Intervenção de Vladimiro Vale, membro da Comissão Política do Comité Central, Seminário «O Capitalismo não é verde. Uma visão alternativa sobre as alterações climáticas»

«É o modo de produção capitalista que é responsável pela destruição da Natureza»

«É o modo de produção capitalista que é responsável pela destruição da Natureza»

Boa tarde a todos, partimos para este debate da perspectiva de que os impactos da acção humana no equilíbrio ambiental não começaram com o capitalismo, mas que existe uma perturbação introduzida pelo modo de produção capitalista na troca material entre a humanidade e a natureza que potencia e agrava perturbações no metabolismo que o Homem mantém com o seu meio, pelo que o capitalismo não é nem poderá ser verde!

Pela contradição decorrente da necessidade de constante reprodução do capital, porque apenas considera e privilegia seja face à natureza, como à sociedade o objectivo do lucro, e embora o desenvolvimento capitalista conduza à socialização da produção, e isso expanda as possibilidades históricas para o desenvolvimento humano, envolvendo formas menos restritivas de interacção da sociedade com a natureza, esta não é a orientação primária do capital, pelo que se coloca a necessidade de planificação da distribuição harmoniosa das forças produtivas no território e isso não é possível fazer sem um modo de produção que olhe para lá dos objectivos imediatos de acumulação de lucros, um modo de produção que racionalize a relação da humanidade com o seu meio.

Os centros de decisão do capital há muito que perceberam que a causa da protecção ambiental fornece aos capitalistas novas oportunidades de negócio, pelo que estão insistentemente a tentar não sem sucesso transformar o perigo em sua vantagem.

Há muitos exemplos que o demonstram. Basta analisar a propaganda institucional das instituições da União Europeia, que elegeu o combate às alterações climáticas como um dos pilares de uma campanha de branqueamento da sua natureza para tentar aprofundar medidas neoliberais mascaradas de ecologistas. A generalidade das forças políticas reproduzem acriticamente a propaganda institucional do Parlamento Europeu no que diz respeito às alterações climáticas, sem fazer a necessária crítica aos mecanismos que o capital quer implementar a propósito de problemas ambientais.

Os problemas ambientais criados pelo modo de produção capitalista são reais e graves. Face à maior disputa económica, política e geoestratégica entre potências e face à finitude de recursos, o capital tudo faz para aproveitar estes problemas para aprofundar os mecanismos de exploração e de acumulação de riqueza.

Recentemente Christine Lagarde e Vitor Gaspar publicaram um artigo no site do FMI a jurar fidelidade à «defesa do clima» e a defender a «precificação do carbono, ou seja, cobrar pelo conteúdo de carbono dos combustíveis fósseis ou de suas emissões». Segundo as duas personagens, este «é o instrumento de mitigação mais eficaz» e afirmam que «um preço consideravelmente inferior a 35 dólares por tonelada seria suficiente para cumprir os compromissos dos países do G20. Os arautos da liberalização dos mercados a pedirem intervenção para garantir lucros.

A engenharia financeira em que essa valoração se fundamenta foi pensada por banqueiros e introduzida na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC). No entanto, escondem que o Esquema Europeu de Transações (ETS) não conduziu à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa e desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado, demonstrando a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos. Estes mecanismos assumem um carácter ainda injusto na medida em que os países industrializados, que mais contribuem e contribuíram para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora cobrar a factura aos chamados países em desenvolvimento. A criação do comércio do carbono visa tornar-se numa máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios, em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas, expostos às imprevísiveis variações do sistema. Actualmente, 46 governos nacionais já monetizam o carbono. E as receitas provenientes dessa monetização aumentou mais de 20 mil milhões de dólares em cada um dos dois últimos anos.

Os esforços dos centros de decisão do capital para promover a ideia de que o problema ambiental se resolve com estes mecanismos são evidentes. Sucedem-se declarações sobre a «luta climática» de personagens como La- garde, Guterres, Juncker, AlGore, Macron, quase todos já se encontraram com a jovem sueca (Greta Thunberg).

