A Indústria
Extractiva (IE) portuguesa. Breve análise da situação actual.
Carlos
Calado
De acordo com estatísticas
disponibilizadas recentemente pela Divisão de Estatística da DG de Geologia e
Energia (Ministério da Economia e Inovação), através do seu web site[i] o
valor de produção da IE portuguesa em 2005 foi de 1,096 biliões de euros. E
quanto a emprego, de acordo com dados tornados públicos em 2005[ii], em
2004 o sector IE representava 10.624 posto de trabalho, onde 82% eram
"operários e encarregados".
Em termos de Comércio Externo,
aquela mesma fonte de 2005 mostra que no ano de 2004 o valor total das
exportações foi de 384,406 milhões de euros, contra 415,466 milhões de euros de
importações, ou seja, importámos mais do que exportámos. O valor das importações
não inclui petróleo e derivados, mas inclui o carvão (hulha e antracite),
combustível fundamental para algumas termo-eléctricas nacionais. Representa
cerca de 61% do valor total das matérias importadas. Mas se abstrairmos das
importações o carvão, chega-se a uma conclusão interessante: no que respeita a
substâncias minerais, Portugal exporta mais do dobro do que aquilo que importa.
Falamos de valores, não de quantidades.
Vale a pena fazer alguma
discriminação no que respeita à exportação: o subsector das "Rochas
Ornamentais" (por exemplo, os mármores, os granitos ornamentais e
ardósias), foi o que mais contribuiu para as receitas de exportação (54%), a
que se seguiu o dos "Minérios Metálicos" (cerca de 44%). Neste último
grupo sobressai a exportação de concentrados de cobre, com 162,763 milhões de
euros, valor que corresponde a 97% dos metálicos, e a 42,3% do total da IE.
Para esta exportação foi determinante a mina de Neves-Corvo, no Baixo Alentejo.
Mas os dados relativos à exportação no primeiro semestre de 2006[iii]
revelam mudanças de posição na hierarquia dos subsectores, que a manterem-se é
sinal de uma tendência: em termos de valor, o subsector "Minérios
metálicos" passou a representar a maior facturação (180, 68 milhões de
euros), e o das "Rochas Ornamentais" a segunda posição (120,87
milhões de euros). Parece ser já um efeito do crescimento quase exponencial que
se faz sentir nas cotações internacionais da maioria dos metálicos,
designadamente do cobre e do tungsténio.
Perguntar-se-á: que significam
estes valores no contexto da economia nacional? Se considerarmos os últimos
anos, e não apenas o ano de 2004, a IE tem representado cerca de 1% do PIB
nacional, nuns anos algo mais, noutros algo menos; mas se nos limitarmos ao
sector "Indústria" já representa cerca de 3,3%. Por estes números
dir-se-ia que a IE tem pouco significado na economia portuguesa, mas assim não
é, como procuraremos demonstrar.
A IE tem características muito
particulares, distintas de outras actividades económicas, que devemos ter
presente quando se pretende fazer uma análise crítica: é um sector que está
totalmente dependente de unidades de indústrias transformadoras posicionadas a
jusante, estejam as unidades no país em causa, ou estejam no estrangeiro. E,
salvo poucos casos a que nos referiremos mais adiante, são recursos não
renováveis, portanto finitos, o que faz com que as explorações tenham, por
vezes, tempos de vida relativamente curtos.
Por outro lado, sobretudo no que
respeita a certas substâncias, por exemplo minerais metálicos, a exploração dos
jazigos exige competências técnicas e conhecimentos científicos de nível
relativamente elevado, assim como, além disso, investimentos vultuosos,
principalmente na fase de preparação da mina. No caso dos minérios metálicos,
sobretudo devido às dificuldades de interpretação dos fenómenos geológicos que
deram origem aos jazigos, que são complexos, é uma actividade com riscos
consideráveis e de capital intensivo. Terá sido por falta de falta de
conhecimentos geológicos e de técnica mineira, além de recursos financeiros
insuficientes, que no século XIX, século determinante para arranque da
actividade mineira em todo o mundo, em Portugal não havia nem know how nem a
burguesia nacional estava virada para esse tipo de negócio. Documentos e
estudos relativos a essa época são eloquentes: não havia sequer pessoal
minimamente capacitado para trabalhos mineiros, a ponto de, por exemplo no caso
da famosa Mina de S. Domingos, perto de Mértola, ter havido necessidade de
mandar vir operários de Espanha (biscaínhos e catalães). Mesmo muitos anos
depois, já no século XX, a exploração dos recursos geológicos concedida a
empresas privadas continuou a ser feita, por regra, sem eficiência económica
nem racionalidade técnico-científica.
