Temos assistido, na última
década, à promoção da utilização de novas fontes de energia renováveis (abrev.
FER) na produção de energia eléctrica. Este movimento é generalizado por todo o
mundo, em particular, na União Europeia. A Directiva 2001/77/EC estabeleceu
como objectivo, atingir em 2010, no conjunto dos então estados membros (UE-15),
a meta de 22% de produção de energia eléctrica, a partir de FER. Este objectivo
foi repartido, tendo cada estado assumido uma certa contribuição. Portugal
assumiu então que 39% do consumo de electricidade no País seria produzida a
partir de FER. Foi a 3ª maior quota, depois da Áustria e da Suécia. No início
do ano passado, Portugal, voluntariamente, comprometeu-se com uma quota maior:
45% da energia eléctrica a produzir em 2010, a partir de fontes de energia
renováveis.
Na Europa, estando quase esgotados
os recursos hidroeléctricos economicamente rentáveis, as grandes barragens, a
estratégia foi orientada no desenvolvimento das FER não tradicionais na
produção de electricidade: pequenos aproveitamentos hídricos, energia eólica,
biomassa, biogás, resíduos industriais e urbanos e energia solar. Estas
tecnologias têm um custo mais elevado de produção e não são rentáveis, face à
produção de electricidade convencional.
Em Portugal, erradamente, também
se seguiu a mesma orientação, definindo-se metas ambiciosas de potência
instalada para 2010, distribuídas pelas diversas tecnologias: eólica- 5100 MW
(nova meta, antes era 3750 MW), mini-hídricas- 400 MW, biomassa- 150 MW,
Biogás- 50 MW, resíduos sólidos urbanos- 130 MW, ondas- 50 MW, solar
fotovoltaica- 150 MW. Foi também definida uma meta de 5000 MW para a grande
hídrica, valor pouco ambicioso, tendo em consideração que em 2003, altura da definição
das metas, havia já 4209 MW em serviço e cerca de 400 MW em construção (que à
data de hoje, já entraram em serviço). Pelo contrário, o mesmo não se poderá
dizer das quotas para a energia eólica, que em 2003 eram só 226 MW e que em
2010 ultrpassará a das hídricas, ou para as centrais fotovoltaicas, com uma
meta de 150 MW, que é igual à da Espanha, país com uma dimensão
reconhecidamente maior.
A grande diferença relativamente
aos outros países da UE, é que Portugal ainda dispõe de importantes recursos
hidroeléctricos não explorados. Sendo o recurso endógeno e renovável mais
rentável, não se entende porque a importância do seu desenvolvimento só agora
foi finalmente reconhecida. Hoje, existem 4586 MW em centrais hidroeléctricas
em serviço e mais de 6000 MW de recursos hídricos identificados e não
aproveitados. Mesmo assim, a meta dos 5000 MW em 2010 não será cumprida, devido
à política seguida na última década de abandono da construção de grandes
barragens (a única excepção foi o Alqueva). Só agora, foram retomadas as
intenções de construir um novo aproveitamento hidroeléctrico no Baixo Sabor e
de reforçar os existentes, Picote e Bemposta.
Sob o ponto de vista económico, a
utilização das fontes de energia renováveis na produção de energia eléctrica, à
excepção da grande hídrica, é uma opção mais cara. Para que o desenvolvimento
das FER fosse promovido pela iniciativa privada, os governos dos países da
União Europeia e de outros países adoptaram um generoso pacote de incentivos
para a utilização das novas tecnologias de produção de energia eléctrica.
Existem vários tipos de incentivos que têm expressão diferente, quer na
rentabilidade do negócio, quer nas consequências para quem os suporta.
