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Estratégia energética da União Europeia - Intervenção de Francisco Teixeira - Sessão sobre Energia
Terça, 22 Maio 2007

 

1. O problema energético

O principal problema energético da Europa é a dependência petrolífera.

Quando os derivados do petróleo substituíram o carvão como principal recurso energético, a Europa ficou dependente das importações a terceiros. Essa dependência tem inerente um significativo factor de risco, pois não controlamos fornecimentos nem preços. As reservas com significado estão centradas num pequeno número de países não europeus, as cadeias de abastecimento são longas e complexas.

A Europa acordou para esta realidade no rescaldo das crises petrolíferas de 1973 e 1979. Apesar da política energética não fazer parte dos tratados constitutivos da então CEE, estava patente a necessidade de uma estratégia comum. Foi então quantificado um objectivo - reduzir a dependência para 50% em 1985 - e definidas medidas que servissem de orientação às políticas nacionais.

Na década de 80 os preços do petróleo e do gás atingiram valores anormalmente baixos, pelo que toda a dinâmica esmoreceu. O Conselho das Comunidades, em 1986, alertou para os perigos do relaxe, avisando que a conjuntura de preços baixos seria transitória.

A década de 90 trouxe profundas alterações nos consumos, à medida que a economia industrial dava lugar aos serviços. A procura energética na indústria estabilizou, diversificando a favor do gás natural. O consumo de electricidade aumentou, devido às necessidades dos serviços e das residências, assim como o consumo de derivados do petróleo, no sector dos transportes. No final dos anos 90 o preço do petróleo triplicou, evidenciando as fraquezas estruturais do aprovisionamento energético. Novos esforços para melhorar a eficiência energética, de enquadramento comunitário mas com medidas a aplicar pelos Estados-membros, tiveram um impacto limitado.

Apesar do aumento nos consumos, os países da UE reduziram ligeiramente a dependência energética desde a primeira crise petrolífera, de 60% em 1973 para 50% em 1999, graças ao incremento do nuclear e ao petróleo do mar do norte. Actualmente o petróleo e o gás na Europa caminham para um rápido declínio e o papel do nuclear está posto em causa. As instâncias comunitárias continuam a prever mais procura de energia eléctrica e transportes, estimando que nos próximos 20 a 30 anos, a dependência das importações possa atingir 70%.

Em 2005, face aos aumentos vertiginosos no preço do crude e às crescentes dificuldades em o aprovisionar, os Chefes de Estado e de Governo apelaram mais uma vez à actuação da Comissão. O resultado foi um Livro Verde, publicado em Março de 2006, com uma proposta de estratégia europeia para a energia, formatada na cartilha liberal.

O ponto de partida para delinear qualquer estratégia reside na compreensão profunda das causas do problema. Por estranho que pareça, as abordagens comunitárias, das quais os governos nacionais fazem eco, são profícuas em documentadas análises de grande saber técnico, mas nunca explicam aos Europeus qual a causa do preço do petróleo ter disparado.

Existem duas causas principais, uma circunstancial, de carácter político, e outra determinada pela história geológica do planeta.

A causa política, com efeitos abruptos no presente, é a desestabilização provocada no médio oriente, concretizada pelos EUA e alguns “parceiros” da UE, ao arrepio de qualquer estratégia comum com os demais. É um factor de suma importância em política energética, pois o Iraque e o Irão podem representar tanto como 75% das reservas. O clima de guerra determina a insegurança e o consequente aumento especulativo dos preços. Em nenhuma análise oficial o tema merece qualquer referência.

A outra causa não pode ser resolvida com vontade política. O petróleo é um bem esgotável e estamos a assistir ao princípio do seu fim. Tal pressuposto tem importância mais do que suficiente para constituir ponto de partida único de toda a estratégia energética. O esgotamento do petróleo, a que se seguirá daqui a algumas décadas o do gás natural, explica a tendência para um aumento constante do preço. Como podem a Comissão, o Parlamento, o Conselho, ao abordar a questão energética, passar por cima desta inevitabilidade?

Ao destacar o problema da dependência energética pareço esquecer a preocupação que ultimamente aparece a ombrear com esta, ou mesmo a relegá-la para um patamar inferior: o imperativo de conter as emissões de gases com efeito de estufa, consubstanciado num compromisso preparado no âmbito da ONU, o Protocolo de Quioto.

