A análise da Carta Social, no que
se refere à sua rede de serviços e equipamentos sociais, merecem alguns
apontamentos de reflexão: nomeadamente em que medida dá corpo a direitos
constitucionais consagrados no que se refere ao papel do Estado na garantia uma
rede nacional de equipamentos sociais e à intervenção, que deveria ser
complementar, das instituições de solidariedade social e das entidades
lucrativas.
Importa destacar que a actual
rede «solidária» é caracterizada pelo desaparecimento dos equipamentos da -rede
pública que tem vindo a ser transferida para a gestão das instituições privadas
com e sem fins lucrativos e pela consideração de resposta pública, aquela que
conta com o financiamento do Estado.
Entidades proprietárias e
equipamentos sociais
No que se refere a entidades
proprietárias, em 2000, existiam 3.913 entidades proprietárias de
equipamentos sociais, sendo apenas 85, entidades públicas e as outras 3.828, entidades privadas com e sem fins lucrativos.
Em 2005, foram
identificadas 5.323 entidades proprietárias de equipamentos e aqui já
não há destrinça entre entidade pública e entidade privada, é tudo rede
solidária. 75%, das entidade proprietárias, são entidades não lucrativas e,
é nesta fatia do bolo que está inserido o Estado, e 26,5% de entidades
são lucrativas.
Dentro dos 75%, das entidade não
lucrativas, 1,9% corresponde a Entidade Pública, as IPSS's
e equiparadas detêm o resto.
Em 2000, existiam 5.964
equipamentos sociais, sendo apenas 275 verdadeiramente da rede pública.
A outra parte da fatia, 5.686 equipamentos, eram rede privada com e sem fins
lucrativos.
Em 2005, a Carta Social
não indica o número total de equipamentos, refere apenas que o número de
equipamento sociais, em funcionamento, aumentou entre 1998 e 2005, tendo crescido
em mais 1.537 equipamentos sociais, sendo 88% da rede solidária e
é nesta percentagem que estão os equipamentos da rede pública e privada sem
fins lucrativos.
A distribuição espacial dos
equipamentos sociais predomina na zona litoral, com especial incidência nas
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, entre 20 a 50 equipamentos sociais por
concelho. No Porto, na Guarda, em Coimbra e em Setúbal, é assumido que nestas
zonas não há equilíbrio entre população e equipamentos.
Na maioria dos concelhos, do
continente, existem entre 5 a 19 equipamentos sociais, localizados no interior
do país, norte e sul, incluindo a costa algarvia.
Nesta avaliação da distribuição
espacial dos equipamentos sociais não se analisa se os equipamentos existentes
são adequados às necessidades populacionais dos concelhos, nem tão pouco qual a
sua real ocupação e listas de espera.
A maioria dos equipamentos
sociais são detidos por entidades privadas sem fins lucrativos, no entanto
existem distritos que indicam as entidades com fins lucrativos como as de maior
implantação, como é o caso de Leiria que apresenta a maior percentagem de
equipamentos lucrativos em funcionamento, com cerca de 25%, seguido pelo Porto
com 21%, Lisboa com 19% e Faro com 18%.
A Carta Social, aponta que em média,
por cada 7 equipamentos da rede solidária corresponde a um da rede lucrativa,
proporção que tem vindo a aumentar.
Respostas Sociais por área
de intervenção
No que se refere às respostas
sociais - e por respostas sociais refere-se a serviços desenvolvidos
junto das população como por exemplo amas, serviço de apoio domiciliário,
creches e infantários, reabilitação e integração de pessoas com deficiência,
etc, - a maior concentração de valências ocorre no litoral e centro,
estendendo-se até à península de Setúbal.
As respostas para as áreas da
infância e juventude e da reabilitação e integração de pessoas com deficiência
apresentam convergência na área envolvente dos núcleos urbanos, com especial
relevância para as capitais de distrito. As respostas sociais para as área dos
idosos estão espalhadas pelo território.
Mais de metade das respostas
sociais são dirigidas à População idosa com cerca de 50% e 37% para
à Infância e Juventude. Seguido pela Reabilitação e Integração de
pessoas com deficiência, com 5%, Família e comunidade, com 3% e Pessoas
em situação de dependência com 1%.