Outra característica importante da
exploração dos minerais metálicos e não metálicos é não ter um papel
estruturante da vida económica da região em que se insere a mina, pois uma mina
representa uma actividade a prazo. Numa economia capitalista (na tal dita de
mercado) esta situação fatalmente gera dramas sociais quando a mina fecha, pois
a região nunca está preparada para absorver essa mão-de-obra desempregada,
tanto mais que os governos da burguesia raramente tomam medidas cautelares que
absorvam os impactes da crise. Tenha-se presente que o tempo de vida de uma
mina decorre das reservas, e hoje uma mina só arranca (ou só devia arrancar)
depois de as reservas estarem muito bem identificadas. Ou seja, é possível
prever o tempo mínimo de vida útil da exploração, e, portanto, o ano em que a
mina vai fechar.
Uma das características da IE de
qualquer país é não aparecer nas estatísticas com valores de facturação muito
elevados, excepção feita, talvez, nos países produtores de petróleo; contudo, é
um sector de grande importância, basta lembrar que é fonte de matérias primas
fundamentais para o desenvolvimento social e económico, desde logo fonte de
abastecimento das indústrias transformadoras (IT) que caracterizam os países
industrializados. Ou seja, não é o peso no PIB que dá ideia da importância da
IE na economia, nem mesmo o número de postos de trabalho directos, mas sim os
efeitos positivos que induz nos sectores de actividade que lhe ficam a jusante,
não só na Indústria Transformadora, mas também no sector dos serviços. Tenha-se
presente que muitas fábricas foram criadas em Portugal porque se dispunha de
matéria prima no país, por haver recursos geológicos; e também que muita
actividade científica no domínio das geociências foi implementada, não tanto
por razões desinteressadas, por amor ao saber, mas principalmente porque
permitia dar resposta a problemas mineiros, por exemplo, orientar a prospecção
e pesquisa de minerais e rochas úteis. Neste particular foi essencial o
arranque para a cartografia geológica de base ainda no século XIX; mas pesar de
ter começado tão cedo a cobertura do País na escala 1:50.000 está muito longe
de satisfazer as necessidades. É o resultado de um progressivo desinteresse dos
governos pelas geociências, designadamente por orçamentos do PIDDAC
insuficientes para trabalhos de investigação e inventariação neste domínio.
Além de tudo o mais, uma unidade
transformadora estimula a procura e exploração de mais matéria prima para
satisfazer as necessidades crescentes dos mercados, razão por que se pode
afirmar que há uma grande interactividade entre IE e IT, o que não quer dizer
que uma fábrica que trabalhe com matérias primas de origem mineral precise,
necessariamente, que as fontes de abastecimento estejam no próprio país: basta
recordarmos os antigos circuitos coloniais: as matérias primas nas colónias, a
actividade transformadora nas metrópoles.
Mas serão os relativamente baixos
valores de produção da IE portuguesa uma consequência de não termos recursos
geológicos significativos? de maneira nenhuma. É verdade que no nosso subsolo
parece não haver petróleo em quantidade economicamente interessante, pelo menos
não foi encontrado até hoje, se bem que seja prematuro afirmar que não há,
ainda por cima quando surgem novas expectativas com trabalhos de prospecção que
decorrem na zona imersa (no chamado off shore). Também é verdade que, uma vez
esgotadas as reservas de carvão das minas de S. Pedro d Cova e Pejão, não nos
resta carvão com características interessantes, e, sobretudo, que nos dispense
de continuar a importar este tipo de combustível. Em suma, a Natureza foi-nos
madrasta neste aspecto, não nos deu os recursos energéticos que estiveram na
base do desenvolvimento industrial que arrancou no século XIX em vários países
europeus, que foi a rampa de lançamento para o desenvolvimento que se verificou
depois no século XX.
Mas chegados aqui é ocasião de nos
perguntarmos: há alguma evidência na História Universal que suporte a ideia de
que foi sempre condição sine qua non para um país se desenvolver que
tivesse recursos geológicos importantes? Ou, se se quiser pôr a questão por
outras palavras: um país rico em recursos geológicos, por exemplo petróleo, é
sempre um país desenvolvido, é um país onde a riqueza é distribuída
equitativamente, onde os cuidados de saúde, a habitação condigna, e o ensino,
são direitos desfrutados pela população? Não é preciso fazermos esforço para
nos ocorrer uma longa lista de países onde a condição não se verifica, onde as
desigualdades sociais são escandalosas, países onde a subnutrição, a falta de
água potável e a doença matam milhares de pessoas por ano, em grande parte
crianças. Quantos países de África e da América do Sul, riquíssimos em recursos
geológicos (ferro, cobre, estanho, diamantes, ouro, e até petróleo) permanecem
ainda hoje numa situação de subdesenvolvimento, fruto da exploração colonial a
que estiveram sujeitos. Não é por um país ter recursos naturais importantes que
a sua economia é sã, e muito menos supormos que é um país socialmente justo.
