Intervenção de

Medidas de enquadramento das praxes académicas<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Antes de mais, assinalando a passagem do Dia Nacional da Juventude, o Grupo Parlamentar do PCP gostaria de saudar todos os jovens portugueses. E, já agora, registar como positiva esta significativa novidade de o CDS-PP reconhecer o dia 28 de Março como Dia da Juventude, já que esta data ficou para a História como o dia em que a repressão salazarista se abateu implacavelmente sobre uma iniciativa de convívio e protesto do MUD-Juvenil, na oposição à ditadura. Por isso, é importante que o CDS proporcione ao Parlamento a oportunidade de recordar esta importante data da nossa História, e esta importante causa da vida do nosso País.Senhores Deputados,As situações de violência, os abusos, as humilhações e ataques à dignidade humana são circunstâncias merecedoras do mais vivo repúdio e dever ser condenadas de forma clara.Os casos que, nos últimos tempos, têm vindo a ser noticiados na comunicação social, a propósito das praxes no ensino superior, levantam perturbadoras interrogações que exigem o rápido esclarecimento do que efectivamente tem estado a acontecer.A confirmar-se o conjunto de notícias que se tem referido a estas situações, e mesmo perante o rol de testemunhos que do passado recente ilustram o triste panorama que em diversos casos se nos depara, é necessário discutir e agir de modo responsável e sério. Sem aproveitamentos políticos, sem segundas intenções, sem tacticismos indignos.Por isso se torna necessário partir para este debate com uma questões prévia: os chocantes casos que têm vindo a público, pela sua gravidade até, não podem ser trampolim para oportunismos de nenhuma ordem.E entretanto cá estamos para debater as questões concretas, e as propostas que este projecto de resolução coloca.Desde já, é preciso afirmar que não é aceitável que um “Regime Disciplinar” seja instaurado como suposta panaceia, à medida exacta de situações cuja mediatização e gravidade têm assumido crescentes proporções. Muito menos se uma tal medida é afirmada com o propósito de “restaurar” e recuperar determinados fenómenos de um modo geral e abstracto.Não se trata aqui de fazer juízos de valor generalizados, nem sequer uma espécie de “manual do utilizador” que seja aparentemente (e sublinhe-se, aparentemente) destinado a preservar as praxes académicas na sua “pureza original” – seja lá o que isso for.Nem nos parece que a Assembleia da República deva instituir uma apreciação como aquela que os considerandos do diploma do CDS-PP preconizam, relativamente às praxes. Caso contrário, estaremos a deliberar a consagração de uma doutrina geral cuja fundamentação se arrisca a transmitir a ideia de que os estudantes do ensino superior em Portugal são uma espécie de variações sobre uma personagem de Vasco Santana!A questão essencial quando discutimos as praxes académicas não é a salvaguarda das praxes como um fim em si mesmo. A questão essencial, comum a todas as discussões sobre casos concretos (e sobre as praxes em geral), é a indispensável salvaguarda da integridade e dignidade humana, face à tentação da prepotência, da humilhação ou da violência física ou psicológica. Essa é que é a questão de fundo. E se não for esta a prioridade para todos, para o PCP é certamente a prioridade.Somos firme e frontalmente contra a violência e a agressão. Todas as agressões, sob todas as formas. Em Santarém, como em Macedo de Cavaleiros, o que aconteceu, (a confirmarem-se as notícias vindas a público) foram actos de violência e cobardia. E perante isto, é no mínimo irrelevante enquadrar a discussão em qualquer moldura de supostas tradições.Aliás, perante situações como as que têm sido denunciadas, não podemos ignorar que pode estar em causa a prática de crimes, e inclusivamente nalguns casos, de crimes públicos. Previstos no código penal, e a exigir a correspondente tomada de medidas. E é preciso que fique claro que este tipo de práticas não estão a coberto de nenhuma impunidade – mesmo antes de qualquer levantamento de casos, ou de qualquer regime disciplinar.E aqui entramos noutro ponto do debate.É que esta ideia do regime disciplinar para os estudantes do ensino superior, se for entendida como uma necessidade decorrente do fenómeno das praxes, sem que mais nada se diga a este propósito, conduz o debate e a reflexão a uma abordagem claramente limitada e limitativa.Aliás, qualquer abordagem a matérias de regulamentação disciplinar que tenha como ponto de partida, como motivação, como sustentação, situações concretas de violência, dificilmente fará um bom caminho – pois esse caminho nasce e prossegue sob a égide e o estado espírito da violência.Se, por outro lado, o resultado concreto desse processo de constituição de um estatuto disciplinar for uma abordagem de larga escala, na aplicação da “doutrina texana” que o governo e a maioria de direita já demonstraram (desde logo com o Estatuto do Aluno do Ensino Superior!), então tudo se torna mais preocupante. Porque nesse caso as praxes académicas são um pretexto.Em qualquer dos casos, fica sempre a interrogação, face a um estatuto disciplinar cuja discussão nasce desta maneira. E fica a reafirmação de que o PCP não passa cheques em branco para as políticas do governo. Muito menos quando se trata de legislar sobre “disciplina”, e menos ainda quando se conhece as concepções da direita nesta matéria!Mas ainda a este propósito, e para terminar, uma consideração sobre estas preocupações do CDS-PP. Quando o ensino superior no nosso País está na situação que se sabe; quando a democratização e a garantia do direito à educação é cada vez mais uma miragem; quando é conhecido o ataque aos direitos dos estudantes quanto à participação democrática na gestão das instituições do Ensino Superior; quando Portugal está na cauda da Europa na formação académica da sua população; quando tudo isto acontece, é politicamente significativo que a prioridade da direita neste momento seja o estabelecimento de um estatuto disciplinar. Perante isto, não é preciso dizer muito mais.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções