enterra definitivamente a lei do SNS de 1979 que nunca chegara a aplicar.

É esta Lei de Bases que dá suporte a toda a ofensiva desenvolvida desde então para a privatização da saúde. No seu Capitulo III – Do Serviço Nacional de Saúde, Base XXXVI – Gestão dos hospitais e centros de saúde diz-se: “1- A gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão, submetidas a regras por ela fixadas. 2 – Nos termos a estabelecer em lei, pode ser autorizada a entrega, através de contratos de gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde a outras entidades ou, em regime de convenção, a grupos de médicos”. Na Base XXXII – Médicos, diz-se: “A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos hospitais, os seus doentes privados”. No Capitulo IV – Das iniciativas particulares de saúde, Base XXXVII – Apoio ao sector privado, diz-se: “1 – O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de saúde... 2 – O apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde que deseje trabalhar no sector privado...”. O SNS cujo Estatuto é publicado através do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro. No seu artigo 28.º, diz quem são as outras entidades apontadas no n.º 2 da Base XXXVI da Lei de Bases da Saúde de 1990 ao avançar que: “Através de contrato de gestão o Ministério da Saúde pode autorizar a entrega da gestão de instituições e serviços de saúde integrados no SNS, ou parte funcionalmente autónoma, a entidades públicas ou privadas...”.

A política do medicamento tem sido um motivo central de debate e de luta desde os primeiros momentos da definição de uma política democrática para a saúde. O medicamento é um bem essencial em saúde. Não se pode falar verdadeiramente em acesso à saúde sem acesso aos medicamentos. Mas os medicamentos são igualmente o produto de uma poderosa indústria e, no contexto actual, pela sua importância para as populações, um importante negócio e factor de chantagem e pressão política da parte daqueles que detêm os instrumentos da sua produção.

A política dos sucessivos governos de direita sobre o problema do medicamento sugere a natural sensação do conluio. Os magros orçamentos do SNS foram ao longo dos anos sendo desnatados de elevadíssimos montantes transferidos para os produtores e distribuidores de produtos farmacêuticos, ao ponto de colocarem o Estado em condição de refém da sua voracidade, enquanto prosseguiam uma autêntica pilhagem das magras bolsas dos doentes. O marketing dos produtos arvorou-se em detentor incontestado da formação terapêutica e transformou num mercado inundado de inutilidades, o que deveria ser terreno de criteriosa e fundamentada selecção. E no entanto está há muito tempo feito o diagnóstico e são há muito apontados instrumentos para alterar a situação, mesmo antes da ideia de Serviço Nacional de Saúde tomar forma.

A Lei 56/79, de 15 de Setembro, que pela primeira vez, dá forma ao Serviço Nacional de Saúde afirma no seu Artigo 65.º que: “O Governo elaborará, no prazo de seis meses a contar da publicação da presente Lei o Formulário Nacional de Medicamentos, tendo em vista a racionalização do consumo e a valorização do sector nacional, público e privado.”

Em Fevereiro de 1988 o PCP propôs a “Adopção de um Formulário Nacional de Medicamentos de uso obrigatório em todos os serviços públicos que prestam cuidados de saúde”, e aponta para a prescrição por DCI (Designação Comum Internacional) e pronuncia-se pela criação de farmácias nos serviços públicos de saúde. O “Programa de redução dos gastos com medicamentos”, fez parte do pacote de medidas legislativas apresentadas pelo PCP em Outubro de 1998, mas o PS recusou viabiliza-lo e o Projecto foi rejeitado. No início da segunda legislatura de maioria PS, em Dezembro de 1999, o PCP retomou o mesmo Projecto. Aí estão inscritos a prescrição médica por substância activa, nome genérico ou DCI em todo o SNS, a implantação de um Formulário Nacional de Medicamentos, o desenvolvimento do mercado de genéricos, a função farmácia no âmbito de SNS e a dispensa gratuita no SNS dos medicamentos cuja comparticipação pelo Estado seja mais dispendiosa que a sua dispensa gratuita, em especial aos doentes de ambulatório.

Desta vez, já com o fogo em casa, com a despesa com os medicamentos em completo descontrolo e o déficit da saúde em trajectória para o desastre, o Projecto vem a ser aprovado no final de Junho de 2000 e é publicado em Agosto com a designação de Lei 14/2000. Como noutras ocasiões, os governos do PS e PSD/PP desvirtuaram a Lei da República, retirando-lhe aspectos essenciais na sua aplicação. O Formulário Nacional de Medicamentos peça essencial de uma política séria de garantia da qualidade da prescrição e de controlo da despesa desaparece, o mesmo acontece com a função farmácia no SNS e a distribuição gratuita de medicamentos. A tortuosa invenção do chamado “preço de referência” não evitou que a despesa com os medicamentos continuasse a crescer, agora cada vez mais à custa dos bolsos dos doentes.

Em 1993 o PCP apresentou uma proposta para uma Reforma Democrática do Serviço Nacional de Saúde em cinco pontos principais, da desgovernamentalização e descentralização do SNS à humanização da prestação dos cuidados de saúde, passando pela promoção da eficiência do SNS com vista a assegurar o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde de qualidade, pela gestão do SNS e o seu financiamento e pela avaliação da qualidade em saúde.

Em 1998 o PCP apresentou na Assembleia da República quatro Projectos de Lei: Lei-Quadro do Financiamento do Serviço Nacional de Saúde; um Programa de redução dos gastos com medicamentos; Lei-Quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde; um Programa especial de acesso aos cuidados de saúde.

Nos últimos anos as listas de espera para as cirurgias no SNS foram o elemento mais visível e mediatizado da inacessibilidade do direito à saúde. O problema do acesso não se limita ao acesso às cirurgias. O mesmo se passa quanto ao acesso aos cuidados de saúde primários, vulgo “médico de família”, de forma particular nas zonas do litoral e nos arredores dos grandes centros urbanos, justamente onde a concentração de profissionais faria prever o contrário. O mesmo se passa ainda de forma escandalosa no acesso a meios complementares de diagnóstico e de terapêutica.

Durante anos e anos de silêncio aqueles que tinham meios económicos, ou que a eles conseguiram recorrer, espontaneamente foram aliviando o seu sofrimento pelo acesso a instituições privadas ou a nebulosas e promíscuas redes de utilização de serviços públicos por interesses privados.

Durante anos e anos foi crescendo o número dos que, sem recursos, esperam a sua vez muito para além do que é clinicamente aceitável. Quando o seu número se tornou economicamente aceitável os mercadores da saúde fizeram as contas, viram neles uma fonte de lucro e fizeram surgir as propostas para que os privados fizessem “aquilo que o público não fez”. Procurando apagar o passado a direita fez da anunciada eliminação das listas de espera a sua bandeira demagógica contra o serviço público de saúde. Apresentadas como prova insofismável da falência do serviço público, as listas de espera são de facto a clara demonstração dos resultados da política de subversão do serviço público durante largos anos praticada pela direita.

Nada pode justificar que o serviço público seja incapaz de responder às prementes necessidades dos doentes, mas é claro que em caso de insuficiência ou esgotamento da capacidade instalada são as necessidades de saúde do doente o elemento decisivo. Foi essa a razão e o sentido da Projecto de Lei do PCP para a realização de um Programa especial de acesso aos cuidados de saúde. Apresentado também em Outubro de 1998, foi aprovado em Março de 1999 e continua a ter plena actualidade. O Governo do PS/Guterres foi incapaz de dar andamento ao Programa, prova acabada de inépcia e prenúncio da sua posterior rendição aos mais radicais argumentos neo-liberais de liquidação do serviço público de saúde. Dar forma à justa exigência da sua realização é a questão que se coloca. A existência de gritantes constrangimentos e escandalosas ineficiências nos serviços de saúde que integram o SNS é matéria que hoje ninguém contesta.

Ao apresentar em Outubro de 1998 um Projecto de Lei-Quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, o PCP abriu a porta à possibilidade de se retomar o rumo de um serviço de saúde público e para todos.

O que se seguiu é de todos conhecido. O PS não viabilizou o Projecto de Lei optando por fazer sair legislação avulsa, alguma dela retomando aspectos do Projecto do PCP, que foi deixando ficar na gaveta enquanto evoluía politicamente para uma atitude de claudicação clara e depois como agente da aplicação dos paradigmas neo-liberais na saúde.

As iniciativas legislativas referidas não resumem toda a iniciativa política e legislativa do PCP. A despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez; os Direitos Sexuais e Reprodutivos da Mulher; a Prevenção da Toxicodependência; a Saúde Ocupacional e a Prevenção dos Acidentes de Trabalho foram também algumas das muitas matérias da nossa iniciativa parlamentar, para só referirmos os últimos anos. Da mesma forma é inegável o apoio do PCP à iniciativa dos autarcas, dos profissionais e das populações pelos seus legítimos interesses na saúde. As propostas apresentadas pelo PCP na A. R. e as repostas que obtiveram, definem de forma clara o campo dos que defendem uma Reforma Democrática do Serviço Nacional de Saúde face àqueles que o querem pura e simplesmente destruir.

2. Cuidados de Saúde Primários no SNS

Em 1977, em Alma-Ata, a Assembleia Mundial de Saúde definiu o conceito de “Cuidados de Saúde Primários” (CSP) como “a assistência sanitária essencial, baseada em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundamentados e socialmente aceitáveis, colocados ao alcance de todos os indivíduos e famílias de uma comunidade, mediante a sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada uma das etapas do seu desenvolvimento, com um espírito de auto responsabilidade e autodeterminação”. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os CSP são parte integrante do desenvolvimento socio-económico da comunidade e do sistema nacional de saúde, de que constituem função central e são o principal núcleo. Os CSP são o primeiro elemento de um processo permanente de assistência sanitária que, ao aproximar os cuidados de saúde do lugar onde as pessoas vivem e trabalham, são o primeiro nível do seu contacto com o sistema nacional de saúde.

Os investigadores distinguem “assistência médica primária” de “cuidados de saúde primários”. A primeira centrada na doença, nos tratamentos e cuidados ocasionais, na prática individual de médicos especialistas, num serviço de saúde separado da comunidade e limitado à recepção de utentes/clientes que procuram os seus serviços. Os segundos centrados na saúde e na sua promoção, na prevenção das doenças e na prestação de cuidados de forma continuada e global, por equipas integrando médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar e outros profissionais, orientando a sua acção por princípios de colaboração intersectorial, participação comunitária e auto responsabilização.

São principais características dos CSP ser: Universal, entendida como expressão do direito de todos à saúde e garantia de acessibilidade física e geográfica, financeira, cultural, administrativa e técnica à prestação de cuidados; Participativo, entendido como garantia da participação activa da comunidade em todas as fases do processo de planeamento, programação e realização das actividades; Essencial, por aplicar métodos e técnicas práticas, cientificamente apoiadas e socialmente aceites, postas ao alcance de todos, e reservando para outros níveis de cuidados o emprego de técnicas mais sofisticadas; Pertinente, entendido como o uso racional de recursos de acordo com as prioridades identificadas; Global, por estudar a pessoas nas múltiplas dimensões da sua vida física, psicológica, social e cultural; Integral, por se orientar pela intervenção e articulação dos diversos níveis de cuidados; Continuado, por significar que as pessoas devem ser seguidas desde o surgimento do risco, no início da doença e na recuperação, até que tenha desaparecido a razão que justificou a vigilância; Permanente, por estarem abertos 24 horas todos os dias, de forma coordenada por um sistema de urgências; Descentralizado, por se entender que a sua gestão deve reflectir o facto de se situarem o mais próximo possível das populações.

Um estudo efectuado em 1994, fazendo a análise comparada de indicadores de saúde de vários países, concluiu que os que dispõem de CSP fortes conseguem melhores níveis de saúde, maior satisfação da população com os seus sistemas de saúde e mais baixos custos pelo conjunto dos serviços.

A Constituição da República afirma no seu Artigo 64.º que “todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover” e aponta a criação de condições económicas, sociais e culturais e um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal, geral e tendencialmente gratuito como os instrumentos da sua realização. A Constituição da República não particulariza as características a que deveria obedecer cada um dos níveis de cuidados de saúde, mas ao defini-las genericamente dá suporte àquelas que são as dos CSP acima apresentadas.

Os Centros de Saúde foram criados pelo Decreto-lei n.º 413/71 de 27 de Setembro, integrando diversas entidades vocacionadas para a prevenção da doença e para a saúde pública. Estavam associados a programas de vacinação, programas de saúde da grávida e da criança, saúde escolar e actividades de autoridade sanitária. Os cuidados curativos, de doença aguda, estavam entregues aos postos clínicos dos Serviços Médico-Sociais das Caixas de Previdência – os “Postos da Caixa” – que prestavam assistência aos trabalhadores e suas famílias que descontavam para as respectivas “Caixas”. Os Centros de Saúde só vêm a ganhar projecção com a Revolução de Abril e o desenvolvimento do Serviço Médico à Periferia que, em 1975, os dotou de pessoal médico.

O Decreto-lei 254/82, de 29 de Junho e o Despacho Normativo n.º 97/83, de 28 de Fevereiro, vieram criar o que se veio a designar por Centros de Saúde de Segunda Geração, formalizando a fusão dos Centros de Saúde criados pelo Decreto-lei n.º 413/71 (ditos de Primeira Geração) com os “Postos da Caixa de Previdência”. A criação dos Centros de Saúde de Segunda Geração acompanhou a institucionalização das primeiras Administrações Regionais de Saúde (ARS), de que ficaram dependentes orgânica e funcionalmente e o surgimento da nova especialidade médica de Medicina Geral e Familiar e respectiva carreira. O novo Centro de Saúde passa a ser definido como “uma unidade integrada, polivalente e dinâmica que presta cuidados de saúde primários, visa a promoção e vigilância da saúde, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, e se dirige ao indivíduo, à família e à comunidade”. Os ganhos em saúde alcançados em Portugal nos últimos 30 anos estão estreitamente associados à radical melhoria de CSP verificada após a Revolução de Abril, no quadro da implementação do SNS.