Talvez seja oportuno recordar o caso da Venezuela, desde há muitos anos uma
potência mundial quanto a petróleo, mas onde a maioria da população sofreu
décadas de miséria, por efeito da política antipatriótica seguida por governos
ao serviço dos interesses do imperialismo estadunidense. Só agora a Venezuela
está logrando sair da sua dependência histórica.
Contudo, em Portugal, no nosso
território continental, temos recursos geológicos numa diversidade e qualidade
invejáveis por muitos países:
-
temos recursos que constituem matérias primas
necessárias às indústrias produtoras de materiais usados na construção civil e
obras públicas, como são o saibro, o gesso, rochas ornamentais (onde sobressaem
os nossos belos mármores de Estremoz-Vila Viçosa, com fama mundial), assim como
granitos, rochas que têm peso significativo nas nossas exportações, mas, além
disso, as designadas "rochas industriais", com que se produzem
britas, cimento, e outros materiais indispensáveis à construção civil;
-
temos areias e outras rochas siliciosas para
abastecer a indústria vidreira;
-
temos substâncias minerais para abastecer a
indústria química básica, entre as quais se pode referir a barita, o lítio e o
sal-gema;
-
temos argilas comuns e argilas especiais, de
qualidade, indispensáveis ao fabrico, entre outros produtos, de telha, tijolo,
cerâmica, azulejo, e papel;
-
temos reservas de minérios importantes a nível
europeu, onde se destacam: minérios de cobre, de zinco e de estanho (de que a
mina de Neves-Corvo representa uma caso excepcional, mesmo a nível mundial);
minérios de tungsténio (fora da China, a Panasqueira constitui um dos maiores
produtores mundiais de concentrados desse metal); e minérios de urânio, este
último um metal estratégico de ponto de vista energético, de que Portugal
possui as reservas mais interessantes da União Europeia, do ponto de vista
económico, pelos custos de produção;
-
temos recursos hidrominerais, um tipo de recurso
que é renovável, muitos deles com propriedades medicinais, que proporcionam a
criação de estâncias termais, centros de cuidados de saúde que são
estruturantes da actividade económica de algumas regiões do interior de
Portugal. Outras águas, pelas suas qualidades químicas e bacteriológicas,
sustentam uma indústria de engarrafamento onde se registam índices de
crescimento impressionantes.
-
Ainda no domínio dos recursos geológicos
renováveis, devemos assinalar também muitas águas subterrâneas com temperaturas
de emergência entre os 25 ºC e os 75 ºC. É um recurso que está por aproveitar
convenientemente. Embora as temperaturas não permitam a produção de
electricidade, como acontece na ilha de S. Miguel (Açores), são uma fonte
apreciável de calor, com possibilidade de uso, por exemplo, no aquecimento de
águas sanitárias, ou em estufas.
No caso dos recursos geológicos
ligados à construção civil e obras públicas, as estatísticas mostram
crescimentos significativos não só na produção, mas também no número de pedidos
de novas licenças de exploração de pedreiras, sobretudo de granito, assim como
na criação de novos barreiros de argila comum, o que é um sinal indesmentível
de que a actividade deste segmento da IE está em expansão. É verdade que o
subsector é vulnerável, sobretudo o mais ligado à habitação, pois ressente-se
dos abrandamentos do mercado comercial; de qualquer forma, a tendência na
actividade extractiva é de expansão.
No caso dos recursos hidrominerais
com propriedades terapêuticas sublinhe-se que muitas das termas portuguesas
pertencem a autarquias locais, ou arrancaram por iniciativa de autarquias,
entre as quais merecem destaque as Termas de S. Pedro do Sul, as mais
frequentadas do País. Segundo dados estatísticos de 2004 no ano funcionaram 37
balneários termais, que foi frequentada por 89.827 pessoas. Estes 37 balneários
representaram cerca de 1.700 postos de trabalho directos, ainda que na sua
maior parte ocupem só parte do ano. O número de actividades económicas
dinamizadas por um balneário termal é grande, dando origem, indirectamente, à
criação de um número muito significativo de postos de trabalho. No que respeita
às águas usadas na indústria de engarrafamento, a expansão da exploração que se
verifica de ano para ano é também um facto indesmentível: por exemplo, enquanto
em 1995, em Portugal Continental, o consumo de água engarrafada era de 54,3
L/capita, em 2004 passou a 93,0 L/capita. Entre estes dois anos o consumo foi
praticamente crescente. Em 1987 era de 26,9 L/capita, e no ano seguinte era de
28,8 L/capita. Este valor correspondia, praticamente, à capitação media na CEE
em 1980. Pode haver quem subestime este subsector, julgando que não representa
nada de significativo na IE; é um engano. Analisando a distribuição dos valores
de produção dos diferentes subsectores da IE em 2005, na fonte estatística já
indicada, verifica-se a seguinte hierarquia: 1º lugar o grupo das "Rochas
Industriais", com 377,7 milhões de euros; 2º lugar o grupo dos
"Minérios Metálicos", com 309,5 milhões de euros; 3º lugar o grupo
"Águas Minerais e de Nascente" com cerca de 233 milhões de euros, à
frente do grupo "Rochas Ornamentais" (166,3 milhões de €) e dos
"Minerais não Metálicos" (cerca de 9,6 milhões de €). E se passarmos
para os valores de Exportação, verifica-se que a água engarrafada representou
quase o dobro dos "Minerais não metálicos" e pouco menos que a
facturação da exportação dos concentrados de tungsténio: 10,48 milhões de €
contra 13,25 milhões de €. Obviamente que num caso a exportação provém de
várias unidades fabris, e no outro é de um único centro mineiro, a Panasqueira.