Os recentes acontecimentos em França a propósito das medidas ditas verdes do Governo de Macron trazem à evidência esta estratégia do capital. Tal como o PCP denunciou a propósito da dita fiscalidade verde do Governo PSD/CDS, o uso do adjectivo «verde» destina-se a esconder uma «reafectação da tributação, carregando mais sobre as camadas mais empobrecidas», confundindo a salvaguarda dos recursos naturais com a taxação. Introduzindo a lógica de «quem pode comprar bens ou serviços menos poluentes paga menos taxa, quem não pode paga mais», ou procura «inverter o ónus das verdadeiras responsabilidades de classe na degradação ambiental e fazer reflectir os seus custos exclusivamente nas populações».

Em suma, querem convencer-nos de que a crise ambiental é uma consequência inevitável da história humana e que não depende das relações sociais e económicas - que está acima da política.

Os movimentos em defesa do meio ambiente podem ser forças que se opõem e que resistem, e que, reforçando-se, podem ajudar a impedir que o imperialismo alcance o objectivo de se impor como pensamento único, como sistema final, podem ainda ser um entrave às decisões dos países mais ricos que visam alargar o seu poder. Mas para isso é fundamental não deixar que a criação de um clima de catástrofe iminente seja usado para pressionar e fomentar a aceitação, à escala de massas, de mecanismos que os centros de decisão do capital tencionam implementar, como o mercado do carbono.

É também necessário combater a promoção de um falso conflito entre gerações que ajuda a criar a aceitação de que os problemas ambientais se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos e à taxação dos comportamentos individuais a mercados e consumo verdes, sem contestar as responsabilidades do modo de produção capitalista.

É importante trabalhar junto dos que olham para as questões ambientais com legítima preocupação, sem deixarmos de denunciar quais são os planos do capital nestas áreas no sentido de aumentar a consciência política e ambiental.

Num debate realizado na semana passada na Festa do Avante!, o camarada do PC suíço, citava o activista Chico Mendes: «Ambientalismo sem luta de classes é jardinagem»...

Pelo que, na resposta a esta ofensiva, é necessário demonstrar que é o modo de produção capitalista que é responsável pela destruição da Natureza, mas também é necessário apontar objectivos a curto e médio prazo.

Dito isto, é necessário diminuir a dependência dos combustíveis fósseis com a promoção de alternativas energéticas de domínio público.

Promover o transporte público em detrimento de soluções que apontam para manter o paradigma do transporte individual.

Também precisamos de afirmar que a nossa proposta de defesa da produção local é importantíssima para o equilíbrio ambiental, pois contraria a liberalização do comércio mundial, encurta ciclos de produção-consumo, diminuindo o impacto das longas cadeias de distribuição que alimentam um sistema baseado na divisão internacional do trabalho.

Também temos de afirmar que o caminho é reduzir emissões com um normativo específico e não com atribuição de licenças transaccionáveis que potenciam a especulação e não resolvem o problema, assim como é necessário combater a pressão para a mercantilização da água e a desresponsabilização do Estado na defesa da natureza e do ambiente.

É fundamental, ainda, afirmar que a luta pelo equilíbrio ambiental tem de estar sempre associada à luta pela paz. A guerra, o militarismo e a indústria do armamento são dos fenómenos mais poluentes no nosso mundo.

É uma evidência que existe uma necessidade de investimento público como medida de dinamização económica, também na área ambiental, no entanto há que fazer alguns alertas. A necessidade de investimento público não pode iludir que não podemos olhar para a tecnologia como panaceia para todos os males, escondendo que a questão principal é política e social e não apenas tecnológica, e que numa sociedade capitalista, mesmo a mais avançada e verde tecnologia servirá, em primeira análise, para favorecer processos de concentração de riqueza e não para resolver os problemas da humanidade.

É necessário alertar para o encaixe que se tenta fazer nas teorias que advogam um crescimento zero e apelam a uma desindustrialização que, no modo de produção actual, remetem para a petrificação da desigualdade de desenvolvimento existente entre classes e entre nações, também usadas para justificar políticas de aumento da exploração, de pauperização das massas laboriosas.