Estando, a partir de 1982, conceptualmente mais próximos do quadro definido pela Declaração de Alma-Ata, os CSP tiveram o seu desenvolvimento coarctado pela oposição declarada dos defensores da prestação privada que têm dominado o poder político, o que se traduziu na carapaça administrativa das ARS, de cultura burocrática e centralista; na desvalorização da sua importância para o sistema de saúde; na desvalorização social e profissional das carreiras de Medicina Geral e Familiar e de Saúde Pública; e, sobretudo, na carência de dotação de recursos humanos, financeiros, técnicos e organizativos que acompanhou a progressiva propagação do discurso e prática neo-liberal, em Portugal e no mundo.

Com uma prática frequentemente mais próxima da “assistência médica primária” do que dos CSP, junto dos utentes, os Centros de Saúde não ultrapassam por vezes a imagem do velho “Posto da Caixa”. É a tibieza da componente de promoção da saúde e da prevenção da doença expressa em serviços de saúde pública quase limitados à função de autoridade de saúde e na adopção de “Campanhas” e “Dias” em substituição de uma actividade continuada, planeada e orientada por objectivos e metas, com o respectivo estabelecimento de critérios de avaliação de impacto e custo-benefício. É o naufrágio dos cuidados curativos expresso nos cidadãos que não têm Médico de Família ou desertaram das suas listas, na frequente desumanização do atendimento e das condições de trabalho, na labiríntica articulação com os hospitais e outros serviços, na desertificação do atendimento domiciliário cada vez mais entregue aos serviços clínicos privados das seguradoras, no tsunami das urgências, no vazio de competências técnicas essenciais e dos meios complementares de diagnóstico e de terapêutica. É a alienação das necessidades e aspirações das comunidades expressa em conflitos evitáveis e em órgãos de consulta que nunca funcionam.

Sem regra nem plano, completamente esquecida dos doentes, completamente rendida à desregulação neo-liberal ou correndo atrás dos chamados sinais do mercado, durante anos a direita foi alimentando uma política “hospitalocêntrica” e de emagrecimento do cuidados primários, numa tendência que se ilustra no facto da percentagem de recursos financeiros atribuídos aos hospitais ter subido de 43,8% em 1981, para 51,3% em 1999, enquanto os recursos atribuídos aos cuidados primários caíam de 54,1% para 43% no mesmo período.

Os dados relativos à estrutura da despesa na saúde, em 2003, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, relativos à estrutura da despesa corrente do SNS, esclarecem a razão das dificuldades sentidas ao nível dos CSP. Os números esclarecem que o desenvolvimento dos CSP foi sacrificado à “assistência médica primária”, sendo aí que a privatização dos serviços de saúde mais terreno conquistou. Mais de metade dos cuidados de ambulatório já eram prestados nesta altura por privados e pagos pelas famílias. Os prestadores privados tinham o domínio esmagador dos cuidados no domicílio que, embora pouco expressivo, atinge quase o dobro do financiamento público para prevenção.

Os números ajudam a compreender melhor a recente ofensiva pelo encerramento dos SAP sustentada por uma rede de prestadores privados instalada que ambiciona os 50% do mercado que lhe falta. Da mesma forma ajudam a compreender a violência da ofensiva contra os cuidados hospitalares, onde, em 2000, a sua penetração directa era ínfima.

O cruzamento dos dados demográficos do INE (cerca de 110.000 nascimentos/ano) e da produção dos Centros de Saúde permitem concluir que, apesar dos êxitos inegáveis ao nível da saúde materna e da saúde infantil, 30% das grávidas não passam pelos Centros de Saúde, 30% não fazem consulta de revisão do puerpério, a percentagem de crianças com 6 anos que beneficiaram de, pelo menos, 24 semanas de amamentação fica-se pelos 29%, ficam por ser feitas nos Centros de Saúde cerca de 45% das consultas de saúde infantil nos primeiros 12 meses de vida que a boa prática aconselha e cerca de 50% das crianças a quem, no âmbito dos programas de saúde escolar, são identificadas necessidades de saúde especiais não têm o seu problema resolvido até ao final do ano lectivo.

No que se refere à saúde da mulher, a tibieza de resultados exprime-se nas cerca de 540 mil mulheres assistidas por ano em consulta de Planeamento Familiar, num universo de cerca de 2 milhões 300 mil mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 45 anos, o que não deixa de ter consequências ao nível das práticas contraceptivas, da gravidez planeada, da prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis e prevenção e diagnóstico precoce de outras doenças como é o caso de alguns tumores.

Em 2004, segundo dados oficiais, 9,6% da população não tinha Médico de Família e cerca de 40% não utilizou os serviços do Centro de Saúde. Cada médico terá realizado, em média, 23 consultas diárias com duração de 18 minutos por consulta, o que corresponde a cerca de 90 minutos por ano de contacto directo com cada uma das pessoas que assistiu.

A distribuição dos parcos recursos humanos é desequilibrada. A percentagem de utentes sem médico ultrapassa os 5% nos distritos de Viseu, 5,9%, Santarém, 8,9%, Braga, 9,2%, Lisboa, 10,1%, Faro, 13,2%, Porto, 14,2% e Setúbal, 24,3%.

Em 2004 existiam no Continente 347 Centros de Saúde, dos quais 265 tinham Serviços de Atendimento Permanente e 51 tinham Unidades de Internamento com um total de 779 camas.

O Plano Nacional de Saúde aprovado para aplicação de 2004 a 2010 tem a virtude de fazer um diagnóstico da situação de saúde no país, apontar objectivos, metas e prazos e definir processos de trabalho para as atingir. Peca, como tantos outros Planos, por não ter em conta os recursos e, sobretudo, por se acomodar ao quadro político criado pelo governo que o promove, mesmo que esta vá em sentido oposto ao da criação de condições para o seu cumprimento. Em matéria de CSP, o Plano conforma-se com as alterações legislativas aprovadas pelo governo PSD/CDS no sentido da concepção de CSP como rede de serviços públicos, privados, sociais e de cooperativas de profissionais. O Plano não acautela o impacto negativo da desresponsabilização do Estado e consequente demissão da sua função de liderança e instrumento facilitador da articulação das diversas entidades actuantes nas comunidades, condição fundamental para o êxito de qualquer programa ao nível dos CSP.

A crise nos CSP é resultado do impacto das políticas neo-liberais exprimindo a vontade de apropriação da saúde como um negócio pelos interesses económicos privados e pelos seus governos. As “experiências” e as orientações dos governos do PS, PSD e CDS, os suportes legislativos e a sua aplicação, reflectem mais a correlação de forças em conflito do que hesitações em torno das estratégias tecnocraticamente elaboradas.

O Decreto-lei 157/99, de 10 de Maio, produzido pelo primeiro governo do PS/Guterres, pretende dar forma ao que chama Centros de Saúde de 3.ª Geração. De acordo com a brochura Centros de Saúde da 3.ª Geração – Manual para a Mudança, Direcção Geral de Saúde, publicado em 2002, os Centros de Saúde de 3.ª Geração distinguem-se dos anteriores por serem dotados de autonomia administrativa e financeira, correspondendo à descentralização da gestão das sub-regiões de Saúde para os Centros de Saúde; de uma direcção técnico-científica e por uma organização interna descentralizada e baseada numa rede de unidades/equipas multiprofissionais, com missões específicas e objectivos comuns.

Na altura da sua publicação o Decreto-lei 157/99 surgia num quadro de defesa da prestação pública de cuidados de saúde. Foi depois congelado pelo segundo governo PS/Guterres, revogado pelo governo PSD/CDS-PP e agora novamente retomado pelo governo actual do PS.

Recuperado num quadro de clara opção pela estratégia de privatização dos cuidados de saúde, a aplicação do Decreto-lei 157/99, pelas prioridades que estabelece, contem os germes da subversão das características dos CSP em favor do reforço das formas de “assistência médica primária”, com risco da efectiva dissolução dos Centros de Saúde reduzidos ao papel de instalação/edifício onde se faz atendimento de doentes.

De acordo com o documento “Linhas de Acção prioritária para o desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários”, divulgado pela “Missão para os Cuidados de Saúde Primários”, em Janeiro de 2006, a estrutura organizacional dos Centros de Saúde deve assentar em pequenas unidades operacionais, como previsto no DL 157/99, mas os Centros de Saúde permanecem sem personalidade jurídica, obedecendo a um regulamento interno a aprovar pelas ARS, ou seja sem autonomia administrativa e financeira, devendo até 31 de Março de 2007 ser publicada uma futura lei dos Centros de Saúde. Tudo indica que esta “futura lei dos Centros de Saúde, de 31 de Março de 2007”, mais não será do que o retomar dos aspectos centrais da Decreto-lei 60/2003 aprovado pelo governo PSD/CDS-PP e revogado pelo actual governo PS, não tanto por discordâncias de fundo, mas por ter a sua aplicação comprometida pelo valor simbólico da oposição que gerou, levando à criação da Entidade Reguladora da Saúde cuja missão em termos de controlo do processo de privatização dos CSP foi assim contornada. Recorde-se que este último diploma legal subordinava as necessidades de saúde às restrições de financiamento, entregava áreas potencialmente lucrativas ao sector privado, abria a porta à entrada de “gestores” exteriores ao Serviço Nacional de Saúde, atacava frontalmente as carreiras profissionais, alargava a rede de cuidados de saúde aos prestadores privados, à custa da saúde pública, da promoção da saúde e prevenção da doença, entre outras questões e impunha a desregulamentação das relações laborais no sector.

Numa perspectiva de defesa do SNS, público e para todos, a análise da situação ao nível dos CSP aponta para as seguintes conclusões e orientações: A primeira, e a mais importante, é a de que os interesses privados na saúde já detêm fortes posições na prestação da assistência médica primária com sacrifício do desenvolvimento de uma verdadeira rede de Cuidados de Saúde Primários. Ao contrário do rumo apontado pelas políticas de direita a realidade mostra que o que falta aos CSP é gestão e prestação pública de cuidados. A segunda, que decorre da anterior, é a de que os CSP necessitam de um significativo e planeado investimento público que o dote com os recursos indispensáveis à sua missão, em particular e prioritariamente ao nível dos recursos humanos, mas também de instalações, equipamentos e competências técnicas essenciais. A terceira é a de que, no quadro do reforço da gestão e prestação pública é indispensável uma rápida abertura dos CSP às comunidades em que se inserem, com a participação das autarquias locais e a dinamização das Comissões de Utentes e outras formas de intervenção directa das populações, única forma de assegurar a humanização e equidade do acesso e uma eficiente gestão dos recursos. A quarta é a de que é indispensável mobilizar os profissionais de saúde para o cumprimento das suas responsabilidades, o que passa pela adopção de uma política de vínculos, carreiras e remunerações motivadora e claramente assumida no quadro da Administração Pública. A quinta, é a de que, no quadro do Sector Público Administrativo, permanecem válidos os objectivos do DL 157/99, devendo os Centros de Saúde ser dotados de efectiva autonomia administrativa e financeira, de direcção técnico-científica e de uma organização interna descentralizada e baseada numa rede de unidades/equipas multiprofissionais, com missões específicas e objectivos comuns.

Para o PCP – sem com isso pretender diminuir a importância das instalações, dos equipamentos, do financiamento global e da definição de áreas assistenciais e de cuidados prioritárias, da articulação de níveis de cuidados – a superação da crise dos CSP tem como questão nuclear e determinante, no momento presente, a afirmação do seu carácter público e a resolução, nesse quadro, da grave situação relativa aos recursos humanos, o seu número, a sua distribuição, o seu vínculo e remuneração, a sua formação, cultura, saberes e experiências.

As necessidades concretas dos cidadãos, neste âmbito, centram-se e orientam-se na prestação de cuidados na doença e promoção da saúde, com padrões de qualidade que não podem ficar enjaulados na aldeia fantasma do “ crescimento descontrolado das despesas públicas em saúde.” A questão das despesas públicas com a saúde não se resolve com a gestão dos centros de saúde por entidades do sector privado. O sector público administrativo necessita de gestores públicos empenhados na competência técnica, na capacidade de analisar os factos “in loco”, na capacidade de servir os interesses da comunidade e não só os seus próprios interesses. São necessárias lideranças técnicas capazes de progredir em vários estados, e cruzar estilos, quer de orientação para a mudança, quer em visão de desenvolvimento para o futuro, quer em orientação e motivação para o cumprimento de tarefas planeadas. A evolução da Ciência e da Medicina, nas últimas décadas, possibilitou novos exames complementares de diagnóstico e terapêutica que oneram os Cuidados de Saúde Primários. No entanto, o Progresso é tão simplesmente isso: Melhores condições de saúde e de vida para todos.

3. O financiamento da saúde

Análise macro-económica

Os custos globais da saúde em Portugal tem tido um crescimento superior ao do PIB. Em 1970 a despesa em saúde representava 2,6% do PIB e em 2003 essa despesa passou para 9,6%, tendo em 1995 ultrapassado a média Europeia. Nos primeiros anos da criação do SNS do crescimento desta taxa resultou aumento significativo da eficácia dos serviços de saúde. Nos últimos anos o crescimento daquela taxa foi consequência da diminuição drástica do crescimento do PIB e dum aumento de custos sem aumento de eficiência. Ao crescimento da despesa em saúde no PIB correspondeu um aumento da esperança de vida apesar de, em 2003, com uma taxa de PIB superior á Europeia, Portugal apresenta uma esperança media de vida á nascença de 77,3 anos contra a média Europeia de 78,3anos.

Os arautos da política de direita concluem que Portugal apresenta já uma exagerada despesa em saúde. Tal não é verdade porque a despesa em saúde deve ser analisada de acordo com as condições económicas reais nacionais. Medida essa despesa em Unidades Paritárias do Poder de Compra, Portugal encontra-se em 16º lugar e abaixo da média europeia, com uma despesa per capita de metade da Alemanha. É decisivo para a compreensão do que se passa em Portugal averiguar porque é que os custos sobem sem aumento de ganhos em saúde e quem paga. É lugar comum justificar o aumento de custos com a evolução tecnológica, com o envelhecimento da população e com a despesa em recursos humanos.

Uma primeira abordagem do problema mostra que os medicamentos, para alem da aquisição de serviços externos, são responsáveis pelo elevado crescimento dos custos da saúde. Portugal é o membro da União Europeia com a maior taxa de despesa com medicamentos, 23,4% no ano de 2001 contra por exemplo a Alemanha com 14,2%. Esta situação é consequência da enorme permissividade que existe em Portugal face ás pressões dos grandes grupos económicos e á ausência de critérios tecnicamente fundamentados para o consumo de novas tecnologias. Quem paga os custos da saúde são em grande medida os cidadãos quando estão doentes.