Quanto aos recursos
hidrogeotérmicos, embora as potencialidades sejam muito interessantes estão
praticamente por aproveitar. Sem dúvida que a utilização planificada destes
recursos levaria a uma poupança significativa na factura energética nacional.
Tenha-se presente que os pólos de ocorrência estão, sobretudo, na metade norte
do País, onde as temperaturas são relativamente baixas no Inverno.
De entre todos os recursos
referidos merecem apreciação mais pormenorizada aqueles que formam um grupo de
substâncias de importância estratégica: o subsector dos minérios metálicos.
Todos eles pertencem ao domínio público do Estado, como explicita o decreto-lei
n.º 90/90. Deste grupo Portugal possui quantidades e uma diversidade invejáveis
no contexto europeu, como é o caso dos sulfuretos complexos da chamada Faixa
Piritosa Ibérica (FPI). Trata-se de uma larga faixa de terreno, que em Portugal
se estende por cerca de centena e meia de quilómetros, sensivelmente entre
Alcácer do Sal e Mértola, mas que vai até Sevilha. É uma das maiores províncias
mineiras de metais básicos do mundo (além do enxofre, há cobre, zinco, chumbo,
e estanho). Pertencendo a esta província, na região de Santiago de Cacém foram
importantes as minas da Caveira, do Lousal, e do Cercal; e, já ao pé do rio
Guadiana, a lendária mina de S. Domingos. Esta foi, no século XIX, uma
referência para toda a Europa quanto a cobre. Restam hoje na FPI as minas de
Aljustrel, e as minas de Neves-Corvo, cujos trabalhos se iniciaram em meados de
70 do século XX. As reservas de cobre, zinco e estanho de Neves-Corvo são as mais
importante da Europa, e são um dos casos mais importantes em todo mundo. Não é
de mais realçar que estes jazigos foram revelados por trabalhos desenvolvidos
por serviços oficiais, concretamente por geólogos, geofísicos e engenheiros da
então designada Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos.
Ainda no Alentejo, mas já noutro
contexto geológico, são de considerar vastas áreas potenciais para zinco, cobre
e chumbo ao longo de uma faixa que vai de Évora a Beja.
Justificam-se mais algumas palavras
sobre as reservas portuguesas de volfrâmio, tema mítico que alimentou o
anedotário nacional nos anos da 2ª Guerra Mundial. É minério de tungsténio, um
metal que foi fundamental para a indústria eléctrica (filamentos das lâmpadas
de incandescência), e que continua a ser essencial para a produção de aços
especiais, em grande parte usados na indústria de armamento militar, mas também
com muitas aplicações civis, por exemplo em certas ferramentas de corte, brocas
especiais, lâminas de bulldozzer, algum material cirúrgico. Também na construção de foguetões (devido à fricção da
atmosfera atingem temperaturas muito altas, e para aguentarem essas
temperaturas eles são construídos com ligas de tungsténio). A construção naval
também aplica ligas onde entre o Tungsténio, nos cascos dos navios. Portugal é
o único país da Europa com minas de minério de tungsténio importantes. A
produção é toda exportada, de acordo com a procura, para a Áustria, o Japão e
os Estados Unidos.
Acresce ainda a exploração de ouro
e prata, de que os romanos se serviram abundantemente em Portugal (e todo o
oeste peninsular), de que se conhecem agora mais potencialidades interessantes
em várias zonas do País, designadamente na Beira Alta e, sobretudo, no
Alentejo, mais precisamente na região de Montemor-o-Novo, onde uma empresa
australiana está fazendo prospecção.