Em 2005 contabilizaram-se
cerca de 11.900 respostas sociais em funcionamento, tendo crescido
relativamente a 1998, em mais 2.900 valências e a área com maior crescimento é
dirigida à População Idosa.
A Carta Social assume que a
oferta acompanha a procura, ou seja o numero de esquipamentos e respostas
acompanham a densidade populacional, mas há dados que não são indicados, como
por exemplo os números referentes às listas de espera para os equipamentos.
Se olharmos para o distrito de
Aveiro, para a área da infância, segundo a Carta Social, a oferta é superior à
população até aos 3 anos, mas na área dos idosos acontece o inverso.
Com este exercício, pretende-se
demonstrar que a Carta Social, que indica com grande satisfação, que o número
de equipamentos e valências acompanham as necessidade populacionais, tal não é
inteiramente verdadeiro.
Tendo em conta o tempo
disponível, será dada especial atenção às valências da infância e juventude,
População Idosa e Família e comunidade.
Infância e Juventude:
Desde 1998, o nº desta valência
aumentou 29%, nas creches o aumento foi 30%, nos ATL de 28% e nos lares de
crianças e jovens foi de 13%.
No entanto, existem 6
concelhos que não têm respostas sociais para esta valência, e localizam-se
no distrito de Beja e Faro.
Quanto à taxa de utilização,
referem que para a área das crianças, a taxa de utilização é de 90% e a maior
incidência continua a registar-se na valência de creche.
O funcionamento das creches é o
seguinte: 43% abre entre as 07horas e as 07h30; 38% abre as 07h31 e as 08
horas. No que toca ao encerramento, 65% encerra entre as 18 horas e as 19 horas
e 20% entre as 19 horas e as 20 horas.
Porto, Lisboa, Setúbal, Santarém
e Viseu são os distritos mais problemáticos no que toca à relação entre a
oferta de creches e amas para crianças até os 3 anos.
Os números referente às Amas e às
crianças acolhidas tem vido a aumentar, entre 1998-2005. Em 2005, existiam
cerca de 5.800 crianças acolhidas em Amas.
Os distritos de Bragança,
Santarém, Setúbal e Porto são os distritos com maior percentagem de crianças
acolhidas em Ama, com cerca de 26%, 25%, 21% e 12% respectivamente.
População Idosa:
Para a população idosa, a
valência com maior aposta e crescimento foi o Serviço de Apoio Domiciliário
(68%), tendo a capacidade aumentado para 35.500, em termos de capacidade e
32.600 utentes.
Os distritos de Braga, Porto,
Aveiro, Setúbal, Lisboa e Faro são os distritos com menor cobertura de respostas
sociais para idosos e a justificação para essa cobertura é que são os distritos
menos envelhecidos, no entanto os mapas indicam que nestes distritos a
necessidade ultrapassa a capacidade oferecida.
O PNAI 2006-2008 prevê a criação
de 19 mil vagas em lares para idosos e serviços de apoio domiciliário até 2009,
ao abrigo do PARES, requalificação habitacional em 570 intervenções em
habitações com idosos com apoio domiciliário e a criação de uma rede
nacional de voluntariado que garanta a intervenção organizada local em pelo
menos metade dos concelhos até 2008.
Esta última medida, revela a
postura do Governo perante a necessidade de prestar apoio aos idosos, ficando
bem clara a visão caritativa, do que o governo entende ser a intervenção do
Estado, em matéria de acção social.
Família e comunidade
(É uma resposta social que visa
apoiar as pessoas e famílias em dificuldades, na prevenção ou resolução de
situações de exclusão social).
De acordo com a Carta Social, as
respostas sociais para esta área mantém-se quase idênticas às de anos
anteriores, ou seja 54% dos concelhos não apresentam qualquer tipo de
resposta social, dirigida à família e à comunidade.
Cerca de metade dos concelhos que
têm resposta - 43% - apresentam apenas uma valência em funcionamento.
