Índice
Introdução
I. A Revolução do 25 de Abril
II. Trinta anos de políticas de direita de governos
PS, PSD e CDS-PP
1. Trinta anos
de recuperação capitalista e latifundista
2. A adesão
à CEE, em 1986, e o desenvolvimento da integração comunitária
como elemento central do processo de restauração do capitalismo
monopolista
3. As revisões
desfiguradoras da Constituição da República Portuguesa
4. As forças
sociais e políticas da recuperação capitalista e a resistência
dos trabalhadores e do povo
III. A situação económica e social do País
1. Condicionamentos do
enquadramento internacional e comunitário
1.1. Fase actual do desenvolvimento económico do capitalismo
1.2. Traços da ofensiva
imperialista
1.3. .As relações
económicas externas e a União Europeia
2. Estruturas
e sectores económicos
2.1. Balanço
geral - défices, estrangulamentos e desequilíbrios
2.2. A estrutura
empresarial
2.3. Os mercados
2.4. Políticas
de investimento e fundos comunitários
2.5. A presença
do capital estrangeiro
2.6. Produtividade
e competitividade da economia portuguesa
2.7. Ciência
e Tecnologia
2.8. As economias
paralela e clandestina
2.9. A dependência estrutural externa da economia portuguesa
3. O território
e a população
3.1. As assimetrias
regionais e intra-regionais
3.2. Tendências
demográficas
3.3. Migrações
3.4. Problemas ambientais
4. Os principais
sectores sociais do Estado
4.1. A educação
e o ensino
4.2. A saúde
4.3. A segurança
social
4.4. A cultura
5. O trabalho
e os trabalhadores
5.1. O emprego
e os salários
5.2. Os direitos
dos trabalhadores
5.3. A União
Europeia, o emprego e os direitos dos trabalhadores
5.4. A ofensiva
contra os direitos dos trabalhadores e a campanha ideológica
5.5. Os direitos
dos trabalhadores num Portugal desenvolvido
6. Os grupos
económicos monopolistas e o capital transnacional
6.1. O conjunto
de grupos económicos depois de Abril
6.2. Dimensão
e poder económico dos grupos capitalistas e monopolistas
6.3. Os grupos
monopolistas e os media
6.4. Grupos económicos
monopolistas e o capital transnacional
6.5. A financeirização
da economia
7. O Estado hoje
7.1. Instrumento
de classe e conquistas dos trabalhadores
7.2. A tese neoliberal
do Estado mínimo
7.3. A instrumentalização
do Estado pelo capital
7.4. Um Estado
dedicado à restauração monopolista
7.5. As entidades
«reguladoras»
7.6. A Administração
Pública e o Estado
7.7. Justiça discriminatória e de classe
7.8. Os processos de reconfiguração do Estado
7.9. O combate ao défice orçamental como instrumento da reconfiguração neoliberal do Estado
8. A acção
programática e ideológica do capital
8.1. Crises e estrangulamentos
8.2. «Mais
capitalismo»
8.3. Mecanismos
ideológicos de justificação e diversão
8.4. Os media e
a ideologia dominante
IV. Outro Rumo. Nova Política
1. A difícil
situação económica e social do País
2. O Programa do PCP «Uma Democracia Avançada
no limiar do século XXI»
3. A Constituição da República
Portuguesa
4. A política alternativa que Portugal precisa
4.1. A ruptura com
os eixos centrais das orientações políticas
4.2. A clara explicitação
dos objectivos de desenvolvimento económico e social
4.3. A afirmação
e concretização de uma política económica e social
5. A ruptura com
as políticas de direita
5.1. Ruptura com
o domínio do capital monopolista
5.2. Ruptura com
a reconfiguração do Estado
5.3. Ruptura com
a «obsessão» pelo défice orçamental
5.4. Ruptura com
a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores
5.5. Ruptura com
a mutilação e subversão das políticas sociais
5.6. Ruptura com
a atribuição ao capital estrangeiro de um lugar estratégico
5.7. Ruptura com
o crescimento económico centrado na dinâmica das exportações
5.8. Ruptura com o processo de integração capitalista europeia
5.9. Ruptura com
a subordinação do território e do mar sob soberania nacional a lógicas alheias ao interesse do País
5.10. Ruptura com
a subversão da Constituição da República Portuguesa
6. Os objectivos
centrais de uma política alternativa económica e social
6.1. O aumento geral do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das populações
6.2. A redução das desigualdades sociais
6.3. O pleno emprego
6.4. O crescimento
económico
6.5. A defesa e afirmação
do aparelho produtivo nacional
6.6. Um sistema de
ensino, um sistema cietífico e técnico e uma política cultural virados para a formação
integral dos portugueses
6.7. A coesão
económica e social de todo o território nacional
7. Vectores estratégicos
de uma política económica e social
7.1. A recuperação
pelo Estado do comando político e democrático do desenvolvimento
7.2. Uma economia mista
7.3. A valorização
do trabalho e dos trabalhadores
7.4. O desenvolvimento
dos sectores produtivos e o combate à financeirização
da economia
7.5. O combate decidido
à dependência estrutural da economia portuguesa
7.6. A superação
de défices estruturais
7.7. A dinamização
do mercado interno e desenvolvimento de relações económicas
externas vantajosas e diversificadas
7.8. O primado dos serviços públicos nas políticas sociais
7.9. A educação,
a cultura, ciência e a tecnologia
7.10. Um desenvolvimento
em harmonia com a natureza
8. As políticas
económicas e sociais necessárias
8.1. Outro caminho
para Portugal na Europa e no Mundo
8.2. Um crescimento
económico vigoroso, sustentado e equilibrado do País
8.3. O Estado como
promotor do desenvolvimento social
8.4. A valorização
do trabalho e dos trabalhadores
8.5. Um Estado democrático,
representativo, moderno e eficiente ao serviço do Povo e do País
Introdução
As dificuldades que
o País enfrenta, a vulnerabilização e crescente dependência da economia
nacional, o continuado agravamento da situação social, o persistente aumento
das desigualdades e injustiças sociais, associados a uma elevada taxa de
pobreza, são, não uma fatalidade ou simples resultado de conjunturas externas,
mas sim a expressão das opções de classe dos sucessivos governos, cujas
políticas têm servido uma estratégia de reconstituição do poder económico pelo
grande capital e de destruição dos direitos sociais, económicos, culturais e
políticos conquistados pelo povo português com a Revolução de Abril.
A política de
direita conduziu o País ao declínio, à estagnação económica, ao retrocesso
social e ao avolumar das injustiças, ao alastramento da pobreza e ao regresso à
emigração por milhares de portugueses.
Portugal não está
condenado ao definhamento do seu aparelho produtivo, à persistência dos défices
energético e alimentar, a um modelo de desenvolvimento assente em baixos
salários e na fraca incorporação científica e tecnológica no processo
produtivo, à crescente dependência das orientações de classe da União Europeia
e do grande capital internacional.
Este é um caminho
que, a não ser invertido pela ruptura com as orientações e as políticas de
direita, agravará ainda mais a situação económica e social do País e hipotecará
as possibilidades do seu desenvolvimento.
O actual quadro
internacional, apresentando uma relação de forças desfavorável, comporta
dificuldades e constrangimentos mas revela-se incapaz de impedir o
desenvolvimento da luta libertadora dos povos e a concretização de alternativas
de progresso social.
A Conferência
Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais constitui em si uma
inequívoca afirmação de confiança num País de progresso, equilibrado, com mais
justiça social, soberano e independente. Num quadro de tão sentidas
dificuldades e de horizontes sombrios sobre o País e as suas perspectivas de
desenvolvimento, o PCP reafirma a sua firme convicção de que não só é possível
como está nas mãos dos trabalhadores e do povo, com a sua luta, a construção de
um Portugal com futuro, assente num novo rumo e numa nova política, ao serviço
do povo e do País, só alcançáveis pela ruptura com as políticas de direita que
há três décadas comprometem o País e hipotecam as suas possibilidades de
desenvolvimento, e pelo retomar do caminho de progresso aberto pela Revolução
de Abril.
I
A Revolução do 25 de Abril
A ditadura fascista impôs uma feroz exploração dos
trabalhadores portugueses e conduziu o País a um persistente e profundo atraso
económico e social.
O domínio da economia nacional pelos grupos monopolistas e
latifundiários, aliados ao capital estrangeiro, os grandes beneficiados e
sustentáculos do regime e a situação do País, simultaneamente colonizador e
colonizado, fizeram com que Portugal chegasse ao 25 de Abril de 1974 como o
País mais atrasado da Europa.
O subdesenvolvimento económico, social e cultural a que a ditadura
conduziu o País, coexistiu com um elevado grau de desenvolvimento das relações
de produção capitalistas, em que apenas sete grupos monopolistas o dominavam.
Um País atrasado, com défices estruturais e carências em produção alimentar,
energética, bens de equipamento, com obsoletas e insuficientes redes de
transportes e comunicações, com uma agricultura pobre e tecnologicamente
atrasada, acorrentada aos interesses do latifúndio, uma indústria onde
predominavam os sectores de exploração da mão-de-obra barata ou centrados em
mercadorias de matérias-primas obtidas a baixo preço em Portugal ou nas
colónias, a total ausência dos direitos das mulheres e indicadores sociais
muito baixos na saúde, educação, segurança social e cultura.
Culminando um longo e heróico período de luta contra o
fascismo, a Revolução de Abril constitui um dos mais importantes acontecimentos
na história de Portugal.
A Revolução do 25 de Abril devolveu a liberdade e a
democracia ao povo português e pôs fim à guerra colonial, abriu caminho para
responder aos problemas, atrasos e estrangulamentos económicos e sociais
herdados da ditadura fascista. Abriu caminho para a construção de um Portugal
democrático e desenvolvido, independente e próspero, e colocou no horizonte a
perspectiva do socialismo.
A Revolução de Abril instaurou as liberdades democráticas
fundamentais, a liberdade sindical e o direito de organização dos trabalhadores
a partir dos locais de trabalho, instituiu a democracia política, questão chave
para o desenvolvimento económico e social, liquidou o capitalismo monopolista
de Estado e criou condições para a realização de profundas transformações
económicas, sociais e culturais na sociedade portuguesa. Com as nacionalizações
(que criaram um forte sector empresarial público em áreas estratégicas) e a
Reforma Agrária (com a criação de novas unidades de exploração da terra,
Unidades Colectivas de Produção/Cooperativas), operaram-se profundas
transformações económicas e sociais, que criaram condições para dinamizar o
desenvolvimento económico e promover a melhoria das condições de vida dos
portugueses.
Mais de trinta anos passados, os valores e as conquistas de
Abril, e a Constituição que os consagrou, permanecem como uma referência
fundamental na procura de soluções para os graves problemas económicos e
sociais do País e para o seu desenvolvimento.
II.
Trinta anos de políticas de direita
de governos PS, PSD e CDS-PP
1. Trinta anos de recuperação
capitalista e latifundista
A partir de 1976, e em clara contradição com a
Constituição da República, as políticas de sucessivos governos, com composições
partidárias diversas (envolvendo PS, PSD e CDS-PP), adoptaram como objectivo
estratégico e linha de força de todas as políticas sectoriais, a restauração do
capitalismo monopolista, com a sua dinâmica de exploração dos trabalhadores e
de centralização e concentração do capital, num processo contra-revolucionário
desencadeado e desenvolvido a partir do poder político.
A reconstituição e
restauração das estruturas sócio-económicas do capitalismo monopolista
desenvolveram-se numa planeada ofensiva contra as nacionalizações e sectores
não capitalistas. Iniciaram-se com a entrega ao capital privado de empresas
intervencionadas, cooperativas e empresas em autogestão. Reafirmaram-se com
políticas económicas e de gestão (crédito, investimento, preços, comércio
externo) penalizadoras das empresas nacionalizadas. E, fundamentalmente, com o
processo de privatizações, que se prolonga até hoje. Políticas semelhantes
foram desenvolvidas na agricultura, com a destruição da Reforma Agrária, a
entrega das terras aos grandes agrários e as políticas de agravamento da
situação das pequenas e médias explorações agrícolas, bem identificadas nas
ofensivas contra a Lei do Arrendamento Rural e a Lei dos Baldios.
Esta ofensiva
constitui, como o PCP caracterizou, «uma
verdadeira cruzada de espoliação, de acumulação e de centralização das forças
do capital, transferindo para as mãos dos grandes capitalistas nacionais e
estrangeiros, em crescente associação, a posse de capitais e o domínio sobre os
principais meios de produção.»
Corolário e
instrumento do capitalismo monopolista foram o agravamento da exploração dos
trabalhadores, a liquidação de direitos, liberdades e garantias e sérias
limitações de direitos fundamentais.
Concretizou-se,
nestes trinta anos, uma evolução nas relações capital/trabalho, profundamente
desfavorável aos trabalhadores, na distribuição dos rendimentos e no plano
legislativo (políticas de salários e fiscal; legislação laboral - condições
laborais, contratos a prazo e trabalho precário, despedimentos, negociação
colectiva; direitos colectivos, liberdades sindicais e direitos das comissões
de trabalhadores; controlo de gestão).
A evolução da criação de riqueza medida pelo PIB, ou pelo
PIB por habitante, mostra uma tendência para a estagnação económica, com a
desaceleração das taxas médias de crescimento do produto, de década para
década, pontuadas por diversas crises económicas de grande intensidade,
incluindo a actual recessão que se instalou desde 2000, onde o crescimento
médio do PIB por habitante ficou próximo dos 0%. Verificou-se um empolamento
desadequado de sectores não produtivos, nomeadamente, do sector financeiro e
imobiliário, com a progressiva «financeirização» da economia. Em paralelo, a convergência
da economia portuguesa com a União Europeia veio também a desacelerar, de
década para década, e encontra-se desde 2000 em divergência significativa,
sendo de sublinhar um recuo de 18 anos da posição relativa da riqueza por
habitante nacional, face à média da União Europeia, e um aumento acentuado do
desemprego, que se encontra no seu valor mais alto desde o 25 Abril. A par do
aumento dos lucros dos grandes grupos económico-financeiros, principalmente da
banca, agravam-se as desigualdades sociais e as assimetrias regionais, como
resultado das políticas de direita de recuperação capitalista.
A evolução social,
vista através das mudanças na distribuição do rendimento, no
emprego/desemprego, nos níveis de educação, saúde e segurança social, espelha
uma situação desfavorável quando comparada com a média e a generalidade dos
países da União Europeia a 15. Com variações ao longo do período, verificou-se
um crescimento do desemprego estrutural, um menor rendimento por habitante,
elevadas taxas de pobreza, as maiores desigualdades na distribuição do
rendimento, a par de elevados níveis de endividamento das famílias e das
pequenas e médias empresas.
Desigualdades
significativas ainda nas despesas e padrões de consumo, nos níveis de instrução
e sucesso escolar, nos níveis de protecção contra os riscos sociais.
2. A adesão à CEE,
em 1986, e o desenvolvimento da integração comunitária
como elemento central do processo de restauração do capitalismo
monopolista
A integração de
Portugal na CEE inseriu-se na estratégia que, ao serviço dos interesses do
grande capital e do imperialismo, visou o objectivo de liquidar a Revolução de
Abril, as suas principais transformações e conquistas económicas e sociais e
restaurar em Portugal o domínio capitalista e imperialista.
A evolução da
CEE/UE nos últimos vinte anos, marcada por sucessivos saltos qualitativos na
sua dinâmica de integração capitalista, foi francamente desfavorável à defesa
dos interesses nacionais e favorável ao grande capital europeu. Evolução que
vai do Acto Único (em 1986) e das suas três componentes fundamentais
(circulação de pessoas, mercadorias e capitais), até Maastricht e à Moeda Única
com a construção de um vasto mercado, liberto de todos os constrangimentos,
posto sob a dominação dos capitais financeiros e das suas exigências de
rentabilidade elevada, a que se junta a defesa da livre circulação de serviços
com a Estratégia de Lisboa e a Directiva Bolkestein. Evolução que culminou com
a elaboração de um «projecto constitucional» para a União Europeia, ainda em
curso, procurando assegurar o comando político das grandes potências e
«constitucionalizar» o neoliberalismo como modelo económico da UE e dos
Estados-membros.
Portugal tem hoje
uma situação económica e social indissociável da integração comunitária e do
aprofundamento das orientações neoliberais nos campos económico e social. O que
não esconde as responsabilidades das políticas de direita dos governos
nacionais ao longo destes vinte anos, inclusive em matéria europeia e em que o
consenso político do PS, PSD e CDS-PP foi total. E que não deve iludir a
assumida atitude destes partidos para, a pretexto da integração, levarem mais
longe os seus objectivos de liquidação de direitos e restauração do poder
económico do grande capital em Portugal.
3. As revisões desfiguradoras
da Constituição da República Portuguesa
Este longo período
da vida do País foi conduzido pelos governos PS e PSD, com ou sem CDS-PP,
segundo políticas profundamente negativas para os portugueses e para Portugal,
ao arrepio das principais orientações da Constituição da República. A
generalidade das políticas económicas e sociais violam, por acção ou omissão,
princípios constitucionais essenciais, como os da subordinação do poder
económico ao poder político, da coexistência do sector público, privado e
social, do planeamento democrático ou o do estabelecimento como incumbências
prioritárias do Estado, da correcção «das desigualdades na distribuição da
riqueza e do rendimento», da promoção da «coesão económica e social em todo o
território nacional», do «contrariar formas de organização monopolista», ou
«eliminar os latifúndios».
Como a Constituição
da República se apresentava como um obstáculo, aquelas forças políticas
promoveram sucessivas revisões, que a desfiguraram e desvirtuaram em questões
centrais.
A Constituição
sofre, em 1989, na sua vertente económica e social, um grave retrocesso, com a
eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, concedendo ao
governo poderes para reprivatizar e abrir a porta ao domínio pelo capital
nacional e estrangeiro, com a eliminação da referência à Reforma Agrária e à
socialização dos meios de produção, com a substituição do princípio da
gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde pela fórmula «tendencialmente
gratuito». Em 1992 a revisão, no quadro da ratificação do Tratado de
Maastricht, eliminou o exclusivo da emissão de moeda pelo Banco de Portugal. Em
1997, impôs o referendo para a concretização da regionalização. Em 2004, a
sexta revisão impôs a subordinação do direito nacional ao direito comunitário,
abdicando assim de uma importante parcela da soberania nacional.
Apesar destas
revisões a Constituição da República mantém, no seu texto, princípios
susceptíveis de constituir orientação para políticas económicas e sociais
alternativas às políticas de direita dos últimos 30 anos.
4. As forças sociais e políticas
da recuperação capitalista e a resistência dos trabalhadores
e do povo
As forças sociais
que assumiram, promoveram e reclamaram a contra-revolução e as recuperações
capitalista e latifundista foram, naturalmente, as classes sociais que, tendo
sido suporte a ditadura fascista e dela beneficiado, foram derrotadas com o 25
de Abril: os monopolistas (sempre aliados ao imperialismo) e os latifundiários,
os seus serventuários na administração pública ou nas administrações das suas
empresas, e as suas organizações de classe (CIP, CAP, CCP, AIP e AEP). Os
intérpretes e fiéis defensores dos seus interesses foram o PS, PSD e CDS-PP,
que ao longo de 30 anos, no governo ou na oposição, na Assembleia da República,
no poder local e noutras instâncias do poder, concretizaram a política de
classe do grande capital, nacional e estrangeiro e repartiram entre si posições
no aparelho do Estado, no sector público, nos Conselhos de Administração da banca
e grandes grupos económicos. Neste processo, a UGT desempenhou o papel de
instrumento contra os interesses e direitos dos trabalhadores.
Lutaram e
resistiram, os trabalhadores, a classe operária e as suas organizações de
classe, com destaque para a CGTP-IN, e a generalidade do povo português, muitos
sectores da pequena burguesia, agricultores, pescadores, pequenos e médios
empresários, quadros técnicos e científicos. Neste quadro, confirma-se
plenamente a importância da existência de um movimento sindical de classe,
alicerçado numa forte opção reivindicativa, na luta de massas e numa sólida
ligação a empresas e locais de trabalho. Na condução desta prolongada e dura
batalha de resistência, o PCP desempenhou, reconhecidamente, um papel decisivo
e crucial para que a contra-revolução e a ofensiva do capital não tenham ainda
levado mais longe os seus objectivos.
A intensa
identificação popular com os valores de Abril, o carácter profundamente
democrático das suas transformações económicas e sociais e a energia transformadora
da participação das massas explicam a capacidade de resistência à ofensiva
contra-revolucionária ao longo de trinta anos e aos projectos de liquidação
integral das conquistas da Revolução.
III.
A situação económica e social do País
1. Condicionamentos do enquadramento
internacional e comunitário
1.1. O enquadramento
da situação económica nacional é inseparável
da fase actual do desenvolvimento do capitalismo e dos seus principais
traços, tendências e contradições.
A situação mundial continua a ser caracterizada pela ofensiva global do
imperialismo, apesar da crescente resistência que esta enfrenta e das
dificuldades de natureza económica, política e militar que se têm avolumado nos
últimos anos.
A ofensiva do imperialismo procura aproveitar a
correlação de forças surgida com o desaparecimento da URSS e dos países
socialistas no Leste europeu para impor a sua hegemonia no plano mundial;
recuperar as numerosas concessões que se vira forçado a fazer nas décadas
anteriores no plano social, económico e político; abrir todo o planeta e todas
as esferas da actividade humana aos apetites vorazes de lucro do grande
capital; impor o seu domínio sobre os principais recursos, matérias-primas e
mercados; incrementar a exploração dos trabalhadores e povos. As vagas
privatizadoras; de retirada de direitos sociais, económicos, sindicais e
políticos; de desmantelamento das funções sociais dos Estados; de crescente
autoritarismo e repressão, são acompanhadas pelo aumento da violência e da
guerra como instrumentos quotidianos de imposição dos interesses do grande
capital.
Esta ofensiva não apenas tem agravado substancialmente as condições de
vida de centenas de milhões de seres humanos, como torna mais difíceis a
adopção de vias soberanas de desenvolvimento económico e social, que
correspondam aos interesses dos povos. As políticas da União Europeia reflectem
esta ofensiva global de classe do imperialismo.
As potências imperialistas têm interesses comuns no que respeita ao
aumento da exploração da classe operária e dos trabalhadores a nível mundial, e
ao aumento da penetração dos seus grupos monopolistas nos restantes países.
Concertam políticas e tarefas para a recolonização do planeta. Mas entram em
conflito entre si no que respeita à partilha de recursos e de acesso a mercados
onde colocar os seus produtos, num quadro de sobreprodução generalizada que
atinge largos sectores da economia capitalista actual. Conflitual será também a
questão de saber quem irá pagar os custos associados aos enormes problemas com
que se depara hoje a maior potência imperialista - os EUA - cuja posição de
centro financeiro mundial é ameaçada pelos seus gigantescos défices comercial e
orçamental, astronómicos níveis de endividamento e crescentes dificuldades
económicas, políticas e militares. Concertação e rivalidades são, pois, duas
faces da moeda que condicionam a actuação das potências imperialistas. A
disputa dos recursos energéticos, num contexto em que estes se revelam
progressivamente mais escassos, é particular motivo de fricção - evidenciado
também com as disputas com a Rússia - e uma das principais causas de actuais e
futuras guerras.
O crescente peso na cena internacional de países como a China, a Índia,
o Brasil, a Rússia e outros, está a transformar o panorama mundial, no plano
económico e político. Esta realidade abre perspectivas positivas para o
desenvolvimento e diversificação das relações económicas, permitindo espaços de
maior autonomia face ao imperialismo para um grande número de países - entre os
quais Portugal. Mas traz também desafios e potenciais problemas para o nosso
País.
Não devem igualmente ser subestimados os perigos associados à
resistência por parte das grandes potências capitalistas a esta alteração da
arrumação de forças no plano económico, não sendo de excluir o criminoso
recurso à força militar, tal como sucedeu no passado.
1.2. A
ofensiva imperialista desenvolve-se num quadro de crescente resistência
dos trabalhadores e dos povos, e esperançosos processos de transformação
progressista e revolucionária, mas o capitalismo continua a dispor de
enormes recursos, sofisticados meios de concertação e gestão
das crises a nível mundial e regional e de possibilidades de aproveitamento
e expansão de mercados. Mas a situação da economia mundial
apresenta-se cada vez mais instável e continuam a ampliar-se as assimetrias
e contradições do capitalismo a nível mundial.
Aumenta a
financeirização e terciarização das economias capitalistas mais desenvolvidas
com a deslocalização das actividades de mão-de-obra intensiva. Aumentam as
desigualdades de rendimento e a pobreza, deixando milhões de seres humanos
longe da satisfação das suas necessidades básicas.
As crises mais
recentes do capitalismo - a crise económica de 2001-2003, a actual crise que
teve o seu epicentro na bolha especulativa do sector imobiliário dos EUA e que
ameaça arrastar consigo outros mercados -, são expressão de uma crise
estrutural mais profunda do capitalismo. A «nova economia», ao contrário das
expectativas dos seus apologistas, não foi um ponto de viragem para um novo
ciclo de crescimento, sendo relevante que o rebentar da bolha financeira em
2001 se tenha verificado sobretudo nas empresas ligadas às novas tecnologias da
informação e comunicação.
As políticas de taxas de juro baixas
praticadas pela Reserva Federal dos EUA após 2001 evitaram que o rebentar da
bolha financeira se propagasse a toda a economia, mas a custo de alimentar uma
nova bolha especulativa no sector imobiliário e de conduzir os níveis de
endividamento global para patamares cada vez mais insustentáveis. A actual
situação representa uma grave ameaça para toda a economia mundial.
No plano económico
e social a ofensiva imperialista assenta nos objectivos traçados pelo «Consenso
de Washington», pela «Estratégia de Lisboa» e pela proposta de novo Tratado da
União Europeia: maior liberalização da circulação de capitais e aplicação das
mais-valias na esfera financeira e especulativa; crescente intensificação e
exploração do trabalho; pressão para a redução da remuneração do trabalho e
garantia de ganhos de produtividade para o grande capital. Uma ofensiva
caracterizada pelo ataque ao sector público e aos sistemas de segurança social
em benefício dos grandes interesses privados; pelo aproveitamento da expansão a
novos mercados, como é exemplo a restauração do capitalismo na antiga URSS e
nos países do Leste da Europa ou o alargamento da UE; pela liberalização do
comércio e do investimento a nível mundial, com o lançamento da ronda negocial
da Organização Mundial do Comércio em Doha, apesar das rivalidades
inter-imperialistas e das contradições entre o centro e a periferia
capitalista, que levou ao fracasso das negociações em Cancun.
As dificuldades de
obtenção de taxas de lucro na esfera produtiva comparáveis às obtidas no sector
financeiro, que confirmam a lei sobre a baixa tendencial da taxa de lucro,
contribuem para o predomínio e desenvolvimento do capital financeiro, com
implicações directas negativas sobre o crescimento económico e o emprego. Os
elevados volumes de fluxos financeiros, nomeadamente de curto prazo, assumem um
papel crucial na crescente volatilidade e instabilidade dos mercados
financeiros internacionais.
Continua a
acentuar-se o processo de concentração e centralização do capital e o seu
carácter cada vez mais «regional» e «transcontinental». Na medida em que se
acelera a concorrência intercapitalista reforçam-se as tendências para a
formação de monopólios e oligopólios em praticamente todos os sectores da
actividade económica.
Favorecer os
grandes grupos económicos - abatendo fronteiras e abrindo os mercados às suas
actividades de rapina, pela guerra se necessário - tal é a missão fundamental
dos Estados e das Organizações Internacionais do capitalismo.
Multiplicam-se os
espaços de concertação e regulação capitalista a nível mundial, baseados em
organizações como o FMI, BM, OCDE, OMC ou em encontros «informais» como o G8 ou
o Fórum de Davos. Os processos de cooperação e de crescente integração
económica e política regional, no contexto objectivo do desenvolvimento das
forças produtivas e da divisão internacional do trabalho são, fundamentalmente,
uma consequência da crescente guerra económica entre blocos. Tais processos
desempenham um papel estratégico na afirmação das grandes potências
capitalistas regionais, no estabelecimento da sua área de influência e no
alargamento do seu mercado potencial. No caso da União Europeia, constituem o
exemplo mais avançado da criação de um bloco económico, político e militar
imperialista. Outra é a natureza de processos de cooperação regional que, como
o ALBA frente aos EUA, visam combater a hegemonia planetária das grandes
potências.
O papel da União
Europeia e o sentido geral de aprofundamento do seu carácter neoliberal,
federalista e militarista é inseparável da fase actual do desenvolvimento do
capitalismo. Constitui uma enorme ilusão admitir que uma União Europeia sob o
comando do grande capital possa representar uma alternativa ao imperialismo
norte-americano. Pelo contrário, o processo de integração europeia tem-se
desenvolvido de modo articulado com os EUA.
1.3. As
relações económicas externas do País -
fluxos de capitais, bens e serviços, posições em estruturas
supranacionais do capitalismo - estão hoje condicionadas pela integração
comunitária. Mas tais condicionamentos foram e são reforçados
pela colaboração activa dos sucessivos governos do PSD e PS numa
evolução da União Europeia, subordinada
aos interesses do grande capital e das grandes potências, que conflitua
com o necessário desenvolvimento do País, na completa submissão
às orientações económicas comunitárias e
na total abdicação e ausência de afirmação
de uma estratégia de defesa dos interesses e soberania nacionais.