Ou seja, de maneira alguma se pode
insistir em que somos um país pobre em recursos do subsolo, mas deve
perguntar-se por que razão o peso da IE não é mais expressivo na economia
portuguesa? Para encontrar resposta devemos procurar ver quem tem explorado os
recursos geológicos nacionais mais valiosos, aqueles que possuem maiores
potencialidades para mais valias mais significativas, através de processos de
transformação sucessivos até a produtos finais. Ora verifica-se que os jazigos
de carvão, cobre, volfrâmio, estanho, ouro, sal-gema etc. estiveram sempre, no
todo, ou na maior parte, na mão de empresas estrangeiras, que exportavam (e
exportam ainda hoje) os produtos mineiros pouco elaborados, apenas na forma de
concentrados, portanto pouco transformados, logo com pouco valor acrescentado,
para as metalurgias europeias. É um circuito típico de sistemas coloniais:
Portugal representa a fonte de matéria prima, donde vai (com pouco valor
acrescentado) para os países industrializados, que a transformam e, em muitos
casos, levam os processos até ao fim, até à produção de bens de consumo. Depois
os portugueses compram esses produtos acabados, obviamente muito valorizados,
com as consequências conhecidas na balança de transações. Para só referir
alguns recursos geológicos que estiveram nessa situação, indicaremos:
-
As pirites cupríferas de S. Domingos (Mértola)
foram exploradas pela empresa inglesa Mason and Barry, de 1857 a 1967, ano em
que encerraram definitivamente. Segundo estudo de Helena Alves,[iv]
"...foi o maior e mais importante complexo industrial mineiro do seu
tempo, em Portugal...". Produzia-se cobre e enxofre. No final do século
XIX este já era vendido à C.U.F.
-
As pirites de Aljustrel, que foram a base da
produção de ácido sulfúrico, designadamente na fábrica da C.U.F. no Barreiro, a
partir do qual depois eram produzidos adubos sulfatados, foram da sociedade
belga Mines d'Aljustrel;
-
As pirites do Lousal (Santiago do Cacém)
pertenceram à Sociedade Mines et Industrie, do Grupo SAPEC (adubos), belga, até
ao seu encerramento na década de 80 do século passado.
-
O minério de tungsténio da Panasqueira (Barroca
Grande/Fundão) esteve nas mãos da Beralt Tin and Wolfram, que era controlada
pela Anglo-American Corporation of South Africa, do Grupo Oppenheimer, que
esteve na mina até aos anos 90. Agora as minas do couto mineiro da Panasqueira
estão nas mãos de uma empresa que, embora com o mesmo nome, é subsidiária da
empresa canadiana Primary Metals Inc., que detém 100% do capital.
Nas actas da Conferência Nacional
do PCP, realizada em Março de 1985[v] e nas
do Encontro realizado em Março de 1987[vi], em
Coimbra, e, antes disso, num texto publicado em 1977 preparado no âmbito de uma
Conferência Económica do partido,[vii]
pode-se ver mais informação sobre estes aspectos da história mineira
portuguesa. Quanto à "gestão empresarial" destas empresas mineiras
estrangeiras pode dizer-se que se baseou muitas vezes na "lavra
ambiciosa", também dita "de rapina", por sinal punível pela
legislação nacional, e na sobrexploração dos operários, quando não também dos
quadros técnicos: baixos salários e deficiências graves a nível de condições de
higiene e segurança. Estão na memória de muitas aldeias portuguesas lutas muito
duras dos mineiros pelos seus direitos, designadamente melhores salários e
condições de trabalho dignas.
Durante as décadas de 80, 90 e
início do século XXI a evolução da IE foi desanimadora para os subsectores mais
significativos do sector Extractivo, em parte porque os governos desse período
não tiveram uma política de Estado para o sector, ou, melhor dizendo, não
definiram uma política de defesa do interesse nacional, período agravado por
uma conjuntura internacional particularmente desfavorável:
-
baixas cotações dos minerais metálicos e do
urânio (o que afectou sobremaneira a actividade das minas de Neves-Corvo,
Aljustrel, Panasqueira, e as minas de urânio da ENU), tudo minas viradas para a
exportação;
-
desvalorização do dólar, reduzindo as receitas
da exportação dos produtos da IE, particularmente os concentrados de minerais
metálicos, assim como rochas ornamentais;
-
aparecimento de novos países produtores e
exportadores, portanto intensificação da concorrência no mercado internacional.
