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Segurança Social, evolução histórica - Intervenção de Jorge Machado
Terça, 23 Outubro 2007

Segurança Social, evolução histórica 

A Segurança Social desempenha um papel importante, quer para assegurar o legítimo direito a uma reforma digna, quer para mitigar as consequências do capitalismo.

Os problemas da pobreza, como foi já referido, radicam nas contradições e na injustiça latente do sistema capitalista. O capitalismo e a sua crescente concentração de riqueza remetem milhares de portugueses para a pobreza.

Mesmo sabendo que a Segurança Social mitiga o problema e não o resolve, o PCP valoriza a Segurança Social enquanto importante instrumento de combate às injustiças sociais.

O Governo PS levou a cabo uma contra reforma da Segurança Social que atacou o cariz universal e solidário desta e introduziu a visão neo liberal, preconizada pelo Banco Mundial e FMI, o que acarreta menos protecção na velhice e a aposta nos regimes complementares que irão agravar as injustiças sociais no que respeita à idade e ao montante da reforma.

Tendo em conta que uma boa parte da pobreza se concentra na nossa população mais idosa, podemos afirmar que esta contra reforma irá agravar este problema.

Para percebermos a evolução, o caminho e as propostas apresentadas pelo nosso Partido importa analisar o percurso histórico da Segurança Social, ainda que de uma forma não muito detalhada, para assim contextualizar e objectivamente comparar as diferentes opções preconizadas por sucessivos Governos.

Embora seja difícil precisar quando é que surgiram os primeiros "mecanismos" de protecção social, a verdade é que foi no forte quadro do associativismo operário do século XIX e nos centros industriais e urbanos que surgiram as associações de socorros mútuos.

Estas associações dedicavam-se à assistência na saúde, à atribuição de prestações em casos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, bem como à atribuição do subsídio de Funeral.

Contudo, rapidamente se percebeu que estes mecanismos de protecção social eram claramente insuficientes, pelo que se deram passos, ainda que muito incipientes, na protecção na velhice.

Assim, surgem, em 1919, os sistemas de seguros sociais obrigatórios que se destinavam aos trabalhadores por conta de outrem com baixos rendimentos. Nessa altura foi estabelecido um patamar, uma espécie de plafonamento, a partir do qual não havia protecção. (nota é o chamo plafonamento horizontal)

É relevante o facto de, em 1935, com a publicação do Estatuto do Trabalho Nacional, e ainda com níveis de protecção muito baixos e assente num cariz meramente assistencialista, o financiamento já se apoiar nas contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais. Outro aspecto interessante era o facto de estar a funcionar nessa altura o sistema puro de capitalização. 

Em 1962, com a publicação da Lei 2115 de 15 de Junho, mantém-se o financiamento do sistema com base nas contribuições dos trabalhadores e patrões, evoluindo-se, contudo, de um sistema de capitalização puro para um sistema de capitalização mitigada.

Assim, a ideia, ou melhor, a existência de um sistema de capitalização, pura ou mitigada, além de ser antiga, existiu durante todo o período negro do fascismo em Portugal, estando associado a baixíssimos níveis de protecção social e a gravíssimas injustiças sociais.

Antes de entrar no período histórico, verdadeiramente marcante na evolução da protecção social - o pós 25 de Abril de 1974 -, importa referir que a 1 de Janeiro de 1974 é eliminado o limite superior das retribuições sujeitas a contribuição para a Caixa Nacional de Pensões. Ou seja, é nesta altura eliminado o plafonamento horizontal, ideia que, curiosamente, é recuperada posteriormente, mantendo-se essa possibilidade na actual Lei do PS, nomeadamente no seu artigo 58º.

Entramos assim no período na nossa história em que a protecção social deu passos muito significativos. Na verdade, o 25 de Abril de 1974 é um marco histórico no que à protecção social diz respeito.

De modelos e mecanismos parcelares de protecção social passamos a ter um modelo unificado de Segurança Social assente na ideia, verdadeiramente revolucionária, da universalidade e da justiça social.

Vejam-se, alguns extractos do Decreto-Lei n.º 203/74, de 15 de Maio.