No quadro seguinte podemos verificar que nos últimos anos o Estado assume apenas cerca de 70% das despesas e os cidadãos 30%.

em milhões de euros

2000

2001

2002

2003

Despesa Efectiva do Estado (a)

28.620,5

30.474,8

34.572,0

34.247,7

Despesa Pública em Saúde (b)

7.364,0

8.095,0

8.466,0

8.736,0

Despesa Privada em Saúde (b)

10.600,0

11.466,0

12.001,0

12.526,0

Peso Dep.Pública em Saúde na Despesa Educativa do Estado em %

25,7

26,6

24,5

25,5

 

Despesa Pública e Privada na Despesa Nacional em Saúde em %

2000

2001

2002

2003

Despesa Pública em Saúde

69,5

70,6

70,5

69,7

Despesa Privada em Saúde

30,5

29,4

29,5

30,3

a) Fonte DGO

b)Fonte OCDE

O esforço do Estado no financiamento da saúde tem sido constante relativamente ao OE mantendo-se em cerca de 25% daquele. O mesmo não acontece com os aumentos de custos que têm sobrecarregado os orçamentos familiares. Enquanto que o Estado tem reduzido a sua comparticipação nesses aumentos, de 9,9% em 2001 para 3,2% em 2003, os cidadãos foram sobrecarregados nesse mesmo período de 4,2% para 7,2%. Se estes valores, resultantes da apresentação tradicional do problema, são já preocupantes a verdade é que a realidade é pior. Na composição da chamada “Despesa publica” entram indirectamente gastos privados não contabilizados. Assim torna-se interessante e porventura mais objectivo, comparar os financiamentos do SNS pelo OE com os gastos privados. No quadro seguinte apresentam-se as dotações finais do SNS, isto é, incluindo os orçamentos rectificativos. É óbvia a tendência do crescimento dos custos com a saúde para os cidadãos e a crescente desresponsabilização do Estado. Em valores absolutos cada cidadão pagou directamente 379€ em 2003 e o Estado através do OE pagou 550€.

Despesa p?blica e privada

UN: milh?es de euros

 
2000
2001
Var.%
2002
Var. %
2003
Var. %

Despesa privada em sa?de
3236
3371
4,20%
3535
4,90%
3790
7,20%

Despesa p?blica em sa?de
7364
8095
9,90%
8466
4,60%
8736
3,20%

Financiamento do SNS pelo OE (1)
4569,4
6417,7
40,40%
6628,7
3,30%
5498,8
-17,00%

Despesa privada/Finan. OE
70,80%
52,50%
 
53,30%
 
68,90%
 

 

Fonte:Contas globais 2004-IGIF

(1) Apresenta??o do Or?amento do SNS 2006 - IGIF

 

A responsabilidade por este valor da despesa directa dos portugueses com a saúde encontra-se nos medicamentos e no recurso a médicos privados, consequência da inacessibilidade em tempo útil aos Centros de Saúde. Nesta assunção de responsabilidades por parte do Estado, Portugal encontra-se na cauda da Europa, onde a maior parte dos Estados assume mais de 70% das despesas com saúde, muitos mais de 80% e a República Checa ultrapassa os 90%.

Estrutura do financiamento por serviços

Nas “Contas globais de 2004” do SNS, apresentadas pelo Ministério da Saúde, pode verificar-se que o financiamento do SNS pelo OE tem sido muito irregular. Com crescimento negativo em 2003 de 6,7% teve em 2004 um crescimento positivo de 40,8%. Isto acontece porque os orçamentos iniciais são sistematicamente insuficientes e nem sempre corrigidos com orçamentos rectificativos. Em 2004, para correcção de insuficiências anteriores, o orçamento inicial foi reforçado com 1 851,8 milhões de euros do orçamento rectificativo e com 600 milhões de euros de um empréstimo obtido na Direcção Geral do Tesouro. Importa referir que este empréstimo de 600milhões de euros serviu apenas para fechar as contas com uma redução do défice. Foi contraído no fim de Dezembro e anulado em Janeiro.

Evolu??o da dota??o inicial do SNS e divida acumulada

Uni: milh?es de euros

Ano
Dota??o inicial
Dota??o final
Var. final /inicial
Var.inicial n/final n-1
Divida acumulada

1999

4.242,20

5623,9

32,60%

2000

4.569,40

4.569,40

0,00%

-18,80%

2001

4.971,20

6.417,70

29,10%

8,80%

2002

5.174,50

6.628,70

28,10%

-19,40%

2003

5.498,80

5.498,80

0,00%

-17,00%

2.414,10

2004

5.717,30

7.569,10

32,40%

4,00%

1.254,30

2005

5.837,10

7.637,10

30,80%

-22,90%

967,5

2006

7.636,70

0,00%

1.103,80

 

Fonte: Apresenta??o do Or?amento do SNS 2006 ? IGIF

Do quadro anterior é possível concluir a existência de subfinanciamento crónico do SNS. Efectivamente o equilíbrio financeiro foi periodicamente restabelecido com orçamentos rectificativos, porque o orçamento proposto é sistematicamente deficitário, em media, cerca de 10% relativamente às necessidades reais. A distribuição do financiamento por Cuidados primários e por Cuidados hospitalares tem ocorrido com algumas oscilações sendo de realçar que em 2003 teve inicio o financiamento dos Hospitais SA e em 2004 estes representando 18,2% da despesa do SNS foram financiados com 1489,8 milhões de euros.

Em 2003 os hospitais foram fortemente penalizados, situação que foi amenizada com o orçamento rectificativo de 2004. Realça-se a redução relativa do financiamento dos cuidados primários em 3,8%.de 2003 para 2004. As variações permanentes no financiamento das instituições constituem um factor de instabilidade no seu funcionamento e as cíclicas dividas acumuladas agravam não só o seu desempenho na prestação de cuidados de saúde como também os resultados económicos. Se o subfinanciamento constitui uma preocupação, o crescimento da despesa muito para alem da inflação é igualmente preocupante e pode mesmo retirar sustentabilidade ao SNS. Este é um argumento da direita para privatizar e retirar direitos aos cidadãos. Da mesma direita que ao longo de anos tem gerido mal e desbaratado recursos do SNS. Importa por isso, nos cuidados primários e nos hospitalares, analisar a origem de alguns crescimentos desmesurados da despesa sem por em causa o direito dos cidadãos á saúde.

Financiamento dos cuidados primários de saúde

O “Fornecimento de serviços externos” representou, em 2004, 67,16% dos custos totais dos cuidados primários e tiveram um crescimento relativamente a 2003 de 11,8%. Os custos com pessoal tiveram um crescimento negativo de 2002 para 2003 e de 2003 para 2004 cresceram 2,3%, representam 22,42% dos custos totais nacionais em cuidados primários de saúde. Porque é que na estrutura dos custos a componente privada, “Fornecimento de serviços externos”, se apresenta com um comportamento que a curto prazo inviabilizará o serviço público de saúde? Que medidas podem e devem ser tomadas?

No âmbito do Fornecimento de serviços vamos eleger as rubricas com maior impacto nos custos, quer pelo seu peso na despesa global quer pelas suas crónicas elevadas taxas de crescimento. Vamos incidir a nossa atenção sobre os Produtos vendidos pelas farmácias (medicamentos), Internamentos, Transporte de doentes e sobre os Meios complementares de diagnostico e terapêutica, estes quanto á Patologia Clínica (analises), Imagiologia e Hemodiálise. Quanto aos medicamentos, quer a industria quer a distribuição, impõem as suas regras com a conivência do Estado, principal pagador.

A existência de protocolos de prescrição, a negociação de preços e a implementação séria dos genéricos, sem aumentar os encargos dos utentes e sem restrições na prescrição, constituem um conjunto de medidas que a médio prazo nos poderiam colocar em posição semelhante á maioria dos países europeus quanto ao peso da despesa dos medicamentos nos gastos totais em saúde. Acreditamos que uma poupança de 25% é realista e, se não conseguida por abaixamento imediato, sê-lo-á por redução do crescimento anual. Basta que para isso exista vontade política.

É inadmissível que os custos com internamentos em estabelecimentos privados sejam cerca de 40 milhões de euros com um crescimento de 38,3% em 2004 relativamente a 2003, não estando esgotada a capacidade de ofertados Hospitais do SNS. Admitindo que poderão existir situações clinicamente justificadas, parece razoável que nesta área se economize cerca de 75%.

O transporte de doentes com um crescimento global da despesa de 2003 para 2004 de 6,2% e um custo total de cerca de 75 milhões de euros, cerca de metade são facturados por Bombeiros com uma taxa de crescimento semelhante. Admitindo-se que a actividade de transporte de doentes é uma fonte importante de financiamento para os bombeiros esta deverá no entanto ser controlada de forma a ter um crescimento aceitável. Para os restantes 50% pode o Ministério da Saúde promover soluções das quais resulte uma redução de custos para cerca de metade, nomeadamente instalando este serviço através do SUCH, sozinho ou em parceria.

Na área da Patologia Clínica é irracional que os Hospitais do SNS disponham de Laboratórios bem equipados e subutilizados e simultaneamente os Centros de Saúde não os utilizem. Por outro lado a ausência de um sistema de informação clínica global, hoje tecnológica e economicamente viável, gera a duplicação de análises, com custos evitáveis quer para os hospitais quer para os Centros de Saúde e ate mesmo para os utentes. É de todos conhecido o facto das análises prescritas pelo Centro de Saúde não serem tidas em conta pelo Hospital. Do mesmo modo analises efectuadas no Hospital não sã consideradas pelo Centro de Saúde. Por outro lado, o crescimento verificado de 12,4% de 2003 para 2004 é inaceitável. Considerada a hipótese de racionalização com a melhoria da informação clínica, da transferência de análises de laboratórios privados para laboratórios hospitalares e ainda da contenção do actual crescimento de custos, acreditamos que uma visão conservadora das economias obtidas, uma poupança de 25% será possível. Salienta-se que esta medida a ser adoptada teria ainda o efeito de reforçar o financiamento dos hospitais.

Na Imagiologia é bem conhecida a subutilização dos equipamentos hospitalares, nomeadamente dos ecógrafos. Admite-se que uma pequena alteração da situação actual pode resultar num aumento de financiamento para os hospitais e numa redução de custos para as ARS da ordem dos 25%.

A incapacidade do SNS em prestar serviços de hemodiálise conduziu a situação actual de monopólio com aumento de custos em 2004 relativamente a 2003 de 12,3%. Um esforço de negociação de preços por parte do Ministério da Saúde e a instalação de Unidades de Hemodiálise para doentes crónicos nos Hospitais Centrais e Distritais terá como consequência uma redução de custos que no mínimo será de 25%. Em conclusão, do que acabamos de expor pode resultar uma poupança da ordem dos 500 milhões de euros.

Financiamento dos Hospitais

Até 2002 a rede hospitalar era constituída por hospitais públicos, isto é, pertencendo ao Sector Publico Administrativo com cerca de 24500 camas, não incluindo as 2240 de Psiquiatria. Pelo DL 291/2002 de 10 de Dezembro, o Governo PSD mudou o estatuto jurídico a 34 Hospitais e criou 31 Sociedades Anónimas, totalizando 10800 camas. Posteriormente o actual Governo do PS, pelo DL 233/2005 de 29 de Dezembro transforma aqueles Hospitais em Entidades Publicas Empresariais, juntando-lhes mais os Hospitais de Santa Maria e de S. João, passando agora este sector Empresarial a ter 13187camas.

Na avaliação do Hospitais SA elaborada pela Comissão para Avaliação dos Hospitais Sociedade Anónimas é referido que existem grandes semelhanças entre ambas as situações de tal modo que deve manter-se a validade das apreciações feitas. Importa referir que a constituição destas SA, para alem da necessidade do Estado mobilizar avultados recursos económicos para o seu capital social, quase 1.000 milhões de euros, foram ainda financiados com “verbas de convergência” no valor de 410,7 milhões de euros como se pode verificar do quadro da página seguinte. O que pretenderam ser as verbas de convergência?

De acordo com o relatório da Comissão para Avaliação das SA a “ verba de convergência e um mecanismo adicional que permite assegurar a convergência progressiva dos hospitais mais ineficientes, mantendo a utilização de uma tabela de preços única para todos”. Este financiamento destinava-se a efectuar correcções estruturais. Refere ainda o já referido relatório que as verbas de convergência correm o risco de actuar de forma perversa, já que ao receberem mais os hospitais são incentivados a não corrigir as suas ineficiências. Foi o que aconteceu. Escandalosamente os hospitais SA foram deste modo sobre financiados e perderam a oportunidade para racionalizar a prestação de cuidados de saúde hospitalares.

Não podemos deixar de contrariar a apregoada melhor eficiência dos Hospitais SA relativamente aos SPA. Em primeiro lugar deve recordar-se que foram seleccionados os hospitais a mudar de estatuto, nomeadamente quanto ao seu anterior desempenho e dimensão. De facto estes têm um número médio de camas de 348 e incluem todos os novos Hospitais Distritais! No quadro seguinte apresenta-se os financiamentos dos Hospitais entre 2000 e 2004.Verificam-se enormes variações que inviabilizam qualquer aspiração de gestão séria dos nossos hospitais, em particular os do Sector Publico Administrativo que não tiveram oportunidade de compensar o financiamento insuficiente com as referidas verbas de convergência e até com o capital social que, em muitos casos foi parcialmente utilizado para despesa corrente (Ex: Centro Hospitalar do Alto Minho).

Evolução do financiamento dos Hospitais

 
2000
2001
Var. 00/01
2002
Var. 01/02
2003
Var. 02/03
2004
Var. 03/04

Total de Hospitais
2211,6
2446,5
10,6%
3242,2
32,5%
2689,8
-17,0%
3812
41,7%

Hospitais SPA
2211,6
2446,5
10,6%
3177,3
29,9%
1450,4
-54,4%
2322,2
60,1%

Hospitais SA
0
0
 
64,9
 
1239,4
 
1489,8
20,2%

Fonte: Contas globais 2004 - IGIF

Com a passagem dos 34 hospitais a SA as Contas deixaram de estar incluídas nos relatórios de contas do SNS. Surgem dispersas no Site Hospitais EPE. Mesmo assim, optamos por avaliar as contas publicadas dos Hospitais SPA, referentes a 55,9% das camas, e das quais apresentamos o quadro seguinte com a respectiva demonstração de resultados-custos. Salientam-se dos custos totais a despesa com medicamentos, material de consumo clínico, os trabalhos executados no exterior, o fornecimento de serviços e os custos com pessoal.