A adesão à CEE em 1986 não parece
ter trazido vantagens palpáveis à IE portuguesa, mas pode apontar-se uma
consequência negativa imputável à adesão: abandonou-se projecto de exploração
das enormes jazidas de hematite (minério de ferro) de Moncorvo, em consequência
do abandono do que então se chamou Plano Siderúrgico Nacional (PSN) pela
Siderurgia Nacional, uma "contrapartida" que o governo PS/Mário
Soares terá dado para satisfazer os interesses das siderurgias europeias em
crise, em troca de luz verde para entrar no espaço político comunitário. O
minério de ferro de Moncorvo, pelas suas características mineralúrgicas e
técnicas, só era economicamente viável num quadro de aproveitamento em fileira,
em Portugal, precisamente no quadro do então PSN na Siderurgia Nacional e que
se preparara para esse objectivo. Actualmente, depois da adesão à moeda única,
a desvalorização do dólar face ao euro, que de vez em quando se verifica,
também é um factor negativo quando as exportações vão para países exteriores à
"zona euro".
Dos recursos mineiros que podemos
classificar de "estratégicos" destacam-se:
-
as minas do couto mineiro da panasqueira, e
-
os jazigos de urânio Do Alto Alentejo.
Relativamente às minas de
Neves-Corvo, que iniciaram actividade em 1977, refira-se que representam o
maior factor de emprego na região de Castro Verde-Almodôvar (mais de 800
trabalhadores), e é origem do relativamente elevado valor do PIB regional. A
exploração está concedida (juntamente com as de Aljustrel) à SOMINCOR, do Grupo
Eurozinc. Quanto à retoma da exploração de Aljustrel continua adiada, ao
contrário das promessas iniciais da empresa.
Nos anos 2003-2004, em termos de
interesse nacional a situação foi agravada com a perda da última posição que o
Estado tinha na indústria extractiva, ou seja, a alienação da parte (51%) da
Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM) no capital da SOMINCOR (minas de
Neves-Corvo), no quadro da política da coligação governamental PSD-PP de
arranjar dinheiro a todo o custo para reduzir a dívida pública. O principal argumento
do Governo para a alienação foi "... o compromisso da redução do peso do
Estado na economia, limitando a sua presença ao estritamente necessário, e no
âmbito da política de privatizações anunciada ....". Não se devia ter
abandonado a posição do Estado, e, além disso, dever-se-ia ter comprado os 49 %
que a RTZ queria então vender. Nada disso foi feito e hoje a EDM, que foi
criada para os fins que o nome indica, está reduzida a funções de
"holding" de estudos de recuperação ambiental de minas abandonadas. É
muito pouco, é um fim de vida ridículo.
Os concentrados de cobre e zinco
produzidos pela SOMINCOR são exportados, principalmente para a Finlândia e
Espanha, mas se houvesse uma metalurgia do cobre no País a matéria prima seria
muito mais valorizada e a mais valia ficaria cá; assim como se faz a
comercialização representa um valor acrescentado mínimo.
No que se refere ao couto mineiro
da Panasqueira, a concessão continua nas mãos de uma empresa com o nome Beralt
Tin and Wolfram, mas que agora é uma subsidiária da empresa canadiana Primary
Metals Inc,, que detém 100% do capital.
A nossa riqueza em minérios de
urânio merece destaque especial, considerando a importância estratégica deste
metal como fonte de energia nuclear. Grande parte das reservas de que o país
dispunha há anos estão agora muito desfalcadas, quase esgotadas. A exploração
foi importantíssima em grandes áreas do distrito de Viseu e Guarda, de que se
destaca o Couto Mineiro da Urgeiriça, e a exportação de concentrados de urânio
teve peso considerável nas nossas exportações até à década de 80 do séc. XX.
Alteração profundamente negativa registada já no século XXI foi a extinção da
Empresa Nacional de Urânio (ENU). Hoje subsistem reservas que ainda se pode
considerar interessantes no Alto Alentejo, distribuídas por vários jazigos, na
sua maioria de pequena dimensão, que significarão cerca de 6.000 toneladas de
Urânio metal, para só considerar as reservas cujos preços de extracção são mais
interessantes (valores inferiores a USD 80/KgU. Dadas as características dos
depósitos a forma de exploração prevista é "a céu aberto", que
constitui um custo considerável para os ecossistemas das bacias hidrográficas
onde se situam os depósitos, mesmo de alguma gravidade para a saúde das populações.
Segundo notícias saídas a público no dia 13 de Junho, a Direcção-Geral de
Geologia e Energia está a preparar um caderno de encargos tendo em vista a
abertura de um concurso internacional, tendo em vista "eventual atribuição
da concessão de exploração"[viii].
De acordo com o mesmo jornal há "nove consórcios na corrida", sendo
referidas as multinacionais Anaconda e Mawson e a Beralt (que já explora as
minas da Panasqueira).