"A vitória alcançada pelo Movimento das Forças Armadas Portuguesas, destituindo o regime que não soube identificar-se com a vontade do Povo, à qual impediu todas as vias democráticas de expressão, permite definir os princípios básicos que esperamos contribuam de modo decisivo para a resolução da grande crise nacional.
Em execução desses princípios, compete ao Governo Provisório:
Lançar os fundamentos de uma nova política económica, posta ao serviço do povo português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas;
Adoptar uma nova política social que, em todos os domínios, tenha como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida de todos os portugueses;

5. Política social:
a) Criação de um salário mínimo, generalizando-o progressivamente aos vários sectores do mundo do trabalho;
...
 d) Adopção de novas providências de protecção na invalidez, na incapacidade e na velhice, em especial aos órfãos, diminuídos e mutilados de guerra;
e) Definição de uma política de protecção da maternidade e da primeira infância;
f) Aperfeiçoamento dos esquemas de seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais;
...

h) Substituição progressiva dos sistemas de previdência e assistência por um sistema integrado de Segurança Social ;
i) Criação de novos esquemas de abono de família;"

 

Na verdade é com a Revolução de Abril que se conquistam importantes protecções sociais: a protecção no desemprego, a pensão social, melhorias significativas nos regimes dos trabalhadores agrícolas, e entre outras, importantes e significativas melhorias nas prestações familiares.

É nesta altura que se quebra a perspectiva assistencialista da protecção social, passando as diferentes prestações sociais a serem encaradas como verdadeiros direitos.

Em 1977 cria-se uma nova estrutura orgânica da Segurança Social.

Após esta fase histórica, e até à aprovação da primeira Lei de bases em 1984, salienta-se a criação do Seguro Social Voluntário, alterações ao subsídio de desemprego, alterações ao regime de pensões de invalidez e velhice, entre outras alterações nas prestações familiares. 

A primeira Lei de Bases da Segurança Social surge 1984 com a Lei 28/84 de 14 de Agosto. A Lei de Bases define a macro estrutura da Segurança Social. Nela se definem as prestações sociais, quem tem direito a elas, os princípios, a administração do sistema, o campo material, o financiamento, os regimes de protecção social, as garantias e contencioso, a organização e participação e as iniciativas particulares.

Quanto aos princípios, e dentro dos mais relevantes, destaca-se o princípio da universalidade, que consiste no alargamento progressivo do âmbito de aplicação pessoal do sistema, o princípio da igualdade, que consiste na eliminação de quaisquer discriminações, e o princípio da solidariedade, que consiste na responsabilidade colectiva pela realização dos fins do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento. 

Quanto à composição do sistema de Segurança Social, este diploma define, como fazendo parte do sistema, o regime geral e o regime não contributivo, que se concretizam em prestações garantidas como direitos. É depois definida a acção social e, por fim, os esquemas de prestações complementares.

Quanto ao financiamento é determinado que o regime geral da Segurança Social é financiado pelas contribuições dos trabalhadores e, quando se tratem de trabalhadores por conta de outrem, das respectivas entidades empregadoras. O regime não contributivo, bem como a acção social, eram financiados por transferências do orçamento de Estado.

Nesta Lei de Bases é admitida a criação de esquemas de protecção complementares, que estão autonomizados, e portanto fora do sistema, cabendo o seu financiamento única e exclusivamente aos interessados. 

Entre 1984 e 2000, ano em que se modificou a Lei de bases da Segurança Social, assistimos a alterações na generalidade das prestações sociais.

Em 2000, com a Lei 17/2000 de 8 de Agosto, alteram-se as "Bases gerais do sistema de solidariedade e de Segurança Social ".

Quanto aos princípios mais relevantes, mantém-se o princípio da universalidade, que consiste no acesso de todos os cidadãos à protecção social, o princípio da igualdade que consiste na não discriminação dos beneficiários, e o princípio da solidariedade, que consiste na responsabilização colectiva dos cidadãos entre si, no plano nacional, laboral e intergeracional na realização das finalidades do sistema, envolvendo o concurso do Estado no seu financiamento.