Os medicamentos, de acordo com o Observatório do Medicamento e Produtos de Saúde em 2004 os Hospitais gastaram 742 milhões de euros em medicamentos e nos consumíveis clínicos hospitalares gastaram 226 milhões de euros. Nos medicamentos parece-nos importante salientar dois aspectos: por um lado a necessidade de melhorar o controlo dos consumos, a gestão de stocks, a negociação de preços e por outro mudar o financiamento dos medicamentos abrangidos por patologias especiais. É importante salientar o peso elevado dos medicamentos especiais nos orçamentos dos Hospitais. A título de exemplo refere-se que os anti-retrovíricos, que tem um custo anual superior a 73 milhões de euros, num total nacional deste tipo de medicamentos de 240 milhões penalizam o H. Santa Maria em mais de 11milhões. O material de consumo clínico é uma área onde a melhor gestão pode ter sucesso, com algumas reduções de custos nomeadamente por anulação de desperdícios por perda de validade e por uma maior racionalização nas compras.

Conclusão Constatamos que existe um subfinanciamento crónico do SNS o que gera muitas das ineficiências existentes e impede a gestão racional de recursos. Por outro lado constatamos que com vontade política e independência de interesses ligados a grupos económicos é possível obter reduções consideráveis de custos sem reduzir os serviços prestados à população.

 

Com o objectivo de aumentar a acessibilidade dos cidadãos aos centros de saúde aos cuidados primários, acreditamos que uma poupança de 500 milhões de euros é possível com o simultâneo aumento do financiamento, nomeadamente da rubrica “despesas com pessoal”. Nos Hospitais são possíveis medidas de racionalização de custos e aumento da produção, substituindo serviços privados, encontrando deste modo novas fontes de financiamento garantindo o equilíbrio orçamental. Para isso considera-se que com a poupança e com o aumento de financiamento por serviços prestados é possível recuperar o crónico défice de cerca de 10%, que em 2004 corresponderia a 380 milhões de euros.

Concluímos também que existem disponibilidades financeiras vultuosas que foram mobilizadas para a concretização do objectivo político que foi a transformação dos hospitais públicos em SA e EPE. O Estado já disponibilizou 1.650 milhões de euros dos quais estarão ainda disponíveis mais de 1.200 milhões no Banco do Tesouro. Porquê recorrer às parcerias para a construção de novos hospitais com custo de capital muito mais elevado? Em resumo, o SNS é sustentável sem necessidade de aumentar, antes pelo contrário, reduzir os encargos da população com a saúde e sem penalizar os trabalhadores da saúde. Estes serão o motor da boa gestão e da racionalização do sistema se criadas condições de estabilidade para o seu desempenho profissional.

4. A Gestão dos Serviços de Saúde

A gestão ruinosa dos recursos públicos de saúde efectuada pelo PSD e pelo PS caracterizou-se pela omissão ou, nos últimos anos, pelo desenvolvimento activo de uma política que assenta em “novos modelos de gestão”, novos estatutos jurídicos e na precarização dos vínculos laborais. Esta actuação é visível através da legislação publicada sobre a gestão.

Criado o SNS em 1979, encontrava-se em vigor o DL 129/77 de 2 de Abril e o respectivo DR 30/77 de 20 de Maio, consagrando a democracia interna nos hospitais com eleições para o Conselho de Gerência. Dez anos passados sobre a criação do SNS, o PSD, pela mão de Leonor Beleza, publica a nova lei de gestão hospitalar, DL 19/89 de 21 de Janeiro e respectivo DR 3/88 de 22 de Janeiro. Acabando com as eleições para os órgãos de gestão (mais tarde retomada por curto período de tempo e somente para o Director Clínico e o Enfermeiro Director), esta legislação cria os centros de responsabilidade e os centros de custo mas para além disso introduz a possibilidade de realização de acordos com entidades privadas para prestação de cuidados de saúde – artigo 19º. Esta opção liberalizadora de legalidade duvidosa veio a ser sedimentada pela Lei de Bases da Saúde aprovada na Lei n.º 48/90de 24 de Agosto. Apesar da sistemática afirmação de que a gestão das unidades de saúde deve obedecer a “regras de gestão empresarial” a verdade é que as alterações se centraram nos órgãos de gestão mantendo-se o seu estatuto público. Saliente-se que é neste quadro legal que é privatizada a gestão do Hospital Amadora Sintra.

Para os cuidados primários de saúde o governo do PS, com Maria de Belém no Ministério da Saúde, aprova o DL 157/99 de 10 de Maio, conhecido por Centros de Saúde de 3ª geração. Na mesma data surge o DL 156/99 que institui os Sistemas Locais de Saúde que se pretendiam constituídos pelos “ centros de saúde, hospitais e outros serviços e instituições, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, com intervenção directa ou indirecta, no domínio da saúde, numa determinada área geográfica de uma região de saúde”. Este pacote legislativo criou na época algumas expectativas sem sucesso. O Ministério da Saúde por incapacidade técnica ou por falta de vontade política não só não aplicou a legislação como, mais tarde com o Governo do PSD, a substituiu.

A alteração profunda surge com a Lei n.º 27 de 8 de Novembro de 2002. Esta altera a Lei de Bases e a Legislação de Gestão Hospitalar definindo novos estatutos jurídicos para os hospitais:

- Hospitais públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, designados por Hospitais do Sector Publico Administrativo – SPA; - Hospitais públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira, patrimonial e natureza empresarial regulados pelo direito privado, designados por Entidades Publicas Empresariais – EPE; - Sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, designados por Hospitais SA; - Hospitais privados com ou sem fins lucrativos, com os quais o Estado pode celebrar contratos de prestação de serviços.

Com este novo quadro legal o Governo PSD/PP, em 2003, pela mão do Ministro Luis Filipe Pereira apressa-se a constituir 31 Sociedades Anónimas com 34 hospitais e, mais tarde, a manifestar a intenção de atribuir este estatuto a mais 21. Conforme informação do próprio Ministério o peso dos Hospitais SA atinge 45% do número total de camas hospitalares.

O Governo do PS altera o estatuto jurídico dos Hospitais SA para EPE e atribui este estatuto aos Hospitais Santa Maria e S. João. Na mudança de SA para EPE, para além da diferença jurídica da posse do capital social, outras não existem.

Constatamos que a gestão dos serviços de saúde tem sido objecto de experiências e aventuras sucessivas por parte dos Governos do PS e do PSD sempre no sentido da privatização, da desresponsabilização do Estado e do aumento de encargos para os cidadãos, da diminuição da qualidade dos serviços e, finalmente, a satisfação dos interesses de grandes grupos económicos que por via daqueles partidos fizeram vingar a sua política. Medidas de reestruturação da rede de prestação de cuidados de saúde, de racionalização e de melhoria da eficiência dos vultuosos recursos disponíveis são desconhecidas.

Contrariamente à política seguida o PCP defende o direito à saúde concretizado através de um SNS público, prestador de cuidados de saúde completos e integrados, acessíveis em tempo útil a todos os cidadãos, nomeadamente os cuidados continuados.

O PCP defende a gestão dos Serviços de Saúde, em regime público, democrática e participada pelo Poder Local no âmbito dos Sistemas Locais de Saúde e com novas regras, técnicas e de competência, para selecção dos órgãos de gestão. Não é uma fatalidade que a gestão pública seja má. Com novas regras e gestores competentes pode ser boa! O PCP apresentou na Assembleia da Republica um projecto que no essencial visa:

- O concurso como método de selecção das equipas de administração dos hospitais e das direcções dos centros de saúde, com base num caderno de encargos elaborado pela respectiva Administração Regional de Saúde; - A definição da qualidade dos serviços de saúde como um objectivo de desenvolvimento contínuo sujeito a uma avaliação sistemática; - A gestão conjunta do (s) hospital (ais) e dos centros de saúde no âmbito dos Sistemas Locais de Saúde, com participação do Poder Local na sua Administração, garantindo a completa articulação entre cuidados hospitalares e cuidados primários, tendo em vista a gestão integrada e continuada de recursos tirando partido das sinergias criadas entre as estruturas envolvidas e com a responsabilização efectiva dos gestores e dos dirigentes. - A adopção de novas regras de financiamento das instituições estimulando a oferta, a eficiência e a qualidade; - A gestão de recursos humanos no âmbito das instituições e das ARS, sem necessidade dos actuais descongelamentos de vagas do Ministério das Finanças, com base numa política regional de recursos humanos e o desenvolvimento de uma política de estímulos aos serviços e aos profissionais do SNS, tendo como objectivo a prestação de cuidados de saúde de melhor qualidade e com maior eficácia; - Agilização dos processos de compra de bens e serviços com adopção de métodos que garantam efectiva capacidade de negociação centralizando aquisições e eliminando vistos prévios do Tribunal de Contas.

5. A privatização do SNS

O Serviço Nacional de Saúde quando começa a dar os primeiros passos é atacado por aqueles que cinicamente o tinham acabado de votar na Assembleia da Republica. A não resolução da promiscuidade entre a actividade publica e privada de muitos profissionais gera, no interior do SNS, forças suficientes para o estabelecimento de convenções entre profissionais de saúde e pequenas empresas com os serviços públicos. Estas, na maioria das vezes desnecessárias, são geradoras de despesas suplementares e apoiadas por campanhas ideologicamente sustentadas. Esta política será sustentada pela Lei de Bases do governo PSD, com Leonor Beleza no Ministério da Saúde.

Sempre com o objectivo de privatizar, a política de direita tem assumido varias encenações de acordo com a época e as forças em presença. Começando por não por em causa o direito á saúde dos cidadãos e acenando com o direito á livre escolha, a direita foi defendendo a necessidade de ampliar a intervenção privada na prestação de cuidados de saúde, mas sempre financiados pelo Estado. O Partido Socialista teve um papel fundamental de apoio à Direita ao aprovar na Assembleia da Republica a alteração do princípio constitucional da gratuitidade para o princípio tendencialmente gratuito, suporte das taxas moderadoras.

O PSD de Cavaco Silva dá um passo fundamental na privatização entregando a gestão do novo hospital Amadora Sintra ao Grupo Melo. Mas propagandeando que aquele hospital relativamente aos cidadãos se apresentava como qualquer hospital publico.

O Partido Socialista, que na oposição se opôs aquela privatização, quando Governo dá-lhe todo o apoio. E na sequência de um discurso de esquerda inconsequente, de novas e melhores formas de gestão, lançou a modalidade das parcerias público-privado e público-público, que o Governo seguinte do PSD se apressou a transformar apenas em parcerias público-privado. Esta opção aparece camuflada com a crise e com a incapacidade financeira do Estado para construir novos Hospitais. E para os existentes aplica a receita das Sociedades Anónimas como primeiro passo para a sua privatização.

O Governo seguinte, agora do Partido Socialista, tudo faz para concretizar as parcerias privadas e, sem vergonha, anuncia e põe em pratica o aumento de encargos dos cidadãos com a saúde visando a criação dum mercado no qual só compra quem pode pagar. É o PS, com Correia de Campos, que assume a liberalização da saúde e a desresponsabilização do Estado anunciando o aumento brutal dos custos dos cuidados de saúde.

Desta alternância entre o PS e o PSD, constatamos que o PSD toma as medidas políticas de fundo, cujas consequências não são visíveis no imediato, e o PS com o seu pendor “socialista” assume perante a opinião pública a responsabilidade dos “inevitáveis” encargos atirados para cima dos cidadãos.

As soluções da direita: Gestão privada de serviços públicos

Hospital Amadora-Sintra

O Hospital Amadora Sintra nasceu mal. Na sua construção foi adoptado pela primeira vez pelo Cavaquismo o processo de concepção – construção, também conhecido por chave na mão, com o objectivo de construir Hospitais em curto prazo, baratos e com qualidade baseando-se num programa funcional. Mais não foi do que adjudicar uma obra sem projecto para um número apreciável de hospitais, com início no Amadora – Sintra e Matosinhos e fim no de Tomar. Esta metodologia, cuja adjudicação se fazia sobre um anteprojecto elaborado pelos concorrentes, deixava ao arbítrio do construtor cerca de 40% do empreendimento. O Hospital Amadora Sintra foi adjudicado em 1989, por 7,9 milhões de contos e com um prazo de 3 anos e 4 meses. Foi concluído em fim de 1994 com um custo de 20 milhões de contos. Nunca foram conhecidas as conclusões do inquérito da Inspecção de Saúde, do Tribunal de Contas e até da investigação da Policia Judiciária sobre o processo de adjudicação e construção.

Iniciada a actividade em 1995, em regime público, através do Concurso Público 8/94, no qual participaram a Cross e um consórcio liderado pelos Mello, a gestão é entregue a estes a partir de Janeiro de 1996 por 7.808.567 contos/ano apesar do orçamento público previsto para esse ano ser de 7.078.000contos. É notável que a Cross, terminado o seu papel de concorrente, foi adquirida pelos Mello.

Com alguma frequência a comunicação social faz referências a maus atendimentos no Amadora Sintra resultantes da gestão privada e como tal dando prioridade ao lucro relativamente á qualidade dos serviços prestados (infecções, dificuldade na realização de meios complementares de diagnóstico, falta de médicos, tempos de espera na urgência inadmissíveis, etc.). O relatório sobre o desempenho do Amadora Sintra apresentado em 2001 pelo Conselho de Administração da ARSLVT deu origem ao inquérito da Inspecção-Geral de Finanças passando a ser conhecidos muitos dos mais bizarros aspectos deste negócio.

Soube-se que o contrato foi irregularmente visado pelo Tribunal de Contas. Soube-se que foram pagos 15,1 milhões de contos (75 000 000€) em excesso resultantes de erros de contas, actualizações indevidas de preços, pagamentos sem autorização, etc. A título de exemplo, salientam-se 750 mil contos referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1995, que foram pagos à Sociedade Gestora sem que esta tenha prestado qualquer serviço pois durante este período a gestão foi inteiramente pública. Isto é confirmado pela prorrogação de funções da Comissão Instaladora determinada pelo Gabinete da Ministra. Pode igualmente ser confirmado pela Acta nº8 do Conselho de Administração do Hospital Amadora-Sintra Sociedade Gestora, S.A, que no seu n.º V refere que “conforme reunião com ARS de 31/10, a responsabilidade financeira de funcionamento do Hospital Fernando Fonseca até final do ano é do Estado”.