A concretização da União Económica e Monetária (UEM) com a
entrada em funcionamento do euro, a institucionalização dos critérios de
convergência nominal no Tratado de Maastricht e no Pacto de Estabilidade, a
estrita política monetarista levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE), a
aprovação da Estratégia de Lisboa, a negociação da agenda liberalizadora da OMC
e de vários tratados comerciais bilaterais pela União Europeia e, em geral, as
orientações políticas e económicas da União Europeia, nomeadamente as
respeitantes a reformas da Política Agrícola Comum (PAC) e Política Comum das
Pescas (PCP), ampliaram os problemas e fragilidades da economia nacional e
acentuaram a sua dependência e défices estruturais.
O crescente federalismo das instituições reforça o domínio
das grandes potências (particularmente da Alemanha, mas também da França, Reino
Unido, Itália e mesmo da Espanha) no comando das suas políticas económicas,
agrava e reduz a capacidade de intervenção por parte dos pequenos países como
Portugal.
Esta evolução, a par do processo de alargamento realizado em
condições inaceitáveis, agrava e condiciona de uma forma extrema todas as
vulnerabilidades referidas, e sobretudo tenderá a contrariar a condução da
política económica nacional conforme os interesses do povo português.
Assume um crescente impacto na economia do País a divisão do
trabalho no mundo que, sob o comando do capital transnacional, e tendo como
principal instrumento a livre circulação de capitais, reorganiza a produção
capitalista em função das vantagens que cada país oferece.
A deslocalização de empresas do sector produtivo, acompanhada
crescentemente pela deslocalização de serviços, causam não só graves problemas
sociais, como contribui para a perda de unidades produtivas. Um processo que se
adiciona e converge, em termos de consequências, com uma divisão do trabalho no
espaço europeu altamente desvantajosa para o País.
O processo de alargamento da União Europeia a países
com uma mão-de-obra mais barata e mais qualificada veio reforçar a falência da
estratégia de sucessivos governos de fazer de Portugal localização privilegiada
de unidades de trabalho intensivo, dirigidas para produtos de baixo valor
acrescentado e baixos salários.
Esta situação não
só cria sérios constrangimentos ao desenvolvimento económico do País - em
particular pela extrema dependência externa da economia nacional e pela
condução, através de órgãos comunitários ou entidades ditas independentes, como
o BCE, de importantes políticas ao serviço das grandes potências europeias -
como estabeleceu a perda ou limitações drásticas no âmbito do uso de
importantes instrumentos económicos, como a moeda, a taxa de câmbio, as taxas
de juro, a gestão orçamental e o comércio externo, e até mesmo o investimento,
através do seu cofinanciamento. O nosso País está hoje mais indefeso e
dependente perante os seus principais concorrentes e parceiros comerciais.
Estes
condicionamentos e limitações não são uma fatalidade com que os portugueses
tenham de conformar-se e submeter-se. Podem ser contrariados, combatidos e
ultrapassados. Uma estratégia de desenvolvimento ao serviço do povo e do País
pressupõe uma corajosa política de independência nacional e de alianças
internacionais anti-imperialistas que ampliem a capacidade de manobra de
Portugal, permitam a recuperação de instrumentos fundamentais de soberania de
que se viu desapossado e criem condições para a ruptura necessária com o
projecto de integração capitalista corporizado na União Europeia.
2. Estruturas e sectores
económicos
2.1. Balanço geral
- défices, estrangulamentos e desequilíbrios
2.1.1. O agravamento da situação económica
geral do País e a própria deterioração
da posição de Portugal no contexto dos países da União
Europeia, em particular da divergência real medida pela evolução
do PIB por habitante, de salários e distribuição de rendimentos,
não é uma questão conjuntural decorrente de um enquadramento
económico externo menos favorável ou erradas políticas
dos governos que se foram sucedendo. É a resultante das políticas
económicas e sociais ao longo dos últimos trinta anos. E muito
em particular das opções pela inserção internacional
e integração comunitária descrita; das políticas
de reconstituição dos grupos económicos monopolistas e
destruição do sector empresarial do Estado, reduzindo ou afastando
as capacidades e instrumentos de intervenção do Estado; das políticas
de destruição dos sectores produtivos por contraponto à
financeirização da economia nacional; do lugar estratégico
concedido ao capital estrangeiro através de apoios financeiros e outros
privilégios, mesmo quando se limitam a investimentos em sectores de baixa
tecnologia e susceptíveis de fácil deslocalização;
das políticas de subestimação do papel nuclear da educação,
da cultura e da I&D para uma mão-de-obra qualificada e da inovação
e tecnologia em qualquer projecto de desenvolvimento nacional; das políticas
de restrições orçamentais que impediram que o País
colmatasse o fosso em matéria de infra-estruturas, em particular em transportes
e logística, ou das políticas de apoio ao investimento privado,
nomeadamente através de três Quadros Comunitários de Apoio,
que não só não produziram a necessária alteração
de perfil produtivo como reproduziram em escala agravada o mapa das assimetrias
regionais; e das políticas que acentuaram o défice energético
com uma elevada dependência dos combustíveis fósseis, num
sistema com elevadas intensidades energética e carbónica, em particular
pelas opções políticas em matéria de transportes.
2.1.2. Os resultados de trinta anos de política
de direita traduzem-se numa economia caracterizada pela consolidação
de um perfil produtivo de baixo valor acrescentado, assente na exploração
de mão-de-obra barata e precária e dos recursos naturais do País,
feita de forma anárquica e predatória, contraditoriamente sobre
e subexplorados. Mantiveram-se, e em alguns casos agravaram-se mesmo, conhecidos
défices estruturais - de produção de bens materiais, particularmente
alimentares, de produtividade e competitividade, energético, científicos
e tecnológicos e de transportes e logística - e acentuaram-se
as vulnerabilidades e dependências da economia às conjunturas externas.
O sucessivo e crescente défice externo e o consequente nível de
endividamento ao exterior, que atingem hoje níveis muito preocupantes,
são indicadores muito claros do seu carácter estrutural.
Consolidou-se um
tecido económico com evidentes debilidades (tecnológicas, financeiras, de
gestão, comerciais), dependências (do mercado externo, da volatilidade do
capital estrangeiro), significativamente subcontratado e desequilibrado nos
planos sectorial e da distribuição no território nacional, com baixos níveis de
sustentabilidade e falta de capacidade competitiva nos mercados interno e
externo. A par da permanência, com níveis elevados, da chamada economia
paralela, ou da persistência de fenómenos mais preocupantes de actividades
económicas criminosas, onde avultam a lavagem de dinheiro e a corrupção.
Tudo coexistindo
com desperdício e incapacidade no bom e harmonioso uso do património e recursos
naturais e potencialidades desenvolvidas ao nível dos recursos humanos.
Esta avaliação
geral, sintética e negativa, da economia portuguesa, não oculta a existência de
«ilhas», unidades isoladas de relativo êxito, e mesmo sucesso económico. Mas
excepções não iludem a realidade.
2.1.3. Os desequilíbrios, défices e
problemas dos diversos sectores económicos resultam de políticas
comandadas pelos interesses do grande capital monopolista e financeiro, traduzindo-se
na anarquia das diversas políticas sectoriais, e particularmente das
orientações dos investimentos privados em direcção
aos sectores de elevadas taxas de rendabilidade do capital, e rápido
retorno, nomeadamente para aplicações financeiras, imobiliárias
e especulativas, quase sempre sustentadas por volumosos apoios e incentivos
públicos - comunitários e nacionais. Foram processos cumulativos,
de encadeamentos económicos perversos, mas que romperam com lógicas
de fileira e a exigência da planificação para a harmoniosa
integração e sinergias de áreas e sectores económicos
vizinhos, de que são exemplos: os problemas e custos económicos
e sociais dos incêndios florestais não são «desligáveis»
da imposição dos baixos preços do material lenhoso pela
monopolização da fileira da madeira pelas empresas de celulose
e aglomerados em simultâneo com o processo de desertificação
económica e humana decorrente do esvaziamento dos meios rurais, da liquidação
da agricultura familiar; as deliberadas políticas de desintegração
das cadeias de valor, como sucedeu no sector da energia eléctrica (e
também agora do gás natural), sob a pressão do capital
financeiro e dos grandes grupos económicos, segmentando as operações
de produção, transporte, distribuição e comercialização,
são responsáveis pelas elevadas tarifas para consumidores domésticos
e empresas dos sectores produtivos; ou ainda a perda de sustentabilidade e criação
de valor acrescentado no País da indústria extractiva, pela privatização
de diversas minas e abandono de qualquer perspectiva de desenvolvimento da fileira
metálica correspondente (cobre, volfrâmio).
Neste quadro
sobressai o enfraquecimento e fragilização ou liquidação dos sectores
produtivos - agricultura, pescas, indústria extractiva e transformadora - por
contrapartida com o empolamento dos sectores financeiro (nas suas diversas
fórmulas) e imobiliário, e o desenvolvimento desigual e contraditório do
turismo. A que deve acrescentar-se a apropriação privada (empresarial,
financeira) de importantes sectores produtivos (energia) e sectores de serviços
estratégicos, como as telecomunicações, os serviços postais ou a rede de
auto-estradas pelo capital monopolista e financeiro, que constitui já hoje um
pesado óbice ao desenvolvimento equilibrado conforme os interesses do País, e
um pesado ónus para o Orçamento do Estado, os consumidores e a economia
nacional.
2.1.4. Na avaliação da estrutura económica
produtiva podem destacar-se, de forma sumária, como principais
dados de problemas na caracterização dos seus principais sectores:
i) Um sector primário - agricultura, pescas, indústria extractiva - que se
confronta com uma crise profunda e uma continuada redução da capacidade
produtiva, agravando a dependência externa do País face a matérias-primas
essenciais, ao mesmo tempo que não se aproveitam os recursos naturais
existentes ou se dá ao capital estrangeiro a sua exploração.
O sector agrícola foi profundamente afectado na sua capacidade
produtiva, limitado nas suas potencialidades de expansão (limitações
quantitativas/quotas) decorrentes dos constrangimentos da Política Agrícola
Comum e da falta de um plano estratégico nacional de desenvolvimento do sector,
encontrando-se a braços com uma profunda crise económica e social, como por
exemplo da diminuição e envelhecimento dos seus activos e liquidação de
explorações agrícolas, como resultado da manutenção de rendimentos baixos e
irregulares, por insuficientes preços à produção e dificuldades de escoamento
face a grandes importações agroalimentares e ao crescente domínio das cadeias
de distribuição. Por outro lado, concentrou-se a produção, centralizou-se a
posse de terra, aumentou o domínio dos agricultores por parte da agro-indústria
e das grandes multinacionais agro-químicas, levando ao desaparecimento de
milhares de pequenos e médios agricultores e a desertificação acentuada no
«mundo rural», a par de um aumento da dependência alimentar, com um défice da
balança agrícola que ronda os 80%, pondo em causa a soberania alimentar.
Nos campos da grande propriedade do
Sul (Alentejo e Ribatejo), a destruição da Reforma Agrária, a
consequente reconstituição da propriedade latifundiária, a PAC e as políticas
agrícolas de direita no País determinaram a coexistência da manutenção de
grandes explorações com terras incultas ou subaproveitadas, vivendo das
«rendas» da PAC, a par de um surto de capitalismo agrário, dinamizado em grande
medida por capital estrangeiro, centrado em algumas produções (vinha e olival,
em geral regados, porco preto). É particularmente visível a presença de capital
espanhol no perímetro do regadio de Alqueva.
No actual momento desenvolve-se igualmente uma significativa pressão
sobre o uso da terra para projectos de agroturismo e especulação imobiliária,
aproveitando especialmente as potencialidades da albufeira de Alqueva, que se
acrescentam a anteriores projectos turísticos de exploração das riquezas
cinegéticas da região.
Acentuaram-se os fenómenos migratórios e de envelhecimento e a
desertificação social.
O sector das pescas sofreu uma evolução semelhante face à ausência de uma
política de defesa do sector a nível nacional e os condicionalismos impostos
pela Política Comum de Pescas. Nos últimos 20 anos verificou-se um aumento do
défice comercial ao nível dos produtos da pescas, que ronda hoje os 70%, com a
agravante dos portugueses serem dos maiores consumidores de peixe por habitante
a nível mundial. A dificuldade de manter preços de primeira venda conjugada com
o aumento dos custos de produção, nomeadamente dos combustíveis, a par dos
constrangimentos impostos às possibilidades de pesca, tem provocado uma perda
de rentabilidade do sector, agravando a situação económica e social das regiões
costeiras dependentes da pesca.
De destacar que nestes sectores
muitos dos incentivos e ajudas económicas públicas, num quadro das baixas taxas
de rentabilidade sectorial, funcionam de forma perversa impulsionando a redução
da capacidade produtiva (abate de barcos, não utilização de solos agrícolas,
etc.) e da produção. É de salientar também o papel das negociações da OMC, onde
estes sectores têm servido de moeda de troca, e as consequências da progressiva
liberalização comercial internacional.
Refira-se ainda o desastre da
floresta portuguesa, com devastadores incêndios, em particular em 2003 e
2005, como resultado de erradas políticas agroflorestais, incúria e passividade
de sucessivos governos.
A indústria extractiva - a que
correspondem as componentes mineiras (metais básicos e energéticos), as rochas
ornamentais, as rochas industriais, e as águas minerais e de nascente -
corresponde a cerca de 1% do PIB e a cerca de 0,3% do emprego. Estes baixos
valores escondem uma enorme e diversificada riqueza mineira do País, capaz de
potenciar inúmeras actividades de maior valor acrescentado a jusante.
No que respeita à
componente mineira vive-se, há algum tempo, uma boa situação devido às
crescentes cotações de diversos metais (cobre, tungsténio, estanho, zinco,
chumbo), cujos minerais ocorrem em abundância no território nacional. Mas sendo
este sector completamente dominado pelo capital estrangeiro, e não ocorrendo
nenhuma ou quase nenhuma transformação no País, é sempre grande a
vulnerabilidade e dependência dos mercados externos.
Nas rochas
ornamentais e industriais, a valorização nacional continua igualmente muito
reduzida e insuficiente.
ii) Um sector
secundário, onde é
dominante um tecido industrial constituído em grande parte por empresas
tecnologicamente atrasadas e métodos de gestão ultrapassados, e por uma
significativa presença da chamada economia paralela ou informal (de vão de
escada ou de garagem), em que foram liquidados ou seriamente abalados sectores
e ramos inteiros: química, siderurgia e metalurgias diversas, metalomecânica
pesada, reparação e construção navais. A presença significativa da indústria
automóvel e de alguns outros subsectores, e os seus efeitos indutores na
indústria de componentes, não tem sido, nem podia ser, suficiente para
compensar os aspectos negativos assinalados.
Desde 1985
(vésperas da adesão à CEE) o peso da indústria transformadora no PIB decresceu
quase treze pontos percentuais, representando actualmente cerca de 16,5% do PIB
e 17% do emprego.
É de salientar o
facto profundamente negativo do processo de desindustrialização em Portugal ser
muito mais profundo e acelerado do que na média da UE.
O investimento
estrangeiro, em acelerado processo de deslocalização que varre praticamente
todos os sectores de actividade, é um dos principais responsáveis por esta
situação, a que se acrescentam diversos processos de reestruturação empresarial
e a evidente falta de competitividade interna e externa de muitas empresas
nacionais. Contudo foram as privatizações as primeiras responsáveis pelo
esvaziamento de importantes sectores industriais, sobretudo os ligados a
actividades básicas e estratégicas, com um sequente empobrecimento do perfil
industrial.
Em contraposição
com este processo foram aplicados, desde 1986, na área industrial avultados
fundos comunitários e nacionais - cerca de 6 mil milhões de euros de
incentivos, correspondentes a cerca de 20 mil milhões de euros de investimentos
- que embora tendo impacto no valor acrescentado bruto (VAB) do sector
industrial, apresentaram uma insuficiente eficiência face aos resultados
obtidos, com a «produtividade» da indústria nacional ainda a cerca de 60% da
média da UE-15 e a manutenção do perfil industrial sem alterações assinaláveis,
com um elevado peso dos sectores tradicionais de baixo valor acrescentado e
reduzida incorporação tecnológica.
Nos últimos anos
tem-se verificado uma ligeira melhoria do perfil de especialização, devido no
fundamental a uma ascensão na escala da intensidade tecnológica de alguns
sectores e emergência de outros (máquinas e equipamentos, material de
transporte, química fina e dos materiais), em simultâneo com perda
significativas dos tradicionais, embora se mantenha o diferencial de perfil
face à generalidade dos países da UE.
iii) Um sector da construção civil e obras públicas com uma evolução
contraditória nos seus dois subsectores.
A construção civil
teve, até há 4, 5 anos a esta parte e durante quase uma década, uma actividade
economicamente anómala, com uma brutal sobreprodução, absorvendo enormes verbas
da restante actividade económica, que explicam a existência de cerca de 600 mil
fogos vagos, dezenas de milhar de m2 de escritórios, o que
significará uma FBCF de 60 mil milhões de euros, sem resolver o problema da
habitação em Portugal, fruto do desenvolvimento de políticas habitacionais dominadas
pela especulação imobiliária
Ao mesmo tempo que
ocorria este fenómeno de sobreconstrução, era muito insuficiente ou nula a
reabilitação de habitação antiga, designadamente no casco de muitas cidades,
mas não só. A média europeia de investimento em reabilitação, corresponde a
cerca de 45%/50% do total e em Portugal, com um parque habitacional
profundamente degradado, não chega aos 10%!.
Em sentido inverso,
evoluíram as obras públicas, cujo sector atravessa uma profunda crise, pondo em
causa a viabilidade de muitas empresas de construção de pequena e média
dimensão. Efectivamente, devido aos sucessivos cortes orçamentais com vista à
diminuição do défice orçamental face às imposições do PEC, o investimento em
novas obras públicas e manutenção e requalificação das existentes -
particularmente infra-estruturas ferroviárias, redes de metropolitanos pesados
e ligeiros, redes de eléctricos rápidos, infra-estruturas portuárias,
plataformas logísticas, construção de grandes e médias centrais
hidroeléctricas, redes de IP e IC e
estradas nacionais e municipais entre outros - tem-se situado a níveis
inaceitáveis para o desenvolvimento do País e a dinamização da economia.
2.1.5. A
energia constitui um dos mais críticos e estratégicos sectores face à
elevadíssima incorporação de energia na economia e na vida das sociedades, e ao
facto de o nosso País e o mundo dependerem maioritariamente de hidrocarbonetos
- petróleos e gás natural - sobre os quais se multiplicam os sinais de estar em
curso a transição para a saturação da respectiva capacidade de produção, sem
que estejam asseguradas outras fontes de energia primária de comparáveis
qualidades e a ritmo de substituição que assegure essa transição isenta de
sobressaltos.
O País apresenta de
há muito e com tendência crescente, um elevado défice energético - dependência
superior a 80% dos consumos -, profundamente preocupante, seja em termos da
segurança do abastecimento, seja em termos dos efeitos sobre a balança de
pagamentos - o défice da balança energética atingiu em 2006 o astronómico valor
de 8900 milhões de euros (só petróleo e gás natural), um acréscimo de 177% para
o petróleo e 91% para o gás natural face a 2002. A agravar a situação, o facto
de tal dependência estar afunilada no petróleo, cujos derivados, em 2005, já
representavam 68% do consumo final de energia.
O desastre das
políticas energéticas nos últimos vinte anos dos governos PS e PSD
identifica-se nesse défice mas também na elevada irracionalidade dos consumos
de energia, de que decorrem baixas eficiências, desperdícios e elevados
impactos ambientais, no subaproveitamento do potencial endógeno e agravada
dependência do exterior. Com uma poderosa factura energética, elevadas e
crescentes intensidades energética e carbónica, preços inflacionados para consumidores
e empresas, temos hoje em Portugal uma questão energética.
O nível e a taxa de
crescimento do défice energético são da exclusiva responsabilidade dos governos
e do grande capital nacional. Agudizaram e não superaram a contradição de o
País apresentar simultaneamente uma enorme dependência face aos combustíveis
fósseis, ao mesmo tempo que dispõe de elevados e diversificados potenciais em
energias renováveis (hídrica, solar, biomassa, eólica e oceânica) largamente
inexplorados.
A política de
privatizações e as massivas reestruturações que atingiram o sector energético,
ao colocar nas mãos de privados as empresas do sector, transformaram a energia
num conjunto de enormes negócios de elevada rendibilidade e rápidos retornos,
negócios comandados pelas cotações bolsistas, que afectaram drasticamente a
possibilidade de o País ter uma política energética coerente, escorada num
adequado planeamento energético.
Peças importantes destas orientações antinacionais foram:
a criminosa extinção, há mais de 20 anos, do Plano Energético Nacional e dos
organismos que lhe davam suporte; a nefasta orientação dos governos
relativamente ao sector dos transportes, com as opções pelo modo rodoviário
face ao ferroviário, ou pelo transporte pessoal face ao colectivo; a política que
tem privilegiado os enormes negócios em centrais térmicas de ciclo combinado a
gás natural face à hidro-electricidade; a política das eólicas, cuja potência
já instalada não foi articulada com o crescimento do potencial hídrico,
inviabilizando a necessária integração harmoniosa dos sistemas; a tardia
legislação sobre o aproveitamento do enorme potencial do País na utilização e
expansão do solar térmico nos edifícios; e a política responsável pelos preços
elevados da electricidade, do gás e dos combustíveis líquidos para consumos
domésticos e industriais, ao mesmo tempo que as empresas produtoras realizam
lucros fabulosos. Políticas erradas que prosseguem, por exemplo, com o apoio
sem critério aos agrocombustíveis, já com consequências desastrosas no preço
dos cereais e derivados.
2.1.6. O persistente e agravado défice do
estruturante e estratégico sistema de
transportes e logística, nomeadamente de transporte colectivo público, a
par de profundos desequilíbrios entre os seus modos, são o resultado de políticas
e medidas sujeitas ao objectivo de total privatização e liberalização do sector
e total subordinação aos interesses do grande capital. Destaca-se, pela
negativa: o desmembramento de muitas empresas; a redução de serviços e da
função social dos transportes (aumento dos preços dos bilhetes e passes
sociais); as elevadíssimas dívidas de indemnizações compensatórias aos
operadores públicos; a ausência de planeamento e financiamento de um verdadeiro
sistema nacional de transportes, integrado, com complementaridade entre os
vários modos; a dependência de decisões comunitárias em matéria de
financiamento e localização, que se tem traduzido em protelamentos e
indefinições; a privatização crescente da rede viária principal e o abandono
das redes regionais e locais; os atrasos na efectivação das Autoridades
Metropolitanas de Transportes, que surgem sob total controlo do governo.
Problemas que têm atingido os transportes terrestres (rodoviários -
nomeadamente a rede viária, o domínio dos Grupos Barraqueiro, ARRIVA e TRANSDEV
e a asfixia do Sector dos Táxis - e
ferroviários - nomeadamente a rede de alta velocidade e a sua articulação com a
necessidade urgente de modernização e expansão da rede convencional), os
transportes aéreos (nomeadamente com a segmentação e projectos de privatização
da companhia de bandeira, a TAP e da gestão dos aeroportos nacionais, ANA), nos
transportes marítimos e estruturas portuárias, cujas consequências são
particularmente mais visíveis nas incapacidades em reduzir o défice de acessibilidades
das regiões ultraperiféricas portuguesas. E, igualmente, no desenvolvimento de
plataformas com zonas de actividade logística, que só o Estado tem capacidade e
vocação para hierarquizar e ordenar a respectiva localização. Assiste-se à
aceleração da subordinação deste sector aos interesses do grande capital
financeiro numa lógica em que a concepção e articulação das redes e modos de
transporte estão dependentes da rentabilização dos projectos e operações
financeiras da Banca.
2.1.7. O sector terciário envolve uma enorme
e muito diversificada panóplia de actividades, de que destacaremos, por ordem
decrescente do peso que detêm no produto, o comércio, a Administração Pública,
as actividades imobiliárias, os serviços do ensino e educação, os serviços prestados
às empresas, as actividades financeiras, os serviços de saúde, o turismo e a
restauração, os transportes, os correios e telecomunicações e outras
actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais.
À semelhança do que
acontece nos países mais desenvolvidos, tem tido um elevado crescimento nos
últimos decénios, correspondendo actualmente a cerca de 71/72% do PIB e a cerca
de 57% do emprego, apresentando ainda nos últimos anos, ritmos de crescimento
anuais que rondam os 1,4%.
O crescimento do terciário apresenta em
Portugal nas actuais circunstâncias históricas, económicas e sociais, um carácter dual e contraditório.
Por um lado,
corresponde ao desenvolvimento da prestação de serviços para melhores condições
de vida das populações (aumento de peso na economia de áreas como a saúde, a
educação, a cultura, a restauração, o lazer e as telecomunicações)
Por outro lado, o
crescimento e o peso do terciário no produto e no emprego traduzem o
crescimento desproporcional de determinadas actividades e serviços face às
necessidades e dimensão da economia e do mercado nacional, por acção e pressão
do grande capital. É o caso do empolamento do sector comercial, das
inflacionadas actividades financeira e imobiliária, e das reorganizações e
reestruturações de sectores industriais, com os processos de externalização de
serviços e segmentos da cadeia de valor.
Para lá dos
sectores, abordados noutros pontos (administração pública, saúde, ensino,
segurança social), destacam-se, numa breve caracterização, os seguintes:
i) O comércio e distribuição - sob o ponto de
vista qualitativo são de destacar as profundas alterações nos dois últimos
decénios, com o crescimento exponencial dos novos formatos, onde avultam as
grandes superfícies (hipermercados e supermercados), os discount, cash &
carry, os centros comerciais e a redução brutal do pequeno comércio, dito
tradicional. Segundo o Índice Nielsen Alimentar a percentagem de vendas de
hiper e supermercados passou de 25,8% em 1987 para 83,6% em 2004,
contrapondo-se com o comércio tradicional que regrediu de 74,2% para 16,3%, no
mesmo período. O conjunto dos cinco maiores «operadores» (Sonae, Jerónimo
Martins, Mosqueteiros, Auchan e Lidl) representa 67,5% do mercado de retalho.
As novas unidades
do comércio, pertencentes a grandes cadeias comerciais nacionais e estrangeiras
sob tutela de grandes grupos económicos (em Portugal Sonae/Belmiro, Amorim,
Jerónimo Martins), para lá da liquidação do comércio tradicional, fazem sentir
a lógica predadora igualmente na rede dos seus fornecedores, com a imposição de
condições leoninas, e têm profundas consequências nos hábitos de consumo,
tempos de lazer e socialização, e na vitalidade dos centros das grandes
cidades.
ii) A actividade imobiliária deve ser entendida
como uma actividade de carácter eminentemente financeiro, pois que, no
fundamental, gere a aplicação de capitais, subcontratando todas as valências
necessárias à promoção de habitação, escritórios, lojas, etc. As actividades
imobiliárias correspondem actualmente a cerca de 7,5% do produto e a 0,4% do
emprego, tendo tido um grande e anormal desenvolvimento, particularmente a
partir de meados da década de 90, devido, no fundamental, à nova focalização da
estratégia dos grupos económicos nacionais
e multinacionais, cavalgando a descida das taxas de juro, na promoção e
intermediação imobiliária, particularmente habitação e escritórios. O crédito à
habitação subiu, entre 1979 e 2006, de 6,8% para 36,6% do crédito total. E os
600 mil fogos vagos, correspondendo a cerca de 11% do parque habitacional
(2001), representam 60 mil milhões de euros, ou seja, 1/3 do PIB!
É, assim, uma
actividade fortemente penetrada pelo sector bancário e os fundos de
investimento, sujeita a movimentos especulativos e processos de lavagem de
dinheiro, sendo uma evidente fonte de instabilidade dos mercados financeiros.
Tem, em Portugal, uma crescente participação de capital estrangeiro - um quinto
do IDE líquido em 2006 foram operações sobre imóveis.
iii) Os chamados serviços prestados às empresas - por vezes também designados
terciário avançado ou quaternário - constituem uma das áreas mais recentes e
dinâmicas do sector terciário, correspondendo actualmente a cerca de 6% do PIB
e a cerca de 6% do emprego.
Inclui um amplo e
diversificado conjunto de actividades, uma parte significativa das quais tem um
forte efeito de arrastamento sobre outros sectores. Destacam-se as actividades
de consultoria e conselho em gestão, de estudos e projectos de urbanismo,
arquitectura e engenharia, de auditorias, de consultoria jurídica, de recrutamento
e selecção de pessoal, de estudos de mercado e opinião e as actividades
informáticas. De realçar, que entre 1996 e 2004, estas últimas apresentaram um
crescimento de 125% (8,7% ao ano) enquanto as restantes quase 60% (5,4% ao
ano). Algumas delas (consultoria, auditoria), inseridas em redes
internacionais, sendo unidades de empresas multinacionais, constituem veículos
de influência e comando externo sobre a economia nacional.
Refira-se ainda que
na origem de algumas destas actividades estão os já citados processos de
reorganização e reestruturação empresarial com externalização de serviços
(serviços de limpeza, portaria e vigilância, por exemplo) ou a «aquisição à
medida» de força de trabalho (empresas de trabalho temporário) dando uma forte
contribuição para a precariedade laboral e exploração, abrangendo hoje mais de
100 mil trabalhadores.
iv) As actividades financeiras
(banca, seguros e actividades correlacionadas) - o seu peso no produto tem vindo a crescer de forma sistemática: 1975:
3,4%; 1985: 5,6%; 1995: 6,0% e 2004: 6,6%. Os seus trabalhadores correspondem a
cerca de 1,6% do emprego. Em 2006, o total de activos financeiros detidos pelo
bancos comerciais era equivalente ao PIB nacional e se tivermos também em
consideração a capitalização bolsista e o total da dívida titularizada
(obrigações) o montante é equivalente a quase 3,5 vezes do PIB, o que mostra o
grau de financeirização da economia nacional.
