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O Preço a Pagar pelas Energias Renováveis
Terça, 22 Maio 2007


Temos assistido, na última década, à promoção da utilização de novas fontes de energia renováveis (abrev. FER) na produção de energia eléctrica. Este movimento é generalizado por todo o mundo, em particular, na União Europeia. A Directiva 2001/77/EC estabeleceu como objectivo, atingir em 2010, no conjunto dos então estados membros (UE-15), a meta de 22% de produção de energia eléctrica, a partir de FER. Este objectivo foi repartido, tendo cada estado assumido uma certa contribuição. Portugal assumiu então que 39% do consumo de electricidade no País seria produzida a partir de FER. Foi a 3ª maior quota, depois da Áustria e da Suécia. No início do ano passado, Portugal, voluntariamente, comprometeu-se com uma quota maior: 45% da energia eléctrica a produzir em 2010, a partir de fontes de energia renováveis.

Na Europa, estando quase esgotados os recursos hidroeléctricos economicamente rentáveis, as grandes barragens, a estratégia foi orientada no desenvolvimento das FER não tradicionais na produção de electricidade: pequenos aproveitamentos hídricos, energia eólica, biomassa, biogás, resíduos industriais e urbanos e energia solar. Estas tecnologias têm um custo mais elevado de produção e não são rentáveis, face à produção de electricidade convencional.

Em Portugal, erradamente, também se seguiu a mesma orientação, definindo-se metas ambiciosas de potência instalada para 2010, distribuídas pelas diversas tecnologias: eólica- 5100 MW (nova meta, antes era 3750 MW), mini-hídricas- 400 MW, biomassa- 150 MW, Biogás- 50 MW, resíduos sólidos urbanos- 130 MW, ondas- 50 MW, solar fotovoltaica- 150 MW. Foi também definida uma meta de 5000 MW para a grande hídrica, valor pouco ambicioso, tendo em consideração que em 2003, altura da definição das metas, havia já 4209 MW em serviço e cerca de 400 MW em construção (que à data de hoje, já entraram em serviço). Pelo contrário, o mesmo não se poderá dizer das quotas para a energia eólica, que em 2003 eram só 226 MW e que em 2010 ultrpassará a das hídricas, ou para as centrais fotovoltaicas, com uma meta de 150 MW, que é igual à da Espanha, país com uma dimensão reconhecidamente maior.

A grande diferença relativamente aos outros países da UE, é que Portugal ainda dispõe de importantes recursos hidroeléctricos não explorados. Sendo o recurso endógeno e renovável mais rentável, não se entende porque a importância do seu desenvolvimento só agora foi finalmente reconhecida. Hoje, existem 4586 MW em centrais hidroeléctricas em serviço e mais de 6000 MW de recursos hídricos identificados e não aproveitados. Mesmo assim, a meta dos 5000 MW em 2010 não será cumprida, devido à política seguida na última década de abandono da construção de grandes barragens (a única excepção foi o Alqueva). Só agora, foram retomadas as intenções de construir um novo aproveitamento hidroeléctrico no Baixo Sabor e de reforçar os existentes, Picote e Bemposta.

Sob o ponto de vista económico, a utilização das fontes de energia renováveis na produção de energia eléctrica, à excepção da grande hídrica, é uma opção mais cara. Para que o desenvolvimento das FER fosse promovido pela iniciativa privada, os governos dos países da União Europeia e de outros países adoptaram um generoso pacote de incentivos para a utilização das novas tecnologias de produção de energia eléctrica. Existem vários tipos de incentivos que têm expressão diferente, quer na rentabilidade do negócio, quer nas consequências para quem os suporta. 

Na maioria dos países da UE (15 em 25, entre os quais Portugal), pratica-se um sistema de tarifas bonificadas, para além da garantia da venda de toda a energia eléctrica produzida. São tarifas estabelecidas pelos respectivos governos, por um prazo garantido, normalmente de 15 a 20 anos, e cujos valores dependem fortemente da tecnologia utilizada (hídrica, eólica, fotovoltaica, biomassa, etc.). A fim de lhe dar um ar mais alinhado com as tendências económicas liberais, a bonificação pode assumir, em certos países, o carácter de um prémio adicional sobre o valor da energia transaccionada no mercado.

Em Portugal, pratica-se o sistema de tarifa absoluta bonificada, com garantia de compra pelo sistema eléctrico público, através do comercializador de último recurso, a entidade responsável pela aquisição de energia eléctrica para venda à tarifa regulada. O sistema tarifário foi inicialmente estabelecido pelo DL 189/88, posteriormente alterado pelo DL 168/99, depois pelo DL 339-C/2001 e mais recentemente, pelo DL 33-A/2005. A evolução operada manteve sempre elevados valores de remuneração, favorecendo mais, ora uma, ou outra tecnologia. As tarifas são garantidas por 15 anos, com actualização de acordo com o IPC, sem habitação. Os valores actuais publicados são os seguintes:

Tecnologia

Tarifa Média Indicativa

(€/MWh)

Mini-hídrica

 

75

 

Eólica

 

74

 

Biomassa Florestal

 

110

 

RSU

 

75

 

Biogás de Aterro

 

102

 

Biomassa Animal

 

102

 

Fotovoltaica > 5 kW

 

310

 

Fotovoltaica < 5 kW

 

450

 

Em comparação, o preço médio da produção de energia eléctrica no SEP foi, em 2006, de aproximadamente 55,8 €/MWh. Assim, a promoção das FER, entregue à iniciativa privada, custa, em média, mais 50%.

Esta diferença gera um sobrecusto que em 2007 a ERSE previu de 157 milhões de euros. Sobrecusto este, que por graça do DL 90/2006, será suportado quase na totalidade pelos clientes domésticos, com uma contribuição média, de cada um, de 27 euros. Em 2010, esse valor poderá duplicar.

O aumento da produção de electricidade, a partir das FER é positivo, pois substitui os combustíveis fósseis, cada vez mais escassos e reduz a factura da importação. O mal está na forma como até agora se tem concretizado esta política. Bastaria aos governos terem optado por cumprir as metas por eles apontadas, esgotando primeiro o potencial hídrico não explorado, através da construção de novos empreendimentos hidroeléctricos, de grande, média e pequena dimensão. Mesmo aplicando às novas hídricas o regime de remuneração do Alqueva, que conduz a um preço médio de 61 €/MWh de energia produzida, apenas 10% mais que o preço SEP, o sobrecusto devido à produção a partir de FER seria reduzido para 1/5. A construção de barragens, grandes e pequenas, tem ainda a vantagem de uma maior incorporação de trabalho nacional.

Por outro lado, salienta-se a injustiça dos incentivos generosos à promoção das FER, suportados obrigatoriamente pelos consumidores de electricidade, que conduzem aos projectos financeiros mais rentáveis da actualidade, desde cedo apadrinhados pelo capital financeiro. Estudos realizados para a energia eólica, apontam que o custo de energia eléctrica produzida num parque de características médias é 20% inferior ao preço pago pela tarifa. Só elevados lucros explicam que para uma quota de 3750 MW, tivessem aparecido no primeiro período de aceitação de pedidos de pontos de recepção, candidaturas para mais de 7000 MW, o dobro da potência disponível.

A política de promoção das energias renováveis que o país precisa, não é a que dá mais lucro ao capital, mas a que se traduz em menores custos para a sociedade, que promova o desenvolvimento das forças produtivas nacionais e que abranja as múltiplas formas de utilização da energia, não se circunscrevendo à energia eléctrica.