Outro exemplo foi o pagamento de 327.780 contos pelos stocks existentes em materiais de consumo com um valor da ordem dos 780.000 contos (ver orçamento de 1995). Muitas outras irregularidades foram detectadas pelo relatório da Inspecção de Finanças nomeadamente sobre o pagamento das alterações à actividade esperada e sobre o número de profissionais de saúde ao serviço e indicado no anexo II do contrato. O contrato não teve fiscalização e, como foi verificado pela Inspecção, os pagamentos foram efectuados sem a necessária verificação da prestação do serviço, regra de ouro na Administração Pública.

Tratou-se de uma operação política na qual não foi acautelado o interesse público mas sim o do Grupo Melo que premiou o seu responsável, então Secretário de Estado da Saúde, como responsável por esta área de negócios daquele Grupo Económico. Também um ex-colaborador daquele Grupo exerceu o cargo de Ministro da Saúde do Governo PSD/Durão Barroso, para dirigir uma das maiores operações de privatização dos Serviços de Saúde e nomeou uma Comissão Arbitral que decidiu ser o Estado devedor aos Mello. São pagos mais 118 milhões de euros para além do previsto. Aquela importância seria suficiente para construir dois hospitais.

Do ponto de vista político, aspecto que não pode ser escondido neste processo, a responsabilidade é do PSD e teve a conivência do PS que não só nada fez como até tentou aumentar o negócio entregando ilegalmente o Hospital de Sintra para construção e exploração da Sociedade Gestora com o pretexto de ser uma ampliação do contrato existente. Não é possível ampliar um contrato de renovação anual com a construção de um Hospital cuja amortização implica um compromisso de vários anos. Este expediente do PS para aumentar o negócio aos Mello não teve sucesso porque os impedimentos legais eram evidentes.

O contrato Amadora/Sintra, conforme previsto à data por diversas forças sociais e políticas, não teve e não tem resultados positivos de preço e qualidade relativamente aos Hospitais Públicos o que demonstra o erro da política do PS e do PSD.

Parcerias Público Privadas As parcerias são a junção no mesmo negócio da construção chave na mão e da gestão privada com algumas condições agravantes do interesse público. Recordamos que na década de 80 o Ministério da Saúde iniciou uma metodologia de construção hospitalar baseada no programa funcional e designada por “chave na mão”. Mais não era do que a adjudicação do projecto e da obra e aplicou-se a um número apreciável de hospitais. Visando maior rapidez na construção dos hospitais e mais baixos custos, teve críticas quase unânimes dos engenheiros e arquitectos hospitalares porque os resultados foram em muitos casos maiores custos, menor qualidade e ausência de ganhos nos prazos. O Ministério da Saúde, pela mão do PSD, lança um processo inédito, a parceria público-privada a que o PS dá continuidade. É colocado a concurso um caderno de encargos que inclui apenas algumas características técnicas e alguns aspectos de programação. Tudo o resto fica ao arbítrio dos concorrentes. Assim, para a construção que se baseia apenas naquelas características, cabe ao adjudicatário elaborar o programa funcional completo, elaborar o projecto e executar e financiar a obra. Esta solução é mais gravosa que a anterior “chave na mão” do Cavaquismo pois agora tudo fica ao arbítrio dos concorrentes, incluindo o financiamento. Na avaliação técnica das propostas a qualidade do “equipamento de saúde” apenas vale 20%. Pode o Grupo vencedor construir e apetrechar um hospital de muito baixa qualidade que o Estado não pode reclamar. O grupo “vencedor” apetrechará o hospital e fará a sua gestão, isto é, contratará pessoal e gerirá o Hospital e a prestação de cuidados de saúde. O investimento será pago em 30 anos e a gestão ficará contratada por períodos de 10 anos renováveis. Ao Estado compete pagar as prestações mensais que incluirão a amortização do capital que o Grupo Económico disse investir, a remuneração do capital, os custos da gestão e os lucros.

O concurso de Loures é exemplo deste tortuoso processo que, face às suas contradições insanáveis, não chegou a ser adjudicado e acabou por ser anulado.

O interesse público é posto em causa porque:

- O valor e a qualidade do investimento são impossíveis de controlar e os interesses económicos em jogo levarão a que sejam sobreavaliados para efeitos de remuneração e subexecutados para obtenção de maiores margens de lucro; - A subjectividade das propostas torna-as incomparáveis, podendo uma proposta com custos inferiores para o Estado ser afinal mais gravosa que outra com custos superiores; - A avaliação dos serviços prestados é na saúde tão complexa, quer do ponto de vista qualitativo como quantitativo, que existem práticas conhecidas para encobrir a sua avaliação; - Em igualdade de circunstâncias os custos finais são necessariamente superiores já que os custos do capital investido são aqui superiores aos custos de financiamento por divida publica e há ainda que acrescentar as margens de lucro para remuneração dos prestadores da gestão privada; - Os supostos e apregoados ganhos em eficiência da gestão privada serão anulados com a perda de sinergias que uma gestão pública global pode gerar; - São enormes as perdas em saúde resultantes da multiplicidade de intervenientes e de interesses adversos à prestação de cuidados de saúde; - O único risco é para o Estado que paga o investimento e os serviços prestados para alem de garantir os “clientes”.

Nem sequer está a ser tida em conta a experiência de outros países e as cautelas por eles adoptadas, nomeadamente da Grã-Bretanha, onde a política de direita tem vindo a destruir o Serviço Nacional de Saúde, as parcerias apenas incluem o projecto, a construção, o financiamento e a gestão de alguns serviços de apoio. Toda a actividade clínica é da responsabilidade do SNS bem como a aquisição do equipamento médico. Porquê este negócio e não o financiamento e a gestão públicos? Porque este é um negocio fabuloso para os grandes grupos económicos, anunciado para 10 hospitais, garantindo-lhes o Estado os clientes e o pagamento e ficando envolvido em compromissos e dividas crescentemente insuportáveis pelas futuras gerações.

Os Hospitais SA/EPE O Governo PSD/PP, cuja “política de saúde” se resumiu às privatizações e à transformação da saúde numa área de negócio, transformou 34 hospitais em 31 sociedades anónimas (SA) e anunciou a transformação de mais 25…. Estes Hospitais SA foram criados, cada um deles, com um capital inicial de apenas 29.930.000 de euros, ou seja, cerca de 6 milhões de contos. Na mesma altura foram transferidos para estes hospitais as dividas que tinham herdadas de anos anteriores, o que levou a que aquele capital inicial rapidamente se esgotasse, passando estes hospitais a acumularem dividas que o Estado se recusou a suportar. Por exemplo, de acordo com notícias publicadas no Jornal de Negócios de 30.10.2003, só 17 Hospitais SA deviam 156 milhões de euros a 48 laboratórios farmacêuticos até ao fim de Setembro de 2003, sendo 101 milhões de euros a mais de 90 dias, e os fornecedores ameaçavam, se aquelas dívidas não fossem pagas ou se o Estado não as garantisse, cortar os fornecimentos àqueles hospitais.

O sistemático subfinanciamento destes hospitais manteve-se com o objectivo de “poupar” na saúde. Teve como consequência a poupança anunciada de 400 milhões de euros nos orçamentos destes hospitais. De acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2004, estes hospitais foram financiados com base num contrato-programa plurianual celebrado entre o Ministério da Saúde e o Hospital sendo utilizada uma tabela de preços com base na qual o SNS pagará a esses hospitais as produções contratadas, com uma margem de 10%. Isto significa que o referido contrato tem um objectivo de produção para cada ano, desagregada em número de consultas, de internamentos, de urgências, etc. que o hospital terá de realizar. Se executar menos apenas receberá pelo realizado, o que significará que receberá menos. Se realizar mais produção do que aquela que está prevista no contrato-programa, e se os valores realizados ultrapassarem em 10% a produção prevista, o hospital será penalizado pois “acima desse patamar é pago apenas o custo marginal” que corresponde somente a uma parte dos custos que o hospital terá de suportar com a realização dessa produção superior em mais de 10% ao previsto.

Não foram tomadas quaisquer medidas de reestruturação, apesar dos milhões do fundo de compensação atribuído com o objectivo de melhorar a eficiência dos recursos disponíveis. O resultado final do subfinanciamento, das ineficiências estruturais e de organização e ainda das políticas de esbanjamento e má gestão adoptadas pelos novos e incompetentes gestores, foi o seu endividamento encoberto por contas ficticiamente equilibradas à custa de elevados patrimónios “herdados” do Estado. Foram criadas condições para se endividarem junto à banca e, eventualmente, para que esta se apodere de parte do seu património no caso dos hospitais não conseguirem pagar as suas dívidas.

Do ponto de vista do relacionamento com os utentes estes hospitais praticaram a selecção adversa de doentes rejeitando para os hospitais públicos as patologias infecciosas e oncológicas com custos de tratamento muito elevados. Denuncias nesse sentido foram feitas na TV pelo presidente da Associação de Administradores Hospitalares. Outra selecção de doentes resulta da lógica financeira fria e dura imposta a estes hospitais que reduz drasticamente a sua capacidade para satisfazer uma procura crescente do bem saúde e, por outro lado, impulsiona a sua necessidade de aumentar as receitas mais do que os custos. Para alcançar isso procurarão aumentar os serviços prestados a clientes privados e de subsistemas, cujas receitas não são limitadas, em prejuízo dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, limitados pelo contrato programa.

A lógica financeira como instrumento para impulsionar a mercantilização da saúde em Portugal, e assim desenvolver rapidamente o mercado privado de saúde, é ainda agravado pelo perfil dos gestores nomeados para estes hospitais, em que o critério de escolha da maioria deles foi, em primeiro lugar, serem da confiança política do governo e, em segundo lugar, a experiência de gestão privada de empresas em que o objectivo essencial é maximizar lucros (não todos, porque para alguns até foi primeiro emprego), portanto são pessoas que na sua maioria não possuem qualquer experiência ou sensibilidade de gestão de unidades de saúde.

Fica assim cumprido o primeiro e se não o objectivo central da política de direita: a privatização. O ataque ao regime público de emprego e a destruição das carreiras é por um lado objectivo da política de privatização e simultaneamente um instrumento da privatização. As carreiras como factor de qualificação dos profissionais de saúde imprimiram uma qualidade notável ao SNS que na perspectiva da criação dum mercado privado de saúde importa eliminar. Do mesmo modo a estabilidade de emprego público permitiu aos trabalhadores de saúde ocupar a primeira linha da defesa do SNS e, por isso transformaram-se num alvo também a eliminar. A contratação individual sem regras é o objectivo do Ministério da Saúde que tem por todos os meios protelado um acordo colectivo de trabalho ou impor regras particularmente gravosas.

O PS numa operação de demagogia eleitoral prometeu a passagem dos HHSA a HHEPE. Assim fez, o XVI Governo, passou todos os HHSA a EPE e juntou-lhes mais os Hospitais de Santa Maria e de S. João. Diz o Ministro da Saúde que esta mudança traz a correcção do risco de privatização porque nas EPE o capital é exclusivamente público e a extinção por falência é impossível. Diz ainda o Ministro do PS que neste modelo será oferecido um serviço público em detrimento do lucro e não haverá discriminação negativa de doentes. O facto é que as regras de financiamento se mantiveram com evidente subfinanciamento, a contratação individual selvagem e o ataque ao regime público de emprego e o endividamento e falência técnica de muitos deles, casos há em que o capital social foi totalmente gasto. Sabendo-se que as empresas publicas foram privatizadas porquê acreditar que os Hospitais não o serão? Não existem diferenças entre aqueles estatutos. A mudança serviu apenas para o PS simular diferença do PSD. Sabendo-se que as ineficiências existentes têm por base a ausência de medidas políticas adequadas, também são conhecidas as necessidades de investimento em infra-estruturas e organização para racionalizar a prestação de cuidados de saúde. Sabendo-se também que essa racionalização não surge milagrosamente com a mudança de regime jurídico, como a realidade comprova, os Governos não disponibilizaram os recursos financeiros para promover a reestruturação necessária e indispensável. A crise não o permitiu, mas permitiu encontrar o financiamento para o capital social destas empresas. Fica provado que, tanto para o PSD como para o PS, a concretização dos seus objectivos políticos sobrepôs-se ao interesse nacional e à melhoria da eficiência, da eficácia e da equidade e ao princípio orientador “reformar o Sector da Saúde com base numa lógica sujeita ao primado do cidadão”. Caso contrário teriam estrategicamente investido os milhões e teríamos muito melhores e eficientes serviços de saúde. A livre escolha do utente não passa de propaganda para justificar a política de privatizações. A existência de mercado pressupõe concorrência e existência de serviços de boa saúde económica, serviços em falência, serviços de boa e de má qualidade. A escolha do doente faz-se pelo preço, pela qualidade, porque foi aconselhado ou porque ouviu dizer…? Afinal qual é a capacidade do doente para escolher? Qual o direito à livre escolha dos doentes que “escolheram” serviços em falência de má qualidade?

Só a planificação, contrária ao conceito de mercado, garante a existência de serviços com qualidade e eficiência. O conceito de mercado como regulador da prestação de cuidados de saúde, leva a conhecida multiplicação de actos desnecessários e até perigosos. O que não acontece no serviço publico planificado, isto é, dimensionado para as necessidades da população segundo critérios técnicos, equacionando também as condições particulares de distância e de isolamento. Só o serviço público está em condições de garantir qualidade e eficiência, contrariamente ao que sistematicamente é afirmado pela propaganda de direita.

As privatizações e o mercado geram desperdícios e apetências por mais valias que aumentam os custos dos cuidados de saúde para o Estado. Os cuidados de saúde, prestados em regime privado, são inicialmente custeados pelo Estado esbatendo-se deste modo o seu impacto negativo sobre os utentes. O grupo Mello defende que no prazo de 6 anos, 50% do SNS deve ser gerido por privados. Esta política, a ter sucesso, retirará ao Estado a capacidade de negociar preços, sendo estes determinados pelos grupos económicos possuidores dos recursos de saúde. É o que hoje acontece com a hemodiálise, área onde o Estado subcontrata a quase totalidade dos serviços e onde os prestadores determinam os preços.