Mas a sua
influência directa e indirecta ultrapassa em muito aqueles dados. O sector é o
coração dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar estratégico
do capital transnacional. Resultado do processo de privatizações, a que se
seguiu uma «dinâmica» reestruturação por via de fusões e de cruzamento de
participações, a concentração do sector em cinco grandes grupos - CGD, BCP,
BES, Santander Totta e BPI - representa cerca de 90% dos recursos captados,
crédito sobre clientes, margem financeira e resultados líquidos. O sector
funciona como centro de acumulação e de distribuição de capital, através da
transferência de riqueza do sector produtivo para o sector financeiro (o cash
flow anual do sector bancário já ultrapassa 4% do PIB), com a participação do
Estado, através de regulamentação e legislação, inclusive fiscal, adequada a
esses objectivos.
Releve-se: um
sector bancário dos «mais modernos e avançados» numa economia cada vez mais na
cauda da Europa!
v) O turismo é um importante sector da vida económica
nacional, responsável de forma directa por mais de 5,5% do PIB e 8% do emprego
e níveis de crescimento acima da média.
A afirmação do
turismo e da sua importância económica nas últimas décadas, é indissociável da
melhoria das condições de vida e dos direitos dos trabalhadores, conquistados
com o 25 de Abril, pelo que a possibilidade da sua expansão está associada à
democratização do acesso de cada vez mais largas camadas ao turismo e à
evolução da situação económica nacional.
Representando o
mercado interno uma importante parcela da actividade turística, constituiria, a
ser devidamente potenciado, um importante factor de dinamização económica do
País e uma componente decisiva para a coesão económica e social entre as várias
regiões.
A crescente
actividade dos grupos financeiros - designadamente no alojamento, agenciação e
distribuição - e uma política fiscal penalizante, têm-se traduzido não só numa
concentração do sector, como em dificuldades num tecido empresarial
predominantemente constituído por pequenas e médias empresas.
vi) O sector dos correios (sector postal) e as
telecomunicações empregam cerca de 37 mil trabalhadores e correspondia em
2004 a cerca de 3% do PIB, constituindo as telecomunicações a sua parte
dominante, com quase 90% do produto do sector. Trata-se de um dos sectores mais
modernos da economia nacional e com maior dinamismo e incorporação de novas
aquisições da ciência e da técnica.
Apresenta elevadas
taxas de crescimento - por exemplo, entre 1996 e 2003 apresentou uma taxa média
de crescimento anual de 6,4%, embora com oscilações anuais significativas.
As privatizações
ocorridas no sector e as ameaças que pendem sobre as empresas ainda públicas
constituem uma vulnerabilidade estratégica que pode pôr em risco um harmonioso
e coerente desenvolvimento do sector. Neste domínio, há que destacar pela
negativa a privatização de redes - infra-estruturas estratégicas da maior
importância - que põe em causa a soberania nacional e a progressiva
liberalização do sector dos serviços postais, decorrente do processo em curso a
nível comunitário, no âmbito da Estratégia de Lisboa e da directiva de serviços
postais.
2.2. A estrutura empresarial
2.2.1. Em Portugal, coexistem, conforme a
Constituição, diversas formações
económicas: empresas de capitais públicos, empresas privadas de diversa
dimensão e empresas ditas de economia social, sendo que a titularidade do
capital, pode ser nacional, estrangeiro ou misto.
As dinâmicas, nos
últimos vinte anos, destas diferentes formações têm sido: diminuição drástica
do peso do sector público empresarial na economia, tendo hoje uma presença
muito reduzida (3,7% do PIB em 2006), o que contraria a ordem constitucional;
forte ampliação do domínio e presença das empresas privadas, quer pela entrada
nos sectores antes públicos, quer em novas áreas antes não empresarializadas e
que eram do domínio da Administração - saúde, ensino, etc.; manifesto aumento
de peso e de protagonismo do capital estrangeiro.
2.2.2. A estrutura empresarial da economia
portuguesa, é constituída dominantemente por micro e pequenas empresas - em 2003 constituíam 97,2% do total de empresas
(sendo 81,8% micro e 15,4% pequenas empresas), 36% do volume de negócios e 55%
de emprego. Estrutura que, embora semelhante à da UE, apresenta um menor nível
dimensional médio das empresas, o que constitui uma fragilidade adicional da
nossa economia.
É de salientar o
elevadíssimo número de empresas em nome individual resultantes, na maioria das
situações, de violentos processos de desestruturação da economia, consequência,
nomeadamente, de um elevado desemprego e uma alta taxa de falências.
Em contrapartida,
as médias e grandes empresas constituem cerca de 2,4% do total de empresas, a
que corresponde 64% do volume de negócios e 45% do emprego.
Registe-se, que
entre 2000 e 2004, o número de microempresas cresceu 9% ao ano, enquanto as
pequenas empresas cresceram 7,3%, o que confirma e agrava a debilidade atrás
referida. Ao contrário, o crescimento das grandes empresas apresentou valores
na ordem dos 1% a 2% ao ano.
As micro e pequenas
empresas são dominantemente de capital nacional, detidas por pequenos
empresários isolados ou em associação, normalmente de carácter familiar,
enquanto que as médias e grandes empresas, particularmente estas últimas, são
fortemente dominadas pelo grande capital nacional e estrangeiro.
É ainda importante
ter em conta, que quer os grandes, quer os médios grupos económicos, têm no seu
seio, imensas médias e pequenas empresas, conseguindo por esta via gerir melhor
no seu interesse, resultados e impostos, bem com aceder a fundos públicos para
incentivo da actividade económica.
As micro e pequenas
empresas encontram-se dominantemente no comércio, na indústria transformadora e
nos serviços, enquanto as médias empresas estão na indústria transformadora e
nos serviços.
As grandes empresas
actuam em áreas básicas e estratégicas da economia, dominantemente no sistema
financeiro, nos transportes, no sector energético, nas comunicações e
telecomunicações, no comércio grossista e no retalhista, na saúde, na indústria
mineira e nalguns sectores da indústria transformadora pesada. Com excepção da
grande distribuição, a quase totalidade destas empresas decorrem de empresas
públicas e participadas, entretanto privatizadas.
2.2.3. As
micro e pequenas empresas são reféns do grande capital nacional e estrangeiro,
dada a sua natureza monopolista e o seu domínio dos mercados e sectores
estratégicos, seja enquanto fornecedor - casos das subcontratações ou do
aprovisionamento de grandes grupos de distribuição - seja enquanto compradores
de serviços essenciais e factores de produção - casos da banca e dos seguros,
da electricidade, do gás, das telecomunicações, etc.
O resultado destas
relações de força está bem visível no nível de endividamento das sociedades não
financeiras, a imensa maioria das quais micro, pequenas e médias empresas, que
era de 60% do PIB em 1995 e atingiu 105% do PIB em 2006, duplicando a sua
dimensão em 12 anos e sendo o segundo maior da zona euro.
2.2.4. Existem ainda algumas grandes e médias empresas onde se verifica a presença, por vezes
muito significativa, de capitais
públicos, embora com situações muito diversas em termos do peso societário
do Estado - cerca de 110 empresas - a que devem acrescentar-se as recentes
empresas com o estatuto de empresas públicas, ou aparentemente equiparadas,
como são as EPE.
Contudo, muitas
destas empresas, porque correspondem a projectos, terão uma vida efémera - caso
das 17 sociedades Polis -, além de que várias outras resultaram da
empresarialização de actividades tradicionalmente na Administração Pública -
caso dos 36 hospitais EPE e SA.
O Estado ainda
detém posições completamente dominantes ou muito relevantes no sector
financeiro - CGD - na comunicação social - Lusa e Rádio e Televisão de Portugal
- nas infra-estruturas aéreas - ANA, ANAM, EDAB, NAER e NAV - e ferroviárias -
REFER e RAVE - e portuárias - administrações de cinco grandes portos - e
rodoviárias - Estradas de Portugal - e outras - EDIA, REN, Docapesca.
Na área industrial
detém 100 % da EDM, EMPORDEF e ENVC e posições significativas na SPE -
Sociedade Portuguesa de Empreendimentos e nas Minas de Ouro de Penedono. Nos
serviços de utilidade pública detém posições a 100% nos CTT e Águas de
Portugal. Na área dos transportes detém 100 % do capital da TAP, da SATA, da
CP, do Metropolitano de Lisboa, da CARRIS, dos STCP e da Transtejo e posições
relevantes nos metropolitanos do Mondego e do Porto. Através da CGD detém
posições na PT (5,13%), EDP (5%), CIMPOR (2,08%), BCP (2,4%) e GALP (1,39%).
O Estado detém
ainda em algumas empresas as chamadas acções douradas («golden shares»), as
quais permitem, com um pequeno número de acções, ter uma intervenção
determinante em certos domínios estratégicos.
Estas posições são
hoje contestadas pela UE, e a sua eliminação significará o afastamento total do
Estado de empresas e sectores estratégicos. Devendo ser combatida qualquer
cedência, a situação evidencia a razão do PCP quando afirmava que só o estatuto
público dessas empresas dará garantias sólidas da intervenção necessária do
Estado na sua orientação. Para memória, recorde-se que o estatuto das empresas
públicas deslizou inicialmente para sociedades anónimas de capitais públicos, a
que se seguiram privatizações parciais e minoritárias, que posteriormente foram
transformadas em maioritárias.
2.2.5. O sector cooperativo e social compreende (constitucionalmente) os
meios de produção possuídos e geridos por cooperativas; por comunidades locais;
por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, designadamente de natureza
mutualista; e os que são objecto de exploração colectiva dos trabalhadores.
Destes subsectores,
o autogestionário teve relevância no pós-25 de Abril, mas foi sendo destruído,
o comunitário, de que são expressão mais saliente os baldios, tem uma expressão
económica e social significativa na floresta do Norte e Centro do País, e os
subsectores cooperativo e solidário têm claramente peso económico e social,
destacando-se o sector agrícola (em especial o leiteiro e o vitivinícola), a
habitação, o consumo (apesar do papel dos grandes grupos económicos da
distribuição) e o apoio social (cooperativas de apoio a necessidades educativas
especiais).
O sector
cooperativo e social apresenta uma diversidade significativa, sem que esteja
estabelecida uma regulação que garanta a não utilização abusiva de tal
estatuto. O INSCOOP, instituto público que deveria assumir esse papel, nunca o
fez, pelas opções políticas que orientaram os sucessivos governos.
A ofensiva
capitalista ataca o sector produzindo uma ideologia neoliberal que procura
anular a especificidade própria do sector (por exemplo, tratando no mesmo plano
a empresa cooperativa e a empresa privada), ou considerá-lo uma vertente do
passado, limitando-o a funções caritativas ou assistencialistas, tendo como
objectivo a sua utilização no processo de privatização das funções do Estado
através da transferência das suas responsabilidades para a chamada «economia
social» (Instituições Particulares de Solidariedade Social, Misericórdias,
Fundações e Associações com forte presença da Igreja Católica), como sucede nas
áreas da saúde e apoio social. Tem particular significado o forte alargamento
do «edifício» das IPSS, muito dependente das verbas transferidas anualmente
pelo Orçamento do Estado, ao mesmo tempo que é destruída a rede pública de
equipamentos e serviços sociais. Segundo dados oficiais existiam, em 2005, mais
de 5 300 entidades proprietárias de equipamentos colectivos, onde o sector
designado por não lucrativo correspondia a 73% do total, sendo que as IPSS ou
equiparadas detinham 90% deste valor.
O sector
cooperativo e social radica a sua lógica em valores de cooperação, entreajuda,
solidariedade, respeito mútuo e princípios de liberdade, autonomia, em
contraponto ao estímulo do individualismo, competição, sujeição, domínio e
poder do dinheiro. Com objectivos, formas jurídicas, actividades e meios
diversos, este sector apresenta uma natureza social que, em contraponto ao privado,
visa servir os associados e a comunidade, em vez do benefício pessoal e da
apropriação da mais valia.
A dimensão do
sector da «economia social» está expressa no facto de representar, em termos de
despesa, 4,2% do PIB, empregando mais de 175 mil trabalhadores, sem contar com
um número significativo de dirigentes/voluntários.
Com dinâmica
diversa regista-se o papel significativo desempenhado por muitas colectividades
de cultura e recreio nas áreas da terceira idade, infância e ensino.
Com impactos
importantes ao nível da animação de processos de desenvolvimento local, são
ainda de referir as Associações de Desenvolvimento Local (ADL). Com
constituições distintas em função das realidades locais, enquadram
colectividades, autarquias, associações e pessoas a título individual, tendo
uma intervenção privilegiada, principalmente no espaço rural.
2.3. Os mercados
2.3.1. O
endeusamento do mercado como mecanismo de regulação automática da economia
(por oposição à intervenção do Estado) é uma velha tese liberal,
permanentemente renovada pelos arautos do neoliberalismo. Assim se procura
afirmar o Estado como pura instância política, à margem da economia e da
sociedade, escondendo a sua real e diversificada intervenção, inclusive no mercado, a favor do capital. Concepções que ignoram a
natureza de classe do Estado e omitem que as relações económicas são cada vez
mais relações de poder. Concepções que defendem o mercado como um puro
mecanismo natural de afectação eficiente e neutra de recursos escassos,
escondendo que na vida real a «mão invisível» do mercado corresponde à mão
visível das grandes empresas, nacionais e transnacionais, e do Estado ao seu
serviço. Desde há séculos, com o capitalismo, que o mercado serve mais os
interesses de uns que de todos, regula e mantém determinadas estruturas de
poder, que asseguram a prevalência dos interesses dos detentores do capital.
São concepções que pretendem transformar o sistema capitalista, com a sua
carga de exploração, de desigualdade e violência, numa neutra «economia de
mercado». O grande capital nacional e internacional elege e promove o mercado
como o alfa e o omega de toda a vida económica e social, usando-o para
prosseguir os seus interesses de classe. O que fazem, através do
condicionamento do mercado pelo Estado - «regulando-o» e «administrando-o»
quando liberaliza, privatiza e intervém, através da fixação de preços ou da
gestão da «procura pública», da aquisição pelo Estado de bens e serviços, ou do
financiamento público do grande capital, através da sua força económica.
2.3.2. O mercado interno, medido pela
procura interna, corresponde actualmente a cerca de 108% do PIB - 69% de produção nacional e 39% de importações -, o que
demonstra inequivocamente quanto o mercado interno é importante para a produção
nacional e para o crescimento económico do País.
O mercado interno
nacional (satisfação das necessidades das famílias, das empresas e do Estado)
tem cada vez menos resposta por via da produção nacional de bens e serviços
devido aos estrangulamentos dos sectores produtivos e é cada vez mais ocupado por
importações. A taxa de cobertura das importações pelas exportações tem vindo a
degradar-se face à crescente diminuição da produção nacional - na agricultura,
nas pescas e na indústria e à invasão de produção estrangeira.
Dependendo do
crescimento e do desenvolvimento económico, para além de uma política de
protecção da produção nacional (possível mesmo no quadro das regras da UE), o
nível do mercado interno é reflexo da evolução do PIB e do rendimento
disponível e sua distribuição pelas diferentes classes, camadas e tipos de
consumo, sendo que nos últimos anos tendo sido fortemente condicionado pelas
restrições orçamentais por via do Pacto de Estabilidade, afectando a procura pública.
O grande capital
nacional, com pequenas excepções, actua dominantemente no mercado nacional e em
áreas de reduzida, ou mesmo nula, concorrência internacional.
Ao contrário, o
mercado externo, relativamente às empresas nacionais, é dominantemente ocupado
pela actividade industrial, associada às PME, com excepção da pasta e papel e
dos produtos siderúrgicos, actividades ligadas ao grande capital nacional e
estrangeiro. Por outro lado, as microempresas estão viradas fundamentalmente
para o mercado interno.
As grandes empresas
multinacionais que actuam na área industrial - sobretudo automóvel,
electrónica, TIC, têxtil e calçado, e alguns produtos mineiros - trabalham
dominantemente para a exportação, dominando já uma parte importante desse
mercado.
O turismo tem,
obviamente, uma elevada componente associada ao exterior - 15% da estrutura das
exportações, em 2005 -, ou seja, o grande peso dos turistas estrangeiros no
total da actividade, sendo que a exportação de serviços já começa, de forma
persistente, a ter algum significado: cerca de 5,5% do PIB.
2.3.3. O mercado externo, medido pela exportação de bens e serviços, corresponde a 31% do PIB, e deve ser abordado nas suas actuais duas componentes:
intracomunitário (dito interno na UE) e extracomunitário. O traço mais
impressivo da evolução do comércio externo é o seu afunilamento (e com ele o
conjunto das relações económicas) no mercado da União Europeia, com as
exportações e importações, a oscilar em torno dos 80%, sendo particularmente
significativo o caso do mercado espanhol, que hoje ronda os 30% (destronando o
mercado alemão).
Nos mercados
extra-comunitários têm-se verificado alguns crescimentos em anos recentes nas
relações com o Brasil, Angola e EUA.
O mercado externo
para a economia portuguesa está hoje fortemente condicionado pela política comercial
da União Europeia, dos seus acordos bilaterais e posições na OMC, que tem sido um importante
instrumento utilizado pelos países capitalistas mais desenvolvidos para impor,
a nível mundial, uma ordem económica ao serviço das empresas transnacionais e
em que a liberalização do comércio é a arma mais relevante. Ora essa política é
fundamentalmente determinada pelos interesses das grandes potências da União
Europeia, como é bem visível no caso do têxtil e da agricultura. As orientações
que a UE tem defendido na OMC, de liberalização do comércio mundial
(agricultura, indústria e serviços, mas igualmente o investimento e a
concorrência) são particularmente graves para o País.
2.3.4. A afirmação do respeito pelas regras da concorrência e da ficcionada
igualdade de todos os agentes económicos no mercado, questões decisivas para
assegurar a credibilidade das teses capitalistas, é suportada por todo um
arsenal de regras, instituições «independentes» (autoridades de concorrência) e
tribunais, destinados a garantir tal desiderato.
A realidade é que
as múltiplas e diversificadas situações de monopólio e cartel existentes no
quadro da reconstituição monopolista em Portugal foram criadas pelo Estado,
numa deliberada «ausência» deste na sua efectiva regulação e intervenção,
subvertendo completamente os princípios da concorrência. São muitos os exemplos
da concertação de preços, de abuso de posição dominante, de concorrência
«desleal» sem que a AdC intervenha ou os prevaricadores sejam
significativamente penalizados.
Duas outras
questões têm um grande impacto na concorrência: as ajudas estatais e a economia
paralela. Em diversos países da UE, as ajudas dos estados nacionais, (não
confundir com as ajudas apoiadas por fundos comunitários) às empresas, ocorrem
a níveis muito superiores aos de Portugal, o que vicia a concorrência nos
mercados internacionais e também no próprio mercado nacional, prejudicando
particularmente a nossa indústria transformadora. A economia paralela introduz
mecanismos de concorrência desleal, prejudicando fortemente as empresas
cumpridoras dos seus deveres fiscais e sociais.
2.4. Políticas
de investimento e fundos comunitários
2.4.1. O
investimento nos factores de produção e infra-estruturas, materiais e
imateriais, se devidamente planeado, direccionado e aplicado, corresponde a uma das condições básicas para sustentar o
crescimento económico e o desenvolvimento.
Por outro lado,
estudos recentes evidenciam a correlação fortemente positiva do investimento
público, particularmente em infra-estruturas, sobre o produto, o emprego e as
receitas fiscais, nomeadamente pelo seu efeito de arrastamento sobre o
investimento privado.
Ora, a política
antinacional dos governos e do grande capital, suportada pelo neoliberalismo
das orientações comunitárias, e particular do Pacto de Estabilidade, seja pelas orientações
estratégicas do capital estrangeiro, conduziu a que o investimento em Portugal
está, há anos, muito aquém das necessidades quantitativas e qualitativas da
nossa economia.
As
evoluções da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) nos últimos anos são bem
demonstrativas deste facto. Entre 2001 e 2006, a redução acumulada em termos
reais da FBCF foi de 15,7%, o que é dramático. Desde 1997 o investimento
público vem perdendo peso no investimento total atingindo o mínimo histórico em
30 anos, de 2,3% do PIB em 2007 e representando 10,4% do total do investimento
realizado no País.
A manifesta
insuficiência do investimento privado é também a prova de que não basta a
iniciativa privada para dinamizar a economia - o capital privado investe onde
houver possibilidades de bons lucros e retorno rápido - não sendo sua
preocupação responder aos problemas da economia nacional. É ainda uma evidência
a enorme mistificação da Bolsa de Capitais como fonte de financiamento do
investimento empresarial!
Atente-se nos
desequilíbrios na distribuição do investimento realizado, com o imobiliário a
absorver uma grossa e desproporcionada fatia face às necessidades da economia
nacional.
2.4.2. Os
fundos comunitários trouxeram para Portugal entre 1986 e 2005, nos três
primeiros quadros comunitários, o valor de cerca de 56 mil milhões de euros, o
que em termos médios, corresponde a um valor de 2800 milhões de euros /ano e a
cerca de 7,7 milhões de euros/dia.
Esta entrada de
fundos na economia portuguesa, tendo tido real impacto, apresenta contudo, uma
muito reduzida eficácia em termos estruturantes, como se verifica, por exemplo, com a reprodução do
mapa assimétrico do investimento público, devido, no fundamental, pelo menos
aos seguintes problemas, muitas das vezes interdependentes: insuficiente e
inadequado planeamento de necessidades; orientações não correspondendo às
necessidades essenciais da economia, como por exemplo num privilégio
sistemático dos investimentos do grande capital, em desfavor dos apoios às
pequenas empresas; desperdício por não aproveitamento total dos fundos em cada
quadro comunitário de apoio; saídas muito significativas de verbas para o
estrangeiro, destinadas à importação de equipamentos inseridos em projectos
co-financiados, ou seja, em cada três euros que entraram de fundos, um euro
voltou a sair em forma de importações aos países mais ricos da União Europeia;
insuficiente fiscalização e controlo; atenuação ou anulação das suas
potencialidades, devido a políticas comuns e nacionais de sentido inverso ao dos
fundos.
O uso dos fundos
comunitários enquanto moeda de troca para compensar a destruição e atrofiamento
do aparelho produtivo nacional, faz dos fundos e da sua aplicação um elemento
obviamente negativo
2.4.3. O
investimento directo estrangeiro em Portugal (IDEP), embora em termos
brutos tenha assumido um papel quantitativo significativo - 228 mil milhões de
euros a preços correntes, entre 1996 e 2006 -, o que corresponde a cerca de 67%
do total da FBCF no mesmo período, em termos líquidos, isto é, subtraindo os
desinvestimentos efectuados no mesmo período, fundamentalmente resultado de
deslocalizações, o IDEP baixa consideravelmente para 41,5 mil milhões de euros,
12,1% da FBCF.
O IDEP trouxe impactos positivos no PIB, às exportações e ao incremento do nível
tecnológico do nosso tecido produtivo, com efeitos de demonstração, ao mesmo
tempo que absorveu parte muito significativa dos fundos comunitários e
nacionais; simultaneamente, apresenta consequências inquietantes como a das
deslocalizações e exportação de elevados rendimentos. Em 2006, o total de
lucros e juros pagos ao estrangeiro, foi de 1100 milhões de euros por mês. Por
outro lado, em grande parte, o IDEP dirigiu-se para a aquisição de empresas,
através da participação em aumentos de capital e aquisição de participações
(22% do IDEP no período), apossando-se mesmo de
importantes sectores económicos nacionais (privatizações). Dirigiu-se também significativamente para os
empréstimos de curto prazo (47,3% do IDEP no período).
Os principais sectores
onde tem intervindo são a indústria (entre 30% a 40%), as actividades
imobiliárias e os serviços prestados às empresas (entre 20% e 25%), o sistema
financeiro e o comércio e a restauração (entre 50% a 35%).
Nos últimos anos, a
sua principal origem é a UE (86% do IDEP), com destaque para o Reino Unido, a
Alemanha, a França e a Espanha, que representam no seu conjunto 55,2% do IDEP
no período considerado (1996-2006).
2.4.4. Em sentido contrário a este e ao das reais
necessidades nacionais, aparece a partir de meados da década de 90 uma nova
orientação estratégica do grande capital nacional, que é o do investimento directo português no
estrangeiro, IDPE, o qual atingiu a soma de 100,8 mil milhões de euros, a
preços correntes, entre 1997 e 2005, com o seu pico em 2000/2001, embora
mantendo-se ainda muito elevado até 2004.
O valor líquido do
investimento de Portugal no estrangeiro, no período entre 1996 e 2006, é
superior ao valor líquido do investimento estrangeiro no nosso País no mesmo
período. Sublinhe-se ainda, pela negativa, que a generalidade desses
investimentos foi generosamente apoiada por fundos públicos, nacionais e
comunitários, mesmo quando se destinaram a actividades financeiras,
imobiliárias ou puramente especulativas.
O destino do
investimento é dominantemente a UE e o Brasil, com 76,7% do IDPE.
No actual quadro de
debilidades e dependências, o IDPE, nos níveis a que se tem situado, é
claramente contra os interesses nacionais, já que está subordinado aos
objectivos e interesses estratégicos dos grandes grupos económicos nacionais
desviando, em simultâneo, brutais verbas necessárias ao investimento em
território nacional, começa a ser responsável pela deslocalização de algumas
actividades produtivas e aumenta a dependência financeira do País, dado que
parte das verbas necessárias a tal investimento, acabaram, directa ou
indirectamente, por vir do estrangeiro, sob a forma de empréstimos ao sistema
bancário português. Por outro lado, não tem progredido onde seria mais
necessário: o estabelecimento de cadeias e bases logísticas para a colocação
internacional da produção nacional.
2.5. A presença
do capital estrangeiro
O capital
estrangeiro tem vindo a ocupar de forma crescente importantes e estratégicos
espaços na economia portuguesa, acentuando a sua subcontratação, dependência e
vulnerabilidade.
O processo de
privatizações constituiu a principal alavanca de entrada e aceleração do peso
do capital estrangeiro na nossa economia, devido à etapa de desnacionalização
que se seguiu, em muitas situações, à etapa de privatização das empresas
públicas. Por outro lado o grande capital nacional, no quadro estratégico do
processo de recuperação capitalista, elegeu como instrumento a associação ao
grande capital internacional, que o ajudou por todas as formas - políticas,
económicas, financeiras - designadamente através de relações societárias. Por
fim, a livre circulação de capitais decorrente do processo comunitário da UEM,
a que se seguiu a criação do euro, facilitou extremamente as aquisições de
activos em Portugal.
A presença do
capital estrangeiro pode constituir, conjunturalmente, um elemento positivo de
desenvolvimento, em função da sua dimensão, condições e actividades em que se
fixa, nomeadamente assegurando transferência de tecnologia, arrastamento de
indústrias nacionais, diversificação e alargamento dos mercados externos,
sustentabilidade e estabilidade por prazos adequados, inclusive garantindo os
reinvestimentos necessários, sem acentuar vulnerabilidades e dependências. O
que em geral não tem acontecido.
São aspectos
particularmente críticos de grande parte do actual IDE no País a sua natureza
«beduína» sempre pronta a deslocalizar-se, deixando para o Estado português o
desemprego e os custos sociais, a opção por actividades de baixo valor
acrescentado e baixa incorporação tecnológica (investimento em segmentos curtos
da cadeia de valor), a absorção de brutais apoios ao investimento, inclusive
para a sua manutenção em actividade (por vezes com recurso à chantagem sobre o
Estado português), a exportação elevadíssima de lucros, não cuidando de
reinvestimentos e baixando de forma relevante o rendimento nacional disponível.
2.6. Produtividade e
competitividade da economia portuguesa
2.6.1. A criação sustentável de riqueza em
patamares superiores ao actual passa inevitavelmente pelo permanente acréscimo
da produtividade e da competitividade dos diversos subsistemas da nossa
economia: das empresas, das infra-estruturas e do Estado. A maioria das
empresas portuguesas apresentam um baixo nível da produtividade e
competitividade quando comparadas com as dos países mais desenvolvidos da
UE. E esses diferenciais de produtividade e competitividade face às médias da
União Europeia têm sido usados pela política de direita e pelo grande patronato
como argumentos para alterar a legislação laboral e direitos sociais, como o
subsídio de doença e de desemprego.
Para lá da enorme mistificação
ideológica em torno dos conceitos de produtividade e de competitividade que,
aliás, frequentemente se confundem de forma não inocente, procura-se
estabelecer uma sequência lógica salário (trabalhador) - produtividade -
competitividade, como se houvesse uma simples relação causa/efeito na esfera
tão complexa da produção económica, olhando para o salário como um mero custo
micro-económico e não como uma importante componente do rendimento nacional,
cujo incremento fomenta a despesa, o investimento, a procura interna e em
consequência o crescimento económico. Fundamentalmente, procura-se ocultar que
a degradação das condições de trabalho, a falta de investimento nos
instrumentos de produção e a precarização dos vínculos de trabalho são a
principal condicionante da força de trabalho para a produtividade, a par das
responsabilidades dos gestores, eles próprios com baixas qualificações, pela reduzida
incorporação de investigação científica e desenvolvimento tecnológico na
produção, pela pouca atenção às formas de gestão e organização das cadeias de
produção e unidades empresariais. É de perguntar se os «salários» e outras
benesses que os gestores auferem, nomeadamente ao nível dos CEO (Chief Executive Officer) de grandes
empresas nacionais e multinacionais, muitas vezes dezenas e mesmo centenas de
vezes superior ao salário médio dos trabalhadores, se justificam em algum
critério de produtividade, ou seja, se produzem dezenas ou centenas de vezes
mais que um trabalhador.