São ainda introduzidos os princípios da equidade social, que consiste no tratamento

igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais, o princípio da diferenciação positiva que consiste na flexibilização das prestações, em função das necessidades e das especificidades sociais, o princípio da inserção social que visa acções positivas que eliminem as causas de marginalização e exclusão social, o princípio da conservação dos direitos adquiridos e o princípio  do primado da responsabilidade pública que determina que é dever do Estado criar as condições necessárias à efectivação do direito a Segurança Social .

Quanto à macro estrutura, a Lei 17/2000 determina que o sistema de solidariedade e de Segurança Social é composto pelo subsistema de protecção social de cidadania, o subsistema de protecção familiar e o subsistema previdencial. Ficavam, assim, de fora do sistema os regimes complementares.

Para facilitar a compreensão veja-se o seguinte esquema:


Lei 17/2000

 

mapa0

 

(visa compensar a perda ou redução de rendimentos da actividade profissional)

 

 

À margem do sistema de Solidariedade e de Segurança Social estavam os regimes complementares, que podiam ser de iniciativa particular ou regimes profissionais complementares.

É de notar que foi neste diploma que se estabeleceu o princípio de que o cálculo das pensões devia, de um modo gradual e progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva.

Importa lembrar que, nesta altura, em sede de concertação social, foi decidido que só a partir de 2017 é que seriam calculadas as pensões, tendo em conta toda a carreira contributiva. Esta meta justificava-se, na altura como hoje, para atenuar os baixos salários que a generalidade dos trabalhadores auferiam no início das suas carreiras contributivas bem como os efeitos das curtas carreiras contributivas, dada a juventude do sistema público de Segurança Social em Portugal. 

Outro aspecto a relevante é a consagração neste diploma estava o princípio da diversificação das fontes de financiamento, nomeadamente "a ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra."

É ainda determinado que compete ao orçamento de Estado o financiamento das prestações familiares que não dependam da existência de carreiras contributivas, da protecção social de cidadania e da acção social.

Passados dois anos, e com um Governo de maioria PSD/CDS-PP, surge uma nova revisão das Bases da Segurança Social. A Lei 32/2002 de 20 de Dezembro introduz significativas modificações na macro estrutura da Segurança Social.

De entre as alterações mais significativas destacam-se, quanto aos princípios: o princípio da subsidiariedade social que assenta no reconhecimento do papel das pessoas, das famílias e dos corpos intermédios na prossecução dos objectivos da Segurança Social, e o princípio da coesão geracional traduzido no equilíbrio e equidade geracionais na assunção das responsabilidades do sistema;

Contudo é na estrutura da Segurança Social que se introduzem as alterações mais significativas, nomeadamente quanto aos regimes complementares e aos plafonamentos aqui, novamente, introduzidos.

Para melhor compreensão veja-se o seguinte gráfico:

 

 

Lei 32/2002

 

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Assim, facilmente se percebe que a modificação na estrutura visa atribuir a mesma dignidade, incluindo no sistema os regimes complementares o que é necessariamente articulado com a introdução do plafonamento nos seguintes termos:

 

"Artigo 46.º

1 - O montante das quotizações dos trabalhadores por conta de outrem e das contribuições das entidades empregadoras é determinado pela incidência da taxa contributiva do regime dos trabalhadores por conta de outrem sobre as remunerações até ao limite superior contributivo, igualmente fixado na lei.

(...)

4 - Entre o limite superior contributivo, a que se refere o n.º1 do presente artigo  e um valor indexado a um factor múltiplo do valor do salário mínimo nacional garantido à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, a lei pode prever,  salvaguardando os direitos adquiridos e em formação bem como o princípio da solidariedade, a livre opção dos beneficiários entre o sistema público de Segurança Social e o sistema complementar;

(...)

7 - A determinação legal dos limites contributivos a que se refere o n.º 2 e 4 deverá ter por base uma proposta do Governo, submetida à apreciação prévia da Comissão Executiva do Conselho Nacional de Segurança Social previsto no artigo 116º, que garanta a sustentabilidade financeira do sistema público de Segurança Social e o princípio da solidariedade."

O Governo PSD/CDS-PP recuperou o plafonamento horizontal estabelecendo um limite a partir do qual o trabalhador não está obrigado a descontar para a Segurança Social , que havia sido eliminado do sistema de Segurança Social em 1 de Janeiro de 1974. Com a sua reintrodução, abrem-se, assim, as portas à privatização de importantes receitas da Segurança Social.