As privatizações, com o crescimento dos custos em saúde, tornam inevitável o aumento de custos para os cidadãos que adoecem. Esta desresponsabilização do Estado pela saúde e o consequente aumento de custos directos para os cidadãos ocorrerá gradualmente através de vários processos tais como o aumento das taxas moderadoras, a redução do pacote de cuidados gratuitos ou de baixo custo, a diferenciação de pagamento de acordo com os rendimentos, etc.

Sobre o processo privatizador do SNS, podem ainda enumerar-se algumas das suas consequências, verificadas e comprovadas por estudos técnicos e científicos:

• Aumento do número de cuidados e sua diversidade, com aumento dos respectivos custos. • Aumento de cuidados desnecessários ou não adequados nos serviços privados. • Aumento dos custos administrativos e de propaganda. • Redução das actividades de promoção da saúde e de prevenção da doença. • Maior discriminação da assistência, em prejuízo dos mais pobres e menos informados. • Ausência do escrutínio popular na gestão e funcionamento das instituições privadas de saúde, reduzindo o papel dos utentes ao de meros consumidores. • Degradação das condições de trabalho e da prática dos diversos profissionais. • Captura dos interesses públicos de saúde pelos interesses privados.

6. Política do medicamento e dos produtos de saúde

A racionalização da despesa com medicamentos está na ordem do dia. Uma correcta política do medicamento deve intervir sobre os gastos nesta área, não no sentido de penalizar ainda mais os cidadãos, mas sim de quebrar a dependência acentuada existente em relação aos principais interesses económicos do sector.

As medidas nesta área têm sido orientadas fundamentalmente para a crescente transferência de custos para os utentes e benefício da indústria farmacêutica, designadamente a multinacional.

Assim, e apesar de ter sido anunciado uma redução de 6% no preço dos medicamentos – cuja real sustentabilidade está por confirmar – a generalidade das medidas do governo foram neste sentido: eliminação da majoração de 10% na comparticipação dos genéricos; diminuição do escalão A de comparticipação de 100% para 90%; manutenção do injusto sistema de preço de referência, que se estima ter aumentado os gastos dos utentes em cerca de 6 milhões de euros/ano, inclusão na lista de descomparticipações de alguns medicamentos com interesse terapêutico relevante e com utilização por estratos consideráveis da população. A política do medicamento tem um importante peso na saúde em Portugal, quer porque dela depende o acesso da população a instrumentos terapêuticos essenciais, quer por ter um peso considerável no orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

Entretanto, o governo determinou a verificação dos rendimentos de todos os reformados que até aqui beneficiavam do regime especial de comparticipação (com um acréscimo de 15%), estando por confirmar - apesar da garantia do ministério da saúde de que se continuaria a admitir essa prova a todo o tempo – que não vão ser excluídos deste direito utentes que realmente devem ter direito a ele.

A assinatura de um novo protocolo com a Apifarma foi um momento chave desta política. Numa verdadeira capitulação aos interesses da indústria farmacêutica, designadamente multinacional, o acordo constitui uma inaceitável admissão da incapacidade de controlo da despesa pública e das decisões fundamentais neste sector pelo ministério da saúde.

Este acordo tem graves aspectos de prejuízo do interesse público. Nele ficou consignada uma receita mínima garantida para a indústria farmacêutica conjugada com a proibição de quaisquer outras medidas de fundo na área do medicamento, designadamente as que pusessem em causa os lucros da indústria. Foi assumido o compromisso de o Estado de promover o mercado de medicamentos não sujeitos a receita médica. Foi estabelecida uma regra de devolução ao Estado pela indústria, que é escandalosamente compensada, porque esses montantes devem reverter obrigatoriamente para um fundo de apoio à investigação, em claro apoio à própria indústria sendo, para além disso, considerados como custo e portanto dedutíveis nos lucros para efeitos fiscais.

No acordo estabelece-se formalmente um valor de crescimento 0% em 2006 (seguido de um aumento em 2007 igual ao crescimento do PIB) para a despesa de medicamento em ambulatório que na realidade não passa de propaganda, uma vez que o protocolo por um lado impõe a consideração das despesas de investigação neste valor e por outro a comparação faz-se com a despesa com comparticipações em 2005 sendo certo que, com as medidas de diminuição de comparticipação tomadas pelo governo com efeito pleno em 2006, na realidade o aumento admitido será pelo menos igual à diminuição de gasto do Estado (e não dos utentes) por via destas decisões.

Tendo o governo avaliado o impacto destas medidas em 28 milhões de euros no último trimestre de 2005 podemos projectar uma margem não inferior a 110 milhões de euros no ano de 2006. O crescimento estabelecido para o mercado hospitalar, a que lembre-se, as empresas podem optar por não aderir, foi de 4%, sendo certo que a previsão do governo no final do primeiro trimestre aponta já para um crescimento de 4,5%. Contudo a avaliação desse crescimento é feita exclusivamente com dados fornecidos pelas empresas, conforme estipula o anexo I do protocolo; em qualquer dos casos a eventual devolução de montantes pelas empresas, seja no ambulatório, seja no mercado hospitalar, tem à partida limites máximos definidos no próprio protocolo. Modifica-se a metodologia de formação de preços dos medicamentos, adicionando mais um país aos 3 países de referência e determinando que o preço se calcula não pelo mais baixo dos países de referência, mas pela média dos 4.

Apesar de estar vedado o aumento dos preços dos medicamentos no mercado com base no novo mecanismo, ele vai aplicar-se aos novos medicamentos no mercado e também ter um efeito favorável à indústria por amortecer e prolongar por quatro anos a obrigação de diminuir preços excessivos que em muitos casos vêm sendo praticados. Apesar dos discursos do governo de denúncia do preço comparativamente elevado dos genéricos em Portugal, prevê-se no protocolo que o preço destes medicamentos possa ser, nos medicamentos de menos de 10 €, apenas 20% mais barato do que o produto de marca (e não 35% como até aqui). Por fim, o protocolo é acompanhado por uma comissão paritária em que ministério e indústria estão em igualdade e a indústria pode abandonar o protocolo se o Estado tomar qualquer medida de baixa de preços de medicamentos ou se não forem consagrados os benefícios fiscais aí previstos.

As estratégias e políticas do medicamento e dos produtos de saúde a nível europeu são comandadas pelos interesses das empresas farmacêuticas e pelas empresas de dispositivos médicos. Reflexo desta situação é o facto das políticas do medicamento e dos produtos de saúde, a nível europeu, estarem sob a égide da Direcção Geral da Indústria. Não pode ser uma Direcção Geral da Indústria, a defender os interesses dos cidadãos e dos sistemas de saúde, pois esta por definição defende os interesses das empresas que em alguns aspectos são bem diferentes dos interesses dos utentes. Muito do que temos referido na definição de uma política europeia do medicamento se deve a esta situação. Defendemos uma política europeia que defenda o interesse dos utentes, dos profissionais do sector e dos sistemas públicos de saúde e para tal, é um pressuposto básico que os assuntos do medicamento sejam transferidos para a Direcção Geral de Saúde da União Europeia.

7. Política de Saúde Mental

A área da saúde mental é a mais sensível aos problemas sociais. No contexto actual de perda de direitos e regalias para amplas camadas da população e de aumento do desemprego, as pessoas com doenças psiquiátricas têm menos perspectivas de integração social e de plena recuperação. Por outro lado a persistência de costumes patogénicos, prejudiciais para a saúde, como o uso e abuso de substâncias (drogas e álcool), são factores que contribuem para aumentar o número de pessoas com doenças psiquiátricas e agravar a sua evolução.

Os serviços de psiquiatria e saúde mental são tradicionalmente os menos valorizados, menos financiados e menos dotados de técnicos. Qualquer progresso real depende menos de doutrinas e mais dos meios humanos e investimentos para implementar serviços de psiquiatria e saúde mental do SNS capazes de dar resposta às necessidades das populações. Destruir o que existe, como se anuncia para os hospitais psiquiátricos, é uma política de fachada falsamente evoluída, destinada a poupanças forçadas numa área de carências gritantes.

O PCP foi o partido que mais activamente contribuiu para tornar acessíveis aos utentes os medicamentos para doenças psiquiátricas. Aquando da discussão da Lei de Saúde Mental (Lei 36/98) o PCP defendeu que a hospitalização psiquiátrica compulsiva fosse enquadrada dentro do quadro assistencial, evitando uma prática de carácter repressivo, como acontece pela forma como os doentes são conduzidos à urgência sem acompanhamento de técnicos de saúde mental.

8. Saúde dos trabalhadores

O direito à saúde dos trabalhadores está consignado na Constituição que estabelece o direito à segurança, higiene e saúde no desempenho da actividade profissional como um direito social fundamental. Inclui-se neste direito a garantia da integridade física e mental, a prevenção de todo e qualquer dano ou lesão provocada pelas más condições materiais e organizacionais do trabalho e a promoção da saúde no local de trabalho. A saúde dos trabalhadores, considerada como um dos bens mais valiosos da nossa sociedade, deve ser preservada e promovida como condição indispensável ao desenvolvimento económico, social e cultural do nosso país e não deve ser dissociada dos restantes direitos fundamentais. Mantém-se cada vez mais viva a contradição entre a importância fundamental do trabalho dos homens e das mulheres para a prosperidade das sociedades e a pobreza física, intelectual e moral que resulta dessa actividade.

As estatísticas nacionais mostram, por defeito, que a situação de saúde dos trabalhadores em relação aos acidentes de trabalho, de doenças profissionais e outras doenças relacionadas, agravadas ou desencadeadas pelo trabalho, tendo dos mais graves índices no contexto europeu e dos países desenvolvidos.

Os patrões são legal e socialmente responsáveis por assegurar os meios e as condições de trabalho saudáveis que garantam o direito à saúde dos trabalhadores (segurança, higiene e saúde no trabalho ou saúde ocupacional). Cabe ao poder político e aos organismos do Estado – todos os Ministérios em geral e os da Saúde e do Emprego em particular – a organização da prestação de cuidados de saúde ocupacional aos trabalhadores de todos os sectores de actividade incluindo a administração pública, bem como a fiscalização efectiva do cumprimento das orientações e das normas de saúde ocupacional e os ganhos em saúde obtidos. A participação dos trabalhadores e dos seus representantes, nesta matéria, é obrigatória de acordo com as orientações internacionais da Organização Mundial de Saúde e da Organização Internacional do Trabalho e conforme está estabelecido na legislação portuguesa.

9. Recursos humanos e direitos dos trabalhadores

O SNS tem vindo a ser alvo de sucessivos ataques das políticas de direita, caracterizadas pelas suas orientações neoliberais, tentando desfragmentar e destruir um serviço público de primeira necessidade para as populações, com o fim último de o entregar ao sector privado. Esta ofensiva levada a cabo pelos sucessivos governos, assente no subfinanciamento crónico e na consequente degradação dos cuidados de saúde prestados à população, criando nos cidadãos a falsa ideia de ineficiência e ineficácia do SNS, é sustentada também no agravamento da escassez de recursos humanos essenciais à prestação dos cuidados de saúde nas diferentes instituições.

O desenvolvimento de medidas avulsas, das quais se destaca o recrutamento de profissionais de saúde no estrangeiro, mais não é do que adiar a resolução efectiva do problema e tentar esconder a verdadeira dimensão do mesmo. Aliás, é sabido que a grande maioria dos profissionais de nacionalidade Espanhola, enfermeiros principalmente, irá regressar ao seu país, assim que reunam a pontuação necessária para ingressarem no mercado de trabalho do País de origem. Contudo, enquanto permanecem no nosso país, minimizam de facto a elevada carência existente na maioria das instituições de saúde, com especial relevo na área da grande Lisboa, onde essa carência é mais evidente.

Embora reconhecendo a falta de recursos humanos de pessoal técnico, os sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP pouco ou nada fizeram para resolver a falta de planeamento estratégico em matéria de formação inicial destes profissionais de saúde e continuamente restringiram as admissões aos cursos da saúde através do numerus clausus, defraudando as oportunidades de formação e realização profissional de sucessivas gerações de portugueses. Apenas em 2001 o governo do PS foi forçado, por exigência dos sindicatos e pelas propostas apresentadas pelo PCP na Assembleia da Republica, a elaborar um plano estratégico de formação de profissionais de saúde que, no caso dos enfermeiros, previa entre 2001 e final de 2006, para um volume de aposentações de 2 507, a possibilidade de formação de 13 900 novos enfermeiros.

Naturalmente que o sector privado e cooperativo, percebendo haver nesta área fortes possibilidades de lucro, apostaram na criação de escolas de saúde em diversos pontos do país e no desenvolvimento de cursos de saúde. No que diz respeito ao ensino de enfermagem, apesar de as escolas públicas terem aumentado o número de vagas, este não chegou sequer a duplicar, contrariamente ao que aconteceu com as escolas privadas que, no mesmo período de tempo, mais do que quadruplicaram o número de vagas. De referir ainda que, entre 2001/2002 e 2005/2006 as escolas públicas e privadas formaram um total de 16479 novos enfermeiros que, ainda assim são em número manifestamente inferior às necessidades expressas das instituições de saúde.

A publicação “Health Statistics – Key Data on Health” da responsabilidade do EUROSTAT, considera Portugal como um dos países da Comunidade Europeia onde o rácio Enfermeiro por cada 100 000 habitantes é mais baixo. De referir que apenas a Grécia tem um rácio inferior ao de Portugal. Esta afirmação é facilmente fundamentada com base no documento “Centros de Saúde e Hospitais: Recursos e Produção do SNS: Ano de 2004”, publicado em Novembro de 2005 pela Direcção-Geral da Saúde. Neste documento podemos perceber o rácio existente em Portugal Continental no que diz respeito ao número de Enfermeiros, Médicos, Outros Técnicos e Outro Pessoal por cada 1000 habitantes, variando consoante a região de Saúde. Uma das áreas onde se verifica uma escassez mais acentuada de recursos humanos é a dos Cuidados de Saúde Primários, resultado dos sucessivos cortes orçamentais e consequente desinvestimento na promoção da saúde e prevenção da doença. De acordo com as recomendações da ONS deverá haver nos CSP um enfermeiro de família para 300/400 famílias. Sem isto, haverá um défice calculado em cerca de 12.000 enfermeiros nesta área, em Portugal. Por outro lado, na área hospitalar, face aos dados oficiais do IGIF e em resultado do sistema de classificação de doentes por níveis de dependência, faltam cerca de 22.000 enfermeiros para responder às necessidades actuais.