Na maioria dos países da UE (15 em
25, entre os quais Portugal), pratica-se um sistema de tarifas bonificadas,
para além da garantia da venda de toda a energia eléctrica produzida. São
tarifas estabelecidas pelos respectivos governos, por um prazo garantido,
normalmente de 15 a 20 anos, e cujos valores dependem fortemente da tecnologia
utilizada (hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa, etc.). A fim de lhe dar um
ar mais alinhado com as tendências económicas liberais, a bonificação pode
assumir, em certos países, o carácter de um prémio adicional sobre o valor da
energia transaccionada no mercado.
Em Portugal, pratica-se o sistema
de tarifa absoluta bonificada, com garantia de compra pelo sistema eléctrico
público, através do comercializador de último recurso, a entidade responsável
pela aquisição de energia eléctrica para venda à tarifa regulada. O sistema
tarifário foi inicialmente estabelecido pelo DL 189/88, posteriormente alterado
pelo DL 168/99, depois pelo DL 339-C/2001 e mais recentemente, pelo DL
33-A/2005. A evolução operada manteve sempre elevados valores de remuneração,
favorecendo mais, ora uma, ou outra tecnologia. As tarifas são garantidas por
15 anos, com actualização de acordo com o IPC, sem habitação. Os valores actuais
publicados são os seguintes:
Tecnologia
|
Tarifa Média
Indicativa
(€/MWh)
|
Mini-hídrica
|
|
75
|
|
Eólica
|
|
74
|
|
Biomassa Florestal
|
|
110
|
|
RSU
|
|
75
|
|
Biogás de Aterro
|
|
102
|
|
Biomassa Animal
|
|
102
|
|
Fotovoltaica > 5 kW
|
|
310
|
|
Fotovoltaica < 5 kW
|
|
450
|
|
Em comparação, o preço médio da
produção de energia eléctrica no SEP foi, em 2006, de aproximadamente 55,8
€/MWh. Assim, a promoção das FER, entregue à iniciativa privada, custa, em
média, mais 50%.
Esta diferença gera um sobrecusto
que em 2007 a ERSE previu de 157 milhões de euros. Sobrecusto este, que por
graça do DL 90/2006, será suportado quase na totalidade pelos clientes
domésticos, com uma contribuição média, de cada um, de 27 euros. Em 2010, esse
valor poderá duplicar.
O aumento da produção de
electricidade, a partir das FER é positivo, pois substitui os combustíveis
fósseis, cada vez mais escassos e reduz a factura da importação. O mal está na
forma como até agora se tem concretizado esta política. Bastaria aos governos terem
optado por cumprir as metas por eles apontadas, esgotando primeiro o potencial
hídrico não explorado, através da construção de novos empreendimentos
hidroeléctricos, de grande, média e pequena dimensão. Mesmo aplicando às novas
hídricas o regime de remuneração do Alqueva, que conduz a um preço médio de 61
€/MWh de energia produzida, apenas 10% mais que o preço SEP, o sobrecusto devido
à produção a partir de FER seria reduzido para 1/5. A construção de barragens,
grandes e pequenas, tem ainda a vantagem de uma maior incorporação de trabalho
nacional.
Por outro lado, salienta-se a
injustiça dos incentivos generosos à promoção das FER, suportados
obrigatoriamente pelos consumidores de electricidade, que conduzem aos
projectos financeiros mais rentáveis da actualidade, desde cedo apadrinhados
pelo capital financeiro. Estudos realizados para a energia eólica, apontam que
o custo de energia eléctrica produzida num parque de características médias é
20% inferior ao preço pago pela tarifa. Só elevados lucros explicam que para
uma quota de 3750 MW, tivessem aparecido no primeiro período de aceitação de
pedidos de pontos de recepção, candidaturas para mais de 7000 MW, o dobro da
potência disponível.
A política de promoção das
energias renováveis que o país precisa, não é a que dá mais lucro ao capital,
mas a que se traduz em menores custos para a sociedade, que promova o
desenvolvimento das forças produtivas nacionais e que abranja as múltiplas
formas de utilização da energia, não se circunscrevendo à energia eléctrica.
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