A nova Lei de bases da Segurança Social do Governo PS seu conteúdo fundamental e seus objectivos

O PS aprovou as Bases Gerais em que assenta o sistema de Segurança Social, propondo, para o efeito, a revogação da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou as bases gerais do sistema de solidariedade e Segurança Social. 

O Governo afirma no preâmbulo da Lei que pretende "o lançamento de uma terceira geração de políticas sociais assente, por um lado, na garantia da sustentabilidade económica, social e financeira do sistema de Segurança Social e, por outro, na prioridade dada ao combate à pobreza."

Por outro lado afirma o Governo que "Iniciado em meados dos anos noventa - com a concretização, ao abrigo da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, de novos princípios em matéria de financiamento e de uma nova fórmula de cálculo das pensões de reforma -, o processo de reforma da Segurança Social foi, inadvertidamente, interrompido a partir de Abril de 2002. Importa agora retomá-lo no ponto acertado, impondo-se, para tanto, uma atitude política de realismo, de bom senso e de responsabilidade" .

 

Afirma ainda o Governo que "A proposta que ora se apresenta traduz, na verdade, um corte perante as soluções contidas na ainda vigente Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, quer no plano da concepção genérica do Sistema (sua estrutura e dimensão relativa de cada um dos seus subsistemas e regimes), quer no plano dos princípios informadores, e contrapõe-lhe uma visão que se considera mais progressista no modo de conceber a Segurança Social atendendo aos constrangimentos que hoje a condicionam.

Esta proposta pretende romper com a opção, contida na Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, que punha em causa o princípio do primado da gestão pública do sistema, com consequências certamente gravosas do ponto de vista social e até económico" 

Na verdade, da análise da Lei estas afirmações não encontram correspondência no articulado da mesma, bem pelo contrário como quedará demonstrado adiante.

Senão vejamos, 

Afirma o Governo no preâmbulo que "A proposta agora apresentada pelo Governo consagra importantes mudanças, desde logo, quanto à arquitectura do sistema. Este aparece estruturado segundo três patamares que se pretendem articulados e funcionando de forma integrada, garantindo a todos os cidadãos o acesso à protecção social. Assim, em primeiro lugar, o sistema de protecção social de cidadania que se encontra, por sua vez, dividido nos subsistemas de acção social, de solidariedade e de protecção familiar. Em segundo lugar, o sistema previdencial e, em terceiro, o sistema complementar, constituído, por seu lado, pelo regime público de capitalização e pelos regimes complementares de iniciativa colectiva e individual".

Ora, neste parágrafo o Governo reconhece de forma taxativa a adopção da teoria dos três patamares. Esta teoria, que não é nova, assenta na ideia da construção de um sistema de Segurança Social enfraquecido para a prestação ou garantia dos direitos mínimos aos que se encontram abaixo do limiar da pobreza, voltando assim a uma perspectiva assistencialista de protecção social, abandonado com o 25 de Abril de 1974. Este nível de protecção constitui o primeiro patamar. O segundo patamar, que é o sistema previdencial, é aqui secundarizado. Por fim, o terceiro patamar, constituído pelos regimes complementares, onde os cidadãos se tornam autores autónomos da sua própria segurança, o que inevitavelmente irá conduzir a níveis de protecção melhores para os mais favorecidos, para os mais ricos, deixando um sistema de Segurança Social enfraquecido, de fracas prestações e que apenas garante os mínimos para as classes sociais mais desfavorecidas. Tal constitui um claro retrocesso social e histórico.

Quanto aos princípios que regem as bases gerais em que assenta o sistema de Segurança Social, importa referir que todos os princípios se mantêm em termos muito idênticos à Lei 32/2002, não havendo aqui nenhuma novidade ou ruptura.

Analisemos a macro estrutura do sistema.

Para facilitar a compreensão e um possível comparação com a Lei 17/2000 e a Lei 32/2002 veja-se o seguinte gráfico:

 

 

Lei 4/2007

 

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Ora, da análise da macro estrutura, e se comparada com a estrutura da Lei 32/2002, (Governo PSD/CDS)  facilmente se percebe que não existem diferenças de fundo, ao contrário do que o Governo pretende fazer querer no preâmbulo da Lei.