A situação na área da saúde materna e obstétrica é ainda mais preocupante. O deficit é elevadíssimo, com tendência para o agravamento. Segundo o estudo realizado pela Ordem dos Enfermeiros, em 2000, existiam 1525 especialistas, dos quais 721 (47,3 %) tinham idades compreendidas entre os 46 e os 60 anos, o que permitia prever que, a curto prazo, um grupo significativo se iria aposentar. Perante o quadro extremamente preocupante, o que as escolas decidiram e a tutela permitiu foi interromper a formação destes especialistas, apesar de esta ser a única especialidade que, mesmo com a reestruturação, poderia e deveria ter continuado a ser ministrada.

De acordo com os dados da D.G. de Saúde publicados em Novembro de 2005, existiam em 31 de Dezembro de 2004, 910 especialistas nas instituições do SNS, sendo que destes, 741 exerciam funções nos hospitais e 169 nos centros de saúde. Apesar de consciente desta realidade e de sucessivamente alertados para esta situação, os sucessivos governos não tomaram qualquer medida tendente à sua correcção, designadamente junto das Escolas no sentido de se manter a formação de enfermeiros em saúde materna e obstétrica que permitisse minimizar esta problemática. Só em 2003/2004 é que algumas Escolas retomaram a formação de Enfermeiros em Saúde Materna e Obstétrica.

O rácio de enfermeiros por 1000 habitantes em Portugal Continental é de 3,2, o que nos coloca numa posição só superior ao México, Turquia e Coreia, de acordo com os dados da OCDE Health de 2004. Em 31 de Dezembro de 2004 trabalhavam no Serviço Nacional de Saúde 36 270 enfermeiros, dos quais 6 966 (apenas 19,2%!) trabalhavam nos Centros de Saúde do continente e 29 304 nos Hospitais. Os enfermeiros especialistas de saúde pública eram apenas 332. Em 2003 estavam inscritos na Ordem dos Médicos cerca de 13200 médicos com 51 anos ou mais, enquanto até 40 anos de idade eram apenas cerca de 9400 os médicos a exercer. O ritmo de formação de novos médicos é bastante insuficiente em relação às saídas da actividade profissional, levando em conta que em 2003, do total de médicos inscritos na Ordem, os maiores de 60 anos eram 15,6 % e que apenas 10,9 % tinham menos de 31 anos de idade. Uma larga maioria dos médicos portugueses já ultrapassou os 50 anos de idade. Acresce que em 2003 saíram apenas 603 diplomados. O aumento de vagas registado depois não se afigura suficiente para atender à substituição motivada pelo avanço da idade dos médicos, nem as carências urgentes em várias especialidades. Em cerca de 24 anos de existência da carreira de clínica geral foi-se assistindo à degradação das condições de trabalho destes profissionais dos Centros de Saúde, à diminuição dos seus efectivos numéricos e a um progressivo desinvestimento orçamental nos Cuidados de Saúde Primários. Simultaneamente, e face à diminuição do número de médicos de família, verificamos ao longo de sucessivos governos que a abertura anual de vagas para o internato da especialidade da carreira de clínica geral tem sido amplamente deficitária, não assegurando, sequer, a indispensável renovação dos efectivos e mesmo agravando a inversão da relação numérica entre médicos hospitalares e médicos de família, com as evidentes consequências para as populações. O rácio de médicos por 1000 habitantes, de acordo com os mesmos dados da OCDE Health 2004, é de 3,2 e situa Portugal sensivelmente a meio do conjunto dos países da OCDE. De acordo com os dados da D.G. de Saúde publicados em Novembro de 2005, em 31 de Dezembro de 2004 no nosso país existiam no Serviço Nacional de Saúde 23 251 médicos, dos quais 7 130 (30,7%) trabalhavam nos centros de saúde e 16 121 nos hospitais. No mesmo período existiam ao serviço do SNS 1451 técnicos superiores e 8 367 técnicos, com especial predominância nos hospitais (7 413 – 88,6%). O número de médicos de Saúde Pública era de 392. Até 2003, todo o sistema assentava nas carreiras profissionais existentes na função pública, das quais na saúde, as dos médicos são pioneiras, juntamente com toda a formação médica incorporada nas mesmas (primeiro sob a pressão do “Relatório das Carreiras Médicas”, nos idos anos sessenta e pelos decretos dos Internatos Médicos no início dos anos setenta. A partir de 2003, o governo da maioria de direita criando os Hospitais S.A. onde se pretenderam destruir as carreiras existentes (não só dos médicos como dos restantes estratos profissionais), impôs generalizadamente os contratos individuais de trabalho, sem quaisquer garantias de estabilidade laboral ou promoção profissional, política essa complementada com toda a legislação de criação de parcerias público/privadas. Neste momento o grupo profissional médico encontra-se pulverizado e dividido por diferentes tipos contratuais, estimulado o trabalho “à peça”, incentivado o estímulo monetário em detrimento do estímulo que existia da garantia da estabilidade contratual, da formação permanente, e a progressão nas carreiras segundo a qualidade e o esforço. Incentivada a iniciativa “empresarial” com “submissão” de outros estratos profissionais da área da saúde. A qualidade de prestação de cuidados e o nível de formação foi completamente descurado, com a proliferação de empresas de contratação laboral para desempenho nos serviços de urgência, que são bem pagos enquanto existir falta de “mão-de-obra”, mas com o alargamento às novas comunidades europeias vai rapidamente ficar excedentária, levando à diminuição da retribuição salarial, a uma cada vez maior subalternização ao “mercado”, ao agravamento das condições de trabalho, a uma maior indiferenciação e pior desempenho e prestação de cuidados de saúde.

No grupo de pessoal dos serviços de apoio situam-se os Administrativos, os trabalhadores dos Serviços Gerais da Saúde (Auxiliares de Acção Médica, Auxiliares de Apoio e Vigilância, Operadores de Lavandaria, Barbeiros/cabeleireiros), Operários, Motoristas, Telefonistas e mais algumas outras profissões que, em Dezembro de 2004, totalizavam 48301 efectivos, dos quais 11582 trabalhavam nos Centros de Saúde (23,4%).

Também nestas áreas a carência de profissionais é enorme e a precariedade cada vez maior. O número de trabalhadores com vínculos precários e com contrato individual de trabalho não para de aumentar, sendo que as condições e trabalho destes últimos continuam sem estarem definidas.

Apesar de se encontrar acerca de ano e meio em negociação um Acordo Colectivo de Trabalho para os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho nos Hospitais agora EPE, estes continuam sem outra regulamentação de trabalho que não seja o famigerado Código do trabalho e, os seus colegas que, nos hospitais SPA estão em Contrato Individual de Trabalho, nem sequer têm a perspectiva do início de um processo para a regulamentação das suas condições de trabalho. Particularmente grave é a falta de pessoal destas carreiras nos Cuidados de Saúde Primários, onde não se verifica uma entrada planificada desde a criação das ARS’s.

Sendo certo que, objectivamente, não está ainda concretizada a privatização das instituições de saúde, a verdade é que as políticas neoliberais desenvolvidas na Administração Pública pelos sucessivos governos do PS e do PSD, sozinhos ou em coligações, deixaram profundas marcas na organização e funcionamento das instituições e na desregulamentação das condições de trabalho dos profissionais.

As medidas de “reforma da Administração Pública” anunciadas em nome dos utentes e em prol da boa gestão, da gestão eficiente, foram centralizadas praticamente nos trabalhadores, para procurar criar a ritmo acelerado as condições necessárias para avançar com a privatização no momento seguinte. É com este objectivo que se tem procedido à deterioração da prestação de cuidados de saúde às pessoas, à degradação das condições de trabalho dos profissionais, ao aumento dos gastos públicos da saúde para negócios privados e à progressiva privatização do SNS.

Desta forma, o ataque aos direitos dos trabalhadores do SNS foram desencadeados a nível central pelo governo/Ministro da Saúde e ao nível das instituições, pelas Administrações. Foi assim que na generalidade dos hospitais, a pretexto da necessidade da contenção de despesas, se desenvolveu um conjunto de medidas que subvertem os direitos dos trabalhadores e dos próprios utentes.

Dessas medidas destacamos: A contratação a termo para ocupar postos de trabalho permanentes; a contratação de novos trabalhadores com carga horária de 40 horas, mas com a retribuição mensal que se traduz numa efectiva redução da remuneração; a introdução de clausulas de exclusividade e confidencialidade nos contratos; a subcontratação de trabalhadores por empresas de trabalho temporário; a manutenção da contratação ilegal a “recibo verde”; o aumento da flexibilização dos horários de trabalho; a redução drástica do número de enfermeiros e de Auxiliares de Acção Médica por turno/serviço, colocando em causa a qualidade dos cuidados, a sua prestação em tempo útil e comprometendo mesmo a segurança dos doentes; a introdução de incentivos e prémios de presença diária, para levar a que os trabalhadores a abdicarem de todos os seus direitos.

10. A luta pelo direito à saúde – o movimento dos utentes

É direito natural de um povo ter acesso a um Serviço de Saúde moderno, eficaz e eficiente, que aumente a sua esperança de vida e promova o bem-estar e a qualidade de vida. A Constituição da República consagra esse direito à protecção da Saúde e define o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como instrumento fundamental da sua concretização e afirma que este deve ter uma gestão descentralizada e participada, sublinhando também que todos têm o dever de a defender e promover. É assim que a luta das populações pelo acesso a Serviços de Saúde de qualidade é não só necessária como legítima.

Ao longo dos anos, sucessivos governos da e de direita, tudo foram fazendo para que o Serviço Nacional de Saúde não correspondesse às necessidades das populações. Medidas básicas foram sendo adiadas, mantendo os Centros de Saúde com má imagem, ao mesmo tempo que nos Hospitais a desumanização das Urgências e as listas de espera constituem a “imagem de marca” e alargou-se o pântano onde a confusão entre o público, o privado e o convencionado se desenvolveu afirmando a ideia da Saúde como um negócio. As várias estruturas previstas para dar forma à participação dos cidadãos na gestão do SNS nunca foram postas a funcionar.

O descontentamento acumulado na sociedade em relação aos cuidados de saúde que são prestados, o evidente estado de desmoralização que caracteriza a atitude de muitos profissionais e o enorme volume de verbas que movimenta colocou as questões da Saúde na primeira linha de atenção do País e do debate político.

As forças políticas (PS, PSD, CDS) que ao longo de décadas têm “dirigido” o Estado português assumem por diversas formas uma clara linha de orientação virada para a liquidação ou subversão prática do SNS.

Incrédulos quanto às reais possibilidades de alteração da situação, expectantes em relação às iniciativas do Poder Central e divididos pelos interesses e vícios instalados no sistema, muitos Profissionais de Saúde, têm tido dificuldades em associar-se ao esforço necessário para definir propostas de defesa do SNS e à luta consequente por elas. Cabe-lhes no entanto um papel chave na luta pela continuação de um Serviço Nacional de Saúde de qualidade.

As populações, principais prejudicadas pela política de direita na Saúde, têm de ser as primeiras interessadas e interventoras na defesa do SNS. Disso é expressão o crescente número de Comissões de Utentes dos diversos Serviços de Saúde viradas para a resolução de diversos problemas de Saúde no plano local e/ou regional. No entanto, dado o agravar da crise no Serviço Nacional de Saúde são claramente insuficientes para que as soluções a encontrar beneficiem o povo português.

Pelo movimento de protesto, de opinião, reivindicativo e de luta a que dão forma, pela possibilidade que têm, por informais, poderem envolver amplas massas as Comissões de Utentes são no momento presente o mais seguro instrumento da luta popular em defesa do Serviço Nacional de Saúde de qualidade. São de realçar as lutas das populações que, afectadas pelas actuais políticas, promoveram abaixo-assinados (com centenas de milhar de aderentes a nível nacional), manifestações, concentrações e outras iniciativas.

Os comunistas tudo devem fazer para a dinamização da luta das populações, integrando os movimentos de utentes por todo o país, em confluência com o esforço daqueles que sendo profissionais de saúde, organizações associativas, eleitos no Poder Local ou em outras instituições, se empenham para que se realize uma política de Saúde verdadeiramente de esquerda e de defesa e desenvolvimento do SNS.

11. Propostas do PCP para a defesa do SNS e uma política de saúde ao serviço do povo

Defesa do Serviço Nacional de Saúde

• A defesa intransigente do Serviço Nacional de Saúde, sua concretização e desenvolvimento como Serviço Público, universal, gratuito, eficiente e eficaz, mantendo-se o Estado como prestador geral e universal de cuidados de saúde. • Eliminar as taxas moderadoras garantindo a gratuitidade da prestação de cuidados de saúde no SNS. • A completa separação entre o sector público e privado, indispensável ao aumento da eficiência dos recursos públicos, da sua qualidade e à sua acessibilidade. • A planificação da rede prestadora de cuidados de saúde, instrumento de combate à ineficiência, de melhoria da acessibilidade e da qualidade, impondo-se na Região de Lisboa e Vale do Tejo a defesa do respectivo Plano Director Regional de Saúde, mandado arquivar pelo Governo PSD/PP. • A aplicação dos princípios da proximidade e racionalidade na construção de Centros de Saúde e Hospitais. • Aproveitamento integral da capacidade instalada dos serviços do SNS em meios de diagnóstico e terapêutica. • Publicação da Carta Nacional dos Serviços de Saúde. • Extinguir a Entidade Reguladora de Saúde, passando as suas competências para a Inspecção-geral dos Serviços de Saúde, a qual deve ser dotada de competências para combater a promiscuidade entre serviço público e prestação privada, e dotando esta dos meios humanos necessários à fiscalização e licenciamento de toda a actividade privada em saúde. • Vistorias e inspecção a laboratórios e clínicas de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, que têm acordos com o Estado; • Recusa de concentração de empresas privadas no sector de hemodiálise; • Apoio do Estado a todos os cidadãos com deficiência e suas famílias e exigência do cumprimento da legislação em vigor, especialmente a respeitante à mobilidade e acessibilidades. • A consagração em Lei do direito de todos os cidadãos aos cuidados paliativos. • Apoio do Estado a todos os cidadãos com deficiência e suas famílias, e exigência do cumprimento da legislação em vigor, especialmente a respeitante à mobilidade e acessibilidades.

