Intervenção, Debate «Alternativas à crise na União Europeia: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania»

Intervenção de Octávio Teixeira - «Da União Económica e Monetária para o Euro», no debate «Alternativas à crise na União Europeia: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania»

1.A criação da União Económica e Monetária, para além dos objectivos políticos visando uma futura federação de Estados europeus, foi, na perspectiva económica e financeira, a imposição a todos os países da União de concepções monetaristas e conservadoras, atribuindo prioridade absoluta à convergência nominal em matéria de inflação, taxas de juro e défices orçamentais e ignorando ou mesmo desprezando as questões, que deveriam ser centrais, do crescimento económico, do emprego, do desenvolvimento sustentado.

A moeda única foi um garrote que se abateu sobre as economias menos desenvolvidas impedindo-as de terem condições para crescerem mais rapidamente que as economias mais desenvolvidas visando a convergência real, de reestruturarem adequadamente as suas estruturas produtivas e de promoverem o progresso social das suas populações, dos trabalhadores.

Os factos demonstram-no. Há cerca de 20 anos que a União Europeia se vem apresentando como um espaço económico de baixas taxas de inflação e défices orçamentais (em relação a estes últimos essa situação só se alterou por efeito da crise financeira mundial ainda em curso). Mas, em contrapartida, nesse período as taxas de crescimento económico foram fracas, registaram-se elevados e crescentes níveis de desemprego e cada vez é menor a protecção social aos cidadãos.

Inversamente à prometida coesão das economias, verificou-se o crescente agravamento do fosso que separa as economias mais desenvolvidas das menos desenvolvidas.

2.Mas os directórios da União Europeia, por razões ideológicas, recusam-se a ver. Enveredam por processos de fuga para a frente que crescentemente põem a causa a viabilidade económica de países, que penalizam cada vez mais os trabalhadores - pela via dos salários, das reformas e da precariedade no trabalho - que aumentam o número de jovens e menos jovens que não encontram emprego, que reduzem permanentemente os níveis de protecção e solidariedade social.

3.Primeiro foi o Tratado de Lisboa que faz prevalecer a concorrência pura e dura sobre tudo o resto; impõe a circulação de capitais sem quaisquer entraves incluindo a dos capitais especulativos; reforça a União Europeia como expoente do livre comércio e da globalização liberal; aumenta o poder insindicável do Banco Central Europeu e reforça a prioridade absoluta da “estabilidade de preços”; institucionaliza os constrangimentos orçamentais do Pacto de Estabilidade retirando aos Estados margem de manobra para conduzir políticas de crescimento e de investimentos públicos e conduz ao contínuo emagrecimento das despesas públicas de natureza social, com consequente degradação dos sistemas de saúde e de educação e da generalidade dos serviços públicos, criando condições subjectivas para a sua privatização.

4.E agora temos o Pacto para o Euro. A pretexto de uma melhor coordenação das políticas económicas na zona euro, este Pacto incide fundamentalmente sobre domínios de competência nacional, reduzindo a pouca soberania nacional que ainda resta aos países da União.
Impõe a contenção salarial como norma aplicável a toda a zona euro. Mas mais do que isso, aponta para a redução dos salários em particular nos países de mais baixo desenvolvimento económico, com mais baixos níveis salariais relativos e com maiores desequilíbrios externos - como é o caso Portugal. É isso que resulta da economicamente estúpida e socialmente inaceitável ideia de pretender assentar a melhoria da competitividade na redução dos custos salariais e não no aumento da produtividade.

Põe em causa o sistema de livre negociação colectiva actualmente em vigor, apontando para que essa negociação se faça ao nível da empresa e não ao nível sectorial, numa perspectiva clara de dividir para enfraquecer a capacidade reivindicativa dos trabalhadores.

Exige a todos os países reformas no mercado de trabalho a fim de promover a chamada “flexisegurança”, a desregulação do mercado do trabalho, o que só pode conduzir a maior precariedade no emprego e a menores salários.
Pretende deslocar a fiscalidade do trabalho para o consumo, o que significa reduzir as contribuições patronais para a segurança social e aumentar o IVA. Ou seja, reduzir os encargos do patronato e transferi-los para as costas dos trabalhadores através do consumo. E submete a sustentabilidade e a adequação das pensões de reforma e das prestações sociais a objectivos definidos anualmente pelo directório comandado pela Alemanha e à permanente avaliação e avalização da Comissão, instituindo como regra o aumento contínuo da idade de reforma em linha com o crescimento da esperança de vida.

5.Em suma, o Pacto para o Euro consagra uma nova e grave ofensiva anti-social contra os trabalhadores e os pensionistas, instituindo a austeridade como regra permanente e com assento constitucional. E, paralelamente, omite e impede aquilo que deveria ser o essencial e prioritário: a criação de condições favoráveis ao crescimento económico e ao aumento da produtividade, o aumento do emprego e o progresso social. E assim sendo, sem crescimento económico, aos países actualmente mais afectados pelos desequilíbrios externos e pela dívida externa é imposta a sua redução através de programas de austeridade draconianos, prolongados no tempo, o que implica graves retrocessos sociais e a ausência de perspectivas dignas para as gerações mais jovens.

Estamos de facto perante um grave projecto anti-social que pretende submeter os direitos sociais aos interesses da grande finança e condena muitos países ao empobrecimento progressivo. É mais uma desastrosa fuga para a frente do directório conservador franco-alemão e da não menos conservadora Comissão Europeia, que não pode ser pacificamente aceite pelos trabalhadores da União e pelas forças políticas e sociais progressistas, em particular pelos partidos comunistas.

6.É urgente e indispensável alterar as regras essenciais que norteiam a construção da União Europeia.

Designadamente, impõe-se reformular os objectivos do BCE. Virando-os para o apoio ao crescimento e ao emprego, para o combate à especulação financeira quer através da sua intervenção directa quer instaurando controlo de capitais de curto prazo e, no momento presente, apoiar a reestruturação das dívidas soberanas em condições económica e temporalmente sustentáveis.

É imperioso alterar as regras cegas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, tendo em conta a especificidade e os níveis de desenvolvimento dos Estados-membros, de forma a permitir que os menos desenvolvidos tenham margem de manobra suficiente para investir e crescer.

É indispensável substituir o princípio do livre comércio sem quaisquer entraves pelo do comércio justo e pela defesa dos bens e serviços públicos.
Enfim, os objectivos centrais a prosseguir por todas as políticas da União devem ser o da convergência real das economias e o da harmonização social no progresso. A economia deve ser colocada ao serviço do Homem e em particular dos trabalhadores.

7.Uma nota final. O Pacto para o Euro tem como uma das suas justificações a tentativa de salvar o Euro. Duvido que assim o consigam. Mas mais do que isso. Independentemente de situações conjunturais, em particular a relacionada com as dívidas soberanas, o que deve ser equacionado é a racionalidade económica do Euro, a possibilidade ou impossibilidade de uma moeda única, ainda por cima cara, poder servir economias profundamente divergentes nos níveis de desenvolvimento e nas necessidades prioritárias. A natureza e gravidade dos problemas com que nós, portugueses, nos encontramos actualmente confrontados não nos deve deixar esquecer essa questão de fundo e estrutural. E julgo que a mesma necessidade é extensível a outros dos países da Zona Euro.

  • PCP
  • União Europeia
  • Intervenções
  • Parlamento Europeu