Na verdade mantém-se a macro estrutura da Lei do Governo PSD/CDS-PP. Aliás, o Governo, através desta Lei, torna mais clara a existência de três patamares, mantendo ao mesmo nível e dentro do sistema os regimes complementares. 

Assim quando o Governo, afirma que estabelece um corte com a Lei 32/2002, isso não corresponde à verdade. Nem tão pouco houve uma aproximação à lei 17/2000. A prová-lo está uma estrutura que concretiza a política dos três patamares e consequentemente mantém os regimes complementares dentro do sistema, com a necessária existência de plafonamentos para a concretização desta estratégia.

Vejamos o artigo 58.º da actual Lei.

 

"Artigo 58.º

Limites contributivos

1 -   A lei pode ainda prever, protegendo os direitos adquiridos e em formação e garantindo a sustentabilidade financeira da componente pública do sistema de repartição e das contas públicas nacionais e o respeito pelo princípio da solidariedade, a aplicação de limites superiores aos valores considerados como base de incidência contributiva ou a redução das taxas contributivas dos regimes gerais, tendo em vista nomeadamente o reforço das poupanças dos trabalhadores geridas em regime financeiro de capitalização.

2 -   A determinação legal dos limites referidos no número anterior é baseada em proposta fundamentada em relatório que demonstre, de forma inequívoca, o cumprimento dos requisitos mencionados no número anterior e será obrigatoriamente precedida de parecer favorável da comissão executiva do Conselho Nacional de Segurança Social."

Este artigo cria um plafonamento horizontal, com a possibilidade de aplicação de limites superiores ao valor considerado para as contribuições. É por exemplo o que propõe o CDS-PP com a criação de um tecto a partir do qual não seria obrigatório descontar para a Segurança Social. Mas esta Lei vai mais longe e introduz um plafonamento "vertical", uma vez que admite a redução da taxa contributiva para ser gerida em sistema de capitalização. É o que propõe o PSD com a redução da taxa social única dos trabalhadores de 11% para 5% sendo os restantes 6% entregues ao sistema de capitalização.

Assim a Lei do Governo PS não se distancia das propostas dos partidos da direita, bem pelo contrário: adopta, aceita e incorpora as duas propostas, não fechando assim nenhuma das portas que visam a privatização do sistema de Segurança Social. 

É curioso, mas também significativo, que a expressão sistema público de Segurança Social, existente na Lei 32/2000 e abandonada na Lei 17/2002, não seja recuperada pela actual de Lei.

Outro aspecto, aqui sim inovador da Lei, é o n.º 4 do artigo 63.º que determina que o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, tendo por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva.

Importa recordar que foi com um Governo do Partido Socialista, então liderado pelo Primeiro Ministro António Guterres, que se acordou que esta nova fórmula de cálculo das pensões só entraria em vigor em 2017, para assim evitar os efeitos nefastos nas já reduzidas pensões dos Portugueses.

A data de 2017 tinha, como tem, total sentido pelo que não corresponde à verdade quando no preâmbulo o Governo diz " ao abrigo da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, de novos princípios em matéria de financiamento e de uma nova fórmula de cálculo das pensões de reforma - o processo de reforma da Segurança Social foi, inadvertidamente, interrompido a partir de Abril de 2002. Importa agora retomá-lo no ponto acertado, impondo-se, para tanto, uma atitude política de realismo, de bom senso e de responsabilidade".
 

Ora, a antecipação da fórmula de cálculo não é realista e não corresponde a uma atitude de bom senso porque a consequência imediata para os trabalhadores vai ser uma redução significativa nas pensões. Dados do próprio Governo, mostram claramente isso. De acordo com um relatório que o governo anexou ao Orçamento do Estado para 2006, a aplicação dessa nova fórmula determinaria reduções que atingiria 8% em 2020 e, em 2030, cerca de 12%.

Outra medida prevista na presente Lei é a introdução do "factor de sustentabilidade" no artigo 64.º.

 

"Artigo 64.º

Factor de sustentabilidade

 

1 -    Ao montante da pensão estatutária, calculada nos termos legais, é aplicável um factor de sustentabilidade relacionado com a evolução da esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às modificações resultantes de alterações demográficas e económicas.