Cuidados de saúde primários

• Promover uma verdadeira reforma dos cuidados de saúde primários em ruptura com a política que tem sido seguida, integrando medidas de gestão e administração, de financiamento suficiente, de promoção de recursos humanos com preenchimento e alargamento dos quadros, no âmbito do SNS público, de qualidade e para todos, com integral respeito pela Constituição. • A duplicação do financiamento dos centros de saúde no prazo de uma legislatura, através do Orçamento do Estado. • Transferir para os Centros de Saúde meios de diagnóstico com a consequente componente financeira e a sua dotação em recursos humanos, para lhes permitir autonomia diagnostica e terapêutica. • Avaliar as condições de instalações e equipamentos dos Centros de Saúde e suas extensões, com vista à eventual construção, ou renovação das suas instalações. • Realizar a informatização total e em real funcionamento dos ficheiros clínicos dos utentes. • Criar o enfermeiro de família.

Saúde oral

• Promover uma efectiva política de saúde oral, integrando a medicina dentária nos cuidados de saúde primários. • Dotar os centros de saúde dos meios técnicos e humanos necessários para a prestação de cuidados de saúde oral, alargando essa assistência a toda a população. • Criar bases para uma verdadeira acção de prevenção, nomeadamente formando parcerias entre os centros de saúde, as escolas e as autarquias. • Criar uma carreira profissional para os médicos dentistas, integrando-os no SNS.

• Terminar o ciclo de subfinanciamento crónico do SNS, gerador de muitas das ineficiências existentes. • Racionalização de custos e aumento da produção nos hospitais, substituindo os serviços contratados a privados por produção própria na condição do integral aproveitamento da capacidade instalada em instalações, meios técnicos e recursos humanos. • Procurar novas fontes de financiamento garantindo o equilíbrio orçamental. • Não recorrer a parcerias público-privado no SNS. • Abandonar os actuais projectos de construção de novos hospitais em parcerias público-privado, o que significaria um custo de capital muito mais elevado e extinguir a respectiva Unidade de Missão.

Gestão das unidades de saúde

• Nova lei de gestão dos Serviços de Saúde, em regime publico, democrática e participada pelo Poder Local no âmbito dos Sistemas Locais de Saúde com novas regras, técnicas e de competência, para selecção dos órgãos de gestão, por concurso publico. • Reintegrar os actuais Hospitais EPE no sector público administrativo e pôr fim ao processo de criação de novos modelos de gestão. • Salvaguardar o carácter público da gestão de todas as unidades de saúde do SNS, revogando a legislação que permite a privatização dos Centros de Saúde e pondo fim aos contratos de gestão privada de estabelecimentos públicos, designadamente o do Hospital Amadora-Sintra. • O enquadramento jurídico da gestão dos centros de saúde no sector público administrativo. • A articulação indispensável entre os centros de saúde e os hospitais, na prestação de cuidados de saúde. • Desde já, pugnar pela instalação dos Conselhos Consultivos nas instituições e unidades de saúde, onde devem ter assento: autarquias, trabalhadores, utentes e voluntários.

Trabalhadores do SNS

• Concretizar o programa de formação de profissionais de saúde, nomeadamente em áreas de especialização de CSP, obstetrícia e outras, que ponha fim à depauperação do Serviço Nacional de Saúde em meios humanos que se está a verificar e que garanta a sua sustentabilidade no futuro. • Abolição das restrições no acesso aos cursos de Medicina e Enfermagem (numerus clausus), harmonizando-se as necessidades de recursos humanos em saúde e o interesse dos candidatos em condições de aceder a tal formação. • Promover a estabilidade de emprego e as carreiras nos Serviços de Saúde, essenciais à qualidade dos serviços prestados, com o consequente fim dos contratos a termo certo para trabalho permanente e outras formas de precariedade, e fim dos contratos individuais de trabalho, com a integração dos trabalhadores com contrato individual de trabalho nos quadros de pessoal; • Garantia de emprego aos recém formados em detrimento do regime de acumulação de funções ou de alargamento dos horários de trabalho; • Dotação adequada de enfermeiros em função dos rácios identificado (1 enfermeiro para 300 famílias, na área dos cuidados de saúde primários; nos hospitais, definição do rácios utilizando os indicadores do sistema de classificação de doentes e a fórmula de cálculo de pessoal do DRH). • A efectiva e real abertura de vagas para a formação em várias especialidades em situação de carência grave e a colocação de todos os jovens especialistas e com vínculo à função pública. • Alargamento do regime de exclusividade já previsto no SNS, com obrigatoriedade para os Directores de Serviço. • Reactivação e reestruturação da carreira de administração hospitalar. • Realizar uma política de estímulos aos serviços e aos trabalhadores, com os objectivos de prestarem cuidados de saúde com qualidade e eficiência acrescidas, e de proporcionar ganhos na saúde da população.

Política do medicamento

• Desenvolver a função farmácia, nos hospitais e centros de saúde, como componente essencial do serviço público de saúde. • Dispensar gratuitamente os medicamentos prescritos nos Hospitais e Centros de Saúde - medicamentos genéricos ou de marca - sempre que o seu custo para os estabelecimentos do SNS seja menor que a comparticipação na compra em farmácias. • Enquanto se mantiver o sistema de preço de referência, deve ser criada uma cláusula de salvaguarda de forma a garantir que o utente não é prejudicado na comparticipação pelo facto de o médico não autorizar a utilização de genéricos. • Alargar a lista de medicamentos para doenças crónicas e degenerativas, comparticipados a 100%. • O custo dos medicamentos psicotrópicos deve ser sempre igual ao estabelecido pela Portaria 1474/2004, sem necessidade da Portaria ser mencionada na receita. • O alargamento do mercado dos genéricos, com o aumento da sua divulgação e o incentivo à sua prescrição e a abolição do preço de referência. • Devem ser adoptados sistemas de comparticipação pelo SNS que garantam a comparticipação às pessoas com recursos económicos mais limitados, nomeadamente a comparticipação especial de mais 15%, sem os entraves burocráticos como os que foram criados pelo actual Governo e assegurando que beneficiem todos os quem a ela têm direito. • Devem ser criados incentivos às instituições de saúde que adoptem práticas de boa utilização dos recursos em medicamentos e produtos de saúde que promovam ganhos de saúde para a população. • Criação do Formulário Nacional de Medicamentos de Ambulatório e reformulação do Formulário Nacional Hospitalar de Medicamentos. • Criação do Laboratório Nacional do Medicamento, com a finalidade de dotar o país de uma produção publica dos principais medicamentos e de com isso obter importantes reduções de custos com os medicamentos. • Aplicar mecanismos apropriados para comparticipação dos medicamentos, privilegiando aqueles com valor terapêutico acrescentado que demonstrem uma boa relação custo-eficácia. • Implementar uma política de avaliação periódica da comparticipação de medicamentos privilegiando a comparticipação de medicamentos e produtos de saúde que disponham de provas inequívocas de eficiência e segurança. • Aquisição centralizada de medicamentos pelo SNS, de acordo com o proposto no formulário do medicamento, privilegiando as empresas que criem e garantam valor acrescentado e emprego em Portugal. • Apoio à investigação epidemiológica e farmacêutica que se baseie nas necessidades identificadas em saúde no nosso país, promovida pelas instituições e administrações regionais de saúde. O financiamento destas actividades deverá ser feita por dotação dos orçamentos do Infarmed e das instituições de saúde proporcional ao respectivo valor desses.

Saúde mental

• Promover a educação em saúde mental, na prevenção do alcoolismo e das toxicodependências, na luta contra o estigma das doenças psiquiátricas e na valorização de estilos de vida saudáveis; • Desenvolver acções de tratamento, prevenção e promoção de saúde mental junto de indivíduos de grupos de elevado risco, designadamente população idosa isolada, população em exclusão social e população prisional. • Dar o devido realce e apoio aos movimentos de associações de doentes e familiares e respectivas federações, contribuindo para reforçar parcerias entre profissionais da saúde mental e utentes e seus familiares; • Desenvolver iniciativas que visem assegurar o direito das pessoas com doenças psiquiátricas incapacitantes a uma vida autónoma e a uma efectiva integração social e laboral, de acordo com as necessidades e as possibilidades de cada um; apoiar no plano médico e social as pessoas idosas com doenças psiquiátricas graves e prestar as ajudas convenientes aos familiares. • Dotar os Serviços de Psiquiatria de hospitais gerais de recursos humanos, médicos psiquiatras, enfermeiros especialistas, psicólogos, técnicos de serviços social, terapeutas ocupacionais e outros técnicos, segundo os rácios considerados adequados para assegurar uma assistência que envolve a hospitalização, o ambulatório, a urgência, a prevenção e a reabilitação na área atribuída. • Dar aos Hospitais Psiquiátricos do SNS a dimensão e diferenciação adequada, aproveitando os seus valiosos dispositivos para serviços especializados regionais, para a reabilitação e apoio a pessoas com maiores incapacidades. • Assegurar uma colaboração e parceria entre o SNS e os Hospitais Psiquiátricos das Ordens Hospitaleiras, de modo a servir as populações mais carenciadas, optimizando recursos. • Incentivar e desenvolver a ligação entre os Serviços de Psiquiatria, do adulto, da infância e adolescência e os Cuidados Primários de Saúde, tanto na assistência médica e de enfermagem como no apoio social, de modo a manter a ligação da pessoa doente à sua comunidade de vida, familiar, social e laboral. • Aumentar a ligação entre os serviços e alcoologia e de tratamento de toxicodependentes e os serviços de psiquiatria e saúde mental gerais.

Saúde dos trabalhadores

• Desenvolver uma adequada rede de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho ou de saúde ocupacional, de qualidade, com acção nos locais de trabalho, da responsabilidade directa das empresas, orientada para os trabalhadores e com a sua participação indispensável. • Assegurar a eleição dos representantes dos trabalhadores em todos os estabelecimentos e garantir os seus direitos de intervenção na definição e aplicação das políticas de segurança, higiene e saúde no local de trabalho. • Desenvolver um plano geral de formação e informação em saúde dos trabalhadores incluindo a integração destas matérias no ensino básico, secundário e profissional. • Assegurar o funcionamento efectivo da acção efectivo da acção da fiscalização da responsabilidade da Inspecção do Trabalho e das autoridades de saúde, correspondendo atempadamente aos pedidos de intervenção, em particular pelos trabalhadores e seus representantes. • Criar um sistema de informação coordenado e rigoroso, virado para a saúde dos trabalhadores e que, de forma adequada, permita a monitorização e a avaliação das condições de trabalho, do desenvolvimento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho e da sua actividade e do registo e análise das consequências para a saúde nomeadamente dos acidentes, das doenças profissionais e de outras doenças relacionadas com o trabalho. • Rever o sistema de reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, tornando-o mais transparente, mais favorável aos sinistrados com processos de cálculo de indemnizações que apliquem o princípio de reparação por inteiro dos danos causados tanto de natureza física, como profissional e moral. • Assegurar a formação com qualidade dos profissionais de saúde ocupacional (médicos, enfermeiros, técnicos de higiene e segurança e outros) garantindo o seu exercício profissional com independência técnica. • Desenvolver um programa nacional de investigação em saúde dos trabalhadores aberto às instituições académicas e científicas e às organizações dos trabalhadores, dotado de recursos adequados. • Rever o actual sistema de organização dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, adaptando-o à realidade da estrutura empresarial nacional, impondo níveis de qualidade técnica que travem a actual mercantilização e desqualificação da prática dos serviços.

12. O Partido

O reforço da intervenção e da organização do PCP na área da saúde é uma tarefa da maior importância para comunistas – sejam ou não profissionais de saúde –, que exige particular empenho a todos os níveis da estrutura de direcção do Partido, com particular relevo para as Direcções Regionais, Concelhias e de Freguesia. As condições e potencialidades de cada organização, os objectivos concretos de intervenção, a discussão colectiva e a participação dos militantes, são o esteio essencial para se dinamizar a intervenção dos comunistas sobre os problemas da saúde diversos e diferentes localmente, mas com traços comuns ditados pela continuidade das políticas de direita. Neste contexto, a responsabilização de camaradas e a criação de organismos para acompanhar as questões da saúde é uma tarefa da maior importância e que deve continuar a merecer a maior atenção das organizações regionais do Partido. A tendência de perda de influência orgânica do Partido entre os trabalhadores da área da saúde – verificada desde há alguns anos –, pode ser invertida por uma maior e organizada participação dos membros do PCP na vida das unidades de saúde. A intervenção dos comunistas pela defesa e desenvolvimento do SNS, pela defesa do direito à saúde, pela defesa dos direitos dos profissionais, assenta no reforço das organizações, no recrutamento de novos membros do Partido, na criação ou reactivação de células nas unidades de saúde, na intervenção sobre os problemas concretos, na realização de iniciativas do Partido, na participação e intervenção nas estruturas unitárias (sindicatos, comissões de trabalhadores, movimentos de utentes de saúde, eleitos nos órgãos autárquicos).

Os militantes comunistas devem dar e estão em condições de dar, um contributo determinante para se enfrentar a ofensiva privatizadora da política de direita e ampliar as condições para a luta, seja sobre problemas concretos e localizados, seja sobre questões de âmbito mais geral: através de uma intervenção própria que não se dilua nem esgote na sua participação ao nível unitário ou institucional; através da intervenção das organizações locais do Partido com a sua ligação ao meio, dinamizando a sua capacidade de iniciativa política, com crítica, denúncia e proposta, mobilizando as massas de trabalhadores e população. Os profissionais de saúde, militantes do PCP, podem dar uma importante contribuição ao nível da acção das organizações locais do Partido para a luta em defesa do SMS.

As lutas dos profissionais de saúde, dos utentes e das populações, não sendo contraditórias, beneficiam com a participação activa dos comunistas, atenta a orientação geral do Partido em defesa do SNS público, universal e gratuito. A participação dos membros do PCP em organizações e movimentos de massas, respeitando e defendendo a autonomia, o carácter unitário e a vida democrática dessas organizações e movimentos, têm um papel determinante na elevação da consciência sobre os problemas da área da saúde. Actuam e devem actuar em defesa dos interesses dos associados e das massas, estimulando a sua participação e mobilização.