Arrumo aqui a questão, para não fazer lastro no decorrer da restante exposição.

Tomando como certo que estamos a assistir ao princípio do fim dos combustíveis fósseis, a últimas das preocupações será o acumular das emissões gasosas resultantes da queima desses mesmos produtos no horizonte de um século. O Protocolo de Quioto pretende que as emissões de gases com efeito de estufa atinjam um máximo até 2025 e comecem a reduzir a partir daí. Com menos petróleo para extrair pouco será necessário fazer para garantir esse objectivo. O problema do excesso de CO2 resolve-se pois de forma natural.

De qualquer modo podemos encarar todo o esforço de aumento de eficiência, apoiado psicologicamente no papão do CO2, como uma boa preparação das pessoas para o futuro breve, em que não se poderá fugir ao assunto da redução real nos consumos. E entretanto pode aproveitar-se para fazer dinheiro, a vender licenças de emissão e certificados brancos.

2. Caminhos para mitigar o problema

A não considerar para já uma alteração substancial no nosso modo de vida, sobram dois caminhos para enfrentar a dependência energética: procurar alternativas ao petróleo, preferencialmente com fontes não esgotáveis, e combater o desperdício, melhorando a eficiência no consumo de energia. Paralelamente deverá ser dada a maior atenção ás movimentações políticas internacionais, bem como à negociação com os produtores e países de passagem, no sentido de garantir condições para diversificar e aprovisionar recursos energéticos.

Estando assim enunciadas as bases da estratégia energética, assistimos menos à promoção de políticas que as concretizem do que a elaborados esforços para as subordinar a outras estratégias de fundo, nomeadamente às de carácter exclusivamente financeiro. A imposição do favorecimento de grandes negócios privados na área da energia aparece explícita em toda a documentação enquadradora ou legislativa, à mistura com as propostas de acção.

A tantas vezes desacreditada teorização liberal postula que, havendo boas oportunidades de negócios, num saudável contexto concorrencial, os empreendedores capitalistas resolvem todos os problemas, sobretudo se estiverem bem apoiados pelo empenho e recursos públicos. Cabe aos Estados favorecer o funcionamento dos mercados, criando quadros de apoio e financiamento, removendo todos os obstáculos técnicos e jurídicos.

O grande desígnio é a liberalização dos mercados do gás e da electricidade, tendo em vista a criação do mercado Europeu de energia. “Só quando existirem mercados europeus competitivos é que os cidadãos e empresas da UE tirarão todos os benefícios da segurança do aprovisionamento e de preços mais baixos” – assegura o Livro Verde. Estranha crença, uma vez que os factores de insegurança são sobretudo externos, assim como as razões para o aumento brusco dos preços.

A configuração das estruturas empresarias que lidam com a energia, a respectiva posse e o grau de competição em que estejam envolvidas, não são questões decisivas. Com todas as arquitecturas de divisão de responsabilidades e capitais se podem desenvolver boas e más políticas. O funcionamento dos mercados energéticos preconizados, só por si, não resolve qualquer problema energético.

2.1. Diversificação e alternativas

As alternativas devem satisfazer dois grandes sectores de consumo primário: a produção de energia eléctrica e os transportes. As soluções encontradas para um ou outro caso bastarão a indústria sem necessidade de grandes reparos.

Na produção de electricidade encontramos, para além do petróleo, outras fontes esgotáveis. O carvão e o nuclear, tradicionalmente bastante utilizadas e, mais recentemente, o gás natural. O carvão representa 1/3 da matéria-prima utilizada, sendo um combustível fóssil capaz de garantir segurança energética na Europa, onde as reservas são significativas. Como nos auto-enredámos na armadilha do carbono não são esperados grandes incrementos na sua utilização, pelo menos enquanto as tecnologias de captura e armazenamento de CO2 não estiverem suficientemente desenvolvidas e a custos reduzidos. Outro terço da produção eléctrica provém do nuclear, tecnologia que ainda mete mais medo que o efeito de estufa. Ninguém toca no assunto, nem com pinças, para não se queimar politicamente. No entanto, se o papão do CO2 continuar a ser bem promovido, é de esperar que os defensores do nuclear apareçam como salvadores do planeta. Actualmente só existem planos de aumento para o ciclo combinado com turbinas a gás natural, proliferação que tem o inconveniente de gastar um combustível nobre, também ele esgotável, que é o único com potencialidades para substituir os derivados do petróleo nos transportes.