Afigura-se que os recursos de
urânio que ainda temos no concelho de Nisa estão agora à mercê da cobiça
capitalista, mas não podemos aceitar que o Governo aliene a exploração do nosso
urânio a favor de uma empresa privada, como se fosse uma substância qualquer, e
não uma substância estratégica. A Constituição da República (versão de 2005)
prevê no seu artigo 86º, ponto 3: "A lei pode definir sectores básicos nos
quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da
mesma natureza". A exploração do urânio é bem o exemplo de uma área que de
ser interditada. É um imperativo nacional manter as áreas onde estas reservas
se situam como cativas, aplicando-se o disposto na lei de bases de recursos
geológicos (veja-se o D.L. n.º 90/90, artigo 37º).
Em suma: com o actual governo
PS/Sócrates prossegue a política alienadora de bens públicos encetada em 1976.
É a estratégia de recuperação capitalista, onde factores de produção
fundamentais são entregues à lógica de lucro dos privados, quase sempre
conflituantes com o interesse geral do povo português, não poucas vezes criando
situações de dependência de jogos de circunstância de grupos económicos
transnacionais.
No que respeita à maioria dos
minérios metálicos, de há 2 a 3 anos para cá, assiste-se a uma escalada dos
preços (cotações) não apenas do ouro e da prata, mas também do cobre, do zinco,
do chumbo, e outros, fenómeno em grande parte decorrente do crescimento
económico da República Popular da China, que dinamizou o mercado. Isto veio
reanimar a exploração mineira, e até pequenas minas que se encontravam
encerradas por falta de rendibilidade retomaram actividade. Simultaneamente, em
Portugal assiste-se a uma autêntica corrida aos pedidos de licença de
prospecção e pesquisa", de minerais auríferos, argentíferos, estaníferos,
zincíferos, etc. etc. Porém, a história repete-se: mais uma vez o Estado (os
governos) mostram desinteresse por entrar directamente na actividade mineira,
quando era ocasião excelente para a EDM se reposicionar no sector, cumprindo os
objectivos para que foi criada há anos. Pode-se enumerar uma série de empresas
estrangeiras que estão nesta corrida, entre as quais algumas novas a operar em
Portugal:
§
Eurozinc- empresa canadiana que tem 100% do capital da Somincor.
Além de estar na exploração de Neves-Corvo e ter o compromisso de relançar
Aljustrel, prevê fazer mais prospecção e pesquisa no Alentejo, ao longo da
Faixa Piritosa Ibérica.
§
Iberian Resources- Empresa australiana que desenvolve trabalhos de
prospecção de ouro na zona de Montemor-o-Novo.
§
Kernow Mining- empresa canadiana com trabalhos de prospecção de ouro
em duas zonas em Trás-os-Montes: na Gralheira, próximo da antiga mina de ouro
de Jales, e em Limarinho, no concelho de Boticas.
§
Northern Lion Gold Corporation-
§
Redcorp Ventures Lda.- Empresa baseada em
Vancouver, Columbia Britânica. desenvolve trabalhos de prospecção de metais
básicos e preciosos na região da Lagoa Salgada (Alentejo) e na região de Vila
de Rei (Beira Baixa).
§
Rio Narcea Gold Mines Lda.- Companhia
mineira canadiana orientada principalmente para a exploração de níquel e de
ouro.
Diremos, portanto, que a
IE é um sector de actividade económica fundamental para o País, onde a
produtividade é considerável, a de volume produzido porque a produtividade de
valor é baixa, precisamente porque os produtos, salvo raras excepções, são
vendidos com pouquíssima transformação, com pouquíssimo valor acrescentado. Por
exemplo, continua a fazer todo o sentido retomar os estudos de viabilidade
económica de metalurgias modernas em Portugal, a integrar no Sector Empresarial
do Estado, como forma de valorizar os nossos minérios de cobre, zinco e
estanho.
Há muitos anos que não há uma
política para os recursos geológicos. Não tem havido uma estratégia de fomento,
de liderança do processo; pelo contrário impera uma atitude de atentismo, de
espera por eventuais interessados na prospecção e pesquisa, e porventura de
exploração. Ou seja, continua-se a andar a reboque de interesses alheios. Há
que ter uma política própria, nacional, agressiva, de investimento, através de
verbas do PIDDAC, na aquisição de conhecimentos e competências, investimento em
estudos geológicos e sondagens nas áreas que se afiguram favoráveis, até à
evidenciação de potencialidades interessantes, e cuja exploração seja depois
assumida por um sector empresarial do Estado forte, ou em alternativa, no mínimo,
abrindo concursos internacionais, postulando condições firmes que salvaguardem
o interesse nacional. Além do mais, a entrega de recursos estratégicos a
interesses privados que não têm os interesses nacionais como prevalecentes
sobre os seus interesses de lucro, representa a continuação da política
terceiromundista que sofremos nos séculos XIX e XX, exportando minérios como um
qualquer território colonizado, sem valor acrescentado significativo. Esse foi
o perfil característico da maioria dos países da África subsaariana e de vários
da América latina. A IE e a IT, bem como os serviços que estão associados aos
dois grandes sectores, definem "clusters" e "mix" de
"clusters", que se relacionam horizontal e verticalmente, a única forma
eficaz de intervir é abordar os clusters existentes de forma integrada, não
através de medidas avulsas e pontuais, sem considerar as interdependências,
como tem sido prática corrente dos governos desde 1976. Sem uma política
integrada os bons resultados, quando os há, são circunstanciais, nunca poderão
ser sustentáveis.
Prosseguindo os nossos objectivos
para uma democracia avançada no século XXI, consideram-se urgentes algumas
medidas de defesa do interesse nacional e dos trabalhadores, parte das quais já
apresentadas no Programa eleitoral do PCP para as legislativas de 2005:
1.
Elaboração de um plano para o aproveitamento, em
território nacional, dos nossos minérios de cobre, zinco e chumbo numa
perspectiva de fileira.
2.
Definição de uma estratégia de longo prazo para a
exploração dos recursos geológicos já identificados, devidamente contemplada e
articulada com planos de ordenamento de território, regionais e municipais
(PDM), nomeadamente para o urânio nacional.
3.
Definição de um plano de inventariação sistemática de
Recursos Hidrogeotérmicos no território continental, tendo em vista assentar
numa linha orientadora do seu aproveitamento racional, no âmbito de uma
política energética.
4.
Em parceria com o Ministério da Saúde, e no quadro de
um Serviço Nacional de Saúde, promover o desenvolvimento do Hospital Termal das
Caldas da Rainha e a criação de mais estâncias termais em regiões sem estas
infraestruturas, recorrendo ao aproveitamento de certas águas mineromedicinais
ainda ao abandono.
5.
Fomento da exploração integrada de pequenos jazigos através
da intervenção do Estado e/ou de apoio ao associativismo empresarial.
6.
Defesa da utilização prioritária dos produtos mineiros
portugueses na economia comunitária face a produtos de países terceiros.
7.
Intensificação dos trabalhos de cartografia geológica e
hidrogeológica de base.
8.
Relançamento do programa de reabilitação ambiental das
minas abandonadas, designadamente através de uma orçamentação adequada em sede
de O.E.
9.
Apoio à modernização tecnológica das empresas do sector
dos mármores e rochas ornamentais.
10. Reforço
do papel do Sector Empresarial do Estado (SEE) na fileira Indústria
Extractiva-Indústria Transformadora.
11. Reforço
dos meios de fiscalização da actividade das empresas do sector, através do
reforço dos quadros técnicos dos organismos regionais e centrais da AP,
designadamente quanto ao respeito pelos planos de lavra aprovados, e pelas
normas de higiene e segurança.
12. Ouvida
a comunidade geológica e mineira, criar um organismo público autónomo com
funções de "serviço geológico" nacional, e fornecedor/vendedor de serviços,
quer a clientes nacionais (institucionais, ou privados), quer estrangeiros,
nomeadamente aos PALOP.
Por coincidência um
"serviço" semelhante ao referido no ponto 13 (criação de organismo
autónomo com funções de serviço geológico nacional) veio pouco tempo depois a
ser também defendido pelo Grupo de Trabalho Internacional para a Reforma dos
Laboratórios de Estado (GTI), cujo Relatório foi apresentado ao Governo em
2006, e amplamente divulgado pelo MCES. A solução proposta foi totalmente
desprezada pelo Governo PS/Sócrates.
Carlos Calado (CAE)
[i] www.dgge.pt
[ii] Elementos Estatísticos da
Indústria Extractiva Nacional de 2004. Boletim de Minas, Vol. 40,
n.º 2, pp. 65-71, Lisboa, 2005.
[iii] Comércio Externo. Boletim
de Minas, Vol. 41, n.º 1, pp. 69-75.
[iv] Helena Alves: "Minas
de S. Domingos. Génese, Formação social e identidade Mineira". Col.
Estudos e Fontes para a História Local. Edição do Campo Arqueológico de
Mértola. Mértola, 1997.
[v] Carlos Calado: Indústrias
extractivas. in A via de Desenvolvimento para vencer a crise. Documentos e
intervenções, Vol. I, pp. 199-2005, Edições Avante, Lisboa, 1985
[vi] "Sector Mineiro
Estratégico em Portugal. Situação e Perspectivas". Edições Avante, Lisboa,
1987, 272 p.
[vii] Indústria Extractiva.
Situação Actual e perspectivas para o futuro. Edições Avante, 70 p. Lisboa,
1977.
[viii] Jornal Público, de 13
de Junho de 2007.
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