2.6.2. Deve acrescentar-se que a baixa «produtividade» média da economia
portuguesa resulta, no fundamental, de um perfil de especialização com um
peso determinante das indústrias de mão-de-obra intensiva (baixa composição
orgânica do capital) e baixo valor acrescentado, igualmente da responsabilidade
das políticas dos governos PSD e PS, que liquidaram importantes ramos e
fileiras industriais - química, farmacêutica, metalomecânica pesada - e que não
impulsionaram a alteração desse perfil produtivo. Como também deve registar-se
a subvalorização ou o desprezo a que têm sido votados matérias-primas e
recursos produtivos endógenos em geral, como fontes de energia, solos, subsolo
e oceano, passíveis de contribuir como importantes factores produtivos para a
elevação do produto nacional.
2.6.3. Também na avaliação do nível de competitividade da economia portuguesa,
que se procura reduzir ao factor preço do produto e à produtividade, se esquece a
ausência de políticas de defesa do mercado interno como faz a generalidade dos
outros Estados, a adopção da moeda única euro (perda de competitividade de 2%
ao ano devida à taxa de câmbio efectiva), o reduzido apoio às micro, pequenas e
médias empresas, as inúmeras carências e custos elevados, quando comparados com
os de outros países da UE, dos serviços financeiros, energia, telecomunicações
e transportes e logística.
2.7. Ciência e
Tecnologia
2.7.1. A escassez dos recursos afectados às actividades
científicas e técnicas é um obstáculo maior ao desenvolvimento económico e
social do País. O investimento em
Ciência e Tecnologia (C&T) e, em geral, em Actividades Científicas e
Técnicas (AC&T) é um factor crucial para a concretização de uma política alternativa
que efectivamente conduza à melhoria das condições de vida do povo português no
quadro de uma democracia avançada, nos planos político, económico, social e
cultural. O ritmo de criação de riqueza depende do volume de recursos humanos,
materiais e financeiros que são afectados a essas actividades, volume que é
entre nós muito insuficiente, constituindo esse facto, em si mesmo, um
obstáculo maior a um desenvolvimento socialmente justo e economicamente
sustentável.
Sendo certo que a
parte principal dos recursos humanos, materiais e financeiros do Sistema
Científico e Técnico nacional (SCT) deveria encontrar-se no sector produtivo, à
semelhança do que acontece em todos os países desenvolvidos, em Portugal o peso
das actividades de investigação e inovação de produtos e processos, ao nível
das empresas é mínimo. Importa sublinhar que sem aparelho produtivo não é
possível construir em bases sólidas, expandir e consolidar, um Sistema
Científico e Técnico, promover uma afectação significativa de recursos às
actividades de I&D e criar condições favoráveis à motivação e expansão do
sistema.
2.7.2. No que respeita às actividades de
investigação científica e desenvolvimento tecnológico (I&D), a situação
caracteriza-se, essencialmente, pela
degradação e abandono das instituições públicas e pela residual
participação do sector empresarial, público e privado, quer no financiamento
quer na execução dessas actividade e crónico
subfinanciamento das instituições e unidades públicas de investigação -
Laboratórios do Estado mas também centros ligados à universidade - e pela
gestão incorrecta, burocrática e arbitrária dos parcos fundos disponibilizados.
Caracteriza-se também pela extraordinária escassez de pessoal técnico de apoio
às actividades de I&D, de todas as especialidades e pelo vínculo precário
às instituições em que trabalham; pela insipiência e degradante situação de
abandono de infra-estruturas oficinais e outras, necessárias ao desenvolvimento
de actividades de investigação, quer fundamental, quer, sobretudo, aplicada,
bem como ao desenvolvimento de projectos de inovação e ao «trabalho de campo»,
particularmente junto de PME que na sua grande maioria não dispõem de condições
mínimas para inovar e modernizar processos e produtos sem um apoio técnico
externo sustentado e convenientemente dirigido. A insuficiência dos
financiamentos e as carências do apoio técnico vedam às equipas nacionais
certas áreas de trabalho no País, o que se reflecte no número
desproporcionadamente reduzido de patentes registadas.
2.7.3. Junta-se a isto a ausência de uma politica científica nacional e de desenvolvimento
das necessárias infra-estruturas públicas prestadoras de serviços
técnico-científicos e uma definição inconsistente e incompleta das funções ou
missões próprias de instituições tuteladas pelo Estado.
Importa também
sublinhar, o desequilíbrio existente entre o volume dos recursos atribuídos à
I&D, já de si insuficiente, e aquele, proporcionalmente muito mais
insuficiente, que é atribuído às múltiplas actividades conexas, de carácter
científico e técnico, de crucial importância para o funcionamento da sociedade.
Trata-se de actividades científicas e técnicas que, embora sem carácter
necessariamente inovatório, são indispensáveis ao aumento da produtividade na
criação de riqueza e à melhoria das condições de vida da população. Trata-se
nomeadamente de actividades desenvolvidas por entidades do sector público, de
cuja capacidade técnica e eficaz funcionamento depende a efectiva minimização e
prevenção de riscos públicos de vária natureza.
Quase um terço da
força de trabalho total afecta a actividades de I&D no sector público é
hoje constituído por bolseiros ou outro pessoal em situação de emprego
precário, na sua maioria com formação superior e mesmo pós-graduada. O seu
número vem crescendo regularmente em consequência do prosseguimento de uma
política de formação de doutores que, por um lado, não tem em conta as
necessidades reais do sector produtivo e, por outro, convive com o persistente
bloqueio do recrutamento de pessoal para a Função Pública, onde existe uma
gritante carência de pessoal especializado no vasto conjunto de serviços
técnico-científicos a que atrás se fez referência.
Este quadro
negativo não implica o desconhecimento ou desvalorização de importantes pólos
de excelência, onde se pratica trabalho de I&D com resultados reconhecidos
dentro e fora do País.
2.8. As economias paralela
e clandestina
2.8.1. As
economias paralela e clandestina assumem um peso muito preocupante na economia
portuguesa, peso que afecta a sua saúde e o seu regular funcionamento.
Segundo alguns especialistas a economia paralela significará cerca de 20%/25%
do PIB real, ou seja, um valor que deve andar na ordem dos 45 a 50 mil milhões
de euros por ano, nos últimos anos.
A economia paralela
corresponde a actividades económicas lícitas, feitas à margem das leis, na
prestação de serviços e actividades comerciais diversas.
No entanto, uma
parte não maioritária é constituída pelos chamados «biscates», realizados por
pessoas que, por terem rendimentos insuficientes, ou por não conseguirem
arranjar emprego, exercem actividades precárias e temporárias.
Por outro lado, a
economia clandestina corresponde a actividades ilícitas, como a contrafacção,
ou criminosas, como por exemplo a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, o
tráfico de armas, o jogo ilícito e a prostituição.
2.8.2. A
economia paralela, pela sua natureza, não tem qualquer registo na contabilidade
nacional, dado que as suas actividades não são declaradas em sede de início
de actividade económica, bem como de prestação anual de contas, nos termos da
lei, e portanto não ficam sujeitas a quaisquer contribuições e impostos: IVA,
IRC, IRS e contribuições para a Segurança Social, desviando assim dos cofres do
Estado, brutais valores, que alguns estudiosos crêem ser da ordem dos 16 mil
milhões de euros /ano (valores dos últimos dois anos), valor várias vezes
superior aos fundos comunitários.
No plano social, as
economias paralela e clandestina, são responsáveis e mantêm ou alimentam um
mercado clandestino de mão-de-obra, o qual envolve particularmente
trabalhadores imigrados em situação ilegal, que vivem sem quaisquer direitos
económicos e sociais e muitas das vezes em regime de quase escravatura.
Por outro lado, a
economia paralela, porque de forma ilegal, não incorre numa série de custos,
subverte as regras da concorrência, prejudicando simultaneamente o Estado e as
empresas legais.
2.8.3. As
economias paralela e clandestina, radicam nalgumas características genéticas do
capitalismo, que as fomenta e protege, sendo factualmente fortes as
relações entre estas e a economia legal. O sistema financeiro tem um papel
muito importante nesta ligação e nesta cobertura, designadamente quando
escorado em sistemas como o do sigilo bancário e dos offshores, os quais dão objectivamente cobertura à lavagem de
dinheiro ou à fuga e evasão fiscais.
Recorde-se que, no
plano do discurso, todos os partidos e governos estão contra estes fenómenos
profundamente corrosivos da economia, da coesão social e da estruturação do
Estado, mas de facto, na prática, colocam todos os obstáculos à eliminação do
sigilo bancário e ao desaparecimento das offshores
e em geral não criam as estruturas de investigação e fiscalização adequadas
e com meios suficientes para o combate a estas actividades.
2.9. A dependência
estrutural externa da economia portuguesa
2.9.1. A dependência estrutural da economia
nacional e do País ultrapassa em muito o grave desequilíbrio dos fluxos
económicos e financeiros com os Estados membros da UE e o resto do mundo, traduzido
no agravamento do défice da balança corrente e de capital e na dimensão da
dívida externa, que tem vindo a crescer a ritmos preocupantes.
O elevado e crescente défice
da balança corrente (mercadorias, serviços e
rendimentos) e de capital com o exterior (cerca de 8% do PIB em 2006, em
contraponto com os 2,3% do PIB em 1996), tem conduzido ao aumento do
endividamento externo e/ou à alienação de activos nacionais a não residentes,
aumentando a dependência externa do País, impondo uma forte restrição ao normal
desenvolvimento da nossa economia que põe em causa a independência nacional.
O endividamento externo espelhado na dívida externa líquida passou de
cerca de 8% em 1996 para cerca de 80% do PIB no final em 2006, o que é
expressão em si da estagnação do aparelho produtivo nacional e do consequente
recurso crescente a importações de bens e de capitais para satisfazer as
necessidades do País.
O endividamento externo espelha-se também nos níveis de endividamento
das famílias, das sociedades não financeiras (empresas) e das sociedades
financeiras (Bancos). Estas últimas têm apostado fundamentalmente no recurso ao
financiamento externo bancário em detrimento da poupança interna, para fazer
face às necessidades de financiamento das famílias e das empresas, seduzidas
pelas baixas taxas de juro praticadas na zona euro. A continuada subida das
taxas de juro, desde o final de 2005, determinada pelo Banco Central Europeu
(BCE), traz riscos acrescidos às famílias, às empresas e à própria Banca,
ameaçando com a subida dos níveis de incumprimento de uns e outros.
O referido
desequilíbrio assume ainda uma gravidade maior no contexto do afunilamento em
matéria de exportações e de outras relações económicas com um reduzido número
de países (Espanha, Alemanha, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica/Luxemburgo).
2.9.2. A dependência estrutural externa está
também espelhada na enorme expressão da subcontratação
das empresas portuguesas pelo capital transnacional, quer em sectores
tradicionais (têxtil) quer em sectores de desenvolvimento recente, como o
sector automóvel, ou ainda da presença, muitas vezes dominante, desse mesmo
capital em empresas e sectores estratégicos para o País (energia, indústria
extractiva, banca, seguros).
A crescente
vulnerabilidade da economia portuguesa de centros de decisão estrangeiros
(capital transnacional ou outros estados), bem visível nos crescentes problemas
decorrentes das deslocalizações, fragiliza a intervenção do Estado português na
condução da economia nacional. Esta dependência assume particular gravidade no
quadro de uma integração comunitárias que foi retirando ao Estado a livre
utilização de instrumentos de gestão económica (moeda, taxas de juro,
Orçamentos do Estado) e subordina políticas sectoriais estratégicas
(agricultura, pescas, indústria, comércio externo) a políticas ou orientações
comuns, conformes aos interesses das grandes potências da União Europeia. A que
deve acrescentar-se a elevada incerteza que paira sobre o futuro de importantes
fluxos financeiros, como as remessas de emigrantes e os fundos estruturais
comunitários que, somados à crescente drenagem para o exterior da riqueza
produzida no País, taxas de lucros e juros devidas a entidades externas que
cedem créditos ou fazem investimentos em território nacional, fazem aumentar a
dependência do País dos mercados financeiros externos para as suas necessidades
de financiamento da economia.
3. O território
e a população
3.1. As assimetrias regionais
e intra-regionais
Consequência de um modelo de desenvolvimento determinado por
políticas e opções de direita, o País não só não viu a sua coesão territorial e
social reforçar-se como assistiu ao acentuar
das assimetrias regionais e intra-regionais. Portugal é hoje um País com
uma população concentrada numa limitada parcela do território, com regiões em
despovoamento acentuado e desertificadas económica e socialmente, com uma
divergência crescente entre o espaço urbano e o rural, entre o litoral e o
interior. As desigualdades na distribuição do rendimento que colocam Portugal
numa posição vergonhosa no plano europeu (o rendimento dos 20% mais ricos era
8,2 vezes superior, em 2005, ao rendimento dos 20% mais pobres) conhecem no
próprio País contrastes acentuados como o testemunham os valores de PIB per
capita nas várias NUT III. As projecções oficiais que apontam num horizonte até
2020 para que a área metropolitana de Lisboa venha a concentrar entre 44% a 50%
do crescimento do PIB revelam um modelo de crescimento desigual e gerador de
mais assimetrias.
Uma tendência traduzida num processo de concentração da
população que, por opção, o governo insiste em acentuar. O facto de o Plano
Nacional de Políticas de Ordenamento do Território e do QREN assumirem essa
tendência como irremediável, a aprovação de uma Lei de Finanças Locais que compromete
o futuro de grande parte das autarquias do interior do País, o deliberado
encerramento de escolas, unidades de saúde e serviços públicos no interior do
País, associados a uma política económica assente no abandono do sector
primário e no despovoamento produtivo são expressão de uma orientação que é
urgente rever e inverter.
A imagem de um País cada vez mais desigual, assimétrico e em
absoluta divergência em termos de coesão - divergindo dos índices de
desenvolvimento do espaço europeu; as regiões com mais crescimento divergindo
das suas homólogas do espaço da União Europeia; as regiões mais pobres e
deprimidas divergindo da média nacional, estão aí para o testemunhar.
3.2. Tendências
demográficas
Entre 1981 e 2006 a
população residente em Portugal cresceu cerca de 7,8%, ou seja, neste período a
população residente aumentou em cerca de 765 mil indivíduos, o que significou
uma taxa de crescimento médio ao ano de 0,3%.
A análise desta
evolução populacional a um nível geográfico mais desagregado revela uma grande
heterogeneidade no crescimento demográfico de cada região. Se nas sub-regiões
do litoral aumenta a população residente, em muitas sub-regiões do interior a
desertificação atinge níveis preocupantes.
Os casos dos
concelhos do Pinhal Interior Sul, que perderam cerca de 1/3 da população
residente, do Alto Trás-os-Montes e do Douro, que perderam cerca de 20% da
população residente, e dos concelhos da Serra da Estrela, da Beira Interior
Norte e Sul, da Cova da Beira e do Alentejo, que sofreram também acentuadas
quebras, são bem elucidativos. Na totalidade estas sub-regiões perderam cerca
de 230 mil residentes nos últimos 25 anos.
O crescimento
populacional deveu-se maioritariamente ao efeito positivo do saldo migratório,
dada a fraca dinâmica natural motivada pelos baixos níveis de natalidade. Desde
1993 e, pese embora a desaceleração verificada nos últimos anos, o saldo
migratório é a principal componente do acréscimo populacional. A taxa de
fecundidade situa-se hoje nos 1,41 crianças por mulher, valor bastante inferior
aos 2,1 necessários para substituir as presentes gerações do País, resultado
fundamentalmente dos elevados níveis de precariedade do emprego e dos baixos
salários.
O índice de
envelhecimento da nossa população - relação entre a população idosa e a
população jovem - mais do que duplicou entre 1986 e 2005. Em 1986, por cada 100
jovens havia 51,3 idosos, enquanto que em 2005 por cada 100 jovens existem
110,1 idosos no nosso País.
O envelhecimento
demográfico, como resultado do aumento da esperança média de vida dos
portugueses e da redução da taxa de fecundidade, a imigração e o acentuar da
litoralização da nossa população - abandono das regiões interiores do País e a
concentração da população nas faixas litorais e em particular nas duas grandes
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto - constituem os grandes desafios
demográficos que a sociedade portuguesa hoje enfrenta.
3.3.
Migrações
3.3.1. Portugal não deixou de ser um país de emigração, que tem hoje, segundo estimativas oficiais, cerca de 5
milhões de portugueses espalhados pelo mundo.
A partir da década de 90, a
emigração oficial aumentou consideravelmente, em resultado das políticas de
recuperação capitalista dos sucessivos governos que, longe de cumprirem as
promessas de mais desenvolvimento e riqueza, continuam a obrigar uma parte
significativa da população a procurar uma vida melhor no estrangeiro.
Mantendo-se como actividades predominantes dos novos emigrantes as da
construção civil, agricultura, hotelaria e restauração, limpezas e indústria
transformadora, o valor das suas remessas continua a constituir uma importante
fonte de receitas para o País (em 2006, 2,4 mil milhões de euros, cerca de 1,6%
do PIB).
Olhados pelo actual governo do PS,
a exemplo de sucessivos governos, como um simples instrumento para o
desenvolvimento da sua política e escamoteando o forte contributo para a
economia portuguesa, as comunidades portuguesas continuam a não ter uma
política que responda aos seus interesses e necessidades, tais como a promoção
da língua e cultura portuguesas, o apoio ao movimento associativo, o reforço
dos serviços consulares, a consideração dos emigrantes sazonais, a dignificação
do Conselho das Comunidades Portuguesas.
3.3.2. A imigração
tornou-se um fenómeno estrutural da demografia portuguesa a partir da década de
80. Em Portugal, a população estrangeira com situação
regularizada quadruplicou entre 1990 e 2006, passando de 107 mil para 409 mil
imigrantes, e representando hoje cerca de 4,5% da população portuguesa.
Concentrados
maioritariamente nos distritos de Lisboa, Faro, Setúbal e Porto (77% do total
dos imigrantes em situação regular), calcula-se em cerca de 170 mil o número de
imigrantes em situação irregular.
Os trabalhadores
imigrantes são cerca de 10% dos trabalhadores por conta de outrém, trabalhando
em número significativo em sectores como a construção civil, a hotelaria,
restauração, comércio e agricultura. Na sua maioria são sujeitos a condições de
trabalho precárias, ou mesmo fisicamente perigosas, com elevados níveis de exploração,
baixos salários, sem protecção social, com desrespeito pelos seus direitos e,
em alguns casos, sujeitos/as a situações de abuso.
O impacto da imigração legal na economia do País é considerado positivo.
Segundo dados de 2004 do Conselho Económico e Social, os imigrantes eram
responsáveis por cerca de 5% do PIB nacional e o seu contributo para as contas
públicas, através dos impostos e taxas, é maior do que os custos que lhes estão
associados, tornando-os, por isso, contribuintes líquidos para a nossa
sociedade.
A imigração
constitui um contributo positivo para o equilíbrio demográfico, para a
sustentabilidade dos regimes de Segurança Social e para a própria actividade
económica.
3.4. Problemas ambientais
3.4.1. Também na área do ambiente, a vertente
estruturante da política dos governos do PS e do PSD consiste na cedência dos bens públicos, neste caso dos
bens ambientais, às grandes empresas privadas.
A política
ambiental dos governos de direita em Portugal tem conduzido à progressiva
sujeição da Natureza ao capital. Incapaz de uma visão global, a direita concebe
a Natureza como um agregado de coisas
separadas (utilidades) e não como um sistema global e funcional em evolução.
Assim, concretizando a exploração capitalista do trabalho e o uso
capitalista das condições naturais e sociais os governos de direita têm
conduzido à destruição acelerada da Natureza em Portugal. Sob a capa hipócrita
do «desenvolvimento sustentável» a direita tem vindo a corromper as bases
ecológicas da existência humana. Os governos de direita, enquanto comités de
negócios do capital, são facilitadores da apropriação capitalista do património
natural e social e da conversão destas condições em meios de exploração dos
trabalhadores.
3.3.2. As políticas
seguidas por sucessivos governos têm tido como consequência no ordenamento do
território a progressiva consolidação de um modelo de enormes assimetrias e
desequilíbrios territoriais, de integração territorial subalterna no quadro
ibérico, de favorecimento da grande especulação imobiliária. A especulação
imobiliária tem vindo a instalar-se em terrenos antes ocupados por unidades
industriais e nas zonas ribeirinhas e portuárias, cuja desactivação pressiona,
inviabilizando no presente e para o futuro o potencial económico e gerador de
riqueza dessas localizações privilegiadas, num processo em que é incentivada a
apropriar-se e a depredar valores ambientais e do património natural.
Um dos exemplos mais gritantes desta política é a legislação que enquadra a
atribuição de estatuto de Projecto de Interesse Nacional (PIN). Claramente
orientados para facilitar a especulação urbanística e a construção de
empreendimentos de luxo em locais anteriormente não edificáveis, a maioria dos quais localizados em Áreas
Protegidas, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional ou em Rede
Natura 2000. A manutenção de um regime de restrições associado à Rede Natura
2000 e à sua delimitação, fortemente penalizador das populações e desadequado à
realidade do território, é assim excepcionado no interesse do grande capital,
reservando-lhe amplas áreas do território nacional. Como subproduto dramático
apresenta a impossibilidade de, em grandes espaços do território, permitir um
planeamento adequado e contribuir para dispersão das áreas construídas, com as nefastas
consequências económicas e ambientais associadas.
3.4.3. A subserviência ao
capital no que toca às políticas da água
expressa-se claramente na Lei-quadro da Água e na Lei da Titularidade dos
Recursos Hídricos e legislação subsequente, votada favoravelmente por CDS-PP,
PSD e PS. Essas leis instituem as bases para grandes senhorios privados de
acesso e comercialização de toda a água, infra-estruturas e terrenos associados
- barragens, portos, margens, ilhas e praias. Instituem regras de mercado orientadas
para a rentabilização comercial e especulativa de um dos bens mais essenciais à
vida e ao desenvolvimento económico.
A recente nomeação
das comissões instaladoras das Administrações Regionais Hidrográficas é um
passo claro no sentido daquele objectivo.
3.4.4. As políticas de eliminação de resíduos são dominadas pelo
objectivo de criação de negócios e de protecção de clientelas, patentes na
privatização progressiva dos sistemas públicos de resíduos sólidos e águas
residuais, e nas opções de tratamento dos resíduos perigosos em particular,
como é o caso das co-incinerações impostas pelo PS antes de efectuados os
estudos que a justificam.
Ao invés da redução
das emissões de gases de estufa, Portugal tem vindo a aumentá-las,
ultrapassando já os limites acordados. Simultaneamente, o governo ofereceu às
grandes indústrias créditos de emissão transaccionáveis, e projecta a aquisição
de novos créditos através do orçamento público.
3.4.5. As orientações políticas dominantes na área da
conservação da natureza - acentuadas com o actual governo, designadamente
quanto à inoperacionalização do Instituto de Conservação da Natureza e
Biodiversidade (ICNB) - têm contribuído para uma profunda degradação dos
espaços naturais de protecção especial, para a expansão de urbanizações ditas
«turísticas», para a diminuição da biodiversidade, para o aumento comprovado do
número das espécies ameaçadas de extinção, para a degradação dos habitats
naturais e para a marginalização das populações aí residentes.
A política de conversão dos ecossistemas para uso intensivo, subsidiada
tendo em vista a maximização do lucro privado a curto prazo, tem-se traduzido
na progressiva erosão dos solos.
No que respeita às
águas interiores, o uso indiscriminado de fertilizantes e pesticidas tem criado
problemas graves de poluição.
A construção de
barragens mal localizadas tem vindo a alterar o transporte de sedimentos com
impactos negativos na biodiversidade e na adulteração de paisagem. A não
planificação dos sistemas de irrigação e a sua ineficiência geram riscos
acrescidos de salinização dos solos e contaminação de aquíferos subterrâneos.
Nos últimos anos,
observam-se alterações significativas
nos ecossistemas portugueses, como sejam o aumento da floresta de
monocultura (pinheiro e eucalipto) e o abandono agrícola com o aumento de áreas
de mato e de áreas urbanizadas. A
redução do coberto de vegetação nativa, particularmente no Norte de Portugal,
afecta a biodiversidade, como o testemunha a redução da floresta de carvalhos
(menos de 4% da área florestal) mais resistente aos incêndios.
3.4.6. A
qualidade ambiental do País tem vindo a regredir face à política de
desresponsabilização do Estado, de abandono e de privatização, num processo em
que é sempre a classe dominante que tem retirado frutos da delapidação da
natureza, onerando cada vez mais as populações, quer pela via do passivo
ambiental crescente, quer pela via do esforço financeiro que, cada vez mais, se
lhes exige, sob a capa de «custos ambientais».
Os resultados da
política de direita, que o actual governo PS prossegue, traduzem-se na
crescente vulnerabilidade do País, assolado por cheias, secas, incêndios e
degradação dos recursos naturais.
4. Os principais sectores
sociais do Estado
4.1. A educação
e o ensino
4.1.1. São condições
fundamentais para o desenvolvimento económico e social do País, e
particularmente para a melhoria do nível de vida dos trabalhadores e a
efectividade do regime democrático, a elevação do nível médio de escolaridade
dos portugueses, a formação de quadros médios e superiores em maior número e
com melhor qualificação, como factores de superação de atrasos e debilidades da
estrutura produtiva e da vivência cultural.
A aposta dos sucessivos governos num modelo de desenvolvimento assente no baixo nível de escolaridade e de
qualificação e nos baixos salários teve como principais consequências que,
em relação à população empregada, 70,6% disponha do Ensino Básico ou menos, e
que apenas 14,2% tenha escolaridade de nível superior. Igualmente significativo
é o facto de os novos patrões, surgidos na década de 90 em Portugal, terem, em
média, apenas 7,7 anos de escolaridade.
Comparativamente à
média dos países da OCDE, a fracção da população portuguesa entre os 25 e o 64
anos, com o ensino secundário completo é 2,6 vezes inferior, enquanto a taxa de
retenção e abandono precoce nos Ensinos Básico e Secundário foi de 43,9%, a
mais elevada de toda a UE. São estas e não outras, as principais causas do
atraso estrutural do País.
O agravamento dos
custos para as famílias com o ensino (em média, uma família portuguesa com um
filho em idade escolar gasta 600 euros/ano em despesas com a educação e
ensino), com o argumento que o retorno desse investimento é dirigido ao aluno e
não ao País, tem como objectivo elitizar economicamente o acesso a níveis
superiores de formação e favorecer a privatização do ensino. Esta tese e a
prática de baixos salários incentivam o abandono precoce da escola e os baixos
níveis de escolaridade e de qualificação. Ao contrário, as conclusões de
estudos realizados na própria óptica capitalista, indicam que uma economia é
tanto mais competitiva e produtiva quanto mais elevados forem os níveis de
escolaridade, de qualificação e dos salários dos trabalhadores.
Sucessivos estudos
evidenciam o papel do ensino e também da formação profissional na produtividade
e no rendimento de cada trabalhador.
O «Inquérito aos
Orçamentos Familiares 2000» realizado pelo INE revelou uma correlação positiva
entre o «grau de instrução do representante do agregado familiar» e «receitas
médias líquidas anuais» do agregado familiar.
De acordo com o
INE, em 2006, o salário médio mensal de um trabalhador com o ensino básico era
apenas de 565 euros, com o ensino secundário e pós-secundário 758 euros, e com
o ensino superior de 1355 euros.
Os truques
estatísticos e os programas de formação que apenas visam passar diplomas sem
uma real aquisição de conhecimentos e melhoria de qualificação dos portugueses,
são uma cortina que oculta os problemas estruturais da educação em Portugal e
não contribuem para a recuperação dos atrasos que temos nesta área.
4.1.2. Com a Revolução de
Abril, a escola pública e gratuita, que representa um grau de
compromisso social pela formação, assumiu-se como o esteio fundamental da
educação e ensino no País. Num ataque deliberado e cirúrgico ao princípio da
escola pública, os últimos anos mantiveram na continuidade da política de
direita como linhas condutoras a crescente desresponsabilização do Estado, o
financiamento público das instituições de ensino privado e a subalternização de
critérios pedagógicos em prol de preceitos economicistas e elitistas.
Sendo que o
prolongamento da crise que se tem vivido nesta área se deve em grande medida à
reforma educativa da responsabilidade do governo PSD/Cavaco Silva e às
políticas prosseguidas e aprofundadas pelos governos de António Guterres e de
Durão Barroso, que culminou no actual governo PS/Sócrates, a situação hoje é
caracterizada pela maior ofensiva no Portugal de Abril contra a escola pública
e os direitos de professores, estudantes e trabalhadores não docentes.
4.1.3. No espaço
comunitário europeu a aprovação da Estratégia de Lisboa, cujo objectivo central
afirma ser a transformação da economia europeia na mais competitiva do mundo,
estimulou processos de destruição das funções sociais do Estado, fazendo-as
transitar para a esfera das relações económicas. A consequência imediata destes
processos significa, no campo da educação, organizar todo o espaço social da
aprendizagem e formação do indivíduo em relação às necessidades específicas do
desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo.
