Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Regime jurídico aplicável ao consumo de

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. DeputadosO debate que hoje realizamos faz-se na sequência de um veto presidencial sobre um decreto da Assembleia, veto que, nos seus fundamentos, não oferece contestação.A preterição da audição das Assembleias Legislativas Regionais está neste momento sanada, a Assembleia procedeu, como devia, à audição das referidas Assembleias, temos os pareceres na nossa posse. O Sr. Presidente da República chamou a atenção para a disposição da entrada em vigor, que poderia conduzir à paralisação da aplicação da lei, apesar de aprovada, e nesse sentido também subscrevemos uma proposta de alteração desse ponto concreto.Trata-se de uma matéria que foi já discutida na passada sessão legislativa e que tem sido amplamente debatida na sociedade portuguesa. Não houve, nas últimas eleições legislativas, nenhum partido político que não tivesse apresentado no seu programa eleitoral o que pensava sobre essa matéria. Aliás, tudo o que o PCP aqui apresentou sobre este assunto corresponde escrupulosamente àquilo que propôs aos eleitores. De qualquer modo, esta tem sido uma matéria muito discutida - e ainda bem que é assim - e todos nós teremos de continuar a discuti-la em todas as suas vertentes.No entanto, como pensamos que o País também não pode parar para discutir e que, portanto, a discussão não pode ser paralisante, criou-se nesta Assembleia o consenso necessário para tomar uma medida que reputamos muito importante no combate à toxicodependência e é indispensável, do nosso ponto de vista, que essa medida seja efectivamente tomada.Nesse sentido, tomámos a iniciativa, aprovámo-la e participámos com todos os partidos na discussão, na especialidade, desta matéria e, portanto, ninguém pode considerar que foi limitado nos seus direitos, enquanto Deputado ou grupo parlamentar, na discussão que tivemos nesta Assembleia.Há algumas falsificações sobre esta matéria que importa desfazer devidamente.A questão central da lei que vamos aprovar tem que ver com a necessidade de o mero consumo de drogas deixar de ser considerado um crime, como acontece actualmente.O Sr. Ministro da Justiça informou-nos aqui, aquando do debate que aqui travámos na passada sessão legislativa, que é falsa a ideia de que não há pessoas presas exclusivamente por consumo de droga. O Sr. Ministro disse-nos aqui, se a memória não me trai, que eram 52 as pessoas presas naquele momento exclusivamente por consumo de drogas e isso é, para nós, algo absolutamente inaceitável. Se toda a gente reconhece que a toxicodependência é uma doença e que não é nas prisões que essa doença deve ser tratada, há que tirar consequências disso e não permitir que haja pessoas a penar nas prisões portuguesas exclusivamente por serem toxicodependentes.De resto, esta lei não conduz a qualquer liberalização. É completamente falsa essa ideia. Continua a ser proibido o consumo de drogas - ele só não é criminalizado - e, portanto, os toxicodependentes não são sujeitos, só pelo facto de consumirem, à aplicação de penas de prisão.Não há qualquer legalização nem de drogas leves nem de drogas duras, não se descriminalizam outros crimes, não se descriminaliza a criminalidade associada ou outro tipo de criminalidade que seja praticado, ainda que por toxicodependentes. Não há qualquer descriminalização nessa matéria e, portanto, importa ser muito claro aqui, para desfazer confusões que intencionalmente têm sido criadas na opinião pública. O que está em causa é tratar os toxicodependentes como doentes que são e isso não é na cadeia que se faz.Quero dizer ao Sr. Deputado Telmo Correia que nem ele nem o seu partido têm o monopólio da preocupação com o consumo de drogas. Aliás, os Srs. Deputados afirmam a vossa preocupação mas não propõem nada; nós preocupamo-nos e apresentamos propostas concretas, tanto em matéria de descriminalização do consumo como noutras.O Sr. Deputado referiu a necessidade de debater outras matérias e nós vamos fazê-lo. O PCP apresentou projectos de lei sobre o branqueamento de capitais, sobre o alargamento da rede, sobre mecanismos de prevenção e nós vamos discuti-los. Nós preocupamo-nos, mas, mais do que isso, propomos iniciativas concretas, em coerência com essa preocupação.Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta lei não é «facilitista», ao contrário do que por vezes se afirma. Pelo contrário, é uma lei muito exigente: exige uma regulamentação, que tem de ser feita, sob pena de conduzir à sua absoluta paralisia, e implica, obrigatoriamente, a criação atempada de estruturas para acompanhar os toxicodependentes. Não queremos que se crie uma situação em que os toxicodependentes não sejam acompanhados e sejam, enfim, deixados à sua vida. Queremos que sejam criadas as estruturas necessárias para os poder encaminhar para o tratamento e que esse tratamento seja acessível e efectivamente acompanhado.Pensamos, igualmente, que é indispensável que a rede pública de atendimento e tratamento de toxicodependentes seja alargada por forma a permitir que todos os toxicodependentes tenham acesso ao tratamento que, inquestionavelmente, necessitam.Por outro lado, é ainda fundamental dizer que entendemos que a Assembleia da República, aprovada esta lei, não deve ficar por aqui. Há muitas outras matérias sobre as quais é importante legislar, tais como o combate ao branqueamento de capitais, a prevenção, o alargamento da rede pública de tratamento. Temos iniciativas legislativas sobre essas matérias em relação às quais também é importante legislar.E é importante também que a Assembleia da República acompanhe a aplicação da lei que vamos aprovar. Pensamos que isso é fundamental para que se verifique, daqui por algum tempo, quais são os efeitos desta lei - que esperamos que sejam positivos - de forma a que, atempadamente, sejam introduzidas as alterações que se revelem necessárias.Entendemos que o País não pode fechar os olhos a esta realidade que é a toxicodependência e, portanto, impõe-se que haja o acompanhamento, cada vez mais permanente, desta matéria, após a aprovação desta lei.Congratulamo-nos não só por termos tomado a iniciativa nesta matéria mas também por esta Assembleia da República ir aprovar, finalmente, uma lei de descriminalização do consumo de drogas, que nos parece que é um passo muito importante no combate que é necessário travar contra a toxicodependência.

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