2 -    O factor de sustentabilidade é definido pela relação entre a esperança média de vida verificada num determinado ano de referência e a esperança média de vida que se verificar no ano anterior ao do requerimento da pensão."

O Governo justifica esta medida devido à evolução da esperança média de vida, isto é, o Governo quer reflectir, no montante da pensão, a evolução positiva da esperança média de vida, o que é o mesmo que dizer que a pensão se reduz na proporção em que aumenta a esperança de vida.

O chamado "factor de sustentabilidade" consiste em, uma vez calculada a reforma a receber por parte do trabalhador, aplicar a esse valor uma redução que varia de acordo com a evolução da esperança média de vida.

Este factor, chamado pelo Governo como de sustentabilidade, e a antecipação da fórmula de cálculo, leva a uma redução da taxa de substituição muito significativa, como demonstra o gráfico que se segue elaborado pelo próprio Governo.

 

mapa3

 

Assim, as propostas do Governo determinam que a taxa de substituição passe dos actuais 84% para apenas 55% em 2050. 

Para percebermos o impacto destas medidas nos níveis de protecção dos Portugueses, temos que referir que em 2005, de acordo com dados do próprio Ministério do Trabalhão e da Segurança Social, a pensão média total dos Portugueses era de apenas 349,97 euros, e que cerca de 85% dos reformados tinham pensões inferiores ao Salário Mínimo Nacional.

Pelo que resulta claramente destes factos que a reforma iniciada pelo Governo não irá contribuir em nada para a dignificação das pensões, bem pelo contrário.

Aliás, este sistema é muito semelhante ao existente na Suécia pelo que interessa recordar as palavras do Sr. Karl Gustaf Scherman, Presidente Honorário da Associação Internacional da Segurança Social, que numa intervenção aquando da realização do colóquio internacional sobre a reforma da Segurança Social afirmou que as alterações introduzidas na Suécia levaram a cortes insustentáveis nas pensões na Suécia, país que tem níveis de protecção elevadíssimos se comparados com Portugal. Mais disse ser importante começar a olhar para o lado das receitas, para a criação de mais emprego e para o aumento da natalidade.

Aquando da apresentação destas medidas, o Governo apresentou duas alternativas para compensar esta redução das pensões: ou os trabalhadores descontariam mais, o que a grande maioria dos trabalhadores não consegue suportar, ou trabalhariam para além dos 65 anos, para assim atenuar os efeitos nefastos destas medidas. Assim na prática, para a generalidade dos trabalhadores, nomeadamente os que têm salários mais baixos, poderem auferir uma pensão digna, terão que necessariamente trabalhar para além dos 65 anos.

O PS aprovou a convergência dos regimes da função pública com os regimes do sistema de Segurança Social e prevê que a Lei irá estabelecer o regime jurídico da protecção obrigatória em caso de acidente de trabalho, abandonando a perspectiva que existia de integração da protecção dos acidentes de trabalho no regime geral da Segurança Social, integração que estava prevista na lei de bases 28/84, na lei 17/2000, e que foi abandonada na Lei 32/2002 do Governo PSD/CDS-PP.

Por fim importa salientar que a Lei, profícua em medidas sobre as despesas (leia-se medidas que implicam reduções nas pensões), pouco ou nada evolui ou adianta no lado das receitas.

É esta a evolução. A aposta no sistema de três pilares onde o Estado assegura pensões de miséria e em que é o próprio trabalhador a construir a sua protecção na velhice. Tendo em conta as injustiças sociais, os salários e a escandalosa distribuição da riqueza, facilmente se percebe que este caminho só pode conduzir a mais pobreza.

O PCP afirmou a sua alternativa. A aposta num sistema público, universal e solidário de Segurança Social é possível e sustentável. O Partido apresentou propostas e medidas que podiam garantir a sustentabilidade da Segurança Social sem atacar os direitos e expectativas dos trabalhadores.

As nossas propostas: combate à fraude e evasão, novo código contributivo, novo sistema de contribuições baseado no VAB. Estas, entre muitas outras medidas, permitiriam percorrer outro caminho que não este.