O argumento de que
o Estado não tem recursos inesgotáveis e que o resultado da relação
custo/eficiência é muito limitado tem justificado a apropriação deste serviço
público por parte do privado.
Esta é uma
realidade indissociável das políticas neoliberais que pretendem a
desresponsabilização do Estado pela garantia de direitos fundamentais e
universais e que se traduzem na crescente mercantilização da educação.
Utilizando o financiamento do Estado e os fundos públicos, o capital tem
progressivamente alargado a sua presença no sector do ensino. Desde 96/97,
enquanto o ensino público registou uma variação negativa de 15,4% o privado viu
o seu peso crescer em 4,2%.
Na sequência da
implementação do processo de Bolonha, o ensino superior, que já vinha
degradando significativamente os seus níveis de exigência e qualidade, deixa de
seguir padrões de serviço público nacional e adopta padrões de bem comercial
sujeito às regras do mercado único.
É neste contexto
que o processo de integração do nosso sistema de ensino superior no processo de
Bolonha, e a recente imposição por parte do governo e do Grupo Parlamentar do
PS de um novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, e do quadro
legal da sua avaliação e acreditação devem ser encarados, também como uma
machadada em trinta anos de autonomia universitária, sendo este o mais
significativo ataque ao carácter público, à gestão democrática e ao governo
autónomo das universidades.
Além disso, o novo
regime jurídico das instituições de ensino superior, ao estimular a passagem
das universidades a fundações públicas de direito privado, representa um
significativo passo em direcção à privatização do ensino superior público.
Os recentes acordos
sobre a divisão internacional do trabalho identificam claramente o interesse do
capitalismo, em limitar a formação da força de trabalho criando espaços
económicos periféricos onde predomina o baixo valor acrescentado. É este o
objectivo que leva a União Europeia a facilitar a aplicação das normas liberais
no domínio da educação, permitindo aos vários governos a opção de transformar
os seus sistemas de ensino em sistemas estratificados com uma base
desqualificada, frequentada pela maioria e um pequeno grupo de escolas frequentadas
pela elite económica e social, e de diminuírem o investimento na área da
investigação, inovação e modernização tecnológicas.
4.1.4. O desinvestimento público na educação é
acompanhado pelo aumento dos apoios às instituições de ensino privado e pelo peso crescente dos custos com a educação
suportado pelas famílias.
Entre 2005 e 2007,
de acordo com os relatórios dos Orçamentos do Estado, as despesas com a
educação, incluindo todas as despesas com a educação e ensino superior, em
percentagem das despesas totais do Estado passou de 17,5 % em 2004 para 15,7%
em 2007 enquanto, em contrapartida, tem crescido o financiamento de entidades
privadas de ensino (mais 6% em 2008) por parte do Estado à medida que vai
crescendo o número de estabelecimentos de ensino privado e o número de alunos
nele matriculados.
Uma das principais
causas das elevadas taxas de abandono e do insucesso escolares reside no baixo
rendimento das famílias, agravado com o aumento acelerado dos custos com a
educação (um acréscimo de 38% nos últimos 5 anos).
4.2. A saúde
4.2.1. A criação de um serviço público de saúde em Portugal, resultado da
iniciativa revolucionária do povo e de muitos profissionais de saúde no
contexto da Revolução de Abril, teve consagração constitucional com a designação
de Serviço Nacional de Saúde (SNS),
instrumento para a concretização da responsabilidade prioritária do Estado em
garantir o direito à saúde a todos os portugueses em condições de igualdade.
Apesar de todas as dificuldades e obstáculos, o SNS obteve
resultados muito significativos e contribuiu para os importantes ganhos em
saúde registados em Portugal, o que o coloca no 12.º lugar a nível mundial
segundo a última avaliação feita pela Organização Mundial de Saúde.
4.2.2. A ofensiva contra o SNS, que se intensificou com o actual
governo, tem como objectivos impedir a articulação e exploração integral das
potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da
transferência de recursos públicos para a acumulação privada. Não será estranho
que o mercado global da saúde em Portugal seja já superior a 14 mil milhões de
euros, quase 10% do PIB.
As políticas de redução e desresponsabilização do Estado,
assente na lógica do «Estado mínimo» e na adopção do princípio do
utilizador-pagador, servem sobretudo o objectivo de garantir a progressiva
separação dos papéis de financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado
os dois primeiros e delegando a prestação noutras entidades, não publicas,
mediante mecanismos de contratualização ou pela via da privatização de
serviços.
4.2.3. A visão
economicista da saúde tem consequências bem visíveis: encerramento de serviços (SAP, CATUS, SADU, extensões de Centros de
Saúde, urgências hospitalares, maternidades, serviços psiquiátricos)
concretizado sob a capa de «reestruturação de serviços»; maiores dificuldades
no acesso aos cuidados de saúde; mais de 700 mil portugueses continuam sem
médico de família e cerca de 220 mil esperam uma cirurgia; progressiva
degradação da qualidade dos serviços prestados; mais precariedade no emprego
para os profissionais da saúde; aumento dos custos para os utentes.
Os portugueses são confrontados com o crescimento exponencial
dos custos privados em saúde (mais de 15% entre 2001 e 2005). Em resultado do
elevado preço dos medicamentos, da introdução das taxas «moderadoras» e do
agravamento do seu custo, bastante acima da inflação e o facto de recorrerem
cada vez mais a serviços privados. A decisão recente de aplicar as taxas
moderadoras a todos os serviços, incluindo internamentos e cirurgias, levará a
um novo agravamento dos custos para os portugueses. Limitações que põem em
causa o direito constitucional do acesso aos cuidados de saúde.
4.2.4. Portugal é um dos
países da OCDE onde a comparticipação do
Estado na despesa por habitante é mais baixa (a contribuição de cada
português no total das despesas com a saúde é de cerca de 30%).
Em 2005, segundo dados da OCDE, Portugal ocupava em termos de
despesa com a saúde o 23.º lugar entre 30 países, com uma despesa «per capita»
de 2033 dólares PPC, menos de metade da Noruega ou da Suiça e muito afastado da
Grécia com 2.981 dólares.
Portugal foi um dos países onde a despesa com a saúde
aumentou menos por habitante mas onde os ganhos em saúde foram maiores: entre
1970 e 2005 a mortalidade infantil diminui em Portugal 52 pontos, na Dinamarca
9,8 e nos Estados Unidos 13,2 pontos; a esperança de vida à nascença aumentou
em Portugal 10,7 anos, na Dinamarca 4,6 anos e nos Estados Unidos 8,1 anos.
4.2.5. O governo procura justificar o aumento da despesa no sector com os custos
com os custos da evolução tecnológica, com o envelhecimento da população e com
a despesa em recursos humanos.
A verdadeira razão para o
crescimento da despesa com a saúde em Portugal é o peso da componente privada
(aquisição de serviços de saúde a entidades privadas) na despesa total do SNS.
Destaca-se também a despesa com medicamentos, que representa cerca de 26% do
total daquela despesa (a maior taxa no quadro da UE a 15). Outra razão para o
aumento da despesa é o custo do subfinanciamento crónico (cerca de 10%
relativamente às necessidades), o que constitui factor de instabilidade e gerador de acumulação cíclica
de dívidas que agravam o desempenho e os resultados obtidos na prestação de
cuidados de saúde.
Entre 2003 e 2005 as despesas com pessoal aumentaram 10,8%,
mas as despesas com «subcontratos» com privados cresceram 21,3%. Só nos «Meios
Complementares de Diagnóstico e Terapêutica», o valor da despesa subcontratada
foi de 680,6 milhões de euros, mais 14,1% do que em 2003.
No caso do medicamento - cujo mercado global em Portugal
atinge cerca de 4 mil milhões de euros, dos quais 3 mil 200 milhões no
ambulatório - a política de transferência de custos para os utentes faz com que
estes paguem mais de 46% do total da despesa com medicamentos em Portugal.
A liberalização da venda dos medicamentos não sujeitos a
receita médica teve como consequência o aumento dos preços. Dois anos depois da
entrada em vigor da medida, estes medicamentos sofreram um aumento médio de
3,5%.
A introdução dos medicamentos genéricos, desde sempre
defendida pelo PCP, tem visto o seu impacto reduzido pela cedência a pressões
ilegítimas de interesses instalados da indústria e pela opção estratégica de
transferência de custos para os utentes.
4.2.6. No quadro do agravamento do conflito público-privado no SNS
vão emergindo no «mercado da saúde»
cinco grandes grupos privados que têm consolidado as suas posições, não
apenas com uma aposta significativa nos cuidados hospitalares e de ambulatório,
mas também pelo facto de o governo estar a recuar relativamente à construção de
unidades públicas de saúde e estar a encerrar serviços que, em muitos casos são
substituídos de imediato pela iniciativa privada.
José de Mello
Saúde, Grupo Português de Saúde, Espírito Santo Saúde, Hospitais Privados de
Portugal e CESPU - Serviços de Saúde, têm em curso grandes investimentos na
área da saúde, cuja rentabilidade depende do principal cliente que é o Estado.
Segundo dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), cerca
de 10% das camas do sector hospitalar e 50% dos cuidados ambulatórios do
mercado estão nas mãos de privados, números que irão crescer com as Parcerias
Público Privadas e com um significativo crescimento do investimento directo em
hospitais e clínicas. Estes cinco grupos têm hoje uma facturação global bem
superior a 500 milhões de euros, valor que crescerá muito rapidamente tendo em
conta que apenas dois destes grupos - Mello e BES - esperam facturar mais de
800 milhões de euros já em 2010.
4.3. A Segurança
Social
4.3.1. A implementação do Sistema Público de Segurança Social é
uma conquista recente, indissociável da Revolução de Abril e das suas profundas
transformações económicas e sociais, que permitiu romper com a situação herdada
do fascismo, responsável pela insuficiente cobertura de riscos sociais, pelo
baixo valor das prestações sociais e pela exclusão no acesso da maioria da
população a qualquer direito de protecção social.
O aumento significativo dos valores das prestações da previdência
social, a criação de novas prestações cobrindo novos riscos sociais, as
iniciativas de apoio à família, a criação de creches e infantários e de lares
para os idosos tiveram um papel decisivo na promoção de novos e importantes
direitos de protecção social aos trabalhadores e camadas mais desfavorecidas.
Tais medidas inseriram-se no desenvolvimento de um novo modelo de segurança
social, cuja natureza e finalidades deveriam concorrer para uma mais justa
repartição do rendimento nacional e melhoria das condições de vida da
população.
Consagrado na Constituição da República Portuguesa, o Sistema
de Segurança Social, assente no seu carácter público, universal e solidário
confere ao Estado a responsabilidade na sua organização, coordenação e
financiamento, visando assegurar a efectivação do direito de todos à segurança
social.
A natureza e objectivos deste modelo de segurança social não
está «ultrapassado», nem em risco de colapso financeiro, como pretendem os que
sempre exigiram a transferência para o sector privado das componentes da
segurança social susceptíveis de ampliar os lucros do capital financeiro
(fundos de pensões, banca e seguradoras) e a redução das responsabilidades do
grande patronato no financiamento do Sistema Público.
No plano financeiro, o Sistema Público tem registado saldos
positivos que atestam as suas capacidades: em 2004 de 276,6 milhões de euros;
em 2005, 297,8 milhões de euros e em 2006, de 715,8 milhões de euros, ou seja
mais 140% do que em 2005. A que se acrescenta o Fundo de Estabilização
Financeira da Segurança Social, que é uma reserva para fazer face a qualquer
dificuldade financeira, que atingiu em 2006 cerca de 7 mil milhões de euros.
No plano dos direitos, o Sistema Público de Segurança
confirma o seu papel insubstituível na garantia de direitos consubstanciados no
pagamento de importantes prestações sociais aos trabalhadores (no desemprego,
doença, invalidez, viuvez, maternidade-paternidade e de apoio à família); aos
reformados e pensionistas (reforma) e aos cidadãos em situação de pobreza e
exclusão social (pensão social, rendimento de inserção e Acção Social). A
existência destes direitos tem condicionado um mais vasto alastramento das
desigualdades sociais e da pobreza, mas reflectem a imposição de um modelo de
segurança social assente no baixo valor das prestações sociais e na mais baixa
despesa com protecção social relativamente à média dos países da União
Europeia.
4.3.2. A evolução do Sistema Público de Segurança Social, marcada pela política
de direita, tem vindo a cercear as suas
capacidades de consolidação financeira e o seu papel enquanto instrumento
ao serviço do aprofundamento das modalidades de protecção social e de coesão
social, em resultado das orientações macroeconómicas e da sujeição ao pacto de
estabilidade combinadas com o subfinanciamento do sistema público.
O ataque continuado à
sua natureza e finalidades é responsável por elevados custos sociais: degradação do valor das
diversas prestações sociais e alterações nos critérios de atribuição visando
reduzir o universo de beneficiários; transferência da gestão pública da rede de
equipamentos sociais e da Acção Social para o sector privado e instituições de
solidariedade social (mantendo-se uma forte dependência de financiamentos
públicos); forte pendor assistencialista das respostas às situações de pobreza
e de exclusão social com destruição dos meios e mecanismos públicos de apoio à
inserção social.
Acrescem os elevados custos económicos para a segurança
social pública, isto é para os trabalhadores e para o País, que resultam: da
continuada perda de vultuosas receitas devidas ao Sistema, pelo avolumar da
dívida e evasão à segurança social (cujo valor em 2005 se situava nos 3.400
milhões de euros); da subdeclaração de salários (que representou uma perda de cerca
de 2 mil milhões de euros no ano de 2005); da dívida do Estado, pela utilização
indevida de verbas do regime dos trabalhadores para financiar as componentes
não contributivas (cerca de 7.300 milhões de euros em 1996); a crescente
dependência de serviços prestados por empresas privadas, que deveriam ser
efectuados no interior do Sistema Público.
Neste processo destacam-se ainda os crescentes benefícios
dados ao grande capital em matéria de segurança social, de que são exemplo as
retenções indevidas de contribuições por parte das entidades patronais, as
falências fraudulentas, os salários em atraso, a imposição das pré-reformas aos
trabalhadores e as isenções injustificáveis no pagamento da taxa social única.
A estes problemas, que têm um iniludível custo económico e
social, somam-se os que resultam da imposição de um modelo económico e social
assente na fragilização do aparelho produtivo e na crescente financeirização da
economia, em elevadas taxas de desemprego, em baixos salários e nas
discriminações salariais e na generalização da precariedade laboral.
Em 2006, cerca de 83% dos reformados viviam com menos de um
salário mínimo nacional por mês; 42% viviam com pensões inferiores a 300 euros
(ou seja, 1 milhão e 100 mil reformados); o valor da pensão média das mulheres
era 59,8% inferior à dos homens. E, no entanto, entre 1975 e 2004, a riqueza
criada por trabalhador cresceu 41 vezes (o PIB por trabalhador subiu de 640
euros para 26 300 euros), não obstante neste período ter baixado 2,3 vezes o
número de activos por pensionistas.
Esta ofensiva à natureza e finalidades do Sistema Público foi
sempre acompanhada pela forte pressão do poder político, exercida pelo grande
capital, no sentido de uma profunda alteração das bases do sistema de segurança
social.
4.3.3. A ofensiva
para impor um modelo neoliberal na segurança social, que conhece, com o actual governo PS, o mais grave desenvolvimento, dá
continuidade a uma prolongada acção com vista à subversão da natureza política
do Sistema e do seu carácter universal e solidário.
Em 1987 o então primeiro-ministro Cavaco Silva viu rejeitado
o seu projecto de subversão do Sistema Público emanado de Abril, para dar corpo
a um projecto de privatização da segurança social de acordo com as orientações
do Banco Mundial. Em 2002 o governo do PSD/CDS-PP altera as bases do sistema de
segurança social dando os primeiros passos no processo de alteração do
enquadramento jurídico da segurança social visando a redução do papel do
Sistema Público, a privatização das pensões (sistema complementar) e da Acção
Social e a universalidade dos direitos.
Retomando as «velhas» campanhas alarmistas sobre a evolução
futura da situação financeira da segurança social, este governo impõe um vasto
conjunto de medidas que desfere um duro golpe ao direito à reforma dos
trabalhadores da administração pública e do sector privado; que perpetua as
baixas pensões e reformas pagas pelo Sistema público; que reduz o alcance
social de importantes prestações sociais, de que são exemplo o subsídio de
desemprego, o abono de família, a pensão de sobrevivência, a licença de 150
dias de maternidade e paternidade.
O governo do PS «dispensa» o papel do Sistema Público de
Segurança Social num quadro em que se agudiza a chocante desigualdade na
distribuição da riqueza nacional em detrimento dos que vivem do seu salário ou
da sua pensão: em que 10% dos mais ricos da população recebem mais rendimento
do que 50% da população; em que a parte da riqueza produzida que reverte para
os trabalhadores, sob a forma de remuneração, continua a ser muito baixa.
Estabelece como prioridade das políticas públicas a redução do valor das
reformas a partir de 2008, por via da introdução do factor de sustentabilidade.
Em franco desenvolvimento estão um conjunto de alterações aos critérios de atribuição
de diversas prestações sociais (subsídio de desemprego, abono de família,
pensão de sobrevivência) e igualmente a criação do sistema complementar público
de contas individuais ao serviço da dinamização dos fundos privados de pensões
e à custa dos direitos dos trabalhadores e dos seus direitos. São dados passos
decisivos com vista à privatização da Acção Social transferindo esta
responsabilidade para o sector privado e instituições de solidariedade social
mas mantendo a dependência dos dinheiros públicos.
Fazendo uso de posturas alarmistas sobre o futuro da
Segurança Social, enfatizando os problemas demográficos (aumento de esperança
de vida e quebras de fecundidade), o actual governo transforma o sistema
público num sistema residual e com pendor caritativo, desvaloriza as causas da
deterioração da situação financeira da segurança social e rejeita a adopção de
políticas alternativas que na segurança social retomem a consolidação da
natureza pública, universal e solidária do Sistema Público. Assumindo maior
ambição na concretização das políticas ao serviço do grande capital, o
PS/Sócrates assume a responsabilidade pela imposição de um modelo económico e
social assente nas orientações neoliberais e que, na segurança social, a não
ser interrompido, hipoteca os direitos de segurança social para as actuais e
futuras gerações de trabalhadores, aprofundando as injustiças e desigualdades
sociais.
4.4. A cultura
No plano da
cultura, entendida no amplo sentido que integra a cultura científica, tecnológica, artística e filosófica, a educação,
o ensino e a comunicação social, a evolução da situação nacional é de
significativo atraso, de desinvestimento e de crise das instituições, de
elitização, de privatização, de crescente subalternização e secundarização no plano
internacional.
Não há indicador,
seja no plano da formação, seja nos planos da criação e do desenvolvimento
artístico e científico em que o nosso País não apareça na cauda da tabela, não
apenas dos países desenvolvidos, mas também abaixo de alguns países ditos de
desenvolvimento médio.
Existe um longo
antecedente histórico para a situação de atraso em que o nosso País se
encontra. Mas não podem ser rasurados deste antecedente os anos em que as
políticas de direita no plano governamental têm persistentemente agido em duas
direcções complementares: na desresponsabilização, nomeadamente pela ausência
de investimento e dotação orçamental significativos para as áreas da cultura
artística e científica, e no prosseguimento de novas linhas de elitização do acesso
à criação e à fruição cultural, certamente diferentes das políticas
anti-culturais e obscurantistas do fascismo, mas igualmente com um profundo
cunho antidemocrático.
É certo que o
impulso de Abril permitiu concretizar significativas alterações que devem ser
justamente valorizadas, com grande relevo para o papel assumido pelo poder
local nas áreas da cultura artística, e também para a intervenção, iniciativa e
realização dos próprios criadores, investigadores e cientistas, para o aumento
do seu número e para os seus elevados níveis de qualificação. Foram criados
novos e importantes equipamentos. Enraizaram-se localmente valiosas iniciativas
e dinâmicas, embora crescentemente dificultadas, precarizadas ou
inviabilizadas, ou entregues à pressão mercantilizadora que a política de
direita promove e aplaude.
A situação no plano
da cultura é, assim, profundamente contraditória: existindo condições e
recursos para um efectivo crescimento, democratização e desenvolvimento, as
políticas governamentais seguidas promovem retrocesso, elitização, e uma
profunda crise.
Não são apenas os
recursos materiais e humanos existentes que permitem uma outra política, é o
interesse nacional que a exige. Uma política que projecte e invista neste
imenso potencial, que compreenda o valor emancipador da cultura e do
conhecimento, que assuma a cultura como um dos principais factores de afirmação
independente e de desenvolvimento nacional.
5. O trabalho
e os trabalhadores
5.1. O emprego e os salários
5.1.1. As transformações políticas, económicas e
sociais decorrentes do 25 de Abril convergiram para uma valorização do trabalho na sociedade
portuguesa. Foram consagrados a liberdade sindical e direitos básicos dos
trabalhadores e das suas organizações; regulada a contratação colectiva;
melhoradas as condições de vida e de trabalho; criado um sistema de protecção
social, numa perspectiva universalista e solidária.
No domínio mais
específico do mercado de trabalho, são de realçar seis aspectos fundamentais:
uma distribuição de rendimentos profunda a favor do trabalho, com destaque para
a criação do salário mínimo nacional; a consagração na Constituição do direito
ao trabalho; a regulação do mercado de trabalho por via da legislação de
trabalho, com destaque para a proibição dos despedimentos sem justa causa, e da
contratação colectiva; uma política de educação que se traduziu na elevação do
nível de habilitações da população; o aumento da participação das mulheres no
emprego; e o apoio aos desempregados, através da segurança social.
5.1.2. A luta de massas e a organização da classe
e dos trabalhadores têm sido factores decisivos para manter importantes
conquistas alcançadas. Apesar disso, significativos
retrocessos sociais acompanharam políticas de direita: agravamento da
exploração; precarização das relações de trabalho; debilitamento da regulação
contratual; secundarização no discurso político do objectivo do pleno emprego;
aumento do desemprego; elevado grau de inefectividade das normas; inserção
desfavorável dos jovens no emprego em ruptura com direitos adquiridos;
discriminação das mulheres trabalhadoras; enfraquecimento da legislação da
protecção do emprego.
Hoje, a
precariedade e as economias paralela e clandestina abrangem um elevado número
de trabalhadores. O trabalho sem direitos tornou-se uma realidade estrutural na
sociedade portuguesa. A precariedade laboral (assalariados sem contratos
permanentes de trabalho) abrange um em cada cinco trabalhadores, tendo passado
de 11,6% em 1985 para 19,5% em 2005, bem acima da média da União Europeia
(14,5% em 2005).
O emprego precário,
a economia clandestina e o falso trabalho independente representam as
principais formas de desregulamentação do trabalho no nosso País. O emprego
precário tem uma escassa relação com a natureza temporária, ocasional ou
transitória dos empregos. Em boa parte dos casos, correspondem antes a
actividades de carácter permanente. Acresce que estes empregos mantêm há vários
anos uma percentagem próxima dos 20% e que se verifica uma baixa taxa de
frequência de transformação em contratos permanentes (da ordem dos 10% ao ano).
Estes diversos aspectos evidenciam a natureza estrutural dos contratos não
permanentes. Ocorrem em todos os sectores, incluindo na Administração Pública,
mas incidem mais nos serviços e nalgumas actividades específicas (como os
centros de chamadas). As principais vítimas são os trabalhadores pouco
qualificados (mais sujeitos ao despedimento, ao desemprego de longa duração e
uma maior rotação entre empregos), e os jovens (que têm, simultaneamente, taxas
de desemprego mais elevadas e maior precariedade, que envolve também sectores
com elevada qualificação).
Os trabalhadores
imigrantes, em largo número no nosso País, são vítimas de uma exploração
agravada, muitos dos quais sem direitos e com condições de vida degradadas, em
parte consequência de situações de falta de legalização.
5.1.3. O emprego tornou-se mais vulnerável e inseguro
em resultado da interacção de factores económicos: globalização
capitalista; opção liberalizante das políticas económicas e consequente
debilitamento do tecido produtivo; sucessivos choques externos - aprofundamento
da integração europeia, alargamento da UE, fim do Acordo Multifibras, choques
petrolíferos; estratégias de gestão orientadas para a competitividade baseada
nos preços; estrutura empresarial com maior peso das micro, pequenas e médias
empresas; baixo crescimento e divergência com a média comunitária na presente
década.
Contudo, há que
destacar o impacto concreto do euro e da UEM sobre o emprego, não apenas pela
perda de competitividade decorrente de uma elevada taxa de câmbio do escudo com
o euro e da valorização deste, mas sobretudo pelo impacto da perda de
instrumentos fundamentais como a política monetária e os constrangimentos
orçamentais decorrentes do Pacto de Estabilidade.
O impacto dos
choques externos sobre o emprego foi muito profundo. As empresas recorreram a
reestruturações em larga escala, no que foram apoiadas por fundos comunitários,
incluindo os que respeitaram à formação profissional. Mas tais reestruturações
não conduziram, em regra, ao reforço das actividades produtivas. As empresas
procuraram antes comprimir os quadros de pessoal, reduzir o núcleo de emprego
permanente e recorrer o máximo possível à subcontratação no quadro de
estratégias de curto prazo que se revelaram desastrosas. Elevados apoios à
formação profissional foram desperdiçados, ou tiveram um escasso impacto no
reforço da qualificação. As empresas deram prioridade a saída dos trabalhadores
mais velhos, mas muitas vezes na casa dos 50 anos, com consequências no
desperdício de qualificações, através de diversos esquemas de reformas
antecipadas com elevados custos para a segurança social.
Os níveis de
desemprego são os mais elevados desde Abril de 1974 afectando 451 mil
trabalhadores, com uma taxa de 8% em sentido restrito (595 mil e uma taxa de
10,5% em sentido lato), situação relativa à média dos primeiros nove meses de
2007, verificando-se uma acentuada destruição de empregos qualificados e de
vínculos efectivos, e uma elevada incidência do desemprego de longa duração,
dos jovens e das mulheres. A protecção no desemprego foi reduzida e os
desempregados afectados na sua dignidade com o sistema de apresentação
periódica para ter acesso ao subsídio de desemprego.
As deslocalizações,
que começam a aumentar na presente década, representam sobretudo o
debilitamento do tecido produtivo e evidenciam o facto de o País não ter tido
uma estratégia de desenvolvimento. Evidenciam também o facto de, no actual
quadro do capitalismo, ser ilusório pensar que se reforça a competitividade por
via da manutenção de baixos salários. Os baixos salários, não impedem, afinal,
as deslocalizações.
A destruição de
empregos não se exprime apenas no desemprego e no seu núcleo mais gravoso que é
o desemprego de longa duração. Exprime-se também na inserção cada vez mais
tardia dos jovens no mercado de trabalho; nas reformas antecipadas; na
precariedade de emprego; nas economias paralela e clandestina (ainda que estas
sejam também determinadas por outros factores); nos trabalhos de mera
sobrevivência, no falso trabalho independente e em novos surtos emigratórios. A
crise de emprego é pois bem mais profunda da que se infere das estatísticas de
desemprego.
5.1.4. A evolução dos salários teve entre os
principais determinantes as transformações ocorridas com a Revolução de Abril,
as políticas económicas e a luta dos trabalhadores. Com o 25 de Abril foram
melhorados os salários, criado o salário mínimo nacional (segundo cálculos
então efectuados, foram abrangidos cerca de metade dos trabalhadores e teve uma
expressão ainda mais elevada no que se refere às mulheres trabalhadoras - 78%)
e melhoradas e ampliadas as prestações da segurança social. A repartição do
rendimento entre capital e trabalho alterou-se profundamente a favor dos
trabalhadores. A contratação colectiva, fixando não só os salários mas as
condições de trabalho em geral, desenvolveu-se numa perspectiva sectorial e
vertical, abrangendo na convenção todos ou a grande maioria dos trabalhadores.
Este quadro
modificou-se profundamente ao longo do tempo não só pelas mudanças políticas
mas também pela persistência de uma especialização produtiva baseada em
produções de baixo valor acrescentado e pela natureza das políticas económicas.
A parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu 59% em 1975, era de
40% em 2004. A determinação dos salários pela contratação colectiva foi
enfraquecida ao longo do tempo devido a posições de boicote de uma parte
importante do patronato, ancorada na CIP, e por restrições ao direito de contratação
colectiva, que vieram a culminar no actual Código de Trabalho, o qual prevê um
processo de caducidade das convenções colectivas.
As desigualdades
salariais são muito elevadas. Portugal, com um factor 8,2 (2005), tem o maior
leque salarial da UE a 25. Em 2004 12,2% dos assalariados trabalhando a tempo
completo recebia menos de 2/3 do ganho mediano, segundo estatísticas oficiais
(Quadros de Pessoal), o que constitui uma indicação da incidência da pobreza
laboral. Segundo o recente estudo sobre a «Pobreza em Portugal», 40% dos pobres
são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrém. Um em cada quatro
assalariados a tempo inteiro vive com um salário de base próximo do salário
mínimo nacional (até 15% acima deste salário). São mais atingidos alguns
sectores de serviços (como os serviços sociais), o alojamento e restauração e
algumas actividades industriais (como as indústrias têxteis, de vestuário e de
calçado, por exemplo). O salário mínimo afastou-se progressivamente do salário
médio (de 68% em 1981 para menos de 50% em 2004). No outro extremo da escala,
uma minoria de quadros superiores ligados ao grande capital aufere ganhos,
regalias e pagamentos em espécie, extremamente elevados, por vezes superiores
ou correspondentes aos da UE, parte dos quais não são declarados.