A ênfase é naturalmente colocada nas renováveis, entre as quais avulta a boa e velha produção hídrica, que em 2005 forneceu 10% do total de electricidade. Só que nem todos os países têm as condições naturais para aproveitamentos hídricos e os que podem já exploram ao máximo (Portugal não é exemplo). A UE estabeleceu o objectivo de produzir 21% da sua electricidade com origem em renováveis até 2010. Tudo indica que o objectivo poderá ser cumprido, com base nas soluções emergentes: eólica, solar e biomassa. Contudo a energia eólica, e mesmo a biomassa dedicada, são soluções caras. Têm importantes incrementos enquanto os erários públicos arcam com o prejuízo, comprando a electricidade produzida a preço de amigo; sem apoios o ânimo dos investidores esmorece. A energia solar não tem condições para desempenhar um papel significativo. Aquela que se anuncia como a maior central do mundo, em Portugal, debitará para a rede apenas 50 MW, a oitava parte de um único grupo gerador a gás natural.

Na verdade não existem soluções viáveis a médio/longo prazo para sustentar o crescimento dos consumos eléctricos, com excepção do nuclear e eventualmente do carvão. O grande incremento verificado nas renováveis não chega para compensar os 2% anuais de crescimento da procura. E deverá ter-se em conta que esse incremento não está generalizado, baseia-se em investimentos num pequeno grupo de países; nalguns Estados a produção de electricidade renovável está mesmo a diminuir.

Nos transportes a diversificação e o desenvolvimento de alternativas estão num estado muito incipiente. Encontramos apenas duas alternativas consolidadas: a utilização de gás natural e a aditivação dos derivados do petróleo com biocombustíveis. A aposta enviesou para os biocombustíveis líquidos, cuja produção só é economicamente viável com base em financiamento público. A sua mistura com o gasóleo ou gasolina, pelos menos em 5,75% até 2010, é o objectivo proposto pela Comissão Europeia. Claro que estas proporções, num quadro de acentuado aumento de consumos, não representam uma real alternativa. Além disso a produção de biocombustíveis comporta problemas específicos, tanto ambientais como de rendimento energético (na maioria dos casos gasta-se tanta ou mais energia na produção do que a obtida), pelo que não se prevê um grande potencial de crescimento.

2.2. Poupança e eficiência energética

Afirma-se no Livro Verde de 2005 sobre eficiência energética, que é possível técnica e economicamente poupar até 20% do consumo de energia na UE. Em 2006 a Comissão propôs um Plano de Acção para realizar esse grande potencial de poupança até 2020. Para tal tentar-se-á conciliar políticas públicas, novos regulamentos e mais programas para a melhoria da eficiência energética, com mecanismos baseados nos mercados, nomeadamente a venda de serviços de poupança. Os Estados são compelidos a apresentar os seus próprios Planos de Acção, com objectivos sectoriais e programas concretos, ficando a procura pública obrigada a maior exigência, para dar o exemplo.

A produção e distribuição de energia eléctrica têm um grande potencial de poupança. Só as perdas na produção representam a maior fatia do consumo de energia primária na UE, valendo 33% do total. Dá-se como adquirido que a liberalização dos mercados retalhistas para os consumidores finais, nomeadamente de gás e electricidade, implicará uma melhoria de eficiência na produção e distribuição da energia. Para conseguir melhores resultados aposta-se no CELE – Comércio Europeu de Licenças de Emissão, através do qual se transforma o direito a emitir gases com efeito de estufa num mega-negócio. O comércio de emissões é também apresentado como a melhor solução para combater o desperdício energético na indústria. As instalações de produção de energia e calor não abrangidas (menos de 20 MW), serão visadas por um novo quadro regulatório, a apresentar no corrente ano.