Existe um decréscimo de cerca de
9% no conjunto das respostas, em referência a 2004 principalmente do
Atendimento e Acompanhamento Social, Centro Comunitário, Intervenção
Comunitária e do Refeitório ou Cantina Social.
«Despesas de investimento e
de funcionamento em serviços e equipamentos sociais :o esforço público» (título
da Carta Social)
Ainda de acordo com a Carta
Social, o investimento em serviços e equipamentos sociais, no período de
1998-2005, atingiu cerca de 313 milhões de euros e, em 2005, o investimento no
Programa de Serviços e Equipamentos Sociais representou 29% do orçamento do
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, para investimento.
A Carta Social é um instrumento
de planeamento importante, no entanto considera-se que a sua informação é
insuficiente para uma verdadeira avaliação da rede social, ou seja: deveria ser
aprofundada e separada a intervenção por via de entidades privadas com e sem
fins lucrativos das entidades públicas para cada uma das respostas e
equipamentos, bem como indicar claramente a situação das listas de espera para
os vários equipamentos e serviços nas várias zonas do País.
A actual rede, sendo ela
predominantemente privada sem fins lucrativos não corresponde, a um plano
delineado pelo Estado, tendo em conta as suas responsabilidade e onde este
definiria as zonas e as valências prioritárias necessárias para cada zona do
território, adequando-o às necessidades concretas de cada zona.
Quando, na Carta Social, se fala
em «esforço público», deveria falar-se em privatização, porque é disso que se
trata. O Estado tem vindo a desresponsabilizar-se das suas competências,
limitando-se a apoiar financeiramente as entidades sem fins lucrativos que
desejam intervir nesta área.
O alargamento da rede, que há
muito deixou de ser pública, é apenas por via de investimento privado/público
neste importante sector.
Não podemos esquecer, que às
entidades privadas sem fins lucrativos lhes deveria caber um papel complementar
à rede pública, não só por critérios de equidade, em que face à necessidade de
receitas são cada vez mais selectivos, tendo em conta os utentes com
rendimentos mais altos e também porque são, na esmagadora maioria dos casos,
geridas por corpos sociais voluntários, com pouca ou nenhuma experiência na
gestão destes serviços e equipamentos.
Com o programa PARES, é anunciado
o alargamento do número de valências e para atingir esse objectivo é entregue
às entidades privadas sem fins lucrativos, a construção e gestão dos
equipamentos, através de investimento público e privado. O PARES pode financiar
até 75% do valor, os restantes 25% têm de ser suportados pela entidade
promotora
Entidades privadas sem fins lucrativos ou
equiparadas, que desejam adquirir, criar ou ampliar equipamentos, podem
candidatar-se a este programa, se para tal demonstrarem o seguinte: a
cobertura, a capacidade (aumentando a preferência para as propostas de maior
capacidade), prioridade e inserção. No entanto estes critérios serão
ultrapassados pelas propostas que apresentarem maior capacidade de
financiamento próprio.
Não é determinante se a resposta social é
adequada às necessidades locais. A selecção passa pelo rácio benefício-custo,
com forte «discriminação positiva» dos projectos com maior capacidade de
financiamento próprio.
Com o programa PARES, mas
principalmente com a privatização de equipamentos e serviços sociais, não há
garantias de que taxa de cobertura e sua distribuição por valências e concelhos
seja eficaz e acima de tudo não há garantia de que as pessoas e famílias mais
necessitadas terão acesso a estes equipamentos.
A generalidade da população
portuguesa tem visto a aumentar o fosso entre a necessidade de aceder a um
equipamento social e a resposta efectiva, quer seja creche, infantário, lar de
idosos ou centros de dia. A escassez de equipamentos e a crescente
selectividade na admissão são factores que contribuem para a privação de
acesso.
A rede de equipamentos e serviços
sociais deveria ser, também, uma responsabilidade do Estado e não da sociedade.
A aposta do governo deveria ser
numa rede pública de equipamentos e serviços de apoio à criança, aos idosos,
aos cidadãos portadores de deficiência, sem prejuízo da complementaridade das
instituições privadas de solidariedade social e do sector privado
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