Um outro plano das
desigualdades salariais atinge os jovens e as mulheres.
A evolução do poder
de compra dos salários mostra uma situação de quase estagnação desde 2000.
Nalguns sectores, houve mesmo diminuição, sendo de destacar a Administração
Pública onde se verificou, em todos estes anos, quebras na variação real dos
salários, sobretudo em 2003 e em 2006. O governo do PS seguiu a política de
moderação salarial dos anteriores governos no sector privado ao mesmo tempo que
reduzia os salários reais na Administração Pública. Apesar disso, mantém-se uma
campanha contra os salários e a sua suposta rigidez em que são de destacar o
Banco de Portugal, influentes órgãos de comunicação social e o patronato em
conivência com o governo. O acordo de concertação social de 2006 com vista a
valorizar o salário mínimo, fixando o seu valor em 500 euros em 2011, ainda
que, por si só, não seja suficiente face ao actual panorama da fixação e
evolução salariais, constitui um passo positivo, o qual resulta da intervenção
e da capacidade reivindicativa da CGTP-IN, alicerçada em grandes acções de
massas.
5.2. Os direitos dos
trabalhadores
5.2.1. A Constituição e a legislação de trabalho
contêm um importante conjunto de
direitos dos trabalhadores, ainda que estes, sobretudo os colectivos,
tenham sido enfraquecidos pelo Código de Trabalho. Estes direitos foram, de um
modo geral, completados e melhorados pelas convenções colectivas de trabalho a
nível de sector e de empresa, as quais cobrem, directa ou indirectamente, a
larga maioria dos trabalhadores.
Apesar deste
carácter diferenciado, e dos recuos existentes, determinados pela ofensiva da
flexibilização e precarização do emprego e da relação laboral, é de valorizar o
muito que foi alcançado, por via da acção colectiva dos trabalhadores e dos
povos na luta pelo progresso social.
O 25 de Abril teve
um papel fundamental no avanço dos direitos dos trabalhadores, que foram
consagrados na Constituição de 1976. O forte desenvolvimento da contratação
colectiva neste período, através de contratos colectivos de carácter sectorial
e vertical, completou e melhorou estes direitos. O sector empresarial do Estado
teve igualmente um papel relevante, através de acordos de empresa. Em suma,
foram consagradas normas que são avançadas em termos de comparação com outros
países.
5.2.2. Os retrocessos nas transformações sociais tiveram nos
direitos dos trabalhadores um alvo essencial, sobretudo ao nível da sua
efectivação. A legislação de 1976, da responsabilidade do governo PS/Mário
Soares, sobre os contratos a prazo constituiu, pela mensagem implícita da
precarização da relação laboral, o principal instrumento para contornar a
aplicação da legislação de trabalho. Os direitos colectivos foram igualmente
enfraquecidos. Em 1977, foi alterada a legislação sobre a cobrança das
quotizações sindicais, tornando-a facultativa, com o confesso objectivo de
debilitar financeiramente a CGTP-IN. Atacou-se a contratação colectiva pela
imposição de limites salariais; condicionando o depósito das convenções;
limitando o conteúdo das convenções; publicando portarias de extensão ilegais,
condenadas pela OIT; restringindo a negociação nas empresas públicas;
bloqueando a revisão das convenções.
A par da alteração
da correlação de forças entre o capital e o trabalho, o não desenvolvimento
económico num quadro de intensificação da concorrência, europeia e
internacional, acentuou a pressão para reduzir direitos ou para os não
efectivar. O patronato adoptou como reivindicação essencial a liberalização da
legislação dos despedimentos (que originou a greve geral de 1988) e a
culpabilização da legislação de trabalho pela falta de competitividade da
economia portuguesa. A flexibilidade do trabalho passou a ser a palavra de
ordem, com impactos nos vários domínios da relação de trabalho: diversificação
das formas de contratação; desregulação dos horários de trabalho; flexibilidade
funcional; debilitamento da contratação colectiva; etc. Diversa legislação,
publicada na década de 90, teve a flexibilidade como matriz orientadora,
deixando a protecção do trabalhador para plano secundário.
A lógica de
integração europeia, pelo seu conteúdo de classe, estabelecendo como objectivo
a maximização dos lucros do grande capital à custa do aumento da exploração dos
trabalhadores, reforçou este processo. A adopção do euro teve implicações
sociais muito profundas. A impossibilidade de recurso à desvalorização da
moeda, face a perdas de competitividade, aumenta o risco de concorrência dos
sistemas sociais. Por outro lado, as exigências decorrentes do Pacto de
Estabilidade e de Crescimento vai acentuar a pressão para a redução da despesa
pública, com consequências nos direitos sociais, e nos direitos dos
trabalhadores. Os direitos dos trabalhadores da Administração Pública passaram
a ser vistos como simples privilégios, situação que tem a expressão máxima com
o actual governo.
O ataque aos
direitos dos trabalhadores integra crescentemente a limitação dos direitos de
organização e acção sindicais, do direito à greve, de manifestação e
informação, e uma grave restrição do acesso à justiça. Procurando a intimidação
e o condicionamento da luta dos trabalhadores, a acção dos grupos económicos e
financeiros e dos governos ao seu serviço, não os conseguiu, verificando-se
importantes movimentações de massas, de que são expressão actual o êxito da
greve geral de 30 de Maio de 2007 e as grandiosas manifestações nacionais
promovidas pela CGTP-IN.
5.2.3. A campanha ideológica de responsabilização da legislação do trabalho
pelos maus resultados da economia portuguesa acentuou-se na presente década,
num contexto de subordinação do poder político ao económico, de intensificação
da globalização capitalista e do alargamento da UE. Foi esta a linha
orientadora da revisão da legislação de trabalho. Ainda que a greve geral de
2002 tenha limitado alguns dos seus aspectos negativos, o Código de Trabalho
teve como consequência principal o enfraquecimento da contratação colectiva, ao
prever a caducidade das convenções colectivas.
O patronato passou
a dispor, como as associações empresariais do grande capital há muito exigiam,
da arma de poder determinar a cessação de uma convenção colectiva limitando-se
simplesmente a não acordar, exceptuando aqueles que só perdem eficácia em
resultado da sua substituição por subscrição de nova convenção. O actual
governo, que pela voz do Ministro do Trabalho afirmou que o vazio contratual
era inaceitável, veio em 2006 a publicar uma revisão parcial do Código de
Trabalho em que manteve a possibilidade de caducidade das convenções,
desvirtuou o princípio do tratamento mais favorável e limitou os direitos dos
trabalhadores em caso de caducidade da convenção. E determinou já a caducidade
de convenções colectivas.
As dificuldades
económicas servem de argumento para a tese de que se devem reduzir os direitos
dos trabalhadores para melhorar a competitividade. Mas a realidade que nenhuma
campanha esconde é que a redução de direitos serve, em primeiro lugar, o
aumento da exploração dos trabalhadores e o crescimento do lucro. É elevado o
grau de inefectividade dos direitos, sobretudo ligada à elevada precariedade de
emprego, ao peso da economia clandestina, à enorme expressão de empresas de
muito reduzida dimensão e às debilidades do sistema de fiscalização da
aplicação de normas de trabalho. É este o contexto de iniciativas em curso, no
plano comunitário e nacional, com implicações directas no direito do trabalho,
com o Livro Verde da UE e a comunicação da Comissão Europeia sobre a
flexigurança; e a revisão, anunciada para este ano, do Código de Trabalho,
expresso no relatório da Comissão do «Livro Branco», versão portuguesa da
flexigurança.
5.3. A União Europeia,
o emprego e os direitos dos trabalhadores
A integração
europeia está subordinada aos interesses do grande capital europeu. As
políticas ao seu serviço foram orientadas a partir de meados da década de 80
com o mercado único e o lançamento da União Económica e Monetária (UEM). As
críticas ao modo de integração europeia que a lógica liberalizante gerou
favoreceram a adopção em 1989 da Carta dos Direitos Sociais Fundamentais dos
Trabalhadores, uma declaração solene, que teve a oposição do Reino Unido e
escassos resultados práticos.
Com a UEM e com o
alargamento, num contexto de intensificação da globalização capitalista, a
integração europeia acentuou a ofensiva neoliberal: a realização do mercado
único prevalece sobre as políticas sociais; a política monetária, decidida por
uma instituição formalmente independente, prevalece sobre as restantes
políticas económicas; não existem adequados mecanismos compensatórios para as
perdas de competitividade.
A chamada estratégia europeia de emprego, as directrizes
apresentadas como de prevenção ao desemprego e de atenuação das suas
consequências, traduziram-se, de facto, em medidas de desregulação do mercado
de trabalho e de redução do custo do trabalho. O alargamento ocorrido em 2004
veio reforçar estas tendências.
A directiva Bolkestein, que visa completar o mercado único na
área dos serviços, embora com alterações substanciais em relação ao texto
inicial, resultantes do protesto dos trabalhadores e das populações, mantém o
seu objectivo principal: a liberalização dos serviços no âmbito da União
Europeia.
A orientação do
emprego e das normas de trabalho comunitárias são cada vez mais dominadas pela
perspectiva da flexibilidade. Com a flexigurança pretende dar-se um novo passo
para desregular as relações de trabalho (em conjugação com o projecto de
directiva europeia sobre o tempo de trabalho), facilitar os despedimentos
individuais sem justa causa, generalizar a precariedade, liberalizar o horário
de trabalho, fragilizar a contratação colectiva e debilitar os sindicatos,
através do enfraquecimento do direito do trabalho nos Estados-Membros.
5. 4. A ofensiva contra
os direitos dos trabalhadores e a campanha ideológica
Os principais
argumentos hoje desenvolvidos contra os direitos dos trabalhadores apoiam-se
essencialmente nas ideias de que estes direitos não são compatíveis com a
globalização, ou não têm em conta a situação competitiva desfavorável da
economia portuguesa, ou estão desfasados das necessidades dos trabalhadores em
economias mais avançadas.
O argumento da
«globalização», aliado ao das novas tecnologias e ao de que o modelo social
prevalecente na UE seria excessivamente avançado face à ascensão em força de
economias emergentes, com baixos salários e de normas de trabalho pouco
exigentes, é o mais corrente. Daqui resulta a pressão para a redução dos
direitos sob a ameaça das deslocalizações, escamoteando o facto da pressão do
capital sobre os salários e os direitos se exercer também nos países menos
desenvolvidos.
O segundo argumento
é o de que os direitos laborais devem ter em conta a situação competitiva
desfavorável da economia portuguesa. O fraco crescimento económico em Portugal
tem alimentado a ideia de que a saída da crise passaria por uma maior
liberalização do mercado de trabalho. Mas a verdade é que não seria com piores
condições salariais e de trabalho que se poderiam gerar os ganhos de
produtividade que todos entendem necessários para assegurar um desenvolvimento
sustentável.
O terceiro
argumento é o de que os direitos dos trabalhadores, ao não estarem adequadas a
economias e a sociedades ditas de conhecimento, acabariam por prejudicar os
trabalhadores. Estas economias exigiriam uma maior mobilidade ao longo da vida
profissional do trabalhador, pelo que se deveria apostar, não na segurança no
emprego, mas na criação de condições para a mobilidade, através da aprendizagem
ao longo da vida, de políticas activas de emprego e da protecção social no
desemprego. Os novos direitos não são incompatíveis com: o direito ao trabalho
e ao pleno emprego, quando é certo que o desemprego é inerente ao modo de
organização capitalista; os direitos colectivos dos trabalhadores, como o
direito de greve e o de contratação colectiva, que são instrumentos
fundamentais não só para defender os direitos, mas também para adaptações a
mudanças na economia e no trabalho; a protecção contra o despedimento sem justa
causa como um meio de limitação do arbítrio patronal. Esta falsa oposição entre
«novos» e «velhos» direitos esconde apenas o projecto de destruir tudo o que
dificulta a exploração patronal, mantendo apenas (ou até inovando) alguns
instrumentos que disfarcem as suas consequências mais extremas.
5. 5. Os direitos dos
trabalhadores num Portugal desenvolvido
Os direitos dos
trabalhadores não são incompatíveis nem um obstáculo ao crescimento e o
desenvolvimento económico.
Os teóricos do
capitalismo apelidam as sociedades dos países capitalistas desenvolvidos de
«sociedades do conhecimento» pondo, deste modo, a ênfase no conhecimento como
factor produtivo, insistindo em temas como a qualidade do emprego, a
qualificação, a aprendizagem ao longo da vida, a inovação, a participação e a
motivação dos trabalhadores como elementos determinantes da eficiência
económica. No entanto, a lógica da exploração capitalista dita a prática da
elevação dos lucros das empresas por via da degradação dos salários, do
desemprego, da precariedade de emprego e da limitação dos direitos dos
trabalhadores, do retrocesso social e laboral.
Também em Portugal,
admitindo-se que a baixa produtividade compromete um desenvolvimento sustentado
do País e aceitando-se que o elemento determinante é a valorização do trabalho
(ainda que com a tónica na qualificação), a estratégia dominante continua a ser
a de pretender melhorar a competitividade por via do embaratecimento dos custos
com o trabalho, com a precarização e individualização das relações de trabalho
e com a diminuição dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores,
incluindo a negociação colectiva. Esta é a questão central em torno da revisão
do Código de Trabalho. Uma estratégia alternativa exige a valorização do
trabalho como factor determinante.
6. Os grupos económicos
monopolistas e o capital transnacional
6.1. O conjunto dos grupos
económicos depois de Abril
Trinta anos depois das transformações revolucionárias de
Abril um importante conjunto de grupos económicos, resultantes da
política de recuperação capitalista e monopolista, reassume um papel dominante
e determinante no quadro das relações de produção capitalista da sociedade
portuguesa. A omnipresença, influência e acção desses grupos são hoje um facto
incontornável, quer na dinâmica das conjunturas económicas e no desenvolvimento
das relações sociais quer na condução e opções do poder político e na expansão
e reprodução das ideologias dominantes.
Estruturados e representados por grupos familiares velhos conhecidos (que suportaram e apoiaram a
ditadura fascista) ou que despontaram após o 25 de Abril (Mello, Espírito
Santo, Belmiro de Azevedo, Amorim, Jerónimo Martins) ou pela associação do nome
de um banco ou unidade empresarial ao nome do presidente do Conselho de
Administração da estrutura societária (holding) que define a estratégia e
assegura o domínio do grupo (BCP/Jardim Gonçalves, CIMPOR/Teixeira Duarte,
SEMAPA/Queiroz Pereira, etc.), tecem entre si e com o capital estrangeiro uma
densa rede de ligações económicas e financeiras, sociais e políticas, constituindo
uma poderosa oligarquia económica que, com outros sectores da grande burguesia
portuguesa e estrangeira, procura assegurar a continuidade e reprodução do seu
poder económico, político e ideológico na sociedade portuguesa.
Os principais grupos económicos repartem-se
hoje em torno da produção de bens não transaccionáveis - sector bancário e
segurador, grande distribuição, saúde, energia, telecomunicações,
auto-estradas, media, turismo, transportes, imobiliário, e em particular
imobiliário comercial - e por alguns ramos da actividade industrial - cimentos, celulose e
pasta de papel, segmentos da alimentação e bebidas - acumulando lucros
fabulosos de ano para ano, enquanto os sectores produtores de bens
transaccionáveis sujeitos à concorrência externa estagnam e definham. E estão particularmente activos nas
operações que a política de direita enseja de privatização do que resta do
Sector Empresarial do Estado, do sector da água e dos portos e no alargamento
da sua actividade aos «negócios» da saúde, do ensino, da segurança social e dos
serviços de registo e notariado, no quadro da liberalização e privatização
desses sectores.
Estes grupos assumem, em muitos sectores e subsectores de
actividade, uma clara natureza monopolista que, dentro da lógica capitalista,
procuram reforçar, quer pela destruição e absorção de concorrentes nacionais,
quer por associações em que cruzam participações e/ou repartição de mercados e
concertação de preços quer pela aliança privilegiada com poderosas
transnacionais. A presença do capital estrangeiro nos principais
grupos económicos dos sectores da Banca, da Energia e Telecomunicações, do
Comércio e Serviços e da Indústria em muitos casos é já superior a 50% da
estrutura accionista destes grupos e faz com que a saída de capitais sob a forma
de lucros e os juros atinja já em 2006 cerca de 10% do PIB e se preveja uma
subida em flecha nos próximos anos.
6.2. Dimensão
e poder económico dos grupos capitalistas e monopolistas
A extraordinária dimensão
e poder económico actual destes grupos capitalistas e monopolistas
concretiza-se e desenvolve-se em permanente articulação, cumplicidade e
promiscuidade com o poder político e os partidos que o exercem desde 1976. A
estrutura accionista dos principais grupos económicos retrata a presença
dominante das velhas e novas famílias capitalistas na composição dos Conselhos
de Administração, de Fiscalização e de Supervisão, nas Comissões Executivas, de
Vencimentos e nas Assembleias-Gerais. Representantes dessas famílias cruzam-se
aí com representantes do PS, PSD e CDS, o que espelha bem a promiscuidade hoje
existente entre o poder político e o poder económico e o carácter cada vez mais
dominante do poder económico. Essa promiscuidade é visível através de gestores
desses grupos que ocupam cargos ministeriais e, inversamente, de ministros que,
substituídos no governo, transitam directamente para os Conselhos de
Administração dos grandes grupos económicos, ou passam a ser consultores
económicos e jurídicos desses grupos, sendo principescamente pagos. O poder económico
remunera-se através dos lucros e salários fabulosos dos seus representantes, o
poder político através dos salários elevadíssimos da sua clientela e dos
negócios que a sua presença na administração desses grupos conjugada com o
poder político que detêm lhes vão proporcionando.
É a influência crescente deste tipo de poder económico
(nacional e transnacional) que explica a ampla produção legislativa e
regulamentadora da Assembleia da República e dos governos destinada a consagrar
opções e medidas favoráveis a esses interesses de classe, designadamente
através do desequilíbrio, a favor do grande patronato, das relações laborais e
níveis salariais, da condução das políticas orçamental e fiscal, do
favorecimento dos mecanismos de transferência de rendimento e mercados dos
micro, pequenos e médios empresários para esses grupos, e da apropriação de
património e mercados públicos, com as privatizações e liberalizações feitas à
medida das capacidades de encaixe desses grupos.
Este ilegítimo poder ostentado e exercido pelos grandes
grupos económicos e financeiros assumindo, além da dimensão económica,
efectivas dimensões política, social e ideológica, constitui uma total
subversão do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao
poder político, põe em causa a concretização dos objectivos económicos,
sociais, culturais e ambientais consagrados na Constituição da República, e
fere valores e princípios essenciais do regime democrático.
A política de direita sempre procurou apresentar a
reconstituição dos Grupos Económicos Privados como um instrumento central para
«a modernização, aumento da eficiência e competitividade» da economia
portuguesa.
Foi essa a justificação substantiva para a política de
privatizações e o seu papel nuclear na reconstituição dos grupos. Mas o que a
reconstituição e recomposição dos grandes grupos económicos serviu foi,
fundamentalmente, a devolução aos grandes capitalistas nacionais do poder
económico e político perdidos com o 25 de Abril, a par da recuperação e reforço
de posições pelo capital estrangeiro.
6.3. Os grupos monopolistas
e os media
A concentração que tem vindo a verificar-se no sector dos media
levou a que, nos últimos anos, se constituíssem alguns grandes grupos
económicos - Cofina, Impresa, Controlinvest, Prisa, Sonae Com, PTM (Lusomundo),
Impala - que absorveram mais de uma centena dos principais órgãos de
comunicação social, com influência decisiva na formação e condicionamento da
opinião, dos gostos, dos hábitos e dos comportamentos dos portugueses. Na estrutura
accionista destes grupos económicos é cada vez mais visível a presença não só
de grandes grupos de económicos de comunicação social estrangeiros (Prisa,
espanhol), como de grupos financeiros nacionais (BPI, BCP, CGD). Aliás, à
semelhança do que acontece no sector editorial livreiro, onde se verifica uma
progressiva concentração nas mãos de grandes grupos internacionais (Planeta,
espanhol e Bertelsman, alemão).
6.4. Grupos económicos
monopolistas nacionais e o capital transnacional
Um dos traços actuais mais fortes dos principais grupos económicos
monopolistas nacionais é sem dúvida a sua estreita relação com o capital
transnacional. A análise da estrutura accionista desses grupos económicos
permite verificar, por exemplo, que: na EDP, 48% da sua estrutura accionista
está nas mãos de estrangeiros, sendo a Iberdrola, com 9,5%, segundo accionista
mais importante, logo atrás do Estado Português; na Portugal Telecom, 64% da
estrutura accionista está nas mãos de estrangeiros, sendo a Telefónica, com
9,96%, o maior accionista; na Galp Energia, perto de 50% da sua estrutura
accionista estará em mãos estrangeiras (a italiana ENI dispõe de 1/3 do capital
social e a Iberdrola espanhola, 4%); na CIMPOR, pelo menos 30% do seu capital é
estrangeiro; na SEMAPA pelo menos 20% do capital é estrangeiro; no BCP cerca de
36% da sua estrutura accionista é detida por capitais estrangeiros. O mesmo se
passa na Brisa, no BES, no BPI, na Somague e em muitos outros grandes grupos
económicos onde o peso do capital não nacional é crescente, quando não já
dominante.
Tudo isto se repercute no volume de rendimentos de capitais que
anualmente sai do nosso País, o qual não cessa de crescer e atinge já cerca de
10% do nosso PIB, bem como na crescente dependência da nossa economia em
relação ao exterior.
6.5. A financeirização
da economia
A financeirização da economia desenvolveu-se em intensa articulação com a
reconstituição dos grupos monopolistas. O peso directo do sector financeiro no
PIB (4,9% em 1985, 6,6% em 2004), mas também a crescente dependência das
empresas não financeiras e das famílias do sector financeiro, e a dependência
do próprio sector financeiro nacional do exterior, constituem razões de grande
preocupação.
Cada vez mais o sector financeiro e o mercado bolsista apresentam
resultados e um volume de negócios que não têm qualquer correspondência com a
esfera da economia real. O sistema financeiro funciona hoje de forma a que uma
aplicação inicial de capital se reproduz através de vários derivados
financeiros e sem qualquer suporte económico real.
Enquanto em 1973 o rácio diário entre o valor das trocas monetárias e o
valor do comércio mundial de bens e serviços era de 2:1, em 1995 esse mesmo
rácio passou para 70:1. Os valores actuais desses rácios não são conhecidos,
mas terão certamente crescido em flecha dado os desenvolvimentos registados no
sistema financeiro. A percentagem dos fluxos monetários gerados pelos
pagamentos de bens e serviços são cada vez menores, enquanto os negócios
baseados na especulação monetária crescem exponencialmente.
A situação que hoje se vive no mercado imobiliário e no chamado crédito
de alto risco são um bom exemplo do risco elevado que correm as economias
mundiais a partir do momento em que a crise financeira se alastra aos restantes
sectores económicos.
7. O Estado hoje
7.1. Instrumento de classe
e conquistas dos trabalhadores
O Estado, pela sua
natureza de classe, integra e assegura o funcionamento do modo de produção
capitalista, e a sua manutenção. Em resultado de processos económicos, políticos
e sociais complexos (lutas dos trabalhadores e dos povos, crises do
capitalismo, criação da URSS e do sistema socialista mundial) e
fundamentalmente das lutas de classes no século XX, o Estado passou também a
integrar estruturas e políticas viradas para a prestação de serviços sociais
relevantes (saúde, educação, segurança social) e empresas para o fornecimento
de bens essenciais (energia, correios, telecomunicações, transportes e outros).
Em Portugal esta presença do Estado foi fundamentalmente constituída e
configurada com a Revolução do 25 de Abril, com o impulso aos sistemas públicos
de educação, de saúde e segurança social e as nacionalizações.
A ofensiva
neoliberal para reconfigurar o Estado aos seus objectivos conheceu novos e
graves desenvolvimentos no plano mundial, com a destruição da URSS e do sistema
socialista e com o processo contra-revolucionário em Portugal.
7.2. A tese neoliberal
do Estado mínimo
A ofensiva
neoliberal em curso visa a «expulsão» ou a redução a expressões residuais das
funções e missões do Estado nas áreas sociais e empresariais. O «menos Estado»
tem esse significado preciso.
Simultaneamente,
reforçam-se as orientações e as políticas que favoreçam a acumulação
capitalista e o desenvolvimento monopolista, consolidam-se os sistemas
políticos e mediáticos que assegurem o domínio político e ideológico de classe
do capital. Preocupados com baixas taxas de rentabilidade, em particular em
sectores tradicionais (crises, produção não escoada) e a volatilidade dos
mercados financeiros, o capital procura novos espaços económicos sólidos para a
realização e apropriação de mais valias.
O capital não só se
apropria das empresas do Sector Empresarial do Estado privatizadas e dos
mercados públicos liberalizados, como se expande e absorve áreas crescentes de
serviços públicos (saúde, educação, segurança social, correios), e mesmo de
serviços típicos da Administração Central (notariado, segurança, consultoria,
etc.) transformados em importante fonte de lucros.
7.3. A instrumentalização
do Estado pelo capital
Esta penetração do
grande capital / capital monopolista faz-se por via directa - o investimento na
criação de novas empresas de serviços, como sucede com novos hospitais privados
- e através de fórmulas sofisticadas e diversificadas, como acontece com as
«concessões» (rede de auto-estradas), com as «parcerias público-privados» (rede
de novos hospitais construídos com dinheiros públicos) com os «protocolos de
contratação de serviços» (área da saúde) ou, antecedendo uma previsível
privatização (parcial ou total), com a empresarialização de actividades
tradicionalmente a cargo da Administração Central, como acontece com os
hospitais EPE (Entidade Pública Empresarial), ou a recente transformação da
Estradas de Portugal, Instituto Público (2002) em EPE (2004), e agora em
Sociedade Anónima, a quem é entregue, «em concessão», a rede viária nacional
por 75 anos. Uma «centralização» do capital que exige e encontra no nosso País
um Estado dedicado à reconstrução monopolista.
7.4. Um Estado dedicado
à restauração monopolista
No sentido
tradicional do «mais Estado» está o desenvolvimento do papel instrumental do
Estado, através da reforçada ligação entre o poder político e o poder
económico, ao serviço do favorecimento e financiamento públicos da acumulação,
concentração e centralização acelerada do capital privado, com a recomposição
dos grandes grupos económicos privados.
Adoptando e
adaptando o Estado às teses neoliberais do grande capital - o «menos Estado», a
«maior eficiência da gestão privada», o Estado regulador e não produtor - a
política de direita, apoiada nas orientações comunitárias, concretiza as
privatizações, liberaliza o mercado de trabalho, promove a transferência de
fundos comunitários para o grande capital e permite o papel predador do sector
financeiro junto das micro, pequenas e médias empresas, do sector produtivo e
da generalidade dos cidadãos, proporcionando lucros obscenos e o crescimento
exponencial dos patrimónios mobiliário e imobiliário.
7.5. As entidades «reguladoras»
Na reorganização e
redefinição das funções do Estado destaca-se, na actualidade, como conceito
nuclear, o das chamadas «entidades reguladoras».
A «teorização» das
«entidades reguladoras» pressupõe que se aceitem quatro mistificações: a da
existência, no mais elevado patamar do poder político de decisões «técnicas»,
neutras do ponto de vista de classe; a de que, igualmente, existem cidadãos,
com mais ou menos competência técnica e científica, e seriedade ética e
profissional, capazes de conciliar interesses contraditórios, à margem das
ideologias económicas dominantes; a de que é preciso, para defender os
utentes/consumidores e o equilíbrio entre interesse público e privado, garantir
a regulação por uma entidade «independente»; a de que a existência destas
entidades corresponde a uma «indispensável» separação entre as funções de
prestação dos serviços e as de regulação e fiscalização.
Constituídas por grupos de peritos / «personalidades
técnicas», nomeados pelo governo (com ou sem participação da Assembleia da
República), pretensamente independentes (parte deles ex-governantes, outros
ex-altos funcionários dos grupos capitalistas), dispõem de poderes para
arbitrar e harmonizar interesses contraditórios entre consumidores e
produtores, entre utentes e prestadores de serviços, e no quadro da «regulação»
de mercados de áreas e sectores de bens e serviços de relevante interesse
público.
O afastamento do Estado da função de regulação visa,
invocando uma equidistância entre os interesses dos sectores público e
privado, reduzir a prestação de serviços essenciais e a intervenção em sectores
chave da economia ao mero jogo do mercado. A realidade tem demonstrado que as
entidades reguladoras actuam, em geral, segundo uma lógica de liberalização dos
sectores em que intervêm, escudando-se numa autonomia que deriva da ausência de
controlo democrático do seu desempenho, para impor decisões em geral favoráveis
ao capital, mas prejudiciais para as populações.
A teoria da separação das funções de prestação das de
regulação continua a ser um instrumento para justificar a progressiva retirada
dos serviços públicos da prestação de serviços e intervenção em áreas
essenciais, complementada com a entrega da regulação a essas entidades
administrativas especiais - as entidades reguladoras - alheias aos serviços
públicos. Nada impede que o Estado preste serviços e, ao mesmo tempo, fiscalize
a sua qualidade, criando as estruturas necessárias para ambas as funções. Esta
política significa o afastamento do Estado da direcção e regulação económica
dessas mesmas funções, possibilita que sejam os privados monopolistas a
determinar as regras e atinge gravemente a maioria da população e os agentes
económicos mais frágeis.
Presentemente
existem em Portugal quinze entidades reguladoras ou de supervisão, das quais se
destaca o Banco de Portugal, actualmente integrado no Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC), com um estatuto de independência face ao poder político, a
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o importante papel na
regulação e supervisão dos mercados de capitais, e a Autoridade da Concorrência
(AdC), para assegurar o respeito pelas regras de concorrência na economia.
É de referir, como
exemplo paradigmático de «independência», o caso da entidade reguladora da
concorrência «Autoridade da Concorrência» (AdC) que, tendo por missão velar
pela não violação das regras da concorrência, as suas decisões permitem
constatar não só a inoperância face a significativas violações das regras da
«leal» concorrência, como o seu acordo com a efectiva monopolização do mercado,
ou o facto de ser o próprio poder político, por razões de avaliação diferente,
a violar as louvadas «independência» e «autonomia» das entidades reguladoras.
Num quadro em que
se pretende a «regulação» dos mercados monopolizados pelos grupos económicos, o
Estado vem sistematicamente abdicando da intervenção de «regularização» e
«orientação» da actividade económica pelo abandono dos princípios e
instrumentos da planificação económica inscritos na Constituição.
7.6. A Administração
Pública e o Estado
A Constituição da
República Portuguesa consagrou uma Administração Pública autonomizada, com
obrigações sociais, agentes e funcionários com um regime específico com
obrigações na prestação do serviço público
Ao definir uma
Administração Pública com determinadas funções e papel, o texto constitucional
faz uma opção clara a favor de um Estado prestador de serviços públicos e de
funções sociais, assegurando assim a persecução do interesse público, no
respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e pelos
da igualdade, da proporcionalidade da justiça e da boa fé.
A realidade
portuguesa confirma a importância da natureza do Estado e explica, em larga
medida, não só a contradição como as tentativas e mesmo avanços na destruição
da concepção de Estado e Administração Pública consagrados na Constituição.
A Administração
Pública organizou-se em certa medida a seguir ao 25 de Abril para responder à
prestação de importantes serviços públicos e funções sociais que se revelaram
incompatíveis com os objectivos de uma política de regresso ao passado que
implicam uma outra concepção de Estado, imposta pelas forças do grande capital.
É esta organização
da Administração Pública que os sucessivos governos têm vindo sistematicamente
a destruir, tentando reduzir as suas funções sociais e acentuar as suas
características autoritárias e repressivas.
Neste quadro, prosseguem alterações e «reformas» profundas
ao nível conceptual e organizativo das Forças e Serviços de Segurança,
reconfigurando e adaptando o aparelho repressivo do Estado para orientações e
missões de cariz securitário, contra os trabalhadores, movimentos e
organizações que resistem à política de direita.
Igual reconfiguração decorre no que respeita às Forças
Armadas, desde logo com a sua profissionalização, adaptando-as ao conceito
estratégico da NATO e à sua visão expansionista, relegando cada vez mais para
um plano secundário as missões e os reais interesses nacionais.
O processo em curso
de desmantelamento da Administração Pública promovido pelo PS visa a adaptação
da administração do Estado ao novo estádio de desenvolvimento do capitalismo
monopolista e facilita assim a acumulação capitalista no País.
Peça fundamental e estratégica nesse processo, o «Plano de
Reestruturação da Administração Central do Estado», PRACE, contempla uma opção
de classe sobre o papel e funções do Estado. O PRACE vem desorganizar toda a
estrutura da Administração Pública, com extinções e fusões de serviços,
degradar em simultâneo determinadas funções específicas do Estado, promover a
«externalização e contratualização de serviços» - ou seja, promover a
privatização dos lucros e a socialização dos custos - e destruir o vínculo
público de emprego dos funcionários e agentes do Estado que está
constitucionalmente definido.
A modificação da natureza dos vínculos de emprego na Administração
Pública, sobretudo com a sua transformação em contrato individual de trabalho,
as alterações aos regimes de carreiras, remuneratório e de avaliação do
desempenho, bem como o recurso ao outsourcing,
é inseparável do processo de privatização de serviços e de reconfiguração do
Estado ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.
A intensa campanha
de sucessivos governos para fazer crer que o Estado tem tido um papel excessivo
na vida social e económica, escondendo a natureza de classe do Estado e
apresentando-o como mau administrador dos recursos económicos e dos serviços e
funções do Estado, visa justificar a transferência para as mãos do grande
capital de importantes funções económicas e sociais do Estado.
A política
centralista e centralizadora dos sucessivos governos, traduzida no ataque à
autonomia do poder local e ao incumprimento constitucional da criação das
regiões administrativas, tem constituído um factor condicionador do
desenvolvimento local e regional. Mas também um obstáculo sério a uma reforma e
democratização da administração pública que assegure a sua desburocratização,
proximidade às populações e uma gestão democrática.
7.7. Justiça discriminatória
e de classe
Acentua-se o processo de colocação do sistema judicial ao serviço de
interesses privados em prejuízo dos trabalhadores, do povo e do País (assumindo
especial relevo o encerramento de tribunais, nos quais se incluem os de
trabalho), fazendo deste sistema um instrumento de dominação de classe. Este
processo verifica-se, quer pelo encerramento de serviços públicos de justiça e
sua privatização, quando há interesse económico na sua exploração, quer pelo
agravamento das desigualdades e limitações no acesso ao direito e aos
tribunais.
No primeiro plano, é evidente o processo de
degradação a que se procura sujeitar o aparelho judicial, limitando a sua
capacidade de resposta ou a qualidade do seu funcionamento, criando condições
para que a lógica de «gestão empresarial» de serviços ou a sua privatização
sejam apresentadas como as soluções para todos os problemas.
Este processo tem-se concretizado com a
transformação de importantes aspectos do sistema de justiça em verdadeiros
negócios, como aconteceu com a privatização do notariado e da acção executiva
para cobrança de dívidas.
Num outro plano, o agravamento das
desigualdades e limitações no acesso ao direito e aos tribunais limitam a
possibilidade de reconhecimento judicial de direitos ou o seu exercício,
sobretudo para quem dispõe de menos recursos económicos, ou deles carece em
absoluto.
O aumento das custas judiciais e a existência
de um regime de apoio judiciário fortemente restritivo impossibilitam o acesso
de muitos portugueses aos tribunais por insuficiência de meios económicos,
sobretudo aos trabalhadores. Também o aumento dos custos resultante da
privatização da acção executiva determinou para muitos trabalhadores e pequenos
e médios empresários a impossibilidade de exercerem direitos reconhecidos pelos
tribunais ou de executarem sentenças judiciais, enquanto as grandes empresas e
grupos económicos monopolizam o sistema.
7.8. Os processos de
reconfiguração do Estado
O Estado continua a
ocupar um papel central no sistema sócio-económico capitalista e monopolista
português, em íntima articulação com as instituições da União Europeia e de
outros organismos internacionais ao serviço do capital (OCDE).
Como instrumento ao
serviço dos interesses de classe do grande capital nacional e transnacional tem
reforçado (e não reduzido, como defendem os advogados do «menos Estado») a sua
intervenção económica, em particular na reconstituição dos grandes grupos
económicos privados e no favorecimento do capital estrangeiro.
O processo de
«reconfiguração» e «recomposição» do «Estado nacional» em curso, adaptado aos
interesses do capital, será sempre a resultante de um conjunto complexo de
movimentos: transferência de funções e competências para o «Estado
supranacional» (a União Europeia e outras entidades, como o BCE); abandono e
«venda» de áreas sociais e actividades empresariais ao capital privado;
alterações nas formas e conteúdos da Administração Pública; regulação e
arbitragem dos diversos interesses capitalistas em presença e confronto;
reforço do seu papel de legislador e colector de mais valias (impostos, fundos
comunitários) para favorecer a acumulação privada.
Tudo para procurar
alcançar o objectivo de um «Estado mínimo», reduzido às funções de segurança,
de soberania, de representação externa e colector de impostos!
7.9. O combate ao défice
orçamental como instrumento da reconfiguração neoliberal
do Estado
A «obsessão pelo
défice» é uma fórmula sintética para caracterizar uma política
económico-financeira favorável aos grandes interesses e negócios dos fundos
financeiros e especulativos. São esses interesses que reclamam uma consolidação
orçamental, formatada num rácio do défice/PIB abaixo dos 3% (a tender para
zero) e num rácio da dívida pública/PIB inferior a 60%. Os limites destes
rácios estão inscritos no Pacto de Estabilidade (PEC), aprovado no Tratado de
Amesterdão e herdado dos critérios de convergência nominal da União Económica e
Monetária (UEM).
A chamada
«obsessão» pelo défice constitui um objectivo político ao serviço dos
interesses explicitados nos cadernos reivindicativos do grande capital
português e europeu, como o demonstram as reclamações das confederações
patronais europeias (UNICE e ERT).
Com o pretexto de
criar um ambiente macroeconómico estável - baixa taxa de inflação, uma moeda (euro)
forte, contenção salarial favorável aos negócios do capital - a gestão
orçamental, no estrito e dogmático quadro do cumprimento dos critérios do PEC,
tem vindo a revelar-se um instrumento fundamental na reconfiguração neoliberal
do Estado.
A pressão
«neoliberal» sobre o Estado, com o objectivo de reduzir o défice orçamental e
limitar o crescimento da dívida pública, impulsiona a redução do peso do Estado
na economia, através das «privatizações» e de um conjunto de fórmulas em que o
Estado «concessiona», «contrata» ou estabelece parcerias com o capital privado
para o funcionamento e gestão de serviços públicos. As privatizações são ainda
o meio privilegiado de obtenção de receitas conjunturais de capital para iludir
o crescimento estrutural da dívida pública, privatizações estas que reduzem a
receita pública (pela perda de dividendos e impostos).
Outra expressão
desta pressão é a trajectória descendente do investimento público. O
insuficiente investimento público, para além das consequências desastrosas que
comporta - atrasos na construção de infra-estruturas de transportes e
comunicações, de investimento no desenvolvimento dos sectores públicos de
ensino, de I&D, da saúde, das forças de segurança pública e da protecção
civil (defesa da floresta contra incêndios) - mergulhou o País num prolongado
ciclo de estagnação e recessão, prolongando e agravando a desaceleração do
investimento privado e a anemia do mercado interno.
A pressão sobre a
despesa pública tem impulsionado ainda o corte das despesas sociais - educação,
saúde, segurança social - nomeadamente com a transferência de muitas dessas
funções sociais para o sector privado, a redução das transferências financeiras
do Orçamento do Estado para o poder local, limitando a autonomia financeira das
autarquias e a brutal ofensiva contra os serviços e os trabalhadores da
Administração Pública.
É fácil concluir
que o resultado final da política de combate ao défice orçamental determinado
pelo PEC é uma abertura de espaço e dos mercados públicos ao capital privado, a
transferência da propriedade social e pública para os interesses privados e uma
mudança qualitativa na capacidade de o Estado intervir, regular e planificar o
desenvolvimento económico, a juntar às drásticas restrições impostas ao uso do
instrumento «gestão orçamental» / Orçamento do Estado na condução das políticas
económicas.
8. A acção
programática e ideológica do capital
8.1.Crises e estrangulamentos
Face às crises e estrangulamentos, fracturas e
disfunções económicas e sociais, culturais e políticas que atravessam a
sociedade portuguesa em consequência de 30 anos de políticas de direita,
confrontados com situações de desigualdades sociais e regionais, de
persistentes défices estruturais e problemas económicos, o capital e as suas
expressões políticas e sociais, respondem com o reforço dos dogmas do
capitalismo e dos mecanismos ideológicos de justificação e diversão.
8.2. «Mais capitalismo»
Desde logo por uma
persistente e continuada afirmação de linha programática para e em todas as
instâncias de poder, de que a solução passa por «mais capitalismo», mais mercado, mais concorrência e menos Estado,
justificação para a privatização e liberalização crescentes em espaços e áreas
públicas e sociais e invasão da lógica capitalista em todas as esferas da vida
humana e social. Passa pelo individualismo e pela responsabilização pessoal
pelas dificuldades sociais que atravessamos. Passa pela identificação da luta
organizada com descontentamentos pessoais e desordem. O aprofundamento da
exploração capitalista na relação capital/trabalho e a acentuação da natureza
monopolista e imperialista do capital - com a renovação e reformulação de laços
neocolonialistas, os processos de «livre comércio» no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC), as regulações e imposições do Banco Mundial (BM) e
Fundo Monetário Internacional (FMI) - são expressão desta mesma concepção.
No quadro de «mais
capitalismo» pesam como resposta as soluções da integração capitalista em
grandes espaços regionais, de que a União Europeia é um significativo exemplo.
Integração económica e política, assimétrica, comandada pelo capital
transnacional e as potências dominantes (acompanhadas pelas suas organizações
de classe e os seus partidos) orientada para o aprofundamento do seu carácter
federal e neoliberal e para a afirmação da União Europeia como potência
política e militar.
8.3. Mecanismos ideológicos
de justificação e diversão
As consequências da
política de direita obrigam a um porfiado esforço «teórico» de justificação e
ocultação dos problemas ao serviço do capital, recuperando mitos e
mistificações sempre presentes nas sociedades capitalistas, reduzindo os
problemas e a sua superação a regras de conduta individuais e colectivas
apoiadas em sistemas morais e ideológicos, procurando atenuar contradições e
antagonismos, e sobretudo na tentativa de conter, dividir e desmobilizar as
classes e camadas sociais mais exploradas, e as suas organizações de classe.
No desenvolvimento
dessas «teorias» de embuste ideológico assume significativa importância o
desenvolvimento de dois mecanismos: a segmentação da esfera social da esfera
económica, e em particular das suas relações causa/efeito; e a proliferação de
um conjunto de «respostas» aos mais visíveis problemas das sociedades
capitalistas, que visam salvaguardar a lógica e modo de produção capitalistas.
A segmentação da
esfera social da esfera económica visa a autonomização metodológica e
neutralização políticas dos «processos económicos», apresentando-os como o
resultado «natural» do funcionamento dos mercados, da concorrência, da
circulação capitalista de mercadorias (bens e serviços), capital financeiro e
«capital humano» na época da globalização capitalista. A «economia»
(capitalista) e os seus mecanismos e leis são apresentados como factos com os
quais o Estado e os cidadãos se confrontam, não podendo mais que procurar
regulá-la e ocorrer aos «estragos sociais» e «disfuncionamentos», que as
«imperfeições» e as «falhas» do mercado e as reestruturações decorrentes do
movimento do capital produzem.
Os Estados são impotentes face à economia
e a «economia» sai fora da intervenção política. A economia deixa de ser o
resultado das opções políticas dos governos. Assim se justifica hoje que as
políticas económicas de direita coincidam inteiramente, quer sejam
protagonizadas pela social-democracia ou pelos partidos reconhecidamente de
direita. Assim se absolve a social-democracia em geral, como acontece com o PS
em Portugal, se desenvolve e consolida um «pensamento único» nas sociedades e
governos dos diferentes Estados nacionais.
As «respostas» aos
problemas das sociedades capitalistas, provocadas pelo capitalismo neoliberal,
assumem hoje uma notória e mediática visibilidade e uma extraordinária dimensão
«teórica», «filosófica», «universitária», «técnica». Multiplicam-se as teses de
especialistas e ensaístas, nas universidades e nas empresas, que encontram
prolongamento nos departamentos do Estado, na acção e discurso governativos,
com o objectivo de elaborar programas, planos de acção das «respostas» e «medidas»
que, partindo do capital, não ponham em causa os objectivos, lógicas e,
sobretudo, os «lucros», a reprodução do capital e a reprodução do poder das
classes dominantes.
Com uma grande
diversidade de origens, conteúdos, formas e níveis de expansão e concretização,
podem sintetizar-se em alguns eixos, fundamentalmente centrados em alterações
de comportamento individual, decorrentes de acções de divulgação, formação,
apelo ou aconselhamento, ou como resultado do proselitismo religioso ou
filosófico.
As mais conhecidas
partem de opções dos empresários e empresas, assumindo comportamentos ou
políticas de «responsabilidade social», «éticos», «verdes/ambientais» que, em
alguns casos, dão direito a uma «certificação social». Fala-se de «fundos de
investimento éticos» e da «regulação ética do mercado», e mesmo do conceito de
«lucro ético» como legitimação (moral) do lucro.
Renascem
reformuladas as práticas do mecenato, apresentando-se como economias de
comunhão ou «capitalismo de partilha» e da filantropia, como é o caso dos
projectos para combater a pobreza e o insucesso escolar. Têm particular
significado as actividades centradas no apoio e enquadramento da actividade
artística, de que são exemplo a presença dos principais grupos económicos e
financeiros na gestão da Casa da Música, Fundação de Serralves e Centro
Cultural de Belém, e a acentuação do seu domínio sobre o património artístico e
cultural.
Em contraste com a
realidade da limitação da actividade sindical, da fragilização da acção das
estruturas representativas dos trabalhadores e da desvalorização da acção
organizada dos cidadãos, estimula-se o aproveitamento de uma «militância
social» em torno de causas e objectivos «humanitários» (a maioria dos quais
resultante de uma intervenção generosa de muitos cidadãos) ou do
estabelecimento de cadeias de comportamentos adequados a determinados
objectivos, como o «comércio justo», o «micro crédito» ou o «Banco Alimentar».
Outras «respostas»,
ainda, têm por centro «a ilusão tecnológica» há muito utilizada, mas cujo
conteúdo vai sendo alterado face à impetuosa dinâmica da revolução científica e
técnica, e muito também pelos «falhanços» e «frustrações» de soluções técnicas
anteriores que foram ensaiadas.
Difunde-se a
«crença» de que graves problemas da humanidade, como a «fome», a «subnutrição»
ou a «poluição», podem ser resolvidos, sem pôr em causa o sistema capitalista,
pela ciência e a tecnologia. Estão no ordem do dia os Organismos Geneticamente
Modificados (OGM) (depois de falhada revolução verde dos anos 60/70) para a
fome em África e na Ásia, ou os «biocombustíveis» para as carências energéticas
e a redução das emissões de CO2. Ao mesmo tempo, procura afirmar-se
a ideia de que parte destes problemas é resolúvel através de comportamentos
individuais (cuidados primários de saúde, consumo de bens supostamente «amigos
do ambiente», etc.).
Encaixam-se nesta
resposta a «nova economia» suportada pelas «tecnologias de informação e
comunicação (TIC)», que constituíram um vector político e ideológico de
programas de governo PS/Sócrates, agora reconvertidas no chamado Plano
Tecnológico.
Todas estas
«respostas» e «medidas» são enquadradas e apoiadas por políticas públicas
(incentivos, benefícios fiscais, grossas prebendas públicas, materiais e
simbólicas, formação, etc.), em alguns casos assumidas directamente pelo
Estado, como acontece com o fomento do «empreendedorismo», isto é, a educação e
formação de cidadãos para o «risco empresarial», para a assunção da profissão
de «capitalista», que está a ser integrada nos currículos escolares.
8.4. Os media e a ideologia
dominante
Na transmissão,
reprodução e consolidação destes conceitos
e teses da ideologia dominante, os media assumem um papel relevante. São
eles próprios órgãos de criação e produção ideológica que assegura que não há
alternativa ao capitalismo e ao pensamento único neoliberal. Mesmo conteúdos
culturais e de entretenimento que se pretendem «ligeiros» revelam-se, pela
influência que têm nos comportamentos, valores, interesses e atitudes,
profundamente ideológicos.
O domínio dos
principais grupos de media internacionais e nacionais pelo capital monopolista
e transnacional não tem apenas o objectivo do lucro. Ele é a garantia de um
comportamento adequado à reprodução do sistema.
IV
Outro Rumo. Nova Política
1. A situação
económica e social de Portugal
A difícil situação
económica e social de Portugal, consequência de longo processo
contra-revolucionário, é hoje indissociável da acelerada concentração e
centralização de capitais nas mãos do grande capital nacional económico e
financeiro, articulado com o capital estrangeiro, e do seu domínio sobre a vida
nacional. Processo que, a par da perversão do regime democrático e da promoção
de valores obscurantistas e retrógrados, visou a restauração das estruturas
sócio-económicas do capitalismo monopolista de Estado, o agravamento da
exploração dos trabalhadores, a limitação de direitos sociais dos portugueses,
uma crescente dominação do capital estrangeiro sobre a economia nacional e a
aceitação de limitações à soberania e independência nacionais.
Esta política
conduziu o País à situação de profundas desigualdades sociais e assimetrias
regionais, a graves défices estruturais, ao desordenamento do território e a
persistentes problemas ambientais, a fortes dependências externas, à
divergência económica e social face ao conjunto de países que partilham com
Portugal a integração comunitária europeia.
A persistência da
grave situação económica e social, que tem nos últimos 15 anos duas recessões
económicas e nos primeiros anos do século uma inquietante evolução, tornou
incontornável e inadiável o confronto com as grandes orientações políticas
governativas de direita do PS e PSD, mas essencialmente a necessidade e real
possibilidade de concretização de um caminho alternativo, capaz de garantir um
País mais justo e mais desenvolvido.
2. A Conferência
Nacional e as suas propostas para uma política alternativa integram-se
e enquadram-se no Programa do PCP «Uma Democracia Avançada
no limiar do século XXI».
A democracia
avançada - com as suas quatro vertentes inseparáveis da democracia política,
económica, social e cultural, no ideal e projecto dos comunistas - integra
cinco objectivos onde, a par de um regime de liberdade, de um Estado
democrático, representativo, participativo e moderno, de uma política de
democratização cultural e uma pátria independente e soberana, se preconiza um
desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica e uma
política social que garanta a melhoria das condições de vida do povo.
A estratégia de
desenvolvimento da democracia avançada propõe como principais vectores: o
aproveitamento, a mobilização das potencialidades e a gestão adequada dos
recursos naturais; o aproveitamento e valorização dos recursos humanos; a
ciência e a tecnologia; a modernização da economia e o aumento da
produtividade; a criação de um núcleo de indústrias de bens de equipamento; o
planeamento descentralizado e participado que, numa base prospectiva e
integrada, estabeleça, tendo em conta o mercado, as grandes linhas objectivos e
metas; e a cooperação económica internacional.
A política social
da Democracia Avançada propõe que sejam assegurados, como direitos sociais
fundamentais: o direito ao trabalho; o direito à segurança social; o direito à
educação e ao ensino, à cultura e ao desporto; o direito à saúde e à habitação;
o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; o direito à
tranquilidade e segurança das populações; o direito das mulheres à igualdade; o
direito dos jovens à realização pessoal e profissional; o direito das crianças
ao desenvolvimento harmonioso; o direito dos idosos, reformados e pensionistas
a uma vida digna; o direito dos deficientes a uma vida integrada na sociedade;
o direito dos emigrantes à protecção dos seus interesses; o direito dos
imigrantes e das etnias à protecção dos seus interesses. A efectivação e
aplicação universais destes direitos sociais fundamentais são um imperativo
para garantir condições dignas de existência a todos os cidadãos e se alcançar
uma sociedade mais justa.
3. A Constituição
da República Portuguesa, apesar das revisões que a desfiguraram,
contém ainda hoje valores e princípios adequados a uma efectiva
alternativa económica e social. A difícil situação
económica e social que o País atravessa e a generalidade dos portugueses
vive, resulta de políticas que sistemática e flagrantemente a
afrontaram e afrontam.
A Constituição da
República Portuguesa estabelece como princípios fundamentais da organização
económico-social, e como «incumbências prioritárias do Estado para sua
concretização, a subordinação do poder
económico ao poder político democrático, a coexistência dos sectores público,
privado, cooperativo e social da propriedade dos meios de produção e a
liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia
mista, o planeamento democrático do desenvolvimento económico e social.
Especifica desenvolvidamente o conteúdo das políticas agrícola, comercial e
industrial, e a organização, conteúdo e objectivos do sistema financeiro e
fiscal. Estabelece uma organização económica e social visando garantir e
responder a importantes direitos económicos e sociais dos trabalhadores e do
povo, consagrados constitucionalmente: a segurança no emprego e o direito ao
trabalho, à segurança social, à protecção na saúde, a uma habitação adequada, a
um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, à educação e à
cultura.
4. A
política alternativa que Portugal precisa
A política
alternativa é indispensável para devolver o País a uma dinâmica de desenvolvimento
económico e social, vencer o sentido de definhamento da economia nacional e
inverter o progressivo agravamento dos problemas sociais, exige:
4.1. A ruptura
com os eixos centrais das orientações políticas,
económicas e sociais de direita, base da identidade substancial das políticas
dos diferentes governos do PS e PSD.
4.2. A
clara explicitação dos objectivos de desenvolvimento económico
e social que uma política alternativa deve visar, a definição
dos vectores essenciais e a identificação das políticas
necessárias para a sua concretização.
4.3. A
afirmação e concretização de uma política
económica e social que, centradas no interesse nacional e na
elevação das condições de vida dos trabalhadores
e do povo, projecte a resolução dos principais problemas económicos
e sociais.
5. A ruptura com as políticas
de direita
5.1. Ruptura com o domínio
do capital monopolista, com os grupos económicos monopolistas
transformados em células estratégicas da estrutura e funcionamento
do tecido económico.
5.2. Ruptura com a reconfiguração
(papel, funcionamento, organizações) do Estado, ao serviço
do financiamento e favorecimento públicos da acumulação
acelerada do capital privado.
5.3. Ruptura com a «obsessão»
pelo défice orçamental, instrumento central da reconfiguração
neoliberal do Estado, responsável por uma queda radical do investimento
público, travagem do crescimento, drástica redução
da despesa social e de uma política de rendimentos - em primeiro lugar
salarial - favorável ao grande capital.
5.4. Ruptura com a desvalorização
do trabalho e dos trabalhadores, reduzidos a mero factor de produção
(capital variável), desintegrados da sua dimensão humana e social,
quando deveriam ser centro e primeira prioridade de toda a actividade económica.
5.5. Ruptura com a mutilação
e subversão das políticas sociais - ensino, saúde e segurança
social - transformadas em espaços de acumulação
e expansão do capital.
5.6. Ruptura com a atribuição
ao capital estrangeiro de um lugar estratégico e promovido como
principal (quando não exclusivo) factor de modernização
do País.
5.7. Ruptura com o crescimento
económico centrado fundamentalmente na dinâmica das exportações
e da desvalorização e desprotecção do mercado interno.
5.8. Ruptura com o processo
de integração capitalista europeia, assente na assimetria
entre Estados, e perda de importantes instrumentos de soberania e limitações
da independência nacional.
5.9. Ruptura com a subordinação
do território e do mar sob soberania nacional a lógicas alheias
ao interesse do País, favoráveis ao grande capital e
potências estrangeiras.
5.10. Ruptura com a subversão
da Constituição da República Portuguesa, as revisões
desfiguradoras ou a violação sistemática, por omissão
e acção, dos princípios constitucionais em matéria
económica e social.
6. Os objectivos centrais
de uma política alternativa económica e social
6.1. O aumento geral do bem-estar
social e económico e da qualidade de vida das populações,
em particular das mais desfavorecidas, através da melhoria dos seus rendimentos
e da qualidade dos serviços públicos (saúde, ensino, segurança
social, etc.) e dos serviços fornecedores de bens essenciais (água,
energia, telecomunicações, transportes), acessíveis em
todo o território nacional.
6.2. A redução
das desigualdades sociais e uma justa repartição da riqueza
nacional já hoje produzida, com a revalorização salarial
e políticas fiscal e de segurança social adequadas.
6.3. O pleno emprego,
como objectivo primeiro das políticas económicas, e a melhoria
da sua qualidade, com a promoção de emprego estável e com
direitos, reduzindo a precariedade e insegurança, nomeadamente o desemprego
estrutural e de longa duração.
6.4. O crescimento económico,
sustentado e acima da média da União Europeia, com o combate à
estagnação da economia nacional, pelo crescimento significativo
do investimento público, ampliação do mercado interno,
acréscimo das exportações, aumento da competitividade e
produtividade das empresas portuguesas.
6.5. A defesa e afirmação
do aparelho produtivo nacional como motor do crescimento económico,
como dinamizador da procura interna e como alimentador de um sector exportador
mais diversificado sectorial e geograficamente.
6.6. Um sistema de ensino,
um sistema científico e técnico e uma política cultural
virados para a formação integral dos portugueses, a promoção
e defesa do património cultural, da língua portuguesa e o desenvolvimento
do País e pelo aprofundamento da democracia.
6.7. A coesão económica
e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento
no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões,
eliminando as assimetrias regionais, o desordenamento do território,
a desertificação do mundo rural e as agressões ambientais.
7. Vectores estratégicos
de uma política económica e social
7.1. A recuperação
pelo Estado do comando político e democrático do processo de desenvolvimento,
com:
7.1.1. A afirmação da soberania nacional, questão decisiva
de uma política alternativa, no contexto da globalização capitalista e integração
comunitária.
7.1.2. A subordinação do poder económico ao poder
político democrático, o que exige o combate a uma estrutura económica
monopolista, o exercício e assunção pelo Estado das missões e funções
constitucionais na organização e funcionamento da economia e vida social.
7.1.3. A afirmação da propriedade social e do papel do
Estado em sectores estratégicos, nomeadamente com a suspensão do processo de
privatizações em curso e reversão ao sector público, por nacionalização e/ou
negociação adequadas de empresas e sectores privatizados, afirmando um Sector
Empresarial do Estado forte e dinâmico.
7.1.4. O planeamento democrático do desenvolvimento, rompendo com as
políticas do desenvolvimento desigual e anárquico inerentes ao capitalismo,
visando o desenvolvimento humano e integrado de sectores e regiões, a justa
repartição individual e regional do produto nacional e a coordenação da
política económica com as políticas social, educativa e cultural.
7.2. Uma economia mista,
não dominada pelos monopólios, com a coexistência dos três
sectores constitucionais - público, privado, cooperativo e social - que,
a par da presença maioritária do sector público nos sectores
estratégicos, significa também:
7.2.1. O apoio ao sector cooperativo e social, através do estímulo
à criação, desenvolvimento e discriminação positiva no apoio público da
actividade cooperativa e a fórmulas empresariais de autogestão.
7.2.2. A promoção de um apoio prioritário e
preferencial a micro, pequenas e médias empresas, no quadro de um sector
privado constituído por empresas de variada dimensão.
7.3. A valorização
do trabalho e dos trabalhadores, questão nuclear de uma política
alternativa, através de:
7.3.1. Uma significativa melhoria dos salários e
vencimentos como contributo e condição indispensáveis para o
desenvolvimento económico e uma melhor repartição do rendimento entre o
trabalho e o capital.
7.3.2. Uma estratégia económica e social de pleno
emprego, qualidade do trabalho e protecção do emprego, combatendo a
precariedade e instabilidade laborais.
7.4. O desenvolvimento
dos sectores produtivos e o combate à financeirização da
economia, recusando, no quadro da divisão internacional ou europeia
do trabalho, uma persistente redução da actividade económica
produtiva, o que exige:
7.4.1. A defesa dos sectores produtivos através da
valorização e desenvolvimento da produção nacional e da promoção da sua
complexidade tecnológica e valor acrescentado.
7.4.2. Medidas que dinamizem o crescimento da sua produtividade e competitividade (investimento,
qualificação dos recursos humanos, factores de produção aos preços da
concorrência).
7.4.3. O reforço da sua presença no mercado interno, a par de
sustentadas e diversificadas políticas de exportação, com valorização das
marcas nacionais em todos os mercados internacionais.
7.5. O combate decidido
à dependência estrutural da economia portuguesa, através
de:
7.5.1. Dinamização
do papel do Estado no investimento produtivo, apostando no desenvolvimento
dos sectores em que a nossa dependência estratégica é maior;
7.5.2. Apoio
ao desenvolvimento das micro, pequenas e médias empresas no abastecimento
do mercado interno e da sua crescente internacionalização;
7.5.3. Orientação do investimento directo estrangeiro para o sector produtivo com significativo
valor acrescentado nacional, em condições de impactos favoráveis e estabilidade
no médio e longo prazos.
7.6. A superação
de défices estruturais, através de políticas adequadas
de investimento, ensino e formação profissional, I&D, no quadro
da actividade de um forte e dinâmico sector público, designadamente
ao nível de: produção de bens materiais, e em particular
de bens alimentares; produtividade e competitividade; energia; ciência
e tecnologia; transportes e logística.
7.7. A dinamização
do mercado interno e desenvolvimento de relações económicas
externas vantajosas e diversificadas, no quadro da cooperação
com todos os povos do mundo, através de uma
melhor distribuição do rendimento nacional e do desenvolvimento da despesa pública com investimentos em
infra-estruturas e políticas sociais, inclusive com o reforço da capacidade
financeira das Regiões Autónomas e do Poder Local.
7.8. O primado dos serviços
públicos na área das políticas sociais, pela:
7.8.1. Afirmação
de uma presença do Estado, não de forma supletiva ou residual, mas como
estrutura determinante e referencial.
7.8.2. Garantia
da acessibilidade em todo o território nacional a serviços com o mais
elevado padrão de qualidade.
7.9. A educação,
a cultura, a ciência e a tecnologia, como factores nucleares
do desenvolvimento económico e social e missões essenciais do
Estado democrático.
7.10. Um desenvolvimento
em harmonia com a natureza, numa perspectiva transformadora da sociedade:
7.10.1. A
utilização dos recursos naturais endógenos ao serviço do País e do povo,
como condição para a preservação da natureza.
7.10.2. Democratização
da gestão e usufruto dos recursos naturais, numa perspectiva que contrarie
a mercantilização e privatização do património natural de Portugal.
8. As políticas
económicas e sociais necessárias
8.1. Outro caminho para
Portugal na Europa e no Mundo
Outro rumo e uma
nova política ao serviço do povo e do País exige, face ao enquadramento
internacional e às suas consequências, o desenvolvimento de relações económicas
internacionais mais equitativas e mais justas contra as imposições do
imperialismo e as ruinosas decisões dos seus organismos, exige a defesa da soberania nacional como questão
central e estratégica e a reconsideração do enquadramento comunitário da
economia portuguesa na luta pela construção de uma Europa de cooperação
entre Estados soberanos e iguais em direitos. Uma Europa que não resultará
nunca dos que defendem uma integração neoliberal, federalista e militarista, do
mero funcionamento dos órgãos da União Europeia afastados dos cidadãos e
determinados pelo grande capital, mas da conjugação da luta de massas e acção
institucional, explorando as contradições e obstáculos da actual integração.
São linhas de intervenção para a exigência de uma
mudança de rumo das políticas comunitárias:
8.1.1. O estabelecimento de uma Estratégia para a
Solidariedade e o Desenvolvimento dotada de um novo conjunto de políticas
económicas, sociais e ambientais, visando o pleno emprego, o emprego com
direitos e salários revalorizados, a coesão económica e social e a protecção
social para todos
8.1.2. O combate pelo fim da União Económica e
Monetária (UEM) e uma política orçamental comunitária virada
para o investimento, o crescimento e o emprego.
8.1.3. A par do combate à directiva Bolkestein, ao
processo de Bolonha, aos acordos de Schengen e à flexigurança, adopção de novas
políticas sociais que:
i) Promovam a igualdade de direitos e de oportunidades
para todos e previna e elimine os diversos factores de discriminação e
desigualdade, contrariando o nivelamento por baixo;
ii) Realizem a necessária repartição da riqueza criada,
com salários e pensões revalorizados, o desenvolvimento dos sistemas públicos e
universais de segurança social, o acesso a serviços públicos de qualidade,
nomeadamente nos domínios da saúde, educação e habitação.
8.1.4. Uma profunda reforma das políticas comuns
i) Uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC) que
assegure a soberania e a segurança alimentares tendo em conta as
especificidades da produção agrícola e das regiões;
ii) Uma reforma da Política Comum das Pescas que promova a modernização e
desenvolvimento socio-económico do sector, garanta o futuro da actividade
piscatória, no quadro do controlo nacional da Zona Económica Exclusiva;
iii) O apoio ao desenvolvimento e salvaguarda
da actividade industrial;
iv) Uma nova orientação para as relações comerciais
externas da União Europeia, nomeadamente na OMC, e nas negociações bilaterais,
recusando processos de liberalização, consolidando políticas de cooperação e
apoio ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos;
v) Uma nova estratégia para a regulação dos mercados de
capitais face aos riscos acrescidos de crises financeiras, combatendo as
deslocalizações de empresas, penalizando-as, tributando as transacções
financeiras e pondo fim aos paraísos fiscais (offshores).
8.2. Um crescimento económico
vigoroso, sustentado e equilibrado do País
O que torna necessária e decisiva a intervenção do Estado na efectiva
regulação da actividade económica e como agente económico que tenha em conta o papel real do mercado no quadro de uma
economia mista, não dominada pelos monopólios, com sectores de propriedade
diversificada e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e
apoiadas; na efectiva concretização de
políticas que prossigam opções estratégicas nacionais, para garantir o pleno
aproveitamento das capacidades e recursos nacionais; para harmonizar as
actuações dos sectores público, privado e social face aos desafios externos e a
um objectivo claro de desenvolvimento económico e de progresso social.
São eixos, objectivos e políticas para um
crescimento económico, vigoroso, sustentado e equilibrado:
8.2.1. O desenvolvimento e a modernização das
actividades produtivas, pela:
i) Defesa da produção e do mercado nacional, com a
dinamização dos investimentos público e privado, do mercado interno, das acções
de investigação associadas à produção, particularmente em sectores de forte
conteúdo tecnológico e/ou geradores de emprego e de serviços prestados às
empresas;
ii) A par da racionalização fundiária pelo
livre associativismo no Norte e Centro, impõe-se a realização de uma profunda
alteração fundiária que concretize, nas actuais condições, uma reforma agrária
nos campos do Sul que liquide a propriedade latifundiária. Igualmente se exige
o condicionamento legal do acesso à terra pelo capital estrangeiro e o combate
à especulação imobiliária/«turística» e desaproveitamento das potencialidades
agrícolas de Alqueva;
iii) Alteração do actual perfil de
especialização da economia baseada não na desvalorização da força de trabalho,
na inovação, investigação e desenvolvimento tecnológico, na qualidade dos
produtos, na organização empresarial, na formação e qualificação dos
trabalhadores;
iv) Existência de infra-estruturas materiais e sociais
básicas.
8.2.2. Uma consolidação das finanças públicas, identificada como
a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos e articulação da gestão
orçamental com o crescimento económico e o desenvolvimento social, nomeadamente
promotora de um elevado investimento público em infra-estruturas físicas, em
educação e formação profissional e em áreas sociais como a saúde e a protecção
social. A sustentabilidade do processo impõe quatro exigências centrais:
i) A revogação do Pacto de Estabilidade;
ii) Um crescimento económico sustentado a ritmos elevados
que promova o desenvolvimento, o emprego e potencie as receitas fiscais;
iii) Um permanente rigor e disciplina na
avaliação das despesas públicas com o combate ao desperdício e um aumento de
eficiência das administrações públicas;
iv) Uma política fiscal que alivie a carga sobre as
classes laboriosas e promova o aumento das receitas e a eficiência do sistema
fiscal, através do alargamento da base e do aumento da fiscalização
tributárias, da significativa redução dos benefícios fiscais, designadamente no
sector financeiro, da diminuição do IVA, do combate à evasão e fraude fiscais e
da imposição fiscal sobre o património mobiliário e ganhos bolsistas.
8.2.3. A dinamização do investimento, nomeadamente do
investimento público e a melhoria da eficácia e eficiência na utilização dos
fundos comunitários. A reorientação de todo o investimento, quer público quer
privado, com base em critérios adequados às necessidades de desenvolvimento do
País, significa:
i) Promover políticas de crédito e orçamentais que
favoreçam o investimento produtivo e a produção de bens transaccionáveis,
dirigindo os recursos (nacionais e comunitários) disponíveis para incentivar o
investimento para o aumento da produtividade e da competitividade dos sectores
tradicionais e para o apoio a novos sectores onde o País tem potencialidades.
ii) Favorecer uma localização territorial do investimento
correctora das assimetrias regionais.
iii) Criar condições para que a atracção do
investimento estrangeiro salvaguarde a sua sustentabilidade, tenha efeitos
positivos no tecido económico nacional e combata o investimento predador e
«beduíno».
8.2.4. O alargamento do mercado interno enquanto condição
básica de sustentabilidade e estabilidade de qualquer estratégia de
desenvolvimento económico, através:
i) Do crescimento do rendimento disponível das famílias,
nomeadamente pelo crescimento dos salários e pensões, travando e corrigindo a
actual trajectória de um consumo desequilibradamente centrado no crédito
bancário;
ii) Do desenvolvimento regular do investimento público da
Administração Central, das regiões Autónomas e das autarquias;
iii) Das políticas de dinamização da actividade
das micro, pequenas e médias empresas.
8.2.5. Um sector público forte e dinâmico, ao serviço da
democracia e do desenvolvimento independente do País, é condição chave para a
manutenção em mãos nacionais de alavancas económicas decisivas e para
concretizar a propriedade social dos sectores básicos e estratégicos,
instrumento essencial para garantir o desenvolvimento integrado e o ordenamento
do território, para reafirmar um Estado com um papel produtivo e não meramente
regulador, para promover uma política de emprego e melhoria das condições
laborais e de vida.
Assegurar um sector
público com uma dimensão e peso determinantes nos sectores básicos e
estratégicos da economia nacional, nomeadamente: a banca e os seguros; a energia;
a água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos; as comunicações e
telecomunicações; os transportes e vias da comunicação; a indústria; outros
sectores considerados estratégicos, designadamente áreas da comunicação, da
investigação e desenvolvimento tecnológicos.
8.2.6. Um sector financeiro ao serviço do crescimento económico e do desenvolvimento social exige:
i) Uma componente
pública dominante e dinâmica que esteja em condições de influenciar e regular o
sistema financeiro, apoie o investimento produtivo e criador de emprego,
estimule as exportações nacionais e apoie as micro, pequenas e médias empresas,
o sector cooperativo e social e as famílias;
ii) Uma política de
crédito às empresas produtoras de bens transaccionáveis, com um tratamento preferencial
por parte do nosso sistema financeiro, por forma a que estes sectores possam
ser mais competitivos com os seus concorrentes externos;
iii) Uma política de
crédito em que as taxas de juro praticadas nos empréstimos às famílias, em
especial à habitação, nos empréstimos às empresas, tenham em conta os seus
impactos macro-económicos e contribuam para a diminuição do endividamento das
famílias e das empresas;
iv) Promoção e acompanhamento da gestão dos
fundos de pensões por parte das Comissões de Trabalhadores ou de outras
estruturas organizacionais.
8.2.7. Um sector energético orientado para o
pleno aproveitamento dos recursos energéticos nacionais, com as seguintes
linhas de actuação:
i) A definição de uma estratégia que, no contexto do
esgotamento dos combustíveis fósseis (o Estado português deve subscrever o
Protocolo de Esgotamento), reduza os consumos energéticos, com programas
consistentes de utilização racional de energia e diversifique as fontes de
energia;
ii) O reassumir pelo Estado do seu papel de Autoridade no
aprovisionamento, produção, transporte e comercialização das diferentes formas
de energia, inclusive na retoma urgente do planeamento energético;
iii) A reorganização empresarial das fileiras
energéticas do sector público, que deve recompor a cadeia de valor das empresas
de electricidade e de gás natural, desagregada pelas reestruturações levadas a
cabo pelos governos PS e PSD;
iv) A inventariação, planeamento e utilização integrada e
coerente de todas as potencialidades nacionais em energias renováveis -
hidroeléctrica, solar térmica, fotovoltaica, eólica, biomassa, geotérmica e as
ligadas ao mar - e uma reconsideração crítica do recurso aos agrocombustíveis
de produções dedicadas, bem como a programada intensificação do uso do gás natural
em centrais térmicas;
v) A consolidação e
reforço da base científica e técnica necessária ao desenvolvimento de
investigação científica e desenvolvimento tecnológico, orientados para o
acompanhamento da evolução das inovações energéticas a nível mundial, e a
cooperação internacional;
vi) Uma política de transportes que privilegie o
transporte público e colectivo de passageiros, particularmente o modo por
carril accionado electricamente, e incentive o transporte de mercadorias por
ferrovia e ainda pelo modo fluvial e marítimo; em particular, deve ser
generalizado o uso do gás natural nas frotas urbanas e intensificada a sua
utilização nos veículos ligeiros e pesados.
8.2.8. Um
sector de transportes e comunicações que considere:
i) A definição de uma política para os transportes e
plataformas logísticas assente num forte sector constituído por empresas
públicas, única forma de garantir a efectiva prioridade ao serviço público, ao
interesse e soberania nacionais, com transportes coordenados e frequentes, seguros,
com boa qualidade e a preços sociais, recebendo as respectivas empresas,
adequada e atempadamente, as indemnizações compensatórias.
ii) A elaboração de um Plano Nacional de Transportes,
integrado, que seja um elemento fundamental para uma política democrática de
transportes, que tenha um papel estratégico e estruturante na economia
nacional, no ordenamento do território, no desenvolvimento das regiões, que
garanta a segurança de tripulações, passageiros e cargas, a complementaridade
entre os diversos modos e que responda a imperativos de economia energética,
menor custo social e preservação do ambiente.
iii) A garantia do carácter público do planeamento,
construção, manutenção e exploração de importantes infra-estruturas de
transportes e plataformas logísticas, de acordo com as necessidades de
desenvolvimento económico e social do País, rompendo assim com a crescente
subordinação destes investimentos aos interesses dos grupos económicos e do
capital financeiro.
iv) A garantia da existência de um forte sector
público, universal e de qualidade de comunicações e telecomunicações como
condição para o desenvolvimento do País, garantindo o conjunto de investimentos
de carácter funcional e tecnológico necessários, os direitos dos trabalhadores
e dos utentes.
8.2.9. Adequada política de ambiente, água e
recursos naturais, que considere de
forma integrada um vasto conjunto de políticas sectoriais e se insira nos
seguintes princípios:
i) Um desenvolvimento que potencie as riquezas naturais
do País, numa gestão democrática, planificada e racional dos recursos;
ii) Uma política orientada para a promoção e elevação da
qualidade de vida das populações, garantindo a democratização do acesso à
Natureza e do seu usufruto;
iii) Uma política de recursos hídricos que
garanta o acesso à sua utilização como direito inalienável das populações, e
que preserve e aprofunde a sua gestão pública e que impeça a sua
mercantilização;
iv) Uma política de preservação da Natureza que não
consista no abandono das populações, mas antes no seu envolvimento,
nomeadamente numa gestão democrática das Áreas Protegidas;
v) Uma política de
gestão das Áreas Protegidas, orientada para a valorização do património
genético e paisagístico e dos «saberes fazer» locais como reserva estratégica;
vi) Uma política de investimento na investigação
científica e no desenvolvimento da tecnologia visando a evolução dos meios de
produção e uma indústria cada vez menos poluente.
8.2.10. Ordenamento do território e
efectivas políticas de desenvolvimento regional, assumido
enquanto
vector essencial de estratégias de desenvolvimento do País e de combate à
desertificação, o que exige:
i) O desenvolvimento
de políticas para as cidades e metrópoles que privilegiem a reabilitação e a
renovação urbanas invertam processos de degradação ambiental e contrariem e
corrijam o carácter monofuncional nas relações centro-periferia;
ii) A promoção de
políticas de defesa e valorização do mundo rural e das regiões do interior e
insulares, em particular com políticas de investimento (Orçamentos do Estado e
QREN) adequadas, o cumprimento de obrigações de serviço público (transportes,
comunicações, telecomunicações, energia, etc.) e a correcção do desenvolvimento
desigual das actuais políticas económicas capitalistas;
iii) A criação de Regiões Administrativas e a consequente
extinção das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que
assegurem a definição e promoção de uma política regional assente em critérios
de participação efectiva.
8.3. O Estado como promotor
do desenvolvimento social
O desenvolvimento
do País passa pelo trabalho qualificado e remunerado de acordo com uma melhor
distribuição da riqueza e do rendimento disponível, eixos centrais de uma
estratégia que considere o ser humano e os seus conhecimentos e não o capital
como principal factor de crescimento económico e por um investimento
significativo na educação, na cultura, na ciência e tecnologia, na saúde, na
segurança social, na habitação e no ambiente, tendo presente que o efeito
cumulativo dos diferentes factores sociais e económicos são decisivos para
aumentar as possibilidades de desenvolvimento económico e social, fundamental
para combater a pobreza e a exclusão social, e para a melhoria do nível de vida
do povo português.
Na prossecução
deste objectivo o PCP propõe, entre outras, as seguintes orientações no plano
social:
8.3.1. Uma política educativa que considere a
educação, nas suas múltiplas vertentes, e o ensino como um direito de todos e
de cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso
desenvolvimento das suas potencialidades, vocações e consciência cívica.
Direito que deve ser assegurado por uma Escola Pública de Qualidade, Inclusiva
e Gratuita para todos e por uma política que igualmente assuma a educação, a
ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado
do nosso País e para o aprofundamento da democracia; que atenda à
multiplicidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e às
dimensões a que estes necessitam de dar resposta, desde a competência
profissional e a qualificação, à cultura humanista e científico-técnica, à
inovação e à criação.
8.3.2. A valorização do papel da Ciência e Tecnologia
(C&T) e das Actividades Científicas e Técnicas (AC&T) como instrumentos
indispensáveis à concretização de uma política alternativa que efectivamente
conduza à melhoria das condições de vida do povo português tendo presente que o
ritmo de criação de riqueza depende do volume de recursos humanos, materiais e
financeiros afectados a essas actividades. Objectivo que passa pelo crescimento
gradual do investimento público em I&D que deverá atingir o montante anual
correspondente a 1% do PIB, em termos reais, até 2010; por uma política de
criação de emprego, de qualidade e com direitos, visando o reforço dos
efectivos de pessoal das unidades públicas que desenvolvem actividades de
I&D e outras AC&T; pela radical simplificação dos processos de gestão
administrativa e financeira das unidades públicas do Sistema Científico e
Técnico nacional, acompanhada pelo desenvolvimento de uma rede de institutos e
laboratórios nacionais, alargando os domínios de especialidade actualmente
cobertos, pela criação, a promover pelo Estado, de um fundo de I&D para o
qual as empresas interessadas contribuiriam anualmente, numa percentagem
definida a partir do respectivo VAB anual; e pelo apoio público à criação de
núcleos de I&D em empresas para a execução de actividades próprias de
I&D e inovação, através de incentivos financeiros, incluindo incentivos
fiscais.
8.3.3. Uma política de
efectiva democratização da cultura, factor essencial de emancipação
individual e colectiva. Esta política significa o acesso generalizado das
populações à fruição dos bens e das actividades culturais; o apoio à criação,
produção e difusão culturais; a descentralização da cultura; a defesa, o
estudo, a preservação e a divulgação do património cultural nacional, regional
e local, erudito e popular, tradicional ou actual; o intercâmbio com os outros
povos da Europa e do mundo; a abertura aos grandes valores da cultura da
humanidade e a sua apropriação crítica e criadora; o combate à colonização
cultural; a promoção internacional da cultura e da língua portuguesas.
8.3.4. A existência de um Serviço Nacional de Saúde, sua concretização
e desenvolvimento como Serviço Público, universal, gratuito, eficiente e
eficaz, mantendo-se o Estado como prestador geral e universal de cuidados de
saúde, com a completa separação entre o sector público e privado, indispensável
ao aumento da eficiência dos recursos públicos, da sua qualidade e à sua
acessibilidade.
Um SNS que contemple o investimento em programas de prevenção e saúde
pública, com meios financeiros e humanos necessários, essencial para o
crescimento económico e a melhoria da qualidade de vida.
Um SNS cuja sustentabilidade financeira e social seja assegurada por uma
política de financiamento adequado e simultaneamente não ceda perante os
poderosos interesses instalados, seja exigente na transparência dos actos a
todos os níveis de gestão, racionalize custos, combata o desperdício e que a
montante seja complementado por um conjunto de políticas sociais, determinantes
no estado de saúde dos portugueses.
8.3.5. A defesa do sistema público de Segurança Social
- consolidando o seu carácter universal e solidário -
como um pilar insubstituível de novas políticas sociais que visem
uma justa repartição do rendimento nacional, o combate às
injustiças e as desigualdades sociais. Tal objectivo implica romper com
as opções de direita - que remetem o Sistema Público de
Segurança Social para um papel residual e de carácter assistencialista
- assumindo novas medidas que façam cumprir o direito dos trabalhadores
face às diversas eventualidades, situações de risco e dos
que se encontram numa situação de pobreza e exclusão social
assegurando uma continuada elevação dos níveis de protecção
social. Para a concretização destes objectivos impõe-se
consolidar a sustentabilidade financeira do sistema público, no presente
e para o futuro, através do combate à evasão e dívida,
de uma justa e adequada diversificação das suas fontes de financiamento,
que responsabilize e comprometa o Estado, os trabalhadores, os sectores produtivos
e as empresas de capital intensivo.
8.4. A valorização
do trabalho e dos trabalhadores
A valorização do
trabalho e dos trabalhadores, enquanto condição determinante para o
desenvolvimento, exige o pleno emprego, a distribuição justa do rendimento e da
riqueza, o aumento dos salários, condições de trabalho dignas e qualidade de
emprego, a formação profissional, o investimento num perfil económico assente
em mão-de-obra qualificada, direitos individuais e colectivos desenvolvidos e
efectivos. São medidas urgentes e necessárias:
8.4.1. Assegurar
e reforçar os direitos individuais e colectivos, incluindo os direitos
sindicais, de contratação colectiva e de greve, o que exige a revogação das
normas gravosas do Código de Trabalho, em particular o termo da caducidade das
convenções colectivas e o respeito pelo princípio do tratamento mais favorável
ao trabalhador.
8.4.2. Aumentar os salários, em particular o salário mínimo nacional, com
vista a melhorar as condições de vida e a assegurar um significativo progresso
na distribuição do rendimento nacional.
8.4.3. Aplicar os princípios da igualdade de tratamento no emprego e na
profissão e combate a todas as formas de discriminação.
8.4.4. Desenvolver e tornar efectivos os direitos de informação, de
consulta e de participação dos trabalhadores e das suas organizações
(sindicatos e comissões de trabalhadores), a todos os níveis.
8.4.5. Assegurar vínculos de trabalho estáveis, combater todas as formas de precariedade, alterar a legislação para
responder a esse objectivo e reforçar a fiscalização do uso abusivo e ilegal de
contratos a termo, do trabalho temporário e regularização da situação
dos trabalhadores com falsa prestação de serviços.
8.4.6. Assegurar a qualificação dos trabalhadores, sendo prioritária a
concretização do direito à formação contínua enquanto instrumento fundamental
para a valorização do trabalho.
8.4.7. Criar medidas que, no quadro de processos de reestruturação de
empresas ou em actividades ou sectores deprimidos, permitam o desenvolvimento da formação profissional, na perspectiva
da qualificação e requalificação dos trabalhadores e a igualdade de oportunidades.
8.4.8. Responder aos problemas postos pela utilização maciça das novas
tecnologias, defendendo os direitos dos trabalhadores.
8.4.9. Melhorar as condições de trabalho, sendo urgente reduzir os
elevados níveis de sinistralidade através de uma política de prevenção e ter em
conta os novos riscos no trabalho.
8.4.10. Criar condições para a elevação da taxa de emprego de pessoas com
maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho, particularmente de
pessoas portadoras de deficiência.
8.4.11. Aumentar o grau de efectivação das normas de trabalho, através do
reforço de intervenção e da acção coordenada dos vários serviços inspectivos, e
de uma justiça de trabalho mais célere e mais acessível.
8.5. Um Estado democrático,
representativo, moderno e eficiente, ao serviço do povo e do País
O Estado e as suas características, os critérios de
designação dos seus órgãos, a medida e o sentido do exercício das suas funções,
a inclusão no processo de decisão política e administrativa da participação e intervenção
popular, representam simultaneamente um objectivo programático autónomo e uma
condição de realização de outros objectivo programáticos.
Como a situação do País o comprova, o Estado tem
constituído, pela sua intervenção ou deliberada omissão, um instrumento dos
objectivos do capital quer no processo de reconstituição do capital
monopolista, quer no processo de centralização e concentração em curso.
O desenvolvimento económico e social do País exige um Estado
democrático, representativo, baseado na participação popular, moderno e
eficiente, ao serviço do povo e do País do qual são componentes essenciais: a
organização do poder político baseado no sufrágio universal e directo; a
participação popular permanente no exercício do poder; uma justiça independente,
democratizada célere e acessível; uma Administração Pública descentralizada,
desconcentrada, desburocratizada e aberta; serviços públicos essenciais
garantidos pelo Estado; Forças Armadas ao serviço da independência e soberania
nacionais e da integridade do território; segurança e ordem públicas baseadas
no primado da prevenção e no respeito e garantia efectiva dos direitos e
liberdades individuais e dos trabalhadores.
São ainda condições para o desenvolvimento do País o reforço
da autonomia administrativa e financeira do poder local; a criação das Regiões
Administrativas; o respeito pela autonomia político-administrativa das Regiões
Autónomas, no quadro da unidade e soberania nacionais.
*
*
*
Identificada com as preocupações e expectativas de largas
camadas sociais sujeitas às consequências de uma política determinada pelos
interesses do grande capital, a política alternativa que o PCP defende
corresponde a uma ampla aspiração de afirmação da soberania nacional e de
ruptura com a subordinação das orientações da União Europeia e do processo de
integração, dá resposta às sentidas dificuldades e aspirações que a
generalidade da população, e em particular os trabalhadores, enfrentam.
Inseparável do
processo de construção de uma alternativa política, a política alternativa que
o PCP apresenta é tão mais realizável quanto mais expressiva for a sua
influência, mais forte for o desenvolvimento da luta de massas e mais
largamente se afirmar uma vasta frente social de oposição à política de direita
com projecção e reflexos no plano político e institucional.
Assumindo,
com a realização da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais,
as suas responsabilidades perante o País, o PCP dá expressão às expectativas,
confiança e esperança que os trabalhadores e o povo nele depositam. Partido
insubstituível na luta de resistência às políticas de direita e à ofensiva
contra direitos e conquistas alcançadas com Abril, o PCP afirma-se como uma
força portadora de uma política alternativa indispensável à construção de um
Portugal com futuro.
A política
alternativa que o PCP aponta como perspectiva, a concretizar enquanto exigência
necessária para dar resposta aos problemas do País, integra-se e é enquadrada
pelo Programa do PCP. Programa este que, assumido para actual etapa histórica,
afirma uma Democracia Avançada que - no desenvolvimento dos seus elementos
fundamentais (políticos, económicos, sociais e culturais) - tem no horizonte a
construção da sociedade socialista.
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