Pelo lado dos consumos, o maior potencial de poupança verifica-se nos edifícios, sobretudo em iluminação e conforto térmico. Seguem-se os transportes e a indústria manufactureira, com potenciais também muito significativos. O plano preconizado não prevê diminuir os padrões de utilização energética, ou hábitos de consumo, mas sim alcançar mais eficiência investindo em melhores tecnologias. Propõe-se que o objectivo seja alcançado com três tipos de abordagens, desejavelmente complementares:

- Medidas de iniciativa política, compreendendo planos e programas desenvolvidos pelas instâncias nacionais, regionais e locais. Campanhas de sensibilização e informação aos consumidores, condicionamento dos consumos através de taxas e impostos, investimento em programas de eficiência. As instituições da UE disponibilizam fundos, mas não assumem o papel de liderar uma intervenção forte e decidida para a poupança energética;

- Estabelecimento de um quadro regulamentar comum, directivas e mecanismos de certificação para melhorar a eficiência energética nos edifícios, produtos e serviços. Nos anos recentes destacam-se a Directiva de Eco-Design, de Etiquetagem e a Directiva do Comportamento Energético dos Edifícios;

- Medidas de mercado e financeiras, das quais a mais relevante está vertida na “Directiva para a promoção de eficiência na utilização final de energia e dos serviços energéticos” (válida para estabelecimentos não abrangidos pelo CELE). Compele-se os produtores de energia, operadores de redes de distribuição e comercializadores de energia a retalho a venderem serviços que visam, em primeira análise, limitar o consumo do produto primário que comercializam. Identificadas as hipóteses de melhoria e poupança, um promotor financia o investimento, obtendo como dividendo parte do ganho em poupança alcançado. Num futuro próximo prevê-se ser possível desenvolver também o mercado dos “Certificados brancos”, concedidos por organismos de certificação às empresas que alcancem sucesso em resultado de medidas de eficiência, sucesso que poderá ser vendido ás empresas que não atinjam os mínimos. E como de negócios se trata convocam-se os bancos à liça, para facilitarem o financiamento dos investimentos.

Para melhorar a eficiência nos transportes (20% do total de energia primária consumida, da qual 98% derivados do petróleo), sector onde se registará o maior crescimento nos consumos, muito pouco é proposto, não existindo uma abordagem integrada e sistematizada para lidar com a questão. Os objectivos em melhoria da eficiência de motores e sistemas, resultantes de acordos voluntários, não serão atingidos, mas ainda está em ponderação a estratégia a seguir, nomeadamente as medidas legislativas adequadas. A eficiência dos sistemas de transportes, toda a gestão da mobilidade, da actividade logística e do ordenamento do território, é assunto deixado nas mãos das autoridades regionais e locais.

Conclusão

Prevê-se um aumento de 60% na procura mundial de energia até 2030, crescendo a necessidade de petróleo 1,6% ao ano. Dessa expectativa de dispêndio energético depende, no actual modelo social, o crescimento da economia e o bem-estar dos povos. Com a agudizar da escassez assistiremos ao intensificar da disputa pelos recursos, ao suceder de crises e conflitos. Embora não completamente claras, são já perceptíveis as movimentações para ganhar posições estratégicas neste conflito.

As maiores economias tradicionais, os países norte americanos e europeus, encetaram o caminho dos paliativos mas, a julgar pelo exposto relativamente à estratégia da UE, não será com as alternativas disponíveis, nem com o ganho em eficiência projectado, que se conseguirá a autonomia energética num contexto de aumento da procura.

Esta poderá ser a pior altura para entregar a estruturas privadas, de limitada dimensão para que haja concorrência, somente interessadas na satisfação dos seus accionistas, as ferramentas indispensáveis à adopção de medidas estratégicas na área de energia.

Assiste-se a uma tendência mundial precisamente no sentido contrário, tanto por parte dos países produtores, que procuram ganhar controlo sobre os seus recursos, como do lado das economias emergentes, onde o papel do estado em grandes empresas energéticas é significativo.

Será indispensável, a médio prazo, preparar novos caminhos, construir uma sociedade com outro tipo de necessidades energéticas. Para preparar essa transição, sem crises nem sacrifícios desnecessários, a UE precisa de intervir, com estruturas empresariais fortes, ao serviço dos interesses públicos e com o peso dos Estados, na optimização dos cabazes energéticos e na imposição de efectivas reduções de consumos. E não deverá abdicar de tomar posições firmes, para contrariar atitudes que favoreçam o estado de conflito entre as nações, de modo a impedir o aumento da